Na estrutura política do Brasil constantes questionamentos são lançados sobre a possibilidade dos municípios, os menores entes políticos, possuírem competência para fiscalizar, licenciar e legislar sobre matéria ambiental, antes, faz-se necessário discorrer sobre o conceito de competência no âmbito de direito ambiental, o que, de acordo com José Afonso da Silva , “competência, assim, são as diversas modalidades de poder que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções, suas tarefas, prestar serviços”.

 

O Direito Ambiental Brasileiro se estruturou com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e com a Política Nacional do Meio Ambiente, através da Lei nº 6.938/81. Há de se salientar, por oportuno, que a CRFB/88 foi a primeira Carta Magna que se referiu e disciplinou algumas questões referentes ao meio ambiente, como, por exemplo, o art. 23 do referido dispositivo legal, o qual dispõe acerca da competência dos entes federados:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer das formas;

VII – preservar as florestas, fauna e flora;

Trata-se, portanto, de uma competência material comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e diz respeito à prestação dos serviços referentes às matérias de alguns incisos do art. 23 da CF que se referem à proteção do meio ambiente cultural ou natural, à tomada de providências para a sua realização , permitindo-a, expressamente, aos municípios fiscalizar, implementar e licenciar acerca de matéria ambiental.

Segundo definição da Resolução nº 237/97 do CONAMA :

Licença ambiental é ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar, operar, empreendimentos ou atividades utilizadores dos recursos ambientais considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou aqueles que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.

Ainda, com relação a licença ambiental, dispõe a resolução supramencionada em seu art. 6º que é competência do órgão ambiental municipal, após ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo estado por instrumento legal ou convênio.

Observação que comporta ser feita é sobre a possibilidade de um conflito entre os entes, por exemplo, quem iria licenciar um empreendimento em um Rio que banhe três Estados, sendo o norte legal o artigo 10 e também importante é ver o seu §4 da lei 6938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente e ao artigo 4°, II e III da Resolução de n°237/97 do CONAMA.

Dispõe o artigo 10 da lei 6938/81:

Art. 10. A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis. (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 18.07.89)

(...)

§ 4º - Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA o licenciamento previsto no caput deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional.

O artigo 4° da Resolução 237/97 do CONAMA prevê:

Art. 4º - Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental, a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:

II - localizadas ou desenvolvidas em dois ou mais Estados;

III - cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais do País ou de um ou mais Estados.

Registre-se que, no entanto, a possibilidade de haver licenciamento dúplice ou pelo órgão Estadual ou Federal, sendo, em regra, o órgão competente o IBAMA para fazer o licenciamento ambiental de todo empreendimento.

A doutrina nos diz:

“Procurou-se dar um novo aspecto à presença federal no meio ambiente, deixando o caráter geral de supletividade da atuação do IBAMA. (...) Não se está eliminando a intervenção dos Estados e Municípios nos licenciamentos de atividades com impacto ambiental de âmbito nacional e regional” .

E mais:

“Existirão atividades e obras que terão importância ao mesmo tempo para a Nação e para o Estado, e nesse caso, poderá haver duplicidade de licenciamento”. O deferimento ou indeferimento do licenciamento deverão ser respeitados, aplicando-se, inclusive, as sanções de cada legislação – federal, estadual, ou municipal, em caso de desobediência” .

A jurisprudência do STJ trata sobre a duplicidade de licenciamento:

ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESASSOREAMENTO DO RIO ITAJAÍ-AÇU. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO IBAMA. INTERESSE NACIONAL.

1. Existem atividades e obras que terão importância ao mesmo tempo para a Nação e para os Estados e, nesse caso, pode até haver duplicidade de licenciamento.

2. O confronto entre o direito ao desenvolvimento e os princípios do direito ambiental deve receber solução em prol do último, haja vista a finalidade que este tem de preservar a qualidade da vida humana na face da terra. O seu objetivo central é proteger patrimônio pertencente às presentes e futuras gerações.

3. Não merece relevo a discussão sobre ser o Rio Itajaí-Açu estadual ou federal. A conservação do meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites impostos pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens ambientais são transnacionais. A preocupação que motiva a presente causa não é unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial afetado. O impacto será considerável sobre o ecossistema marinho, o qual receberá milhões de toneladas de detritos.

4. Está diretamente afetada pelas obras de dragagem do Rio Itajaí-Açu toda a zona costeira e o mar territorial, impondo-se a participação do IBAMA e a necessidade de prévios EIA/RIMA. A atividade do órgão estadual, in casu, a FATMA, é supletiva. Somente o estudo e o acompanhamento aprofundado da questão, através dos órgãos ambientais públicos e privados, poderá aferir quais os contornos do impacto causado pelas dragagens no rio, pelo depósito dos detritos no mar, bem como, sobre as correntes marítimas, sobre a orla litorânea, sobre os mangues, sobre as praias, e, enfim, sobre o homem que vive e depende do rio, do mar e do mangue nessa região.

