Previdência social e previdência privada - Legislação aplicável - O contrato de previdência privada - Princípios.

PREVIDÊNCIA SOCIAL E PREVIDÊNCIA PRIVADA

Em nossa Previdência Social na Prática Forense, assinalamos:

"A incerteza dos dias futuros, mesmo em face de todos os progressos da ciência, traz ao homem a preocupação de criar meios que possam vir a ampará-lo e à sua família, quando lhe ocorrerem certos infortúnios. Ninguém é imune à morte, à doença, à prisão e à velhice. E esses eventos impedem o homem de, através do trabalho próprio, prover a sua manutenção e a de seus familiares. É imaginando esses acontecimentos que o homem reserva parte de seus bens para deles defender-se" (7ª edição, 1997, Forense, página 3).

Uma das formas usuais de prevenção é o seguro, contrato pelo qual uma das partes se obriga para com a outra, mediante o pagamento de um prêmio, a indenizá-la do prejuízo resultante de riscos futuros previstos no contrato.

O seguro de vida constitui forma de previdência privada que, contudo, tem hoje uma maior abrangência, alcançando todas as formas de tutela de riscos futuros, sob a administração de entidades particulares. Segundo a Resolução nº 25, de 22 de dezembro de 1994, da Superintendência de Seguros Privados, que disciplina a matéria, os benefícios são definidos em função da sobrevivência, invalidez ou morte e podem consistir em pagamento sob a forma de renda mensal ou pecúlio único.

A previdência privada não se confunde com a previdência social, aquela administrada pelo Estado, hoje disciplinada pelas Leis nºs 8.212 e 8.213, de 1991, com as alterações posteriores.

Segundo o disposto no artigo 1º, caput, da Lei nº 6.435/77:

"Entidades de previdência privada, para os efeitos da presente lei, são as que têm por objeto instituir planos privados de concessão de pecúlios ou rendas, de benefícios complementares ou assemelhados aos da previdência social, mediante contribuição de seus participantes, dos respectivos empregadores ou de ambos".

De acordo com a classificação instituída pela mesma Lei nº 6.435, as entidades de previdência privada podem ser fechadas ou abertas. As primeiras são acessíveis exclusivamente aos empregados de uma só empresa ou de um grupo de empresas, as quais, para os efeitos daquela lei, serão denominadas patrocinadoras. Constituem forma típica de previdência complementar. As demais são abertas, acessíveis a quem queira participar de seus planos.

A exploração da previdência privada depende de prévia autorização governamental, mas a lei ressalvou, em seu artigo 6º, que:

"Não se considerará atividade de previdência privada, sujeita às disposições desta lei, a simples instituição, no âmbito limitado de uma empresa, de uma fundação ou de outra entidade de natureza autônoma, de pecúlio por morte, de pequeno valor, desde que administrado exclusivamente sob a forma de rateio entre os participantes.

Parágrafo único. Para os efeitos deste artigo, considera-se de pequeno valor o pecúlio que, para cobertura da mesma pessoa, não exceda o equivalente ao valor nominal atualizado de 300 (trezentas) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN".

O seguro-saúde também constitui lato sensu modalidade de previdência privada, em franco crescimento, e, quanto a ele, o Decreto-Lei nº 73 ressalvou:

"As entidades organizadas sem objetivo de lucro, por profissionais médicos e paramédicos ou por estabelecimentos hospitalares, visando a institucionalizar suas atividades para a prática da medicina social e para a melhoria das condições técnicas e econômicas dos serviços assistenciais, isoladamente ou em regime de associação, poderão operar sistemas próprios de pré-pagamento de serviços médicos e/ou hospitalares, sujeitas ao que dispuser a regulamentação deste decreto-lei, às resoluções do CNSP e à fiscalização dos órgãos competentes" (artigo 135).

O texto do projeto de reforma da previdência, aprovado pelo Senado em fins de 1997, dispõe, em seu artigo 202, caput:

"O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado e regulado por lei complementar".

LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Vimos que a previdência social, que tem princípios norteadores no texto constitucional, é atualmente disciplinada pelas Leis nºs 8.212 e 8.213, de 1991, com as alterações posteriores. Não há, no Brasil, uma legislação propriamente sobre previdência privada e, sim, a Lei nº 6.435/77, que dispõe sobre as respectivas entidades de previdência. A referida lei contém, na verdade, algumas regras de direito material relativas aos contratos de previdência privada, mas sua grande maioria dispõe apenas sobre requisitos que devem dele constar, sem ditar, de forma concreta, regras de direito material. Ou seja, não estabelece normas de cálculos nem períodos de carência, por exemplo, mas exige que tais condições sejam estabelecidas e consignadas expressamente nos regulamentos dos planos de benefícios, das propostas de inscrição e dos certificados de participantes de entidades abertas (Lei nº 6.435, artigo 21).

