Este princípio pode ser verificado no art. 41, caput, da Lei nº 8.666/93: “A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital ao qual se acha estritamente vinculada”. O edital, neste caso, torna-se lei entre as partes, assemelhando-se a um contrato de adesão cujas cláusulas são elaboradas unilateralmente pelo Estado. Este mesmo princípio dá origem a outro que lhe é afeto, qual seja, o da inalterabilidade do instrumento convocatório.

Em sendo lei, o Edital com os seus termos atrelam tanto à Administração, que estará estritamente subordinada a seus próprios atos, quanto às concorrentes – sabedoras do inteiro teor do certame.

De fato, em regra, depois de publicado o Edital, não deve mais a Administração promover-lhe alterações até findo o certame, proibindo-se a existência de cláusulas ad hoc, salvo se inverso exigir o interesse público, manifestamente comprovado. Trata-se de garantia à moralidade e impessoalidade administrativa, bem como ao primado da segurança jurídica.

A Administração e as licitantes ficam restritas ao que lhes é solicitado ou permitido no Edital, quanto ao procedimento, à documentação, às propostas, ao julgamento e ao contrato. Todos os atos decorrentes do procedimento licitatório, por óbvio, vincular-se-ão ao contrato.

Na percepção de Diógenes Gasparini, "submete tanto a Administração Pública licitante como os interessados na licitação, os proponentes, à rigorosa observância dos termos e condições do edital".

No instrumento convocatório deverá constar, pelo menos: dia, hora e local da abertura, quem receberá suas propostas e as condições em que devem ser apresentadas, critério de julgamento, descrição objetiva do escopo da licitação, indicação de meio para esclarecimento de eventuais dúvidas, fornecimento de plantas, instruções, especificações, prazo de cumprimento, garantia e outros elementos necessários ao inteiro conhecimento do objeto da licitação.

As licitantes que, durante um procedimento licitatório deixarem de atender aos requisitos estabelecidos no edital, não apresentando qualquer documentação exigida, estarão sujeitas a não serem consideradas admitidas ou poderão ser inabilitadas, recebendo de volta o envelope-proposta (art. 43, II, da Lei 8.666/93), lacrado; se, após admitidas ou habilitadas, deixarem de atender às exigências relativas à proposta, serão desclassificadas (art. 48, Inciso I, da Lei 8666/93).

Destarte, minimizada estará a existência de surpresas, vez que as partes tomaram ciência de todos os requisitos, ou previamente estimaram o conteúdo das propostas, formulando-as de acordo com os princípios de isonomia e competitividade.

Não obstante, a única surpresa dentro do procedimento da licitação, dizem os estudiosos, é a proposta até à sua abertura.

Desse modo, perceptível que os licitantes engajados no procedimento devem ter um tratamento adequado, onde não hajam imprevisões de qualquer espécie.

É evidente que, em situações atípicas, o edital pode ser modificado depois de publicado, observado certo procedimento adequado para tanto. Percebido que há um vício, que há um defeito, que há uma irregularidade, abre-se um processo para retificação e ratificação do edital. (Onde está isso???)

É evidente que, em situações atípicas e em se tratando de cláusulas que não afetem o seu objeto, o edital pode ser modificado depois de publicado, observados certos procedimentos adequados para tanto, permitida a hipótese de retificação do edital. Percebido que há um vício “ex-officio”, um defeito ou irregularidade que possa prejudicar o resultado da licitação, há que se proceder ao seu cancelamento, com início de novo processo licitatório.

No caso de se constatar falhas ou inadequações do Edital que permitam processar correções previamente à data de abertura das propostas, far-se-á alterações com conseqüentes comunicações a todas as licitantes.

A impugnação do edital pode ser provocada pelos interessados, e deve acontecer antes da abertura dos envelopes de documentação (Art. 41, § 2º). Sempre que as correções afetarem a elaboração das propostas, deverá haver novamente a divulgação do edital pela mesma forma adotada da primeira vez, e a reabertura do prazo de publicidade (Art. 21, § 4º), ressalvados os casos de urgência, quando se poderá admitir prazos inferiores aos do primeiro processo.

Apesar da Administração estar estritamente vinculada ao instrumento convocatório, pode a mesma alterar o seu teor quando existir motivo superveniente, de interesse público. Nesse sentido, ao trabalhar a relativização deste princípio, elucida Diógenes Gasparini:

 

“(...) estabelecidas as regras de certa licitação, tornam-se elas inalteráveis durante todo o seu procedimento. Nada justifica qualquer alteração de momento ou pontual para atender esta ou aquela situação. Se, em razão do interesse público, alguma alteração for necessária, essa poderá ser promovida através de rerratificação do ato convocatório, reabrindo-se, por inteiro, o prazo de entrega dos envelopes 1 e 2 contendo, respectivamente, os documentos de habilitação e proposta. Assim retifica-se o que se quer corrigir e ratifica-se o que se quer manter. Se apenas essa modificação for insuficiente para corrigir os vícios de legalidade, mérito ou mesmo de redação, deve-se invalidá-lo e abrir novo procedimento.”

