O Conselho Tutelar é órgão previsto no art. 131 da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente, que o instituiu como “órgão autônomo, não-jurisdicional, encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.” Em cada município brasileiro deve ter pelo menos um Conselho Tutelar, instituído por Lei Municipal, composto de cinco membros e escolhido pela comunidade local com mandato de três anos, sendo permitida uma recondução. KONZEN explica “[...] o Conselho Tutelar é órgão da administração pública municipal instituído pelo legislador federal, sendo competente o município para regulamentar o órgão com vistas a sua instalação e funcionamento.” (2005, p. 08)

A Constituição da República Federativa do Brasil adotou o princípio da descentralização e a partir daí a política dos direitos da criança e do adolescente está sob a competência dos municípios, incluindo seu controle pelos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, órgão deliberativo e controlador das ações em todos os níveis.

A Lei nº. 8.069 de 13 de julho de 1990 estabelece expressamente, no art. 133, as condições para a candidatura à função de Conselheiro Tutelar, exigindo: a) reconhecida idoneidade moral, b) idade superior a vinte e um anos e c) residência no município. Estas condições também são exigidas durante todo o exercício da função de Conselheiro Tutelar, ou seja, perdura durante todo o mandato para o qual foi investido. O Conselheiro Tutelar uma vez investido na função detém o direito de presunção de idoneidade moral, pois sua função constitui serviço público relevante, de acordo com o art. 135 do Estatuto da Criança e do Adolescente, garantindo-se, inclusive, o direito de prisão especial em caso de crime comum até o julgamento definitivo.

Contudo, a idoneidade moral do Conselheiro Tutelar é uma presunção jurídica, previa ao ato de formalização da candidatura, que poderá ser desconstituída, durante o exercício da função, mediante a verificação por Comissão de Sindicância ou Inquérito Administrativo instituído pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente poderá instituir Comissão de Sindicância para apuração de responsabilidade sempre que receber denúncia fundada apontando indícios de autoria e materialidade sobre fato que caracterize descumprimento das atribuições funcionais do Conselheiro Tutelar, respeitando os limites estabelecidos pela legislação municipal ou, diante da omissão, pode também regular, por Resolução do próprio Conselho Municipal de Direitos, os procedimentos para a apuração de responsabilidade.

Em sentido diverso anota SÊDA,

Como ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (artigo 5º, II da Constituição), se a lei municipal não prevê condições de perda, o conselheiro exercerá o mandato até o fim, mesmo se for negligente, não assíduo e incapaz de cumprir com suas funções.

Por esse motivo, a legislação municipal deve discriminar cuidadosamente as condições em que o Conselheiro será legalmente afastado de suas funções. Sendo o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente o órgão mais alto na hierarquia dos serviços públicos prestados à população infanto-juvenil (que, de início, conduz o processo de escolha dos conselheiros), a ele deve ser cometida a função e o processamento para declarar, após procedimento adequado, perda ou suspensão do mandato, dando-se posse ao novo conselheiro efetivo. (1992)

De todo modo, é importante lembrar que o exercício da função de Conselheiro Tutelar pressupõe a ação sempre que caracterizadas uma das hipóteses previstas no art. 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, nos casos em que houver ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente decorrentes da ação ou omissão da sociedade e do Estado, dos pais ou responsáveis ou até mesmo em razão da sua própria conduta. Além disso, o Conselho também deve agir nos casos de ato infracional cometidos por crianças. Diante destes casos, cabe ao Conselho Tutelar providenciar as medidas previstas no art. 136, nos seguintes termos: atender as crianças e adolescentes aplicando medidas de proteção, previstas no art. 101, I a VII; atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII; III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto: a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança; b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações; IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente; V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência; providenciar a medida de proteção estabelecida pela autoridade judiciária para o adolescente autor de ato infracional; expedir notificações; requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário; assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente; representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no Art. 220º, § 39º, inciso II da Constituição Federal; representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar.

Do mesmo modo, sempre que constatados fatos ou indícios que a atuação do Conselheiro Tutelar esteja em desacordo com os preceitos básicos da função e da moralidade pública caberá ao Conselho Municipal exercer o seu papel de controle, pois o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente é o órgão deliberativo e controlador das ações em todos os níveis afetas aos direitos da criança e do adolescente. Sua constituição está amparada pelo art. 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente e disciplinada pelas legislações estadual e municipal. Como órgão controlador detém a responsabilidade pela política pública de promoção, proteção, defesa e garantia dos direitos da criança e do adolescente, inclusive, no que se refere ao funcionamento do sistema de garantias de direitos da criança e do adolescente, o que inclui o Conselho Tutelar. Sob este aspecto o Conselho Nacional dos Direitos da Criança adverte:

O Conselheiro Tutelar, a qualquer tempo, pode ter seu mandato suspenso ou cassado, no caso de comprovado descumprimento de suas atribuições, prática de atos considerados ilícitos, ou comprovada conduta incompatível com a confiança e outorga pela comunidade.

