Resumo: O presente trabalho tem por objeto a discussão que envolve o interesse público, no que concerne à possibilidade de o gestor, a seu livre critério, exonerar servidoras ocupantes de cargos comissionados que não possuam nenhum vínculo com a administração pública ainda que grávidas, com o direito destas à estabilidade e à licença-maternidade. Busca, ainda, analisar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, enfatizando a necessidade de se garantir o pleno gozo desses direitos como forma de promoção da dignidade humana tanto da mulher quanto da criança, valores estes que, por sua natureza, devem ser privilegiados em detrimento da discricionariedade da autoridade pública.

 

Palavras-chave: cargo em comissão, gravidez, estabilidade, licença-maternidade.

Abstract: The present work has as its object the discussion that involves the public interest, regarding the possibility of the manager, at its discretion, dismiss servants commissioned officeholders who have no connection with the administration even pregnant, with the right these stability and maternity leave. It also aims to analyze the positioning of the Supreme Court on the subject, emphasizing the need to ensure full enjoyment of those rights as a means of promoting human dignity of both the woman and the child, values which, by its nature, must be privileged at the expense of discretion of public authority.

Key words: position in committee, pregnancy, stability, maternity leave

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS DO SERVIDOR PÚBLICO COMISSIONADO; 1.1Agentes e servidores públicos: distinção e conceito; 1.2Espécies de agentes públicos; 1.3Regimes previdenciários do servidor público comissionado; 1.4 Direitos previdenciários do servidor comissionista puro; 2. A PROTEÇÃO JURÍDICA AO TRABALHO DA MULHER: MATERIALIZAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA; 2.1 O trabalho da mulher e o princípio da dignidade da pessoa humana; 2.2 A proteção ao trabalho da mulher na iniciativa privada; 2.3 A proteção ao trabalho da mulher no serviço público; 3. OS DIREITOS À ESTABILIDADE E À LICENÇA-MATERNIDADE DE MULHERES OCUPANTES DE CARGOS COMISSIONADOS; 3.1 O direito da gestante à estabilidade; 3.2 O direito da gestante à licença-maternidade; 3.2.1 Transtornos jurídicos causados pela exoneração de servidora comissionada pura grávida; 3.3 Estabilidade e licença maternidade de mulheres ocupantes de cargo comissionado puro: um direito constitucional da mãe e do bebê; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.

INTRODUÇÃO

A Administração Pública no Brasil é baseada em princípios previstos na Constituição Federal de 1988, dentre os quais se destacam a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Estes e outros preceitos também norteiam o preenchimento do quadro de pessoal de qualquer dos Poderes, em todas as esferas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), os quais têm por regra geral o concurso público. Excepcionalmente, porém, os cargos públicos podem ser preenchidos por pessoas indicadas diretamente pelos gestores com base no critério da confiança, mas desde que sejam para funções de direção, chefia e assessoramento.

Os ocupantes destes cargos serão regidos pelas mesmas leis que regem a relação dos servidores efetivos com a administração pública, contudo, em razão de não possuírem vínculo efetivo com esta, serão vinculados ao regime previdenciário geral, administrado pelo Instituto Nacional de Seguridade Social e que é destinado à maioria dos trabalhadores brasileiros.

Em razão dessas peculiaridades, em muitos casos a mulher ocupante de cargo comissionado sem vínculo com a administração pública pode sofrer atos arbitrários, mascarados pela discricionariedade administrativa que cerca as nomeações e exonerações deste tipo de cargo. Ocorre que quando a mesma está grávida, esse poder potestativo do gestor, assim como na esfera privada, pode sofrer limitações em nome de princípios como o da proteção à maternidade, à infância e à família ou não, tendo-se em vista o estrito interesse público do serviço?

Desse modo, a fim de chegar a uma resposta plausível para tal questionamento, este estudo foi dividido em três capítulos. O primeiro busca tratar do conceito de servidor público, suas espécies, os regimes previdenciários e, especificamente, analisa as peculiaridades que cercam o servidor ocupante de cargo comissionado sem qualquer vínculo com a administração, o chamado comissionado puro. No segundo capítulo, objetivou-se analisar o panorama legal de proteção ao trabalho da mulher tanto na esfera privada, quanto na esfera pública, analisando-o de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana. No terceiro e último capítulo, serão analisados detalhadamente os direitos das mulheres relativos à maternidade, especificamente a estabilidade e a licença-maternidade, tidos por direitos humanos e fundamentais que, mesmo as ocupantes de cargos comissionados puros têm direito, limitando, assim, o poder discricionário do gestor público.

Assim, sem a pretensão de esgotar as discussões sobre o tema, o presente estudo visa à subsidiar os debates e servir de referência para argumentações futuras, considerando que, no Brasil, são milhares as trabalhadoras com esse regime de trabalho e que podem, pelo simples fato de exercerem um direito que lhes é inerente como ser humano – engravidar, sofrer discriminação e outros atos arbitrários.

1. DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS DO SERVIDOR PÚBLICO COMISSIONADO

Neste capítulo inicial, buscar-se-á apresentar, ainda que forma resumida, os direitos previdenciários do servidor público comissionado, os quais, tendo base constitucional e legal, perpassam pelo próprio conceito de servidor, suas espécies e regimes previdenciários a que estão vinculados.

1.1 Agentes e servidores públicos: distinção e conceito

O termo servidor público é, até os dias atuais, empregado tanto em sentido amplo, quando busca abranger todas as pessoas física que prestem serviços à Administração Pública direta ou indireta e esteja a ela ligados por um vínculo jurídico estatuído em lei específica ou na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quanto à aquelas que prestam serviços somente a entidades cuja personalidade jurídica seja de direito público, excluindo-se as de direito privado (DI PIETRO, 2007). Percebe-se, assim, que o referido termo pode ser empregado ora em sentido amplo, ora em sentido menos amplo, o que implica em uma imprecisão técnica, a qual é pode ser solucionada pelo uso da expressão agentes públicos, proposta pela doutrina administrativista contemporânea.

O conceito de agente público, de certa maneira, possui elementos que se assemelham na doutrina. Segundo Di Pietro (2007, p. 476), “agente público é toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta”. Já Gasparini (2008, p. 139) define-os como “todas as pessoas físicas que sob qualquer liame jurídico e algumas vezes sem ele prestam serviços à Administração Pública ou realizam atividades que estão sob sua responsabilidade”. Na visão de Carvalho Filho (2009, p. 17), por sua vez, “agentes públicos são todos aqueles que, a qualquer título, executam uma função pública como prepostos do Estado”.

A amplitude da noção da expressão agente público é percebida na Lei n. 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito na Administração Pública: “Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. [...] Art. 2º Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente e sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”.

De igual forma, o Código Penal, ainda que usando inadequadamente a expressão funcionário público, já superada pela CF/88, também deixa clara a amplitude que deve nortear o conceito de agente público: “Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)”.

Seja qual for o conceito imputado ao agente público, Melo (apud GASPARINI, 2008) aduz que é possível identificar um elemento comum entre suas várias espécies: o poder estatal, exercido em razão de uma autorização concedida à pessoa física pela Administração Pública Direta ou Indireta e com autorização respaldada na lei.

1.2 Espécies de agentes públicos

Diferente da questão conceitual, a classificação dos agentes públicos é divergente na doutrina, principalmente em razão dos critérios adotados. Assim, para Gasparini (2008, p. 155): “Os agentes públicos, nos termos da sistematização constitucional, podem ser classificados em agentes políticos, agentes temporários, agentes de colaboração, servidores governamentais, servidores públicos e agentes militares. Os agentes de colaboração compreendem os que: colaboram por vontade própria, colaboram compulsoriamente, colaboram com concordância da Administração Pública. Os servidores públicos desdobram-se em estatutários e celetistas. Os militares admitem as seguintes subespécies: militares federais, militares estaduais e militares distritais”.

Por ser mais didático, este estudo prefere adotar a classificação trazida por Di Pietro (2007), para quem os agentes públicos, após as alterações trazidas pela emenda constitucional nº 18/98, podem ser classificados em quatro categorias: a) agentes políticos; b) servidores públicos; c) militares; e d) particulares em colaboração com o Poder Público. Assim, em razão dos objetivos do presente trabalho, interessa analisar as questões afetas somente à categoria dos servidores públicos, os quais compreendem a seguinte subdivisão: a) servidores estatutários; b) empregados públicos; e c) servidores temporários (DI PIETRO, 2007).

De acordo com a sistemática legal, em regra, cada servidor público estatutário deve ocupar um cargo público, os quais, no entender de Carvalho Filho (2009), dividem-se em: a) cargos vitalícios; b) cargos efetivos; e c) cargos em comissão.