De qualquer forma é ela a primeira fonte do contrato de previdência privada. Suplementam-na as resoluções e demais atos administrativos editados pela Superintendência de Seguros Privados ou pelo Ministério da Previdência, conforme se trate de entidade aberta ou fechada, normas essas que devem respeitar, no entanto, o ato jurídico perfeito. Melhor dizendo, embora o Estado tenha a faculdade de intervir nesses contratos, impondo condições a sua participação, não podem as normas administrativas ferir o ato jurídico perfeito, cuja proteção decorre de preceito constitucional.

Como a atividade de previdência privada, no tocante às entidades abertas, na verdade apresenta uma forma atualizada e mais ampla de contrato de seguro, aplicam-se, a nosso ver, nos contratos de previdência privada, as regras do Código Civil e do Decreto-Lei nº 73, que disciplinam a matéria securitária.

É expressa a Lei nº 6.435, em seu artigo 10, caput, ao afirmar:

"As entidades abertas serão reguladas pelas disposições da presente lei e, no que couber, pela legislação aplicável às entidades de seguro privado".

No tocante às entidades fechadas, dada a sua natureza típica de previdência complementar, a integração da norma jurídica se faz de modo diferente:

"As entidades fechadas serão reguladas pela legislação geral e pela legislação de previdência e assistência social, no que lhes for aplicável, e, em especial, pelas disposições da presente lei".

Sendo a empresa prestadora dos serviços de previdência privada uma fornecedora, sujeita-se o contrato com ela firmado às regras do Código de Defesa do Consumidor. Aliás, não são poucas as decisões que aplicam o Código de Defesa do Consumidor nos contratos de seguro e de previdência privada. Confira-se com os acórdãos do Tribunal de Alçada de Minas Gerais a seguir: Apelação Cível nº 183.104-1, Relator Juiz XIMENEZ CARNEIRO, em 21.12.94, 3ª Câmara Cível, "Revista de Julgados do Tribunal de Alçada de Minas Gerais" 56-57/259, e Apelação Cível nº 190.984-0, Relator Juiz CARREIRA MACHADO, em 13.06.95, 2ª Câmara Cível, "Revista de Julgados do Tribunal de Alçada de Minas Gerais" 60/89.

Naturalmente, no que não conflitar com os preceitos estabelecidos de forma cogente pela lei ou por norma administrativa, valerão as disposições contratuais estabelecidas pelas partes em decorrência do princípio da autonomia da vontade.

Regulamentam a Lei nº 6.435/77 o Decreto nº 81.240, de 20.01.78, (entidades fechadas de previdência) e suas alterações e o Decreto nº 81.402, de 23.02.78 (entidades abertas de previdência).

No objetivo de estimular a previdência privada foi recentemente aprovada a Lei nº 9.477, de 24 de julho de 1997, que institui o Fundo de Aposentadoria Programada Individual - FAP e o Plano de Incentivo à Aposentadoria Programada Individual. O sistema é, na verdade, um misto de previdência com aplicação financeira, forma de estimular a poupança individual, a longo prazo, com vantagens fiscais, no âmbito do imposto de renda.

O CONTRATO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA

Seguindo os parâmetros clássicos de classificação dos contratos podemos afirmar que o de previdência privada, das entidades abertas, é:

a) de adesão: o segurado se submete às condições que lhe são trazidas pela seguradora, incorporando-se ao contrato, tacitamente, as normas editadas pela Superintendência de Seguros Privados e pelo Código de Defesa do Consumidor. A Lei nº 6.435 prevê uma série de elementos que devem constar do contrato;

b) aleatório: a prestação a ser cumprida pela seguradora ou entidade de previdência depende da verificação do risco previsto no contrato. Não há, portanto, contraprestação equivalente. Há, contudo, modalidades de planos que constituem verdadeira aplicação financeira a longo prazo e que, pois, oferecem a garantia de retorno do capital investido;

c) bilateral: ambas as partes têm direitos e obrigações, ou seja, o segurado paga o prêmio e a seguradora responde à indenização. O artigo 13 do Decreto-Lei nº 73 estabelece que "as apólices não poderão conter cláusula que permita rescisão unilateral dos contratos de seguro ou por qualquer modo subtraia sua eficácia e validade além das situações previstas em lei";

