Resumo

O presente trabalho, com base nos principais doutrinadores do assunto, promove uma abordagem objetiva e eficaz. A partir do desdobramento da dignidade da pessoa humana deflagra-se o princípio do não-retrocesso social objetivando garantir e consolidar os progressos alcançados pela sociedade democrática brasileira.

TEXTO

Na medida em que a dignidade da pessoa humana é elevada como fundamento constitucional, surge o chamado “princípio de não-retrocesso

social” também denominado por alguns doutrinadores de aplicação progressiva dos direito sociais, visando à garantia e progresso de conquistas alcançadas pela sociedade.

Este princípio foi expressamente acolhido pelo ordenamento jurídico brasileiro através do Pacto de São José da Costa Rica e caracteriza-se pela impossibilidade de redução dos direitos sociais amparados na Constituição, garantindo ao cidadão o acúmulo de patrimônio jurídico.

A vedação de retrocesso social na ordem democrática, especialmente em matéria de direitos fundamentais sociais, pretende evitar que o legislador infraconstitucional venha a negar (no todo ou em parte essencial) a essência da norma constitucional, que buscou tutelar e concretizar um direito social resguardado em seu texto. A inclusão de tal proibição na ordem jurídica deu-se para impedir a violação do núcleo essencial do Texto Magno, e, por conseqüência, a supressão de normas de justiça social.

Com isso, firma-se a vedação do legislador em reduzir qualquer direito social assegurado constitucionalmente, sob pena de violação do princípio de proteção da confiança e segurança dos cidadãos no âmbito social, e de inconstitucionalidade. A partir da necessidade de tutela dos direitos sociais, principalmente no que se refere à dignidade da pessoa humana, a assistência social trouxe um auxílio aos portadores de deficiência que não conseguissem prover seu sustento, ou tê-lo provido por sua família. Assim, a ação efetiva de vedação de retrocesso social, em se tratando de garantir uma vida digna às pessoas portadoras de deficiência, passou a ser concretizada a partir da previsão constitucional de concessão do benefício assistencial de prestação continuada.2

Como bem elucidou Canotilho, a proibição de retrocesso social faz com que os direitos sociais estejam garantidos como núcleo efetivo do ordenamento jurídico. Destarte, ao legislador fica proibido instituir políticas discriminatórias.3

Adeptos a esta teoria encontram-se os doutrinadores Ingo Wolfgang Sarlet, Flávia Piovesan e Luís Roberto Barroso, dentre outros. Verifica-se, com Barroso, que, em que pese o princípio do não-retrocesso social não estar explícito, assim como o princípio da dignidade da pessoa humana (para alguns, questão controvertida), detém plena aplicabilidade, uma vez que é conseqüência do sistema jurídico-constitucional. Ora, se uma lei, ao implementar um mandamento constitucional, ele se incorpora ao patrimônio legal da cidadania e não pode ser inteiramente suprimido.4

Leciona Sarlet:

A garantia de intangibilidade desse núcleo ou conteúdo  essencial de matérias (nominadas de cláusulas pétreas), além de assegurar a identidade do Estado brasileiro e a prevalência dos princípios que fundamentam o regime democrático, especialmente o referido princípio da dignidade da pessoa humana, resguarda também a Carta Constitucional dos ‘casuísmos da política e do absolutismo das maiorias parlamentares’.5

E acrescenta:

Negar reconhecimento do princípio da proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do Constituinte.6

Consoante expresso alhures, apesar de que em uma democracia, o legislador disponha de determinada margem de liberdade, não se pode ignorar o bojo da Constituição e legislar no sentido de dissolver a vontade do legislador originário.

Streck adverte que:

Embora (o princípio da proibição de retrocesso social) ainda não esteja suficientemente difundido entre nós, tem encontrado crescente acolhida no âmbito da doutrina mais afinada com a concepção do Estado democrático de Direito consagrado pela nossa ordem constitucional.7

Canotilho, por sua vez, define o princípio da proibição de retrocesso social como:

O núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais  quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação‘ pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado.8

Sarlet, com enfoque na dignidade da pessoa humana, ainda pondera:

[...] não restam dúvidas de que toda a atividade estatal e todos os órgãos públicos se encontram vinculados pelo princípio da dignidade da pessoa humana, impondo-lhes, neste sentido, um dever de respeito e proteção, que se exprime tanto na obrigação por parte do Estado de abster-se de ingerências na esfera individual que sejam contrárias à dignidade pessoal, quanto no dever de protegê-la conta agressões por parte de terceiros, seja qual for sua procedência. Assim, percebe-se, desde logo, que o princípio da dignidade da pessoa humana não apenas impõe um dever de abstenção (respeito), mas também condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a dignidade do indivíduo.9

A proibição do retrocesso social consiste em importante conquista da civilização, uma vez que favorece e fortalece as estruturas da assistência social do Estado e perfectibiliza a sustentação dos direitos fundamentais.