Os cargos vitalícios são aqueles com previsão constitucional e correspondem a uma prerrogativa de permanência de seus ocupantes, os quais somente podem, em regra, perdê-los mediante processo judicial. Magistrados (art. 95, I), membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, “a”) e membros dos Tribunais de Contas (art. 73, § 3º) são servidores que gozam de tais garantias, essenciais ao exercício livre e isento das atribuições do cargo (CARVALHO FILHO, 2009)

Já os cargos efetivos são os de caráter permanente e constituem a maioria absoluta dos postos de trabalho da Administração Pública. Regra geral, se o cargo não é de caráter vitalício, nem em comissão, será necessariamente efetivo, no entender de Carvalho Filho (2007). Embora em menor grau que os vitalícios, tais cargos também proporcionam a seus ocupantes, selecionados por concurso público, segurança no cargo após o cumprimento do estágio probatório, o qual só está passível de perda em casos de sentença judicial, processo administrativo disciplinar ou avaliação negativa de desempenho, em que lhes seja garantido o contraditório e a ampla defesa.

Por fim, os cargos em comissão são aqueles que, embora tenham existência prevista em lei, seus titulares os ocupam em caráter precário, ou seja, são de ocupação transitória. Assim o são em razão de a Constituição autorizar que sejam preenchidos conforme a livre escolha da autoridade competente, desde que preenchidos os requisitos legais, podendo, ao inverso, seus titulares serem exonerados pelo mesmo critério (art. 37, II).

Ocorre que a Carta Magna também estipulou limites à discricionariedade do gestor público e determinou que tais cargos destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento. Além disso, deverão ser preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei (art. 37, V). Nesse ponto especifico, a lei será de competência das entidades federativas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e de iniciativa exclusiva do chefe do respectivo Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário).

Essa determinação constitucional de que na lei em questão deverá constar o percentual mínimo de cargos em comissão que serão necessariamente ocupados por servidores efetivos, remete a uma subclassificação deste cargos: os cargos em comissão ocupados por servidores públicos efetivos e os ocupados por pessoas sem qualquer vínculo com a Administração Pública, também denominados de cargos em comissão puros, cujos ocupantes são conhecidos por comissionistas puros, objetos deste estudo.

A restrição de contratação de comissionistas puros foi prevista na Emenda Constitucional nº 19/98 e objetivou privilegiar os princípios constitucionais administrativos da impessoalidade, moralidade e eficiência, vez que, a redação originária do inciso V do art. 37 da CF/88 estabelecia que os cargos em comissão e as funções de confiança deveriam ser exercidos preferencialmente por servidores ocupantes de cargos de carreira técnica ou profissional. Na percepção de Carvalho Filho (2009, p. 583) “a norma ora vigente limita a investidura [...] de pessoas que não pertencem aos quadros públicos, com o que se procurará evitar tantos casos de imoralidade e nepotismo existentes em todos os setores da Administração”.

A título de exemplo, vale mencionar o disposto na Lei nº 11.416/2006, que dispõe sobre as carreiras dos servidores do Poder Judiciário da União, a qual complementa a Lei nº 8.112/90, que rege os servidores públicos civis da União que, por sua vez, não possui nenhuma regra desta natureza: “Art. 5o Integram os Quadros de Pessoal dos órgãos do Poder Judiciário da União as Funções Comissionadas, escalonadas de FC-1 a FC-6, e os Cargos em Comissão, escalonados de CJ-1 a CJ-4, para o exercício de atribuições de direção, chefia e assessoramento. [...] § 7o Pelo menos 50% (cinquenta por cento) dos cargos em comissão, a que se refere o caput deste artigo, no âmbito de cada órgão do Poder Judiciário, serão destinados a servidores efetivos integrantes de seu quadro de pessoal, na forma prevista em regulamento”. (grifo nosso)

Essa limitação de 50%, inclusive, serviu de parâmetro para que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelecesse igual percentual para os órgãos do Poder Judiciário de todo o país, por meio da Resolução nº 88 de 2009: ”Art. 2º Os cargos em comissão estão ligados às atribuições de direção, chefia e assessoramento, sendo vedado seu provimento para atribuições diversas. [...] §2º Para os Estados que ainda não regulamentaram os incisos IV e V do art. 37 da Constituição Federal, pelo menos 50% (cinquenta por cento) dos cargos em comissão deverão ser destinados a servidores das carreiras judiciárias, cabendo aos Tribunais de Justiça encaminharem projetos de lei de regulamentação da matéria, com observância desse percentual”. (grifo nosso)

Com efeito, a possibilidade de investidura em cargo público por via diferente da do concurso público deve ser encarada como exceção e, além disso, obedecer aos princípios constitucionais insculpidos no art. 37 da CF/88. Com base nessa premissa, o STF firmou o entendimento expresso no enunciado de súmula vinculante nº 13: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.

Por fim, cabe enfatizar que embora sofram todas essas limitações para seu provimento, os ocupantes de cargo em comissão sem vínculo com a Administração Pública são tidos como servidores estatutários, o que implica dizer que a lei regente de sua relação com o respectivo órgão será a mesma que regula os servidores efetivos. Em razão disso, regra geral, os direitos e deveres de ambos serão os mesmos, como se verá nos tópicos seguintes.

1.3 Regimes previdenciários do servidor público comissionado

No Brasil, o sistema previdenciário é estruturado em dois regimes básicos, que são o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que abrange os servidores públicos civis e militares ocupantes de cargo efetivo da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, cujas regras estão previstas no art. 40 da CF/88 e na Lei nº 9.717/98 (civis) e art. 142, X, CF/88 e Lei nº 6.880/80 (militares), e o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que engloba as demais espécies de trabalhadores, regulado pelo art. 201 da CF/88, além das Leis nº 8.212/91 e 8.213/91.

Há, ainda, dois regimes complementares de previdência. Um destinado aos servidores públicos, complementar ao RPPS e previsto no art. 40, § 15, da CF/88 e regulamentado por lei de iniciativa de cada ente federativo. E outro destinado aos demais trabalhadores, com previsão no art. 202 da CF/88 e regulamentado pela Lei Complementar nº 109/2001.

Com efeito, a distinção entre servidores públicos comissionados que já possuem vínculo com a Administração Pública e os que não possuem (comissionistas puros) mostra-se relevante à medida que os primeiros estarão vinculados ao Regime Próprio de Previdência e, estes últimos, embora considerados servidores públicos estatutários, estarão vinculados ao Regime Geral de Previdência Social, em função de previsão expressa do art. 40, § 13, da CF/88, introduzido pela Reforma da Previdência (EC nº 20/98): “[...] § 13 - Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social”.

Denota-se, então, que embora os comissionistas puros sejam considerados servidores públicos estatutários e, portanto, regidos pela mesma lei que rege os servidores efetivos, não são vinculados ao regime previdenciário destes últimos, em sim ao RGPS, fato que, como se verá adiante, criar-lhe-ão certas dificuldades.

1.4 Direitos previdenciários do servidor comissionista puro

Conforme visto no item anterior, os servidores comissionistas puros estão vinculados ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), previsto no art. 201 da CF/88, com as modificações da EC nº 20/98:

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º”.

Conforme observado por Ibrahim (2011), o art. 9º, § 1º, da Lei 8.213/90 exclui o desemprego involuntário do amparo previdenciário, embora essa previsão esteja expressa na CF/88. Desse modo, o benefício correspondente à essa iniqüidade social, o seguro-desemprego, não tem vinculação previdenciária e sua gestão cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que paga o mesmo com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), cuja fonte de receita principal são as contribuições para o PIS/PASEP. Por oportuno, cumpre ressaltar que o servidor comissionista puro, quando exonerado, não faz jus ao referido benefício, exclusivo de trabalhadores que mantém vínculo de emprego, conforme disposições da CLT.

O RGPS está, juntamente com o RPPS, inserido na Previdência Social, conceituada por Martinez (1998, p. 104) como: “[...] técnica de proteção social que visa propiciar os meios indispensáveis à subsistência da pessoa humana – quando esta não pode obtê-los ou não é socialmente desejável que os aufira pessoalmente através do trabalho, por motivo de maternidade, nascimento, incapacidade, invalidez, desemprego, prisão, idade avançada, tempo de serviço ou morte – mediante contribuição compulsória distinta, proveniente da sociedade e de cada um dos participantes”.

Em sentido semelhante, Martins (2010, p. 282) aduz que: “É a Previdência Social o segmento da Seguridade Social, composto de um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer um sistema de proteção social, mediante contribuição, que tem por objetivo proporcionar meios indispensáveis de subsistência ao segurado e a sua família, contra contingências de perda ou redução de sua remuneração, de forma temporária ou permanente, de acordo com a previsão da lei”.

Esse sistema previdenciário deve se orientar pelos seguintes princípios, conforme a Lei 8.213/91:

“Art. 2º A Previdência Social rege-se pelos seguintes princípios e objetivos: I - universalidade de participação nos planos previdenciários; II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios; IV - cálculo dos benefícios considerando-se os salários-de-contribuição corrigidos monetariamente; V - irredutibilidade do valor dos benefícios de forma a preservar-lhes o poder aquisitivo; VI - valor da renda mensal dos benefícios substitutos do salário-de-contribuição ou do rendimento do trabalho do segurado não inferior ao do salário mínimo; VII - previdência complementar facultativa, custeada por contribuição adicional; VIII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação do governo e da comunidade, em especial de trabalhadores em atividade, empregadores e aposentados. Parágrafo único. A participação referida no inciso VIII deste artigo será efetivada a nível federal, estadual e municipal”.

