SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A valoração subjetiva. 3. Os critérios de valoração do dano. 4. A razoabilidade e o Interesse Público. 5. A teoria do valor desestímulo. 6. A razoabilidade objetiva no Ordenamento Jurídico e uma estimativa legal do quantum indenizatório. 7. Conclusão.   

1. Introdução:

                     O Dano Moral, por muito tempo foi motivo de grandes debates jurídicos, em relação à possibilidade de se obter indenização por lesão ao seu objeto, qual seja a honra, a dignidade e a integridade psicológica, haja vista que são bens incorpóreos, abstratos, aos quais é impossível se atribuir um valor exato e aritmético que os defina. Existia uma corrente negativa e outra positiva quanto à possibilidade jurídica do pedido de indenização por danos morais.

                        A partir da vigência da Carta Magna de 1988, consolida-se por definitivo, a sua possibilidade de reparação, com supedâneo no art 5o, incisos V e X do mesmo diploma, assim como no art. 186 e 927, “caput”, do Código Civil de 2002, sendo que, desta feita, o Direito à Moral passa a ser exercido com mais disposição e rigor.

                        Uma vez superada a velha discussão, atualmente o direito brasileiro assim como o de outros países como os EUA, enfrentam uma polêmica, da qual no passar do tempo se constituíram diversas teses no que se refere à quantificação do Dano Moral, cujas peculiaridades contribuem para o exagero e exorbitância, em detrimento à própria essência do direito. Tal realidade é denominada por muitos críticos e estudiosos do assunto de “INDÚSTRIA DO DANO MORAL”, na qual o interesse econômico-privado se sobrepõe à coerência e ao próprio interesse público.

                        A banalização do Dano Moral, haja vista os inúmeros pedidos inócuos e extremamente oportunistas fomentados por uma lacuna derivada de um rigoroso subjetivismo em relação ao seu quantum, e que atualmente vem sendo combatida por alguns critérios doutrinários e jurisprudenciais adotados, é que tem inspirado relevantes discussões entre os juristas, especialmente, os profissionais, dentre eles advogados e juizes.   

2. A valoração subjetiva:

                     Após a Constituição Federal de 1988, mas especificamente no seu art.5o, incisos V e X, o Dano Moral consagrou-se em nossa realidade jurídica e social, como um pleito possível de se buscar junto ao Poder Judiciário, por meio de uma valoração pecuniária, como forma de satisfação compensatória ao lesado, haja vista que a dor, as angústias, assim como todo e qualquer sentimento com repercussão negativa à personalidade de alguém não tem preço, sendo impossível de se auferir um valor exato.

                        Hoje em dia, o que se discute bastante entre os juristas brasileiros, é a forma de liquidação do Dano Moral, através de uma avaliação associada a uma valoração, a qual tem caráter preponderantemente subjetivo, uma vez que, a legislação pátria é omissa, recaindo sobre os nossos magistrados a árdua tarefa de quantificarem o valor da indenização, mesmo quando requerido de forma previamente mensurada pelo lesado.

                        No caso em tela, o magistrado aplica o juris dicio utilizando-se do Princípio do Livre Convencimento do Juiz, em prol de uma justiça segura e eqüitativa, podendo recorrer à analogia, costumes e princípios gerais do direito, conforme prevê o art.4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro:

“Art. 4o - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.

                        Para WILSON MELO DA SILVA e AGUIAR DIAS “o arbitramento é critério por excelência para indenizar o Dano Moral”. (O Dano Moral e sua Reparação)

                        No entendimento de CLAYTON REIS: “A idéia prevalente do livre arbítrio do Magistrado ganha corpo e na jurisprudência, na medida em que transfere para o juiz o poder de aferir, com o seu livre convencimento e tirocínio, extensão da lesão e o valor da indenização correspondente. Afinal, é o juiz quem, usando de parâmetros subjetivos, fixa a pena condenatória de réus processados criminalmente e/ou estabelece o quantum indenizatório, em condenação de danos ressarcitórios, de natureza patrimonial”. (Dano Moral. 4a ed.atualizada, 1997, p.94).