Ocorrendo a falta de vinculação aos termos do Edital, justificável será a motivação do Judiciário através de ação movida pelos interessados, por qualquer cidadão, ou até mesmo pelo Ministério Público, para apreciação de potencial desvio de conduta, para que seja anulado e restabeleça-se a ordem no processo licitatório.

Senão, vejamos o aresto adiante:

 

“EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. EDITAL COMO INSTRUMENTO VINCULATÓRIO DAS PARTES. ALTERAÇÃO COM DESCUMPRIMENTO DA LEI. SEGURANÇA CONCEDIDA.

É entendimento correntio na doutrina, como na jurisprudência, que o Edital, no procedimento licitatório, constitui lei entre as partes e é instrumento de validade dos atos praticados no curso da licitação.

Ao descumprir normas editalícias, a Administração frustra a própria razão de ser da licitação e viola os princípios que direcionam a atividade administrativa, tais como: o da legalidade, da moralidade e da isonomia.

A administração, segundo os ditames da lei, pode, no curso do procedimento, alterar as condições inseridas no instrumento convocatório, desde que, se houver reflexos nas propostas já formuladas, renove a publicação (do Edital) com igual prazo daquele inicialmente estabelecido, desservindo, para tal fim, meros avisos internos informadores da modificação.

Se o Edital dispensou às empresas recém-criadas da apresentação do balanço de abertura, defeso era à Administração valer-se de meras irregularidades desse documento para inabilitar a proponente (impetrante que, antes, preenchia os requisitos da lei).

Em face da lei brasileira, a elaboração e assinatura do balanço é atribuição de contador habilitado, dispensada a assinatura do Diretor da empresa respectiva.

Segurança concedida. Decisão unânime.”

(STJ, MS nº 5.597/DF, 1ª S., Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 01.06.1998)

 

Malgrado a obrigatoriedade da vinculação e a obediência à formalidade que será estabelecida nos certames, os Tribunais vêm entendendo pela relativização do formalismo procedimental, mormente sobre a sua aplicação em excesso.

Focando na premissa de que toda licitação deve ser em busca da contratação mais vantajosa para a Administração, ou seja, não somente o melhor preço, como a melhor observação quanto à qualidade e todos os demais critérios da Convocação, seria inviável, para a perfeita contratação administrativa, a adoção de formalidades inúteis. Tanto quanto a total liberação para que, com critérios subjetivos, o administrador contrate da forma que melhor o aprouvesse, assim, pois, a falta de formalismo.

 

As leis e princípios que cingem os processos licitatórios, bem como a contratação, neste caso especialmente o da Vinculação ao Instrumento Convocatório, ressalvam a liberdade para a Administração definir suas condições, entretanto, concomitantemente, estrutura-lhes de modo a restringir a discricionariedade a determinadas etapas.

A exigência da vinculação do administrador não é absoluta, sob pena de quebra da competitividade. Com essa inteligência, vêm os Tribunais abrandando o princípio do formalismo procedimental, quando se tratar de mera irregularidade:

 

“EMENTA: DIREITO PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. VINCULAÇÃO AO EDITAL. INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS DO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO PELO JUDICIÁRIO, FIXANDO-SE O SENTIDO E O ALCANCE DE CADA UMA DELAS E ESCOIMANDO EXIGÊNCIAS DESNECESSÁRIAS E DE EXCESSIVO RIGOR PREJUDICIAIS AO INTERESSE PÚBLICO. POSSIBILIDADE. CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA PARA ESSE FIM. DEFERIMENTO.

O Edital, no sistema jurídico-constitucional vigente, constituindo lei entre as partes, é norma fundamental da concorrência, cujo objetivo é determinar o objeto da licitação, discriminar os direitos e obrigações dos intervenientes e o Poder Público e disciplinar o procedimento adequado ao estudo e julgamento das propostas.

Consoante ensinam os juristas, o princípio da vinculação ao Edital não é absoluto, de tal forma que impeça o Judiciário de interpretar-lhe, buscando-lhe o sentido e a compreensão e escoimando-o de cláusulas desnecessárias ou que extrapolem os ditames da lei de regência e cujo excessivo rigor possa afastar, da concorrência, possíveis proponentes, ou que o transmude de um instrumento de defesa do interesse público em conjunto de regras prejudiciais ao que, com ele, objetiva a Administração.

O procedimento licitatório é um conjunto de atos sucessivos, realizados na forma e nos prazos preconizados na lei; ultimada (ou ultrapassada) uma fase, preclusa fica a anterior, sendo defeso, à Administração, exigir, na (fase) subseqüente, documentos ou providências pertinentes àquela já superada. Se assim não fosse, avanços e recuos mediante a exigência de atos impertinentes a serem praticados pelos licitantes em momento inadequado, postergariam indefinidamente o procedimento e acarretariam manifesta insegurança aos que dele participam.