Importante ressaltar que desse rol não consta o princípio da solidariedade, previsto no art. 3º, I, da CF/88 e visto pela doutrina como um dos cernes da previdência social, uma vez que “[...] traduz o verdadeiro espírito da previdência social: a proteção coletiva, na qual as pequenas contribuições individuais geram recursos suficientes para a criação de um manto protetor sobre todos, viabilizando a concessão de prestações previdenciárias em decorrência de eventos preestabelecidos (IBRAHIM, 2011, p. 65)”.

Esse princípio, por sua própria natureza jurídica, acaba por se interrelacionar estreitamente com o princípio da dignidade humana, à medida que é objetivo da sociedade se ajudar mutuamente. Nesse sentido, Dias e Macedo (2010, p. 95) lecionam que “a solidariedade vai permear toda a seguridade social. Seja na sua instituição, na distribuição do ônus contributivo (aqueles que têm maior poder contributivo devem contribuir com mais), na prestação do amparo (a proteção social deve socorrer primeiramente os mais necessitados) ou na participação da maioria da população em prol de uma minoria necessitada. Este princípio pode ser considerado o vetor de todo o arcabouço da seguridade social, como a bússola do sistema, aplicável na interpretação/aplicação das suas normas, assim como na sua normogênese”.

Como segurado obrigatório do RGPS, o servidor comissionista puro e seus dependentes terão direito aos seguintes benefícios e serviços previdenciários, previstos na Lei nº 8.213/91:

”Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços: I - quanto ao segurado: a) aposentadoria por invalidez; b) aposentadoria por idade; c) aposentadoria por tempo de contribuição; d) aposentadoria especial; e) auxílio-doença; f) salário-família; g) salário-maternidade; h) auxílio-acidente; II - quanto ao dependente: a) pensão por morte; b) auxílio-reclusão; III - quanto ao segurado e dependente: [...] b) serviço social; c) reabilitação profissional”.

Tomando por base a Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, e que serviu de base para a criação dos regimes jurídicos da maioria dos Estados e grande parte dos Municípios brasileiros, denota-se que a mesma, busca cobrir contingências sociais semelhantes ao RGPS:

“Art. 184. O Plano de Seguridade Social visa a dar cobertura aos riscos a que estão sujeitos o servidor e sua família, e compreende um conjunto de benefícios e ações que atendam às seguintes finalidades: I - garantir meios de subsistência nos eventos de doença, invalidez, velhice, acidente em serviço, inatividade, falecimento e reclusão; II - proteção à maternidade, à adoção e à paternidade”.

Ocorre que essa mesma lei possibilita ao servidor estatutário se beneficiar de um leque semelhante de benefícios previdenciários:

“Art. 185. Os benefícios do Plano de Seguridade Social do servidor compreendem: I - quanto ao servidor: a) aposentadoria; b) auxílio-natalidade; c) salário-família; d) licença para tratamento de saúde; e) licença à gestante, à adotante e licença-paternidade; f) licença por acidente em serviço; [...] h) garantia de condições individuais e ambientais de trabalho satisfatórias; II - quanto ao dependente: a) pensão vitalícia e temporária; b) auxílio-funeral; c) auxílio-reclusão”.

Desse modo, depreende-se que, regra geral, do ponto de vista dos benefícios previdenciários ofertados, não há prejuízo no fato de o servidor comissionado puro ser vinculado ao RGPS, à medida que este busca cobrir as mesmas contingências sociais que o RPPS. Todavia, no que concerne à regulamentação de cada benefício, são verificadas algumas distinções, especificamente em relação ao salário-maternidade ou licença à gestante.

Isso porque, com o advento da Lei nº 11.770/2008, há a possibilidade de extensão da licença-maternidade por mais sessenta dias. Em seu artigo 2º, esse diploma autorizou a administração pública direta e indireta instituir programa que garanta essa extensão do benefício às respectivas servidoras. No âmbito da União, isso foi feito por meio do Decreto nº 6.690/2008. Uma vez destinado aos servidores integrantes do Regime de Previdência Próprio da União, ou a de qualquer ente federativo que o regulamente, ficarão excluídos os servidores comissionados puros.

2. A PROTEÇÃO JURÍDICA AO TRABALHO DA MULHER: MATERIALIZAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

2.1 O trabalho da mulher e o princípio da dignidade da pessoa humana

Uma das facetas mais significativas do ser humano, sem dúvida, é a profissional, vez que é pelo trabalho que o mesmo se afirma entre seus familiares, seu grupo e na sociedade como um todo. Por razões histórico-culturais, a sociedade ocidental acabou por se caracterizar em uma sociedade patriarcal, cuja característica marcante foi tornar a mulher subserviente e fazendo com que seu papel na sociedade fosse tido como secundário. A par dessas questões, o fato é que tanto o homem quanto a mulher participaram ativamente das transformações da economia e do surgimento do capitalismo, sofrendo ambos com suas mazelas e desproteção legal.

Com o surgimento e evolução do direito do trabalho, normas de proteção ao trabalho são criadas, a fim de garantir mínimas condições ao labor dos trabalhadores. Tal fato afetou diretamente as mulheres, conforme leciona Calil (2007): “A normatização do trabalho, conquistada através de manifestações e protestos dos trabalhadores, contribuiu para a formação de nichos de trabalho feminino. Com o início da regulamentação do trabalho, à medida que a industrialização avançava, cada vez mais as fábricas incorporavam a mão-de-obra de homens, dispensando a de mulheres. Desta forma, a elas restavam os piores postos de trabalho, onde a regulamentação não chegava”.

Um marco de grande importância na mudança desse contexto desfavorável foi a criação da Organização Internacional do Trabalho em 1919, que, neste mesmo ano, expediu as convenções números 3 e 4, ambas tendo por objeto a mulher trabalhadora. Posteriormente, muitas outras convenções foram criadas e ratificadas pelos Estados Membros, principalmente após a 2ª Guerra Mundial, cujas atrocidades praticadas despertaram o mundo para a necessidade de se preservar e promover a dignidade humana.

Aliás, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos previu expressamente a promoção da igualdade de gêneros e proteção à família, à maternidade e à infância:

“Artigo I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo XVI - 1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. Artigo XXIII - 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. Artigo XXV- [...]. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social”.

Em sequência, surgiram vários tratados internacionais tratando de temas que, direta ou indiretamente, agregavam mais e mais garantias às mulheres e às suas atividades de labor, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), dentre outros que acabaram por influenciar diretamente o texto constitucional de 1988.

Já reconhecidos como direitos humanos, vez que presentes em diversos tratados internacionais, a proteção à maternidade e à infância foi alçada à categoria de direito fundamental, pois consta expressamente da Carta Constitucional, a qual foi além e garantiu às mulheres direitos outrora relegados:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: “I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010) [...] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; [...] XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; [...] XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) [...] XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”. (grifos nossos)

Impende comentar que o disposto no art. 7º, XX, acima citado, é norma de eficácia limitada, ante a necessidade de ser regulamentada por lei ordinária que, diga-se, nunca foi feita. Apesar disso, não há motivos suficientes para afirmar que a mesma faz falta, pois o ordenamento jurídico está repleto de normas que, direta ou indiretamente, asseguram um tratamento diferenciado ao trabalho da mulher.

Aliás, cumpre dizer que a própria CLT, quando de sua promulgação, trouxe em seu Título III, que trata das normas especiais de tutela do trabalho, um capítulo específico sobre proteção ao trabalho da mulher. Ocorre que, após a promulgação da CF/88, muitos artigos deste capítulo restaram com ela incompatíveis, razão pela qual, conforme observa Almeida (2010, p. 19): “[...] fundamental acentuar que o art. 5º, I, da Constituição vigente declara que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações...”. Em consequência, foram revogados, pela Lei n. 7.855, de 24-10-1989, os arts. 374, 375, 378, 380 e 387, todos relacionados com o trabalho da mulher, dispositivos que, a propósito de protegê-la, discriminavam-na, criando embaraços à sua contratação pelos empregadores”.

Outro grande marco a ser referenciado foi a Convenção nº 103 da OIT, de 1958, que traçou novas regras de amparo à maternidade e foi ratificada pelo Brasil em 1965, entrando em vigor no ordenamento jurídico, com força de lei ordinária, em 18 de junho de 1966. Essa convenção obrigou internacionalmente o Brasil a manter e preservar direitos como a licença-maternidade, sem prejuízo de seus ganhos, de no mínimo doze semanas, interrupção do trabalho para amamentação e, um dos mais importantes, a estabilidade no emprego: “Art. III – 1. Toda mulher a qual se aplica a presente convenção tem o direito, mediante exibição de um atestado médico que indica a data provável de seu parto, a uma licença de maternidade. Art. VI – Quando uma mulher se ausentar de seu trabalho em virtude dos dispositivos do art. III da presente convenção, é ilegal para seu empregador despedi-la durante a referida ausência ou data tal que o prazo do aviso prévio termine enquanto durar a ausência acima mencionada (SUSSEKIND, 2007, p. 129-130)”.

Por conta deste compromisso internacional, a Constituição de 1988 previu, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

“Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: [...] II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: [...] b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”.

