1 Introdução.

Muitos comentários têm sido feitos, atualmente, a respeito da relação entre advogados e juízes.

É fato que um precisa do outro para exercer a sua função, de modo que um não poderia existir sem o outro. Cabe ao advogado representar o cidadão-jurisdicionado e requerer ao Poder Judiciário a definição para a controvérsia enfrentada pelo cliente, solução essa que terá a sua viabilidade analisada pelo Juiz, representante do Estado na resolução das lides.

No entanto, objetivando uma melhor prestação dos seus serviços, juízes e advogados têm cometido excessos, tornando esta relação bastante conflituosa.

O presente artigo abordará passagens dessa conturbada convivência entre os advogados e os juízes, analisando a legislação vigente e as recentes decisões a respeito do tema.

2 O advogado.

Consoante lição do advogado paulista Paulo Lôbo:

Para o Estatuto, advogado é o bacharel em direito, inscrito no quadro de advogados da OAB, que realiza atividade de postulação ao Poder Judiciário, como representante judicial de seus clientes, e atividades de consultoria e assessoria em matérias jurídicas.1

A Constituição de 1988, em seu art. 133, consagra a importância do advogado para a administração da justiça quando estabelece a sua função como “indispensável”2 .

É, portanto, o advogado o agente responsável por acionar o Poder Judiciário, defendendo os interesses do seu cliente. Ao contrário do juiz, o advogado age com parcialidade, respeitando os limites da legislação vigente. Importante a observação do Professor Calmon de Passos, segundo a qual o interesse do advogado não é pessoal, in verbis:

[...] não tem o advogado, à semelhança do magistrado, no processo, interesses que lhe sejam próprios. Seu interesse é o interesse do constituinte, que ele formula e patrocina perante os tribunais de que espera a segurança a que faz jus.3

Toda a atividade do advogado é regulada pela Lei nº 8.906/94, denominada Estatuto da Advocacia.

3 O juiz.

Por sua vez, segundo leciona Moacyr Amaral Santos, o juiz:

 

[...] é um órgão do Estado, órgão do Poder Judiciário. Exerce funções específicas do Estado. Assim encarado é um servidor do Estado, entrando na categoria profissional dos funcionários públicos, no sentido amplo. Todavia, em razão da relevância das funções que exercem, para as quais se exigem especiais garantias que lhes assegurem a mais completa independência, separam-se os juízes do quadro daqueles e se constituem em categoria de funcionários sui generis.

[...]

Para se investirem no exercício da função jurisprudencial deverão ser nomeados pelo Estado, e quando organizados em carreira, como o são os juízes togados vitalícios, gozam de direitos a acesso ou promoção.4

O magistrado é o representante do Estado-juiz, aquele responsável em pôr fim aos litígios que lhe forem levados pelos cidadãos, devidamente representados pelos seus advogados, consoante apresentado anteriormente.

Os juízes têm como garantias para o exercício das suas funções a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos. Os magistrados devem agir com imparcialidade para que possam aplicar corretamente a legislação ao caso concreto, independente de quem sejam as partes em contenda.

A atividade dos juízes é estabelecida pela Lei Complementar nº 35/79, a muito comentada LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

4 A relação juiz-advogado.

A relação que deve existir entre o juiz e o advogado está disciplinada pela Lei nº 8.906/94, que, dentre outras passagens, assim estabelece no seu art. 6º:

Art. 6º Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.

O mencionado artigo não dá ensejo a diversas interpretações. O dispositivo legal é claro ao colocar advogados, magistrados e membros do Ministério Público no mesmo patamar, inexistindo hierarquia entre eles e exigindo no trato a consideração e o respeito mútuos.

Entretanto, a mencionada norma, comumente, é esquecida e os juízes, por deterem o poder de apreciar os pedidos aduzidos pelos advogados, costumam se colocar num patamar superior. Tanto é assim que Márcio Martins Moreira fez o seguinte comentário acerca dessa questão:

Os advogados mais antigos são conhecedores dos intermináveis lanches da tarde saboreados pelos ínclitos integrantes do Poder Judiciário, muitas vezes, estes lanches só terminavam quando o expediente do dia seguinte começava, salvo, evidentemente, raras e honrosas exceções que ainda sustentam à confiança na Magistratura, este é também um esforço para tentativa de extinção da enfermidade exclusiva de alguns magistrados, no dizer do então Presidente do STF Ministro Marco Aurélio Mello, publicado no Jornal Folha de São Paulo de 31.05.2003, enfermidade conhecida como ‘juizite’ que transforma o Juiz de Direito em ‘reizinho’ conforme dizer do ilustre Ministro, enfermidade que começa desde o dia da sua posse, e que espantosamente se extingue ou no dia da aposentadoria ou meses após, via de regra curada junto à ‘clínica’ da OAB, onde o paciente vai buscar acolhida e auxílio, seja porque o reinado terminou, seja porque a solidão o abate. 5