O seguro garantia a que alei se refere (art. 31, III) tem o viso de demonstrar a existência de um mínimo de capacidade econômico-financeira do licitante para efeito de participação no certame e sua comprovação condiz com a fase de habilitação. Uma vez considerada habilitada a proponente, com o preenchimento desse requisito (qualificação econômico-financeira), descabe à Administração, em fase posterior, reexaminar a presença de pressupostos dizentes a etapa em relação à qual se operou a preclusão.

O Edital, in casu, só determina, aos proponentes, decorrido certo lapso de tempo, a porfiar, em tempo côngruo, pela prorrogação das propostas (subitem 6.7); acaso pretendesse a revalidação de toda a documentação conectada à proposta inicial, te-lo-ia expressado com clareza, mesmo porque, não só o seguro-garantia, como inúmeros outros documentos têm prazo de validade.

No procedimento, é juridicamente possível a juntada de documento meramente explicativo e complementar de outro preexistente ou para efeito de produzir contra-prova e demonstração do equívoco do que foi decidido pela Administração, sem a quebra de princípios legais ou constitucionais.

O valor da proposta grafado somente em algarismos - sem a indicação por extenso - constitui mera irregularidade de que não resultou prejuízo, insuficiente, por si só, para desclassificar o licitante. A ratio legis que obriga, aos participantes, a oferecerem propostas claras é tão só a de propiciar o entendimento à Administração e aos administrados. Se o valor da proposta, na hipótese, foi perfeitamente compreendido, em sua inteireza, pela Comissão Especial (e que se presume de alto nível intelectual e técnico), a ponto de, ao primeiro exame, classificar o Consórcio impetrante, a ausência de consignação da quantia por extenso constitui mera imperfeição, balda que não influenciou na decisão do órgão julgador (Comissão Especial) que teve a idéia e percepção precisa e indiscutível do quantum oferecido.

O formalismo no procedimento licitatório não significa que se possa desclassificar propostas eivadas de simples omissões ou defeitos irrelevantes.

Segurança concedida. Voto vencido.”

(STJ, MS nº 5.418/DF, 1ª S., Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 01.06.1998)

 

Finalmente, também o STF já exarou sobre esta questão, senão, vejamos:

 

“EMENTA: LICITAÇÃO: IRREGULARIDADE FORMAL NA PROPOSTA VENCEDORA QUE, POR SUA IRRELEVÂNCIA, NÃO GERA NULIDADE.”

(STF, ROMS nº 23.714-1/DF, 1ª T., Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 13.10.2000)

Distante de qualquer juízo discricionário, pertencente à fase anterior a qual é possível a liberdade de escolha do objeto, especificação, condições de pagamento, entre outros pertinentes ao momento preparatório e inicial da licitação, procede-se agora o exame objetivo, vinculando-se a Comissão Julgadora a que foi traçado no edital, passa-se à adjudicação e à celebração do contrato entre a Administração e o administrado (concorrente bem-sucedido).

O cerne do assunto reside no efetivo prejuízo aos licitantes e/ou à Administração. Na ausência de dano, não há o que se falar em anulação de julgamento, tampouco de procedimento, inabilitação de licitantes, desclassificação de propostas diante de simples omissões ou irregularidades. Assim se posiciona o mestre Hely Lopes Meirelles sobre a regra dominante em processos judiciais: “Não se decreta nulidade onde não houve dano para qualquer das partes”.

O contrato estará sempre vinculado às normas previstas no edital e na proposta vencedora como um modelo norteador das condutas das partes, restando margem mínima de liberdade para o administrador, geralmente de extensão irrelevante.

Como vimos, o contrato - ou documento equivalente que o substitui - não poderá estabelecer condições distintas daquelas fixadas no Edital. A Administração que admitir documentação ou proposta em desacordo com o que foi solicitado, no ato convocatório, viola este princípio e a licitação deverá ser anulada.

Assim, o agente da Administração, ao dar efeito aos critérios estabelecidos na fase da licitação, deve propiciar, com praticidade, a resolução de problemas de cunho condizente com sua competência, sem “engessar” o procedimento, de modo a que o licitante não fique vulnerável à exclusão por qualquer tipo de desconexão com a regra estabelecida, ainda que de caráter formal, salvo quando de todo justificável.

Consoante bosquejado, o formalismo e a vinculação ao instrumento convocatório não podem dirigir-se a interpretações absurdas, que venham a estreitar a gama de proponentes e prejudiquem a seleção da melhor proposta, em virtude da intelecção estrita do sentido das palavras, apego a minúcias inúteis, sistemática mecânica e ignorância ao fim a ser atingido. Na prática, uma vez insertos no contexto, provocarão a morosidade do serviço público, ou, ainda, potencial e indiretamente, o privilégio a alguns participantes.

Vale também ressaltar a prevalência do bom senso do condutor da licitação e da Comissão especialmente designada para tal fim, que deverão também se basear no princípio da competitividade, relevando formalismos que se sobreponham à finalidade do certame, sem contudo, deixarem de considerar a legalidade e a impessoalidade dos atos praticados.

 

Como citar o texto:

NICHELE, Rafael Luiz..Princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 212. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/1671/principio-vinculacao-ao-instrumento-convocatorio. Acesso em 14 jan. 2007.

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