Resta indubitável, assim, que a proteção ao trabalho da mulher, sobretudo quando a mesma encontra-se grávida, é necessariamente reconhecida pelo direito internacional, tornando-a um direito humano, e também fundamental, já que consagrado na Carta Constitucional (SARLET, 2001), que, por sua vez, norteia toda a legislação esparsa sobre o tema, cujas normas visam não só a proteção da mulher, mas do bebê, da saúde de ambos, da família e da sociedade como um todo.

Dignidade da pessoa humana, tida como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF/88), constitui-se, na visão de Sarlet (2008, p. 63), na: “[...] qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.

Tomando por base os limites conceituais traçados por Sarlet (2008), é possível concluir que assegurar proteção à maternidade, seja ela decorrente de gravidez ou adoção, à infância e, por conseguinte, à família, base da sociedade e que merece especial proteção do Estado (art. 226, caput, CF/88), é materializar o princípio da dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho da mulher para com seu respectivo tomador de serviços, seja ele uma pessoa física ou uma pessoa jurídica de direito público ou privado.

2.2 A proteção ao trabalho da mulher na iniciativa privada

Segundo Calil (2007), a Lei estadual paulista nº 1.596, de 1917, foi a primeira norma de proteção ao trabalho diretamente destinada às mulheres, proibindo o labor em estabelecimentos industriais no último mês de gravidez e no primeiro puerpério.

Posteriormente, em âmbito nacional, o Decreto nº 16.300, de 1923, que criou o Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública, facultou às mulheres empregadas em estabelecimentos comerciais e industriais descanso de trinta dias antes e outros trinta dias após o parto. Facultou as mesmas amamentarem seus filhos em creches ou salas próximos do local de trabalho, embora não estipulasse prazo certo para tal, além de prever a organização de caixas, cujo fim era socorrer financeiramente as mães carentes (CALIL, 2007).

Com a promulgação da CLT, grandes avanços foram conquistados em relação ao tema, vez que o legislador reservou-lhe um capítulo específico, o de nº III, dividido em seis seções, cada uma tratando de um aspecto relativo à proteção da mulher enquanto mantido o vínculo de emprego. Sobre isso, Calil (2007) observa que rassalvadas as alterações posteriores, o conteúdo original dessas regras foi fruto de uma compilação da legislação esparsa existente à época e que buscava a proteção da mulher no que tange à sua saúde, moral e capacidade de reprodução. Posteriormente, com a promulgação da CF/88, alguns dispositivos da CLT, por restarem incompatíveis com aquela, foram revogados, além de terem sido introduzidos novos, tudo como forma de adaptar a temática ao novo contexto do capitalismo mundial.

Importa asseverar que, na forma do que preceitua os arts. 372 e 377 da CLT, as regras disciplinadoras do trabalho masculino devem, também, serem aplicadas ao trabalho feminino, ressalvadas a proteção especial conferida a este último pela própria Consolidação, as quais são consideradas de ordem pública e não comportam derrogação, tampouco redução de salário. Por outro lado, as mesmas não serão aplicáveis em casos de trabalho familiar.

Desse modo, na seção I, renomeada pela Lei nº 9.799/99 como “Da Duração, Condições do Trabalho e da Discriminação contra a Mulher”, foi criado o art. 373-A, valendo destacar o conteúdo de seu inciso IV:

“Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: [...] IV - exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego”. Em sentido semelhante já disciplinava o art. 1º da Lei nº 9.029/95: “Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal”. Essa mesma norma, em seu art. 2º, considera crime punível com detenção de um a dois anos e multa as seguintes práticas discriminatórias:

“I - a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez; II - a adoção de quaisquer medidas, de iniciativa do empregador, que configurem; a) indução ou instigamento à esterilização genética; b) promoção do controle de natalidade, assim não considerado o oferecimento de serviços e de aconselhamento ou planejamento familiar, realizados através de instituições públicas ou privadas, submetidas às normas do Sistema Único de Saúde (SUS)”.

Na seção II, intitulada “Do Trabalho Noturno”, cujos artigos 379 e 380 foram revogados pela Lei nº 7.855/89, o único artigo restante reza o seguinte: ”Art. 381 - O trabalho noturno das mulheres terá salário superior ao diurno. § 1º - Para os fins desse artigo, os salários serão acrescidos duma percentagem adicional de 20% (vinte por cento) no mínimo. § 2º - Cada hora do período noturno de trabalho das mulheres terá 52 (cinqüenta e dois) minutos e 30 (trinta) segundos”.

Note-se que o presente artigo mostra-se desnecessário, pois encerra regramento idêntico ao do trabalho dos homens, disposto no art. 73, § 1º da própria CLT.

A seção III, denominada “Dos Períodos de Descanso”, elenca as seguintes regras: “Art. 382 - Entre 2 (duas) jornadas de trabalho, haverá um intervalo de 11(onze) horas consecutivas, no mínimo, destinado ao repouso.

Art. 383 - Durante a jornada de trabalho, será concedido à empregada um período para refeição e repouso não inferior a 1 (uma) hora nem superior a 2 (duas) horas salvo a hipótese prevista no art. 71, § 3º.

Art. 384 - Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho.

Art. 385 - O descanso semanal será de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas e coincidirá no todo ou em parte com o domingo, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa de serviço, a juízo da autoridade competente, na forma das disposições gerais, caso em que recairá em outro dia. Parágrafo único - Observar-se-ão, igualmente, os preceitos da legislação geral sobre a proibição de trabalho nos feriados civis e religiosos.

Art. 386 - Havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical”.

A regra inserta no art. 382 é semelhante à do art. 66 da própria CLT, logo, desnecessária ante a previsão do art. 372, assim como a regra do art. 383, semelhante à disposição do art. 71. Pelos mesmos motivos, a regra do art. 385 também se mostra prescindível, vez que similar à insculpida no art. 67, também da CLT. Nessa seção, o artigo que traz polêmica é o 384, sem equivalente para o trabalho masculino e que, por isso, suscitou dúvidas quanto à sua recepção pela CF/88, vez que discriminatório. O pleno do TST, todavia, no julgamento do Incidente de Inconstitucionalidade em Recurso de Revista (IIN_RR) nº 1540/2005-046-12-00.5), entendeu ser tal preceito recepcionado pela Carta de 88, sendo justificável o tratamento diferenciado ante a clara diferença fisiológica entre mulheres e homens, a qual justifica um tratamento diferenciado em prol daquelas:

“MULHER - INTERVALO DE 15 MINUTOS ANTES DE LABOR EM SOBREJORNADA - CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 384 DA CLT EM FACE DO ART. 5º, I, DA CF.

1. O art. 384 da CLT impõe intervalo de 15 minutos antes de se começar a prestação de horas extras pela trabalhadora mulher. Pretende-se sua não-recepção pela Constituição Federal, dada a plena igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres decantada pela Carta Política de 1988 (art. 5º, I), como conquista feminina no campo jurídico. 2. A igualdade jurídica e intelectual entre homens e mulheres não afasta a natural diferenciação fisiológica e psicológica dos sexos, não escapando ao senso comum a patente diferença de compleição física entre homens e mulheres. Analisando o art. 384 da CLT em seu contexto, verifica-se que se trata de norma legal inserida no capítulo que cuida da proteção do trabalho da mulher e que, versando sobre intervalo intrajornada, possui natureza de norma afeta à medicina e segurança do trabalho, infensa à negociação coletiva, dada a sua indisponibilidade (cfr. Orientação Jurisprudencial 342 da SBDI-1 do TST). 3. O maior desgaste natural da mulher trabalhadora não foi desconsiderado pelo Constituinte de 1988, que garantiu diferentes condições para a obtenção da aposentadoria, com menos idade e tempo de contribuição previdenciária para as mulheres (CF, art. 201, § 7º, I e II). A própria diferenciação temporal da licença-maternidade e paternidade (CF, art. 7º, XVIII e XIX; ADCT, art. 10, § 1º) deixa claro que o desgaste físico efetivo é da maternidade. A praxe generalizada, ademais, é a de se postergar o gozo da licença-maternidade para depois do parto, o que leva a mulher, nos meses finais da gestação, a um desgaste físico cada vez maior, o que justifica o tratamento diferenciado em termos de jornada de trabalho e período de descanso. 4. Não é demais lembrar que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas a dupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam à casa. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal, o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher.

5. Nesse diapasão, levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida das suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de se rejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT”.

Denominada “Dos Métodos e Locais de Trabalho”, a seção IV teve o art. 387 revogado pela Lei nº 7.855/89, além de vetados os arts. 390-A e 390-D, introduzidos pela Lei nº 9.799/99. Apresenta um rol de garantias imprescindíveis à saúde da mulher no local de trabalho, as quais devem ser tidas como complementares às regras gerais de medicina e higiene do trabalho destinadas a ambos os sexos, indistintamente:

“[...]

Art. 388 - Em virtude de exame e parecer da autoridade competente, o Ministro do Trabalho, Industria e Comercio poderá estabelecer derrogações totais ou parciais às proibições a que alude o artigo anterior, quando tiver desaparecido, nos serviços considerados perigosos ou insalubres, todo e qualquer caráter perigoso ou prejudicial mediante a aplicação de novos métodos de trabalho ou pelo emprego de medidas de ordem preventiva.