                        É importante ressaltar que nos casos de indenização por dano moral, não se pode buscar uma equivalência entre o dano e o valor da satisfação, pois de fato, o objeto da Ação é imensurável e absolutamente insusceptível de valoração exata, cabendo ao juiz auferir uma compensação em valor monetário ou até mesmo em obrigações de fazer ou não fazer.

                        Neste sentido, a Professora Maria Helena Diniz diz que: “Na reparação do dano moral o juiz determina, por equidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão, e não ser equivalente, por ser impossível a equivalência”. (Curso de Direito Civil Brasileiro, p.55).

                        Ademais, para JOSÉ DE AGUIAR DIAS: “a condição da impossibilidade matematicamente exata da avaliação só pode ser tomada em benefício da vítima e não em seu prejuízo. Não é razão suficiente para não indenizar, e assim beneficiar o responsável, o fato de não ser possível estabelecer equivalente estado, porque, em matéria de dano moral, o arbítrio é até da essência das coisas”. (Da Responsabilidade Civil. 8a ed, p.863).

                        De fato a inexatidão do quantum indenizatório não pode ser fator impeditivo do dever de indenizar, porém, com a devida máxima vênia ao ilustre professor Aguiar Dias, não se pode estabelecer um parâmetro de valoração, somente em benefício da vítima, mas também não somente em benefício do réu, ou seja, tem que haver a responsabilidade de um em prol da satisfação do outro, contudo com equilíbrio, através de uma razoabilidade, para não se incorrer em indenizações exorbitantes e nem ínfimas, com valores extremamente irreais, através de uma prejudicada condenação.

                        Com efeito, no que tange a analogia, como um recurso utilizado pelo juiz, em detrimento a omissão legal, podemos nos reportar à previsão do art. 620 do Código de Processo Civil Brasileiro:

“Art. 620 - Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.

                        É possível uma aplicação analógica do dispositivo pertinente ao processo de execução no processo de conhecimento, haja vista que o mesmo busca um equilíbrio, associado à equidade, entre a responsabilidade do devedor (réu no processo de conhecimento) e o direito de satisfação de um crédito não adimplido (direito lesado pertinente à vítima – Processo de Conhecimento), através de uma razoabilidade no arbítrio do quantum indenizatório.

                        O projeto de Lei no 6960/2002, em tramitação no Congresso Nacional, o qual altera o art.944 do Código Civil, acrescentando um parágrafo que assim dispõe:

“§ 2º - A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante". (grifo nosso)

                        “Adequado desestímulo ao lesante”, disposto nesse parágrafo, refuta, qualquer condenação de excessiva onerosidade atribuída ao responsável, mesmo que este tenha uma fortuna ou patrimônio considerável, pois a adequação não deve recair somente sobre a condição pessoal do agente, mas sim, também, se deve levar em conta aspectos sócio-econômicos, como o gritante desnível de renda existente em nosso país motivado pelo enriquecimento sem causa.

                        Infelizmente, diante da inexistência de elementos objetivos para se chegar à quantificação do dano moral, deparamo-nos, às vezes, com julgadores que, na inexistência destes, decidem de forma incriteriosa, fixando condenações em valores exagerados e totalmente inadequados, como foi o caso do juiz da 8a Vara Cível de São Luís do Maranhão, que abalou a opinião pública nacional, ao mandar arrombar os cofres do Banco do Brasil para pagar uma indenização por danos morais e patrimoniais, no valor de R$ 250.000.000,00 (duzentos e cinqüenta e cinco milhões de reais), não observando que o cálculo do perito era de valor discrepante. Nestes casos, de acordo com o artigo de Junqueira (VEJA, 1997), o jurista Cândido Rangel Dinamarco aponta que há de se duvidar do valor e mandar refazer o cálculo.

                        No caso de qualquer destempero, como o acima citado, cometido por alguns de nossos juizes em primeira instância, as decisões poderão ser reapreciadas em segundo grau, por nossos Tribunais.

                        Atualmente mesmo com a razoabilidade sendo usada como critério determinante nas decisões de nossos Tribunais Superiores, nada obsta que casos, como o acima mencionado, ocorram com certa freqüência, fato que além de banalizar o instituto da indenização por danos morais compromete a Segurança Jurídica, revelando ainda uma grande lacuna a ser preenchida, no sentido de ser necessária uma fórmula mais eficaz e realista para se chegar a um resultado mais útil não só individualmente considerado na valoração do quantum a ser pago, por ocasião de indenização por danos morais. Daí nasce a idéia de criar uma “estimativa prudente” legalmente quantificada.