Para dar mais ênfase ao assunto abordado, MACHADO, trata sobre o interesse nacional, nos dizendo:

“O interesse nacional está claramente delineado nas atividades e obras que sejam levadas a efeito nas áreas do patrimônio nacional enumeradas pela CRFB/88, art. 225, § 4º, in verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

(...)

§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

A competência legisferante dos municípios em matéria de meio ambiente, em princípio, não é exclusiva e sim concorrente, fulcrada no art. 24 da CF. Entretanto, pode-se constatar através do § 3º do referido artigo que há também o reconhecimento de uma competência legislativa suplementar , ou melhor, pressupõe-se o exercício desta competência devido ao disposto no § 2º do art. 24 e encontra-se expressamente mencionada no inciso II do art. 30 da CF .

Discorrendo sobre o tema, leciona José Afonso da Silva :

[...] Não se recusa aos Municípios competência para ordenar a proteção do meio ambiente, natural e cultural. Logo, é plausível reconhecer, igualmente, que na norma do art. 30, II, entra também a competência para suplementar a legislação federal e estadual na matéria.

Dessa forma, havendo um Estado que não legislou sobre determinada matéria, os municípios, portanto, poderão regulamentar a mesma atento aos seus interesses, prerrogativa esta que encontra-se fundamentada no inciso I do art. 30 da CF, o qual dispõe:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

Verifica-se que a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) em seu art. 6º, inciso VI, §2º também posiciona-se favorável à elaboração de normas supletivas pelos municípios, desde que observadas as normas e os padrões federais. Destarte, necessário que o Município esteja vinculado a estrutura do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA.

O Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) é uma conjunto articulado de órgãos, entidades, regras e práticas da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios e de fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, sob a direção superior do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) .

Portanto, não se recusa aos Municípios a competência para ordenar a proteção do meio ambiente, natural e cultural. Logo, é plausível reconhecer, igualmente, que na norma do art. 30, inciso II, da Constituição Federal entra também a competência para suplementar a legislação federal e a estadual na matéria.

Colaciona-se, por relevante, o acórdão do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 94.253-0, Re. Min. Oscar Corrêa:

Não colhe, pois, alegação de inconstitucionalidade da lei municipal 557/79, que não viola a CRFB/88, ao proibir a existência de obstáculos ao livre acesso dos terrenos de marinha, as praias. Pelo contrário, objetiva assegurar outros direitos constitucionalmente garantidos, como a liberdade de ir e vir, a utilização dos bens públicos ou de uso comum do povo. A prevalecer a pretensão dos impetrantes, esses outros direitos fundamentais de todos, ou da coletividade, haveriam de subordinar-se aos daqueles poucos, em compreensão ampliada e distorcida do direito de propriedade. Ao invés de se reconhecer este, pela asseguração e uso individual sem dano social, antes compatibilizando –se com a função social que se reconhece, estar-se-ia a subordiná-lo ao critério pessoal dos indivíduos, em exacerbação que voltaria aos tempos remotos do absoluto ius utendi, fruendi et abutendi, incompatível com a moderna concepção, constitucionalmente fixada no artigo 160, III da CRFB/88.

A aptidão para executar a política ambiental nos municípios esta fundamentada no caput do art. 6º da Lei 6.938/81, a qual dispõe que os entes federativos e as fundações instituídas pelo Poder Público possuem autoridade administrativa.

Mais especificadamente, o mesmo artigo, no seu inciso VI dispõe que a função dos órgãos locais é o controle e fiscalização das atividades capazes de provocar a degradação ambiental nas suas respectivas jurisdições.

Então, analisando os dispositivos legais acima, é certo que os Municípios e suas Secretarias Ambientais são o órgão mais competente para executar a sua política ambiental, ou seja, exercer atividades fiscalizatórias.

Dessa forma, percebe-se que os municípios detêm competências fiscalizatórias, licenciatórias e legisferantes em matéria ambiental na estrutura orgânica constitucional brasileira, aproximando o combate e controle ambiental necessário para a sua salvaguarda.

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução 237 de 19 de dezembro de 1997. Disponível em: . Acesso em 24 nov. 2011.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república federativa do brasil. São Paulo: Saraiva, 2004.

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação. Diário oficial da república federativa do brasil, Brasília, DF, 2 set. 1981. Disponível em: . Acesso em 22 nov. 2011.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 588.022-SC, rel. Min. José Delgado, in DJU do dia 05.04.2004, Disponível em: . Acesso em 24 nov. 2011.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 94.253-0, rel. Min. Oscar Corrêa, in DJU do dia 12.11.1982, Disponível em: . Acesso em 09 dez. 2005.

SILVA, José Afonso. Direito ambiental constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

 

Data de elaboração: novembro/2011

 

Como citar o texto:

SELBACH, Leonardo Luiz..Competência constitucional dos municípios para fiscalizar, licenciar e ligislar sobre matéria ambiental no direito brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 18, nº 979. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-ambiental/2489/competencia-constitucional-municipios-fiscalizar-licenciar-ligislar-materia-ambiental-direito-brasileiro. Acesso em 6 mai. 2012.

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