Art. 389 - Toda empresa é obrigada: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

I - a prover os estabelecimentos de medidas concernentes à higienização dos métodos e locais de trabalho, tais como ventilação e iluminação e outros que se fizerem necessários à segurança e ao conforto das mulheres, a critério da autoridade competente; (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

II - a instalar bebedouros, lavatórios, aparelhos sanitários; dispor de cadeiras ou bancos, em número suficiente, que permitam às mulheres trabalhar sem grande esgotamento físico; (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

III - a instalar vestiários com armários individuais privativos das mulheres, exceto os estabelecimentos comerciais, escritórios, bancos e atividades afins, em que não seja exigida a troca de roupa e outros, a critério da autoridade competente em matéria de segurança e higiene do trabalho, admitindo-se como suficientes as gavetas ou escaninhos, onde possam as empregadas guardar seus pertences; (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

IV - a fornecer, gratuitamente, a juízo da autoridade competente, os recursos de proteção individual, tais como óculos, máscaras, luvas e roupas especiais, para a defesa dos olhos, do aparelho respiratório e da pele, de acordo com a natureza do trabalho. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

§ 1º - Os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade terão local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

§ 2º - A exigência do § 1º poderá ser suprida por meio de creches distritais mantidas, diretamente ou mediante convênios, com outras entidades públicas ou privadas, pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a cargo do SESI, do SESC, da LBA ou de entidades sindicais. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

Art. 390 - Ao empregador é vedado empregar a mulher em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 (vinte) quilos para o trabalho continuo, ou 25 (vinte e cinco) quilos para o trabalho ocasional.

Parágrafo único - Não está compreendida na determinação deste artigo a remoção de material feita por impulsão ou tração de vagonetes sobre trilhos, de carros de mão ou quaisquer aparelhos mecânicos.

[...]

Art. 390-B. As vagas dos cursos de formação de mão-de-obra, ministrados por instituições governamentais, pelos próprios empregadores ou por qualquer órgão de ensino profissionalizante, serão oferecidas aos empregados de ambos os sexos. (Incluído pela Lei nº 9.799, de 1999)

Art. 390-C. As empresas com mais de cem empregados, de ambos os sexos, deverão manter programas especiais de incentivos e aperfeiçoamento profissional da mão-de-obra. (Incluído pela Lei nº 9.799, de 1999)

[...]

Art. 390-E. A pessoa jurídica poderá associar-se a entidade de formação profissional, sociedades civis, sociedades cooperativas, órgãos e entidades públicas ou entidades sindicais, bem como firmar convênios para o desenvolvimento de ações conjuntas, visando à execução de projetos relativos ao incentivo ao trabalho da mulher. (Incluído pela Lei nº 9.799, de 1999)”.

A seção V, por sua vez, trata “Da Proteção à Maternidade”, cujas regras, como já afirmado anteriormente, encerram em maior grau a materialização da dignidade da mulher, o bebê, da família e da sociedade e, no afã de acompanhar tanto a evolução da sociedade, como a dos direitos consagrados por esta, sofreu modificações importantes com as Leis nº 9.799/99 e 10.421/2002, que, sem prejuízo de outras, como a 12.010/2009, ora revogaram, ora introduziram novos dispositivos:

“Art. 391 - Não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o fato de haver contraído matrimônio ou de encontrar-se em estado de gravidez.

Parágrafo único - Não serão permitidos em regulamentos de qualquer natureza contratos coletivos ou individuais de trabalho, restrições ao direito da mulher ao seu emprego, por motivo de casamento ou de gravidez.

Art. 392. A empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário. (Redação dada pela Lei nº 10.421, 15.4.2002)

§ 1o A empregada deve, mediante atestado médico, notificar o seu empregador da data do início do afastamento do emprego, que poderá ocorrer entre o 28º (vigésimo oitavo) dia antes do parto e ocorrência deste. (Redação dada pela Lei nº 10.421, 15.4.2002)

§ 2o Os períodos de repouso, antes e depois do parto, poderão ser aumentados de 2 (duas) semanas cada um, mediante atestado médico.(Redação dada pela Lei nº 10.421, 15.4.2002)

§ 3o Em caso de parto antecipado, a mulher terá direito aos 120 (cento e vinte) dias previstos neste artigo. (Redação dada pela Lei nº 10.421, 15.4.2002)

§ 4o É garantido à empregada, durante a gravidez, sem prejuízo do salário e demais direitos:(Redação dada pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

I - transferência de função, quando as condições de saúde o exigirem, assegurada a retomada da função anteriormente exercida, logo após o retorno ao trabalho; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

II - dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para a realização de, no mínimo, seis consultas médicas e demais exames complementares. (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

Art. 392-A. À empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança será concedida licença-maternidade nos termos do art. 392, observado o disposto no seu § 5o. (Incluído pela Lei nº 10.421, 15.4.2002)

[...]

§ 4o A licença-maternidade só será concedida mediante apresentação do termo judicial de guarda à adotante ou guardiã.(Incluído pela Lei nº 10.421, 15.4.2002)

Art. 393 - Durante o período a que se refere o art. 392, a mulher terá direito ao salário integral e, quando variável, calculado de acordo com a média dos 6 (seis) últimos meses de trabalho, bem como os direitos e vantagens adquiridos, sendo-lhe ainda facultado reverter à função que anteriormente ocupava. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

Art. 394 - Mediante atestado médico, à mulher grávida é facultado romper o compromisso resultante de qualquer contrato de trabalho, desde que este seja prejudicial à gestação.

Art. 395 - Em caso de aborto não criminoso, comprovado por atestado médico oficial, a mulher terá um repouso remunerado de 2 (duas) semanas, ficando-lhe assegurado o direito de retornar à função que ocupava antes de seu afastamento.

Art. 396 - Para amamentar o próprio filho, até que este complete 6 (seis) meses de idade, a mulher terá direito, durante a jornada de trabalho, a 2 (dois) descansos especiais, de meia hora cada um.

Parágrafo único - Quando o exigir a saúde do filho, o período de 6 (seis) meses poderá ser dilatado, a critério da autoridade competente.

Art. 397 - O SESI, o SESC, a LBA e outras entidades públicas destinadas à assistência à infância manterão ou subvencionarão, de acordo com suas possibilidades financeiras, escolas maternais e jardins de infância, distribuídos nas zonas de maior densidade de trabalhadores, destinados especialmente aos filhos das mulheres empregadas. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)

[...]

Art. 399 - O Ministro do Trabalho, Indústria e Comercio conferirá diploma de benemerência aos empregadores que se distinguirem pela organização e manutenção de creches e de instituições de proteção aos menores em idade pré-escolar, desde que tais serviços se recomendem por sua generosidade e pela eficiência das respectivas instalações.

Art. 400 - Os locais destinados à guarda dos filhos das operárias durante o período da amamentação deverão possuir, no mínimo, um berçário, uma saleta de amamentação, uma cozinha dietética e uma instalação sanitária”.

Insta salientar que a licença-maternidade tem natureza jurídica previdenciária e, por isso, também é disciplinada por legislação equivalente, no caso, as Leis nº 8.212/91 e 8.213/91, ambas reguladas pelo Decreto nº 3.048/99.

2.3 A proteção ao trabalho da mulher no serviço público

Já assentados os conceitos de servidor público e ficado claro que os ocupantes de cargos comissionados em quaisquer dos Poderes dos entes federativos (União, Estados, DF e Municípios) que não tenham vínculo com a Administração Pública são também considerados servidores públicos e se submetem às regras da lei que regem a relação dos servidores efetivos com seu ente respectivo, embora, no que diga respeito às regras da previdência, submeta-se ao Regime Geral de Previdência Social, administrado e gerido pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

A proteção ao trabalho da mulher no serviço público é tutelada pelo art. 7º, XVIII, XX e XXX, da CF/88, ante a regra insculpida no art. 39, § 3º deste mesmo diploma legal. Desse modo, as leis que regem a relação servidor-Poder Público devem, obrigatoriamente, observar tais preceitos, concedendo às mulheres, em razão de suas peculiaridades físicas e da maternidade, prerrogativas especiais que equilibram a própria relação de igualdade entre homens e mulheres prevista no caput do art. 5º da Constituição.

Tomando como referência a Lei 8.112/90, que disciplinou a relação jurídica havida entre os servidores públicos civis e a União, incluindo-se aí os comissionados sem qualquer vínculo com a Administração, chamados “puros”, e que serviu de parâmetro para a formulação dos estatutos de servidores públicos por todo o Brasil, observa-se que, com exceção das regras sobre licença-gestante, previstas nos arts. 207 a 210, não há regras específicas de proteção ao trabalho da mulher, tal qual verificadas no texto da CLT, por exemplo.

Com efeito, essa omissão de tema tão relevante em um diploma de igual importância chama a atenção negativamente e faz com que a não regulamentação do inciso XX, do art. 7º da CF/88 seja sentida por todos os servidores civis da União. Desse modo, a alternativa para completar essa lacuna é a analogia, aplicando-se as regras da CLT aos servidores, desde que compatíveis com a sistemática dos serviços prestados na Administração Pública.