3. Os critérios de valoração do Dano:

                        As leis esparsas na legislação brasileira trazem alguns critérios para a avaliação do Dano Moral, os quais são observados por muitos de nossos aplicadores do direito, frisando que esses critérios não fixam o quantum indenizatório, porém servem de parâmetros ao magistrado, para a posterior definição do mesmo.

                        O Código Nacional das Telecomunicações (Lei no 4.117 de 1962) no seu art. 84 prevê:

“Art.84 – Na estimação do dano moral, o juiz terá em conta notadamente a posição social ou política do ofensor, intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e a repercussão da ofensa”.

                        Observem que o art. 84, na parte em que prevê “o juiz terá em conta notadamente a posição social ou política do ofensor”, nesta parte, o dispositivo ao estabelecer um dos parâmetros para se auferir o valor a ser pago a título de indenização, não deixa de afrontar princípios fundamentais do nosso direito como o Princípio da Igualdade, estabelecido no Art. 5o, “caput” da Carta Magna de 1988, o qual também serve de pressuposto para o Princípio da Paridade Processual.

                        Sendo assim, por esse parâmetro, é permitido que uma pessoa com uma posição social ou até política elevada, com exceção de sua situação econômica, seja tratada com certa discriminação ao ter uma condenação mais gravosa do que uma outra pessoa que não tem a mesma situação social e política, mas que comete o ato ilícito nas mesmas configurações, por isso acreditamos que diante de tal distorção, não há do que se falar em recepção pela Constituição de 1988.

                        É importante ressaltar que, por outro lado, a situação econômica do ofensor deve ser levada em consideração, para se verificar se o mesmo pode responder pecuniariamente pelo dano, ou se sua responsabilidade incorrerá em obrigação de fazer ou não fazer, assim como para se poder atribuir uma responsabilização capaz de satisfazer um critério elementar atualmente adotado, qual seja: o didático, disciplinador ou como alguns chamam de penalizador, sendo que, neste caso, não há do que se falar em incongruência com o Princípio da Igualdade. 

                        Os demais parâmetros estabelecidos nesse artigo estão adequados a uma busca coerente e eqüitativa de um valor para aquele direito, mesmo que imaterial, a ser pago pelo responsável de uma lesão.

                        Ademais, a Lei no 5.250, de 09 de Fevereiro de 1967, que regula a liberdade de pensamento e informação, no seu art. 53 dispõe:

“Art.53 – No arbitramento da indenização em reparação de dano moral, o juiz terá em conta, notadamente: 1 – A intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social do ofendido; 2 – A intensidade do dolo ou grau de culpa do responsável, sua situação econômica e a sua condenação anterior em ação criminal ou civil fundada em abuso do exercício da liberdade de manifestação do pensamento ou informação; 3 – A retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou civil, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos em lei e independente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtido pelo ofendido”.

                        Não resta dúvida que esta legislação trata com maior profundidade e acerto alguns critérios, que observados orientam o magistrado rumo a um arbitramento do valor a ser pago pelo dano moral causado, uma vez que, alguns critérios adotados em leis esparsas são bem adequados.

                        Para AMÉRICO LUÍS MARTINS DA SILVA (Dano Moral e a sua Reparação Civil. 2a ed, 2002, p.314) existem três maneiras diferentes de fixação da reparação de danos decorrentes de atos ilícitos quais sejam: a) por acordo entre o ofensor e ofendido, ou por quem tem a obrigação de indenizar e o ofendido, também denominada reparação convencional, cujo quantum é fixado pela vontade dos interessados; b) em alguns casos, por determinação da lei, chamada de reparação legal, cujo quantum é fixado pela lei; c) e por arbitramento admitido em sentença judicial, também conhecida como reparação judicial, cujo quantum é fixado por sentença judicial.

                        Segundo o professor ORLANDO GOMES, nos casos de reparação pecuniária, a primeira dificuldade é a determinação do quantum. Algumas vezes há elementos concretos para fixá-lo, mas, freqüentemente, não existem. Na sua ausência, o valor da indenização deve ser calculado por aproximação, mediante arbitramento.