Nos últimos meses, a questão juiz-advogado tomou as páginas dos principais jornais do país, especialmente depois do julgamento pelo Conselho Nacional da Justiça – CNJ do Pedido de Providência nº 1.465, ocorrido em 04 de junho de 2007.

A consulta foi feita ao CNJ para que o órgão esclarecesse se o magistrado poderia reservar horários específicos para o atendimento dos advogados ou se estaria o juiz obrigado a atender os procuradores das partes sempre que estes fossem ao seu gabinete.

O Conselheiro Marcus Faver, relator do referido pedido de providências, exarou decisão na qual concluiu que:

1) NÃO PODE o magistrado reservar período durante o expediente forense para dedicar-se com exclusividade, em seu gabinete de trabalho, à prolação de despachos, decisões e sentenças, omitindo-se de receber profissional advogado quando procurado para tratar de assunto relacionado a interesse de cliente. A condicionante de só atender ao advogado quando se tratar de medida que reclame providência urgente apenas pode ser invocada pelo juiz em situação excepcionais, fora do horário normal de funcionamento do foro, e jamais pode estar limitada pelo juízo de conveniência do Escrivão ou Diretor de Secretaria, máxime em uma Vara Criminal, onde o bem jurídico maior da liberdade está em discussão.

2) O magistrado é SEMPRE OBRIGADO a receber advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho. Essa obrigação se constitui em um dever funcional previsto na LOMAN e a sua não-observância poderá implicar responsabilização administrativa. (destaques do original). 6

 

A referida decisão causou a grande polêmica no meio jurídico e prontamente magistrados e advogados saíram em defesa dos interesses das respectivas classes.

Em recente decisum, o Min. Francisco Peçanha Martins do STJ também enfrentou a celeuma. A Associação dos Advogados de São Paulo impetrou mandado de segurança visando a suspender a Ordem Interna nº 1, de 07.05.2007, da Min. Nancy Andrighi do STJ, que disciplina o procedimento de marcação prévia de audiência por parte de advogados para tratar de processos sob a relatoria da Ministra.7

O eminente ministro baiano deferiu a liminar pleiteada para suspender a eficácia da referida ordem interna até o julgamento do mandamus, entendendo que ela feria as normas vigentes, em especial o Estatuto da Advocacia, como se verifica no trecho a seguir:

O Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, regulamentando o art. 133 da CF, garantiu aos advogados ampla proteção no pleno exercício de suas atividades profissionais, dentre as quais o direito de dirigirem-se "diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada” (art. 7º, inciso VIII, da Lei n. 8.906/94).

A estipulação de qualquer medida que condicione, crie embaraço ou impeça o acesso do advogado à pessoa do magistrado configura ilegalidade, porquanto o advogado é essencial à administração da justiça e deve ter as suas prerrogativas respeitadas. 8

Agiu com acerto o Min. Francisco Peçanha Martins, uma vez que não pode uma ordem interna fazer letra morta ao quanto estabelecido pela Lei nº 8.906/94, que é de clareza ímpar ao garantir ao advogado o acesso ao magistrado.

5 Conclusão.

Muitos advogados extrapolam o bom senso e acreditam que o magistrado tem apenas os processos patrocinados por eles para apreciar.

Da mesma forma, todos conhecem a realidade do Poder Judiciário, abarrotado de processos e conturbado com o excesso de recursos previstos no ordenamento vigente.

A missão dos advogados e dos magistrados, principalmente representados pelas suas organizações de classe, é a de encontrar um ponto de equilíbrio no qual os anseios de todos sejam atendidos.

De nada adianta que o magistrado ocupe todo o dia atendendo patronos e não redija uma decisão ou sentença. Assim como, um advogado que não tenha acesso ao juiz do processo patrocinado por ele não consegue exercer da melhor forma o direito de defesa do seu cliente.

A marcação prévia para atendimento dos advogados é uma boa solução, desde que o magistrado entenda que existirão casos que não podem aguardar uma “vaga” na sua agenda, como por exemplo, uma exclusão indevida de uma empresa de um processo licitatório ou a sustação de um protesto de determinado título já pago.