Dessa forma, enquanto não promulgada lei específica, entende-se serem aplicáveis aos servidores públicos civis da União os arts. 373, 373-A, 381, 382, 384, 385, 389, 390, 390-B, 390-C, 390-E, vez que compatíveis com o serviço público. Não deve o aplicador do direito manter-se inerte ante a ausência do Estado em reconhecer aos servidores públicos direitos que lhe são garantidos constitucionalmente, devendo, por isso, fazer usa de instrumentos interpretativos que privilegiem sempre o princípio da dignidade da pessoa humana.

3. OS DIREITOS À ESTABILIDADE E À LICENÇA-MATERNIDADE DE MULHERES OCUPANTES DE CARGOS COMISSIONADOS

3.1 O direito da gestante à estabilidade

Conforme preceitua a CF/88, em seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a trabalhadora que tem direito à garantia provisória de emprego em razão da gravidez é a empregada, ou seja, aquele que mantém vínculo de emprego com seu empregador, trabalhando com pessoalidade, subordinação, não eventualidade e onerosidade no setor privado da economia, excluindo, assim, as servidoras públicas.

“Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:

[...]

II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

[...]

b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto”. (grifo nosso)

Em razão de seu estado gravídico-puerperal, a mulher pode ser alvo de represálias diversas por parte do empregador, dentre elas a demissão, que pode causar transtornos irreparáveis a ela e à criança, razão pela qual o constituinte achou razoável conceder-lhe uma garantia, ainda que temporária, no emprego, a fim de minorar os efeitos discriminatórios (BARROS, 2007).

A expressão dispensa arbitrária ou sem justa causa, segundo Barros (2007), deve ser aquela que não se fundar em motivo disciplinar, econômico, ou financeiro, por força do art. 165 da CLT, aplicado de forma analógica. De outra ponta, a provisoriedade de tal garantia já foi analisada pelo Tribunal Superior do Trabalho, que possui entendimento consolidado sobre o tema no enunciado de súmula nº 224, II: a garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

Ocorre que, em função de o dispositivo constitucional ser generalista, não houve como deixar de surgirem dúvidas quanto à expressão confirmação da gravidez. Em um primeiro momento, o TST, ao se manifestar sobre a controvérsia, expediu a Orientação Jurisprudencial nº 88, oriunda da SDI-1, cuja redação dispunha: “O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador, salvo previsão contrária em norma coletiva, não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade. A ausência de cumprimento da obrigação de comunicar à empregadora o estado gravídico, em determinado prazo após a rescisão, conforme previsto em norma coletiva que condiciona a estabilidade a esta comunicação, afasta o direito à indenização decorrente da estabilidade”.

Provocado a se manifestar sobre o tema, que envolve matéria constitucional, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o gozo do direito à estabilidade não comporta ressalvas, principalmente se previstas em instrumentos normativos coletivos: ”Estabilidade provisória da empregada gestante (ADCT, art. 10, II, b): inconstitucionalidade de cláusula de convenção coletiva do trabalho que impõe como requisito para o gozo do benefício a comunicação da gravidez ao empregador. 1. O art. 10 do ADCT foi editado para suprir a ausência temporária de regulamentação da matéria por lei. Se carecesse ele mesmo de complementação, só a lei a poderia dar: não a convenção coletiva, à falta de disposição constitucional que o admitisse. 2. Aos acordos e convenções coletivos de trabalho, assim como às sentenças normativas, não é lícito estabelecer limitações a direito constitucional dos trabalhadores, que nem à lei se permite (STF. RE 234.186. j. 05.06.2001. DJU 31.08.2001. Rel. Min. Sepúlveda Pertence)”.

Note-se que mesmo datada de 31 de agosto de 2001, tal decisão do STF só viria modificar o teor da OJ nº 88 da SDI-1 em 16 de abril de 2004, a qual, então, passou a ter o seguinte teor: “o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, b, do ADCT)”.

Vale mencionar que a referida OJ foi incorporada à Súmula nº 244, em seu inciso I, por força da Resolução 129/2005, em 20 de abril de 2005, fato que tornou totalmente pacífico o entendimento no âmbito do TST.

Assentindo com o entendimento do TST, Barros (2007, p. 1081) preceitua que “A responsabilidade do empregador se funda em dados objetivos, caracterizados pela gravidez da empregada e pela dispensa sem justa causa, cessação total ou parcial da atividade empresarial e por falta cometida pelo empregador, ensejadora da rescisão indireta. Este raciocínio tem por escopo afastar as dificuldades evidentes que a empregada enfrenta, na prática, em provar a malícia do empregador, pois não se pode ignorar que é exatamente na fase de cognição que se avulta a desigualdade do trabalhador”.

Em sentido oposto, Almeida (1998) considera necessário o conhecimento real ou presumido do estado de gestação da empregada pelo empregador, quando da dispensa imotivada, para que se lhe possa atribuir responsabilidade, mesmo porque a Lei nº 9.029/95, em seu art. 2º, considera crime que o mesmo obtenha tal informação de outra maneira que não seja por meio da própria empregada, ou por meio de um aparente estado físico ostentado pela mesma.

“Art. 2º Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:

I - a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez;

[...]

Pena: detenção de um a dois anos e multa.

Parágrafo único. São sujeitos ativos dos crimes a que se refere este artigo:

I - a pessoa física empregadora;

II - o representante legal do empregador, como definido na legislação trabalhista;

III - o dirigente, direto ou por delegação, de órgãos públicos e entidades das administrações públicas direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Nova dúvida, entretanto, tem surgido sobre o tema. Diz respeito ao desconhecimento da mulher sobre sua gestação no momento da dispensa sem justa causa, fato perfeitamente possível de ocorrer. Teria direito à estabilidade, também nesses casos, a empregada demitida sem justo motivo? Para Garcia (2007, p. 454), a responsabilidade do empregador nos casos envolvendo estabilidade da gestante é objetiva, logo, se a empregada encontra-se gestante quando da dispensa sem justa causa, mas só vem a tomar ciência desse seu estado no curso do aviso prévio, trabalhado ou mesmo indenizado [...], a garantia de emprego deve ser reconhecida.

Em sentido diametralmente oposto, posiciona-se Barros (2007, p. 1084): “outra será a situação se à época da dispensa sequer a empregada sabia da sua gestação. Neste caso, entendemos que não lhe assiste razão à estabilidade provisória, salvo norma coletiva mais favorável. [...] Se à época em que o empregador a dispensou, ainda que sem justa causa, exercendo um direito potestativo, sequer a empregada tinha ciência da gravidez, entendemos que o ato jurídico alusivo à resilição se tornou perfeito e acabado, não se podendo atribuir responsabilidade ao empregador. É que a garantia de emprego em exame surge com a confirmação da gravidez, isto é, ratificação junto à própria empregada, o que ainda não havia ocorrido quando ela foi dispensada”.

Por outro lado, caso a empregada, no curso do aviso prévio, trabalhado ou indenizado, engravide, Garcia (2007) e Jorge Neto e Cavalcante (2010) entendem não ser possível garantir-lhe a estabilidade provisória, pois a mesma já tinha conhecimento da data de término do contrato, aplicando-se ao caso, de forma analógica, as Súmulas 244, III; e 369, V, ambas do TST.

“Súmula 244, III - Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa.

Súmula 369, V - O registro da candidatura do empregado a cargo de dirigente sindical durante o período de aviso prévio, ainda que indenizado, não lhe assegura a estabilidade, visto que inaplicável a regra do § 3º do art. 543 da Consolidação das Leis do Trabalho”.

O TST, todavia, tem tido entendimento recente favorável a empregadas em situações semelhantes:

“RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 11.496/2007. ESTABILIDADE GESTANTE. CONCEPÇÃO NO CURSO DO AVISO PRÉVIO INDENIZADO. RECONHECIMENTO DO DIREITO À ESTABILIDADE. O art. 10, II, -b-, do ADCT estatui que é vedada a dispensa imotivada da empregada, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Da análise do referido dispositivo, infere-se que a simples comprovação da gravidez é suficiente para que a empregada tenha reconhecido o seu direito à garantia no emprego, não se exigindo, portanto, nenhum outro requisito. Nesse enfoque, é irrelevante a ignorância do empregador ou da própria gestante sobre sua condição, a teor, inclusive, do entendimento sedimentado no item I da Súmula n.º 244 deste Tribunal Superior. Com efeito, a interpretação teleológica do mencionado dispositivo constitucional leva à conclusão de que a expressão confirmação de gravidez, deve ser entendida não como a confirmação médica, mas como a própria concepção do nascituro. A gravidez está confirmada no mesmo momento da concepção. Desse modo, quando o empregador despede sem justa causa a empregada gestante, ainda que disso não saiba, assume o risco dos ônus respectivos. Dessarte, sendo o direito à estabilidade provisória da gestante reconhecido desde o momento da concepção, não há como se afastar a mencionada estabilidade no caso da concepção ter ocorrido no curso do aviso prévio indenizado, uma vez que, no referido período o contrato de trabalho ainda se encontra vigente. Tal ilação decorre do entendimento firmado na Orientação Jurisprudencial n.º 82 desta Subseção, que prevê que -a data de saída a ser anotada na CTPS deve corresponder à do término do prazo do aviso prévio, ainda que indenizado-. Ademais, não se cogita da aplicação da Súmula n.º 371 desta Corte como óbice ao reconhecimento da estabilidade gestante, visto que os precedentes que originaram o referido verbete apenas analisaram a projeção do aviso prévio sob o enfoque da garantia de emprego do dirigente sindical, do alcance dos benefícios instituídos por negociação coletiva ou da aplicação retroativa de normas coletivas e não da estabilidade gestante. Recurso de Embargos conhecido e desprovido. (TST. Proc. E-RR – 3656600-96.2002.5.06.0900. DJ 09/09/2010, Rel. Min. Maria de Assis Calsing. SDI-I. DEJT 17/09/2010)”.