                        É o que, de fato, acontece hoje em dia, nas ações de indenizações por danos morais, onde o juiz depois de verificar a efetiva existência do dano, passa para a segunda etapa qual seja: mensurá-lo por aproximação, utilizando-se de critérios já consagrados pela doutrina e em alguns casos pela própria lei, devido à inexistência de uma estimativa legal, a qual visasse à prudência.

                        Diante da falta de uma estimativa prudente do quantum indenizatório, existe um critério consagrado pela jurisprudência, o qual vem servindo de suporte para os demais já conhecidos, para um arbitramento adequado, dentro de uma concepção justa e coerente, com a realidade subjetiva (cada pessoa) e objetiva (do coletivo, sócio-economicamente), associada a um equilíbrio, a qual é fundamentalmente a finalidade do direito.

                        A razoabilidade é um princípio, adotado como um critério não muito evidente, mas com certeza bastante ativo nas decisões judiciais, consagrou-se nos tribunais, através de reformas das decisões monocráticas consideradas incoerentes e demasiadamente excessivas em suas condenações, de forma a ser bastante levado em consideração, mesmo que implicitamente, no arbitramento do valor a ser pago pelo ofensor nas demandas de indenização por danos morais.

                        Algumas das diversas jurisprudências justificam:

EMENTA:

CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. OFENSAS VEICULADAS EM PROGRAMA RADIOFÔNICO. ELEVAÇÃO DO VALOR DE RESSARCIMENTO. ACÓRDÃO FUNDAMENTADO. CPC, ART. 458. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. QUANTUM. RAZOABILIDADE.

I. Achando-se fundamentado o acórdão estadual em sua conclusão sobre a elevação do valor da indenização, em face da situação fática revelada na causa, sobre a gravidade das acusações feitas em programa radiofônico à honra e reputação do autor, não padece a decisão de vício que justifique a pretendida nulidade com base no art. 458 do CPC.

            II. Ressarcimento fixado em parâmetro compatível com a lesão sofrida. (grifei)

III. Recurso especial não conhecido.

(RESP. 416100/PR; RECURSO ESPECIAL 2002/0021563-1 – STJ);

EMENTA:

RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO NÃO CONFIGURADO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ENCERRAMENTO INDEVIDO DE CONTA DE POUPANÇA. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. PADRÃO DE RAZOABILIDADE. MAJORAÇÃO. DESCABIMENTO.

I – Inadmissível o especial pelo fundamento do dissídio se, na forma do que dispõe o artigo 255, § 2o, do RI/STJ, inexiste similitude fática entre os casos confrontados.

 

II – Fixado o valor da indenização por danos morais decorrentes do encerramento indevido de conta de poupança dentro de padrões de razoabilidade, faz-se desnecessária a intervenção deste Superior Tribunal. (grifei)

 

Recurso especial a que se nega conhecimento.

(RESP. 480213/SP; RECURSO ESPECIAL 2002/0166002-0 – STJ).

                        Através desse critério busca-se um equilíbrio, na medida em que o Estado não deixa de prestar a sua tutela jurisdicional, através de uma apreciação em favor do demandante, mas também sobre o demandado ou ofensor não recai uma responsabilização excessiva ou muito aquém com arbitramentos do quantum de forma astronômica e irreal ou hiposuficiente, a ponto de descaracterizar o ideal do direito, como instrumento de uma justiça coerente e eqüitativa.

                        É importante ressaltar que o critério da razoabilidade em matéria de Dano Moral, mesmo sendo um instrumento de equilíbrio utilizado pela jurisprudência, apresenta, por excelência, natureza subjetiva, pois a concepção de razoabilidade pode muito bem variar entre os julgadores ou colegiados, a ponto de o que vem a ser razoável para um, pode não ser para o outro, sem se falar da mutabilidade das decisões jurisprudenciais, vislumbrando assim, que ainda não temos uma situação definida em relação a um arbitramento prudente do quantum, persistindo, desta feita, a possibilidade de indenizações desproporcionais, o que não deixa de retratar uma insegurança jurídica eminente.

4. A Razoabilidade e o Interesse Público:

                        A adoção do Princípio