Para efeito de interpretação, o CONANDA considera como caso de cometimento de falta funcional grave, entre outras que possam ser aditadas pela municipalidade:

I- usar da função em benefício próprio;

II- romper sigilo em relação aos casos analisados pelo Conselho Tutelar que integre;

III - manter conduta incompatível com o cargo que ocupa ou exceder-se no exercício da função de modo a exorbitar sua atribuição, abusando da autoridade que lhe foi conferida;

IV - recusar-se a prestar atendimento ou omitir-se a isso quanto ao exercício de suas atribuições quando em expediente de funcionamento do Conselho Tutelar;

V - aplicar medida de proteção contrariando a decisão colegiada do Conselho Tutelar;

VI - deixar de comparecer no plantão e no horário estabelecido;

VII - exercer outra atividade, incompatível com o exercício do cargo, nos termos desta Lei.

VIII - receber, em razão do cargo, honorários, gratificações, custas, emolumentos, diligências; (CONANDA, 2001, p. 15)

Portanto, verificando casos como estes, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente deverá em sua assembléia deliberar pela constituição de Comissão para a apuração da denúncia, com poderes para levantar provas, ouvir testemunhas e as partes denunciante e denunciada. O Conselho deve estabelecer prazo para que a Comissão apresente um parecer sobre o caso, situação que deve ser levada à Assembléia do Conselho para deliberação pelo arquivamento do caso nos casos de insubsistência da denúncia ou de indícios insuficientes de autoria e materialidade. Por outro lado, quando constatados a efetiva responsabilidade do Conselheiro no descumprimento de atribuição funcional ou atuação em desacordo com os preceitos básicos da função e da moralidade pública; a Comissão deve relatar o caso à plenária do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente sugerindo a aplicação de medida disciplinar responsabilizadora. Nesse sentido, esclarece MARQUES,

A formalização do procedimento de apuração da falta de decoro do Conselheiro é meio pelo qual se garante a instrumentalização das antecitadas garantias constitucionais, posto que, é com a identificação objetiva da ação tida como inidônea moralmente, que se possibilita ao membro do Conselho Tutelar em suspeição de ação ou omissão eticamente indevida a possibilidade de preparar sua defesa, contrapondo as provas e argumentos contra si indicados, o que é a própria natureza do contraditório, isto é, do dizer em contrário, numa perspectiva dialética do processo. (2001)

Então, durante todo o procedimento de apuração de irregularidades devem-se garantir os princípios processuais fundamentais, nos termos do art. 152 do Estatuto, com destaque aos direitos à ampla defesa, a defesa técnica por advogado, o direito de ser ouvido pessoalmente pela Comissão, o pleno e formal conhecimento da denúncia e a mais absoluta garantia de produção de prova com a apresentação inclusive de testemunhas se considerar necessário. Ao final, da decisão da plenária do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente cabe recurso da decisão ao Prefeito Municipal.

O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente poderá deliberar pela aplicação da medida mais adequada a cada caso, respeitando-se as previsões disciplinares quando previstas na legislação municipal. As medidas são variáveis, devem ter caráter pedagógico ou restitutivo, envolvendo desde a mera advertência formal, suspensão remunerada, suspensão não-remunerada e até a determinação de perda da função em casos considerados mais graves.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998. Modifica o sistema de Previdência Social, estabelece normas de transição e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Poder Legislativo, Brasília, p. 1, c. 1, 16 dez. 1998.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF, 16 jul. 1990.

CONANDA. Parâmetros de Funcionamento dos Conselhos Tutelares. Brasília: CONANDA, 2001.

KONZEN, Afonso Armando. Conselho Tutelar, Escola e Família, parcerias em defesa do Direito à Educação, São Leopoldo, Escola Superior de Teologia. Disponível em: www.est.com.br/posgraduacao/MPE/ct_familia_escola.doc Acesso em: 16 set. 2006.

MARQUES, Márcio Thadeu Silva. Uma visão jurídica da ética do Conselheiro Tutelar, 2001, Disponível em: http://www.pgj.ma.gov.br/revista.html. Acesso em: 17 set. 2006.

SÊDA, Edson. ABC do Conselho Tutelar, s.l., jul. 1992. Disponível em: www.mp.am.gov.br/caop-ij/ABC%20DO%20CONSELHO%20TUTELAR.doc. Acesso em: 16 set. 2006.

(Texto elaborado em outubro de 2006)

 

Como citar o texto:

CUSTÓDIO, André Viana..A responsabilização do Conselheiro Tutelar. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 203. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-da-infancia-e-juventude/1609/a-responsabilizacao-conselheiro-tutelar. Acesso em 5 nov. 2006.

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