Por fim, cumpre registrar que essa mesma Corte ainda se encontra dividida quanto ao reconhecimento ou não da estabilidade e sua consequente indenização nos casos de contratos de trabalho eivados de nulidade em razão da inexistência de concurso público, vez que em decisões recentes, ora se negou a estabilidade (Agravo de Instrumento em Recurso de Revista - AIRR nº 561-19.2010.5.18.0011 - 1ª Turma), ora se concedeu (Recurso de Revista – RR nº 33240-84.2004.5.17.0181 – 6ª Turma).

4.2 O direito da gestante à licença-maternidade

A licença-maternidade, também chamada licença-gestante ou salário-maternidade, quando encarada restritivamente dentro do estudo do seguro social, não possui, necessariamente, natureza previdenciária, vez que a gravidez e seu período posterior não implicam em incapacidade laboral. Todavia, em uma visão mais ampla, convencionou-se que a maternidade é uma necessidade social merecedora da proteção previdenciária (IBRAHIM, 2011).

Prevista nos arts. 7º, XVIII e 39, § 3º da CF/88, esse benefício previdenciário é regulamentado em lei específica de cada ente federativo para seus respectivos servidores, à exceção das servidoras comissionadas puras, as quais se submeterão às regras da Lei nº 8.213/91 e de seu respectivo regulamento, o Decreto nº 3.048/99.

A Lei 8.213/91 prevê o salário maternidade nos arts. 71 a 73:

“Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.

Art. 71-A. À segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias, se a criança tiver até 1(um) ano de idade, de 60 (sessenta) dias, se a criança tiver entre 1 (um) e 4 (quatro) anos de idade, e de 30 (trinta) dias, se a criança tiver de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de idade.

Parágrafo único. O salário-maternidade de que trata este artigo será pago diretamente pela Previdência Social.

Art. 72. O salário-maternidade para a segurada empregada ou trabalhadora avulsa consistirá numa renda mensal igual a sua remuneração integral.

§ 1o Cabe à empresa pagar o salário-maternidade devido à respectiva empregada gestante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço.

§ 2o A empresa deverá conservar durante 10 (dez) anos os comprovantes dos pagamentos e os atestados correspondentes para exame pela fiscalização da Previdência Social.

§ 3o O salário-maternidade devido à trabalhadora avulsa será pago diretamente pela Previdência Social.

Art. 73. Assegurado o valor de um salário-mínimo, o salário-maternidade para as demais seguradas, pago diretamente pela Previdência Social, consistirá:

I - em um valor correspondente ao do seu último salário-de-contribuição, para a segurada empregada doméstica;

II - em um doze avos do valor sobre o qual incidiu sua última contribuição anual, para a segurada especial;

III - em um doze avos da soma dos doze últimos salários-de-contribuição, apurados em um período não superior a quinze meses, para as demais seguradas”.

Já o Regulamento da Previdência Social, instituído pelo Decreto nº 3.048/99, detalha o benefício em questão a partir do art. 93, sendo, para o presente estudo, relevantes os seguintes:

“Art. 93. O salário-maternidade é devido à segurada da previdência social, durante cento e vinte dias, com início vinte e oito dias antes e término noventa e um dias depois do parto, podendo ser prorrogado na forma prevista no § 3o.

§ 1º Para a segurada empregada, inclusive a doméstica, observar-se-á, no que couber, as situações e condições previstas na legislação trabalhista relativas à proteção à maternidade.

[...]

§ 3º Em casos excepcionais, os períodos de repouso anterior e posterior ao parto podem ser aumentados de mais duas semanas, mediante atestado médico específico.

§ 4º Em caso de parto antecipado ou não, a segurada tem direito aos cento e vinte dias previstos neste artigo.

§ 5º Em caso de aborto não criminoso, comprovado mediante atestado médico, a segurada terá direito ao salário-maternidade correspondente a duas semanas.

Art. 93-A. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança com idade:

I - até um ano completo, por cento e vinte dias;

II - a partir de um ano até quatro anos completos, por sessenta dias; ou

III - a partir de quatro anos até completar oito anos, por trinta dias.

§ 1º O salário-maternidade é devido à segurada independentemente de a mãe biológica ter recebido o mesmo benefício quando do nascimento da criança.

§ 2º O salário-maternidade não é devido quando o termo de guarda não contiver a observação de que é para fins de adoção ou só contiver o nome do cônjuge ou companheiro.

§ 3º Para a concessão do salário-maternidade é indispensável que conste da nova certidão de nascimento da criança, ou do termo de guarda, o nome da segurada adotante ou guardiã, bem como, deste último, tratar-se de guarda para fins de adoção.

§ 4º Quando houver adoção ou guarda judicial para adoção de mais de uma criança, é devido um único salário-maternidade relativo à criança de menor idade, observado o disposto no art. 98.

[...]

§ 6o O salário-maternidade de que trata este artigo é pago diretamente pela previdência social.

Art. 94. O salário-maternidade para a segurada empregada consiste numa renda mensal igual à sua remuneração integral e será pago pela empresa, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição, quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, devendo aplicar-se à renda mensal do benefício o disposto no art. 198.

[...]

§ 3o A empregada deve dar quitação à empresa dos recolhimentos mensais do salário-maternidade na própria folha de pagamento ou por outra forma admitida, de modo que a quitação fique plena e claramente caracterizada.

§ 4o A empresa deve conservar, durante dez anos, os comprovantes dos pagamentos e os atestados ou certidões correspondentes para exame pela fiscalização do INSS, conforme o disposto no § 7o do art. 225.

Art. 95. Compete à interessada instruir o requerimento do salário-maternidade com os atestados médicos necessários.

Parágrafo único. Quando o benefício for requerido após o parto, o documento comprobatório é a Certidão de Nascimento, podendo, no caso de dúvida, a segurada ser submetida à avaliação pericial junto ao Instituto Nacional do Seguro Social.

Art. 96. O início do afastamento do trabalho da segurada empregada será determinado com base em atestado médico ou certidão de nascimento do filho.

Art. 97. O salário-maternidade da segurada empregada será devido pela previdência social enquanto existir relação de emprego, observadas as regras quanto ao pagamento desse benefício pela empresa.

Parágrafo único. Durante o período de graça a que se refere o art. 13, a segurada desempregada fará jus ao recebimento do salário-maternidade nos casos de demissão antes da gravidez, ou, durante a gestação, nas hipóteses de dispensa por justa causa ou a pedido, situações em que o benefício será pago diretamente pela previdência social.

Art. 98. No caso de empregos concomitantes, a segurada fará jus ao salário-maternidade relativo a cada emprego.

Art. 99. Nos meses de início e término do salário-maternidade da segurada empregada, o salário-maternidade será proporcional aos dias de afastamento do trabalho.

Art. 100. O salário-maternidade da segurada trabalhadora avulsa, pago diretamente pela previdência social, consiste numa renda mensal igual à sua remuneração integral equivalente a um mês de trabalho, devendo aplicar-se à renda mensal do benefício o disposto no art. 198.

Art. 101. O salário-maternidade, observado o disposto nos arts. 35, 198, 199 ou 199-A, pago diretamente pela previdência social, consistirá:

I - em valor correspondente ao do seu último salário-de-contribuição, para a segurada empregada doméstica;

II - em um salário mínimo, para a segurada especial;

III - em um doze avos da soma dos doze últimos salários-de-contribuição, apurados em período não superior a quinze meses, para as seguradas contribuinte individual, facultativa e para as que mantenham a qualidade de segurada na forma do art. 13.

[...]

§ 3o O documento comprobatório para requerimento do salário-maternidade da segurada que mantenha esta qualidade é a certidão de nascimento do filho, exceto nos casos de aborto espontâneo, quando deverá ser apresentado atestado médico, e no de adoção ou guarda para fins de adoção, casos em que serão observadas as regras do art. 93-A, devendo o evento gerador do benefício ocorrer, em qualquer hipótese, dentro do período previsto no art. 13”.

Do regramento acima, denota-se que sua aplicabilidade aos comissionados puros sofre algumas adaptações, a exemplo da incumbência do pagamento do salário-maternidade, que será não da empresa, mas do órgão a que está vinculada a servidora.