O disposto no art. 7º, VIII, da Lei nº 8.906/94 consiste em direito conquistado pelos advogados de que terão a possibilidade de expor ao magistrado a urgência e as peculiaridades do caso que patrocinam. Não se trata de um benefício. Os magistrados precisam deixar de encarar os advogados como inimigos, como aqueles que somente atrapalham o seu cotidiano, e restabelecer o procedimento de cooperação mútua de um com o outro.

Infelizmente, muitos juízes, especialmente os de primeiro grau de jurisdição, esquecem da necessidade de cooperação e criam barreiras para receber advogados nos cartórios que coordenam. Não por outra razão, costuma-se dizer no meio jurídico que é mais fácil ter uma audiência com um ministro de Tribunal Superior que com um juiz de uma comarca no interior de um dos estados brasileiros.

A harmonia nas relações entre magistrado e advogado somente será alcançada quando ambos forem capazes de entender a importância da cooperação e aplicá-la no dia-a-dia. Enquanto isso não se realiza, continuamos vivendo em meio a essa guerra, na esperança de que a paz volte a reinar.

6 Referências bibliográficas.

CONSULTOR JURÍDICO. Palavra do Conselho. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2007.

LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 4 ed., rev. e atual.,  São Paulo: Saraiva, 2007.

MOREIRA, Márcio Martins. Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil Anotado. São Paulo: Ícone, 2005, p. 31.

PASSOS, J.J. Calmon de. Advocacia – O direito de recorrer à justiça. Tese n. 11 da VI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Salvador: Conselho Federal da OAB, 1976.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 20 ed., rev e atual., São Paulo: Saraiva, 1998.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Corte Especial, MS 13.080/DF, relator: Ministro Francisco Peçanha Martins, Brasília, DF, 11.09.2007, DJ 18.09.2007. Disponível em: . Acesso em: 08 out.2007.

 

1 LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 4 ed., rev. e atual.,  São Paulo: Saraiva, 2007, p. 18.

2 Art. 133, CF. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

3 PASSOS, J.J. Calmon de. Advocacia – O direito de recorrer à justiça. Tese n. 11 da VI Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Salvador: Conselho Federal da OAB, 1976, p. 15.

4 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 20 ed., rev e atual., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 96.

5MOREIRA, Márcio Martins. Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil Anotado. São Paulo: Ícone, 2005, p. 31.

6 CONSULTOR JURÍDICO. Palavra do Conselho. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2007.

7Ordem Interna nº 01, de 07.05.2007. 

Art. 1º. As solicitações de audiências serão formuladas por escrito e assinadas por procurador constituído do interessado.

§ 1º. A petição deverá ser protocolizada na Secretaria do Gabinete, podendo ser apresentada via fax, ou e-mail.

Art. 2º. Uma vez deferido o pedido, com designação de data para a audiência, serão cientificados, por telegrama ou por carta registrada, os procuradores da parte contrária e os procuradores de eventuais interessados já admitidos no processo, ficando estes convidados a participar da audiência, caso tenham interesse em fazê-lo.

§ 1º. O aviso de recebimento e/ou cópia de telegrama será juntado aos autos.

Art. 3º. Comparecendo ou não os procuradores dos demais interessados, a audiência será realizada, em dia e hora marcados, atendendo-se ao pedido formulado.

§ 1º. Os procuradores poderão ser acompanhados pelas partes, que só poderão manifestar-se por intermédio daqueles.

Art. 4º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília-DF, 07 de maio de 2007. MINISTRA NANCY ANDRIGHI

8 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Corte Especial, MS 13.080/DF, relator: Ministro Francisco Peçanha Martins, Brasília, DF, 11.09.2007, DJ 18.09.2007. Disponível em: . Acesso em: 08 out.2007.

9 No mesmo sentido: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 2ª Turma, RMS 15.706/PA, relator: Ministro João Otávio de Noronha, Brasília, DF, 01.09.2005, DJ 07.11.2005, p. 166. Disponível em: . Acesso em: 29 ago.2007.

 

Data de elaboração: novembro/2007

 

Como citar o texto:

MENDONÇA, André Marinho..Advogados e Juízes: harmonia ou guerra?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 263. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/pratica-forense-e-advogados/1926/advogados-juizes-harmonia-ou-guerra. Acesso em 14 jul. 2008.

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