Torna-se primordial reconhecer que todo cidadão é igualmente merecedor de respeito em sua expressão máxima. Alcançar os primados da dignidade da pessoa humana, enquanto Estado Democrático de Direito, é um exercício efetivo de cidadania e democracia.

Bibliografia:

BALDI, César A. Direitos humanos na sociedade cosmopolita. RJ: Renovar, 2004.

BARROSO, Luis Roberto. A nova interpretação Constitucional: ponderação, Direitos Fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: renovar, 2003. 

______. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: [s.n.], 1998.

______. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

______. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed. Coimbra: Almedina.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999.

DWORKIN, Ronald. El Domínio de la vida – una discusión acerca del aborto, la eutanásia y la libertad individual. Barcelona: Ariel, 1998, p. 306 et seq.

______. Los Derechos en Serio. Tradução por Martha Guastavino. Barcelona. Ariel. 1997.

FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1996.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa, 2003., s.d., p. 68.

LOUREIRO, João Carlos G., O direito à identidade genética do ser humano. Coimba: Coimbra Editora, 2000.

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º ao 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

NETO, Cláudio Pereira de Souza. A nova interpretação Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

NETTO, Sergio de Oliveira. O princípio da reserva do possível e a eficácia das decisões judiciais. Disponível em <www.mundojurídico.adv.br> Acesso em 09/01/2008.

NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002.

PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1977.

PEDRON, Daniele M., A (in)constitucionalidade o critério da miserabilidade na concessão do benefício assistencial a portadores de Deficiência.  Revista CEJ, Brasília, n. 33, p. 54-61, abr./jun. 2006.

PIMENTA, Paulo Lyrio. Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais programáticas. São Paulo. Ed. Max Limonad, 1999.

______. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2000.

______. Direitos Humanos, o Princípio da dignidade da pessoa humana e a Constituição de 1988, 2004..

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Revista de Interesse Público, Porto Alegre, n. 4, 1999.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 5ª ed. Livraria do Advogado, 2003.

______. Direitos fundamentais sociais e proibição de retrocesso: algumas notas sobre o desafio da sobrevivência dos direitos sociais num contexto de crise. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, n. 2, 2004.

______. Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1.998. Disponível em <www.direitopublico.com.br> Acesso em 09/01/2008.

SILVA, José Afonso da - Anais da XV Conferência Nacional da OAB.

STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

______. Jurisdição Constitucional e hermenêutica. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004.

TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

TRAVASSOS, Marcelo Zenni. A reserva do Possível como uma variável federativa: religando a competência tributária às competências financeira e material em uma releitura do controle judicial de políticas públicas. Disponível em <www.congressoprocuradores.com.br> Acesso em 09/01/2008.

2 PEDRON, Daniele M., A (in)constitucionalidade o critério da miserabilidade na concessão do benefício assistencial a portadores de Deficiência.  Revista CEJ, Brasília, n. 33, p. 54-61, abr./jun. 2006.

3 CANOTILHO, p. 340.

4 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 158.

5 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 5ª ed. Livraria do Advogado, 2003, p. 354.

6 SARLET, Ingo Wolfgang.  Direitos fundamentais sociais e proibição de retrocesso: algumas notas sobre o desafio da sobrevivência dos direitos sociais num contexto de crise. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, n. 2, 2004, p. 162.

7 STRECK, Lênio Luis. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 31.

8 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra: [s.n.], 1998, p. 321. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 81.

9 SARLET, 2003, p. 110.

 

Data de elaboração: novembro/2007

 

Como citar o texto:

MACIEL, Álvaro dos Santos..Do Princípio do não-retrocesso social. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 260. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/1894/do-principio-nao-retrocesso-social. Acesso em 10 mar. 2008.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.