Outro ponto controverso é quanto à continuidade de vigência do art. 71-A da Lei nº 8.213/91, que estabelece escalonamento de prazo de licença maternidade às adotantes, frente à revogação dos § § 1º e 3º, do art. 392-A da CLT, que estabeleciam exatamente os mesmos prazos, pela Lei nº 12.010/2009. Sobre o assunto, Kertzman (2010) entende que a interpretação mais se harmoniza com o ordenamento jurídico é a que considera os prazos do art. 71-A, da Lei nº 8.213/91 revogados tacitamente pela Lei nº 12.010/91, deixando, assim, de existir o estranho limite de oito anos para pagamento do benefício, o que permitiria às mães gozarem do benefício sempre que adotassem menores de doze anos de idade, de acordo com o art. 2º do ECA: “considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.”

4.2.1 Transtornos jurídicos causados pela exoneração de servidora comissionada pura grávida

A exoneração de servidora comissionada pura não implica necessariamente a sua desfiliação do RGPS, vez que a legislação (art. 15, Lei nº 8.213/91 e arts. 13 e 14, Decreto 3.048/99) instituiu um período em que o segurado pode deixar de recolher contribuições sem perder os seus direitos, o chamado “período de graça”, cujo objetivo é dar, por algum tempo, proteção ao trabalhador filiado ao sistema e atingido por alguma contingência social, como o desemprego, por exemplo.

Assim, em um primeiro momento, mesmo exonerada, a servidora em questão manteria a condição de segurada, e consequentemente manteria todos os seus direitos perante a previdência social, pelo prazo de doze meses. Depreende-se, então, que, se exonerada grávida, a lei não obstaria a concessão do salário-maternidade pelo período de cento e vinte dias. Ocorre, todavia, que o parágrafo único do art. 97 do Decreto 3.048/99 estipula claramente: ”Parágrafo único. Durante o período de graça a que se refere o art. 13, a segurada desempregada fará jus ao recebimento do salário-maternidade nos casos de demissão antes da gravidez, ou, durante a gestação, nas hipóteses de dispensa por justa causa ou a pedido, situações em que o benefício será pago diretamente pela previdência social”.

Como se observa, o dispositivo regulamentar não contempla hipótese de concessão de salário-maternidade em casos de exoneração motivada pelo simples juízo discricionário da autoridade competente, fato que, absurdamente, deixa a ainda então segurada sem amparo legal para a concessão do benefício.

3.3 Estabilidade e licença maternidade de mulheres ocupantes de cargo comissionado puro: um direito constitucional da mãe e do bebê

A Corte Constitucional, embora ainda não tenha julgado nenhuma demanda de controle concentrado que verse sobre o tema, o que colocaria um ponto final na discussão em razão do efeito erga omnes, já emitiu seu juízo em diversos julgados. Em comentário ao art. 7º, inciso XVIII, da CF/88, cujo direito, como já aqui asseverado, é estendido às servidoras públicas por força do art. 39, § 3º do mesmo diploma, o STF (2011) “fixou entendimento no sentido de que as servidoras públicas e empregadas gestantes, inclusive as contratadas a título precário, independentemente do regime jurídico de trabalho, têm direito à licença-maternidade de cento e vinte dias e à estabilidade provisória desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, nos termos do art. 7º, XVIII, da CF e do art. 10, II, "b", do ADCT. Precedentes." (RE 600.057-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29-9-2009, Segunda Turma, DJE de 23-10-2009.) No mesmo sentido: RE 287.905, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 28-6-2005, Segunda Turma, DJ de 30-6-2006; RMS 24.263, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 1º-4-2003, Segunda Turma, DJ de 9-5-2003. Vide: RE 523.572-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 6-10-2009, Segunda Turma, DJE de 29-10-2009; RMS 21.328, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 11-12-2001, Segunda Turma, DJ de 3-5-2002; RE 234.186, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 5-6-2001, Primeira Turma, DJ de 31-8-2001”. (grifos originais)

Com base nos julgados citados, forçoso concluir que, para a Suprema Corte, a gravidez é um estado físico que merece ampla proteção da Constituição, cuja força normativa se sobrepõe a quaisquer diplomas normativos inferiores ou decisões de autoridades que direta ou indiretamente frustrem o pleno gozo da estabilidade da gestante e de sua licença-maternidade, ainda mais quando ela e o bebê encontram-se em situação futura de vulnerabilidade, haja vista a precariedade que caracteriza os cargos comissionados da Administração Pública.

Vê-se, assim, que a jurisprudência do STF tem interpretado o direito à licença-maternidade como realizador do princípio da dignidade humana da gestante. Ademais, impede-se que o empregador, público ou privado, ponha fim ao vínculo laboral da mulher desde o início da gravidez até cinco meses após o parto, bem como oferece maior proteção ao recém nascido, cuja presença materna nos primeiros meses é fundamental para a garantia de uma vida futura saudável (MATOS, 2011).

Sabe-se que a referência feita pelo § 3º do art. 39 da CF/88 ao art. 7º deste mesmo diploma legal não envolveu seu inciso I, o qual, por sua vez, foi referenciado no art. 10 do ADCT. Porém, deve-se ponderar que tal fato não autoriza lançar-se uma interpretação restritiva de gozo de tal prerrogativa pelos servidores comissionistas puros, pois outros critérios, que não o meramente positivista, devem ser utilizados.

Indubitavelmente, o instituto da estabilidade provisória da gestante foi criado pelo constituinte no intuito de, ao menos, minorar os desmandos e a discriminação sofrida pela trabalhadora gestante do setor privado, ante o reconhecido poder potestativo do empregador de manter ou não o vínculo de emprego de determinados empregados, razão pela qual não fez previsão expressa do mesmo aos servidores públicos estatutários, os quais gozam de outro tipo de estabilidade, ou seja, aquela decorrente da aprovação em estágio probatório.

Ocorre que uma releitura deste instituto, dentro de uma nova ótica constitucional, permite concluir que o servidor comissionado puro, por sua própria condição precária de poder ser exonerado a qualquer momento pelo gestor público (cargo de confiança), invariavelmente, também se submete aos mesmos desmandos do empregador privado e, especialmente no que concerne ao estado gravídico, merece proteção equiparada, ainda que não haja previsão legal direta e expressa.

CONCLUSÃO

A Constituição de 1988 tornou regra a contratação de servidores públicos por meio de concurso público e, excepcionalmente, desde que para preenchimento de cargos de direção, chefia e assessoramento, permitiu que pessoas fossem contratadas sob a condição da exclusiva confiança do gestor: os chamados cargos em comissão, os quais, por sua vez, podem ser ocupados por pessoas que já mantêm vínculo efetivo com a Administração Pública, e outras sem qualquer vínculo, daí porque chamadas de comissionados puros.

Os servidores comissionados puros são regidos, em regra, no que tange a direitos e obrigações, pela mesma lei que regula a relação da Administração Pública como servidores efetivos, contratados via concurso público. Por outro lado, o regime previdenciários destes servidores não é o mesmo dos servidores efetivos, ligados a regime próprio de seu órgão de origem, mas sim o regime geral de previdência social, destinado a grande maioria dos trabalhadores brasileiros.

Dentro desse contexto, o objetivo desse estudo focou-se na proteção jurídica ao trabalho da mulher. Desse modo, observou-se que as conquistas trabalhistas alcançadas especificamente pelas mulheres foi árdua e paulatina, à medida que a legislação brasileira foi incorporando preceitos consagrados em convenções e tratados internacionais.

Verificou-se, ainda, que a Consolidação das Leis do Trabalho traz regras de proteção ao trabalho da mulher importantes para a garantia de sua saúde, da maternidade e da infância. Por outro lado, a Lei nº 8.112/90, que instituiu o estatuto jurídico dos servidores públicos civis da União, não traz regras equivalentes, razão pela qual devem ser aplicadas a este as regras daquela, por meio da analogia, desde que os preceitos sejam compatíveis com os princípios da Administração Pública.

No que tange à proteção da maternidade, duas importantes garantias são concedidas à mulher, as quais se estendem do período pré ao pós-parto: a estabilidade e a licença-maternidade. Com efeito, ambas são garantidas constitucionalmente às trabalhadoras tanto da esfera privada, quanto pública. Ocorre que, no caso das servidoras comissionadas puras, controvérsias têm surgido em razão da natureza precária destes cargos, cuja ocupação é baseada na fidúcia mantida com o gestor competente para indicar seu preenchimento.

Desse modo, têm ocorrido situações em que servidoras comissionadas puras são exoneradas ainda que grávidas, sob o argumento da discricionariedade que cerca tais cargos e o interesse público envolvido. De certo, a posição defendida neste trabalho é a de não ser possível tal desligamento, vez que tais servidoras gozam da estabilidade no emprego, além de terem o direito à licença-maternidade. Eventual exoneração destas trabalhadoras certamente feriria sua dignidade, comprometendo um direito que lhe é inerente como mulher: uma maternidade segura financeiramente e saudável.

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Data de elaboração: março/2012

 

Como citar o texto:

FREITAS, Ives Faiad..Gestantes ocupantes de cargos comissionados puros e os direitos a estabilidade e a licença-maternidade. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 18, nº 979. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-previdenciario/2487/gestantes-ocupantes-cargos-comissionados-puros-os-direitos-estabilidade-licenca-maternidade. Acesso em 6 mai. 2012.

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