d) oneroso: é condição essencial do contrato de previdência privada o pagamento do prêmio. De acordo com o disposto no parágrafo único do artigo 12 do Decreto-Lei nº 73, qualquer indenização decorrente do contrato de seguros dependerá de prova de pagamento do prêmio devido, antes da ocorrência do sinistro. Esse requisito, embora expresso na lei, há de ser interpretado em consonância com os princípios que regem a previdência privada. Suponhamos que se trate de seguro de vida e o prêmio mensal não tenha sido pago exatamente em função da internação do segurado em estabelecimento hospitalar e que este segurado, pouco depois, venha a falecer. Seria sumamente injusto negar a indenização a seus beneficiários;

e) formal: prova-se por escrito, conforme dispõem os artigos 9º e 10 do Decreto-Lei nº 73, que confirma princípio inserido no Código Civil (artigo 1.433). Contém obrigatoriamente os requisitos previstos no artigo 21 da Lei nº 6.435.

Além disso, o contrato de previdência privada é de execução diferida, típico e consensual.

PRINCÍPIOS

A legislação sobre seguros consagra, nessa especificidade, uma série de princípios, perfeitamente invocáveis na previdência privada, dentre os quais destacamos, pelo seu interesse prático:

a) Princípio da boa-fé - Dispõe o Código Civil brasileiro, em seus artigos 1.443 e 1444:

"Artigo 1.443. O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

Artigo 1.444. Se o segurado não fizer declarações verdadeiras e completas, omitindo circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito ao valor do seguro e pagará o prêmio vencido".

Idêntico sentido trilha o Decreto-Lei nº 73, em seu artigo 11.

Esse princípio tem merecido o mais amplo debate em matéria de seguro de vida, nos casos em que o segurado, desconhecendo o seu estado de saúde, ingressa em plano de seguro e, depois, vem a falecer em razão de doença preexistente. Não agiu de má-fé, mas a doença preexistia ao ingresso na previdência. Somente em face da declaração do segurado aceitou a seguradora o contrato. A respeito, os Tribunais têm decidido assim: "No seguro de vida em grupo, a seguradora deverá provar de maneira inconcussa a má-fé do segurado, ao silenciar a gravidade do seu estado de saúde, quando preencher o questionário da proposta de seguro" (Encontro dos Tribunais de Alçada sobre Contratos de Seguro, in "Anais Jurídicos", "Contratos de Seguro", Juruá, 1990, página 38, apud "As obrigações de boa-fé nos contratos de seguro vida e seguro-saúde", VOLTAIRE MARENSI, "Revista dos Tribunais" 710/46). "Seguro de vida em grupo. Morte do segurado decorrente de moléstia grave (AIDS). Omissão ao subscrever a proposta sobre dado essencial a respeito de sua saúde. Indenização não devida.

Ementa da redação: Descabe indenização relativa a valor do seguro de vida em grupo, pleiteada pelos beneficiários do segurado que faleceu em decorrência de moléstia grave (AIDS), uma vez que este, ao subscrever a proposta, omitiu dado essencial a respeito de sua saúde, especialmente sobre a existência de moléstia que o tivesse levado a hospital. Eventual desconhecimento quanto ao seu real estado de saúde não o isentava de fazer declarações conforme a verdade, ou ao menos naquilo que sabia e tinha pleno conhecimento" (Apelação nº 575.007-0, julgada em 06.12.95, Relator Juiz TORRES JÚNIOR, 5ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, "Revista dos Tribunais" 731/290).

A matéria é complexa. Não é justo que os beneficiários do segurado de boa-fé sejam penalizados, mas, igualmente, também a seguradora agiu de boa-fé. De qualquer modo, ainda que se entenda que a indenização não é devida, não se pode penalizar o segurado com a perda do prêmio. A solução seria, a meu ver, negar o seguro, mas devolver o prêmio pago aos herdeiros legais ou ao beneficiário indicado.

b) Princípio do não-agravamento do risco - Embora o contrato de seguro se destine exatamente a dar segurança a quem o faz, de modo a prevenir-se dos riscos futuros previstos no contrato, a lei, expressamente, estatui como obrigação do segurado a abstenção de todas as condutas que possam agravar o risco. A regra se acha inscrita no artigo 1.454 do Código Civil, segundo o qual:

"Enquanto vigorar o contrato, o segurado abster-se-á de tudo quanto possa aumentar os riscos, ou seja contrário aos termos do estipulado, sob pena de perder o direito ao seguro".

 

Como citar o texto:

FELIPE, Jorge Franklin Alves..Disciplina legal da previdência privada. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-previdenciario/158/disciplina-legal-previdencia-privada. Acesso em 28 dez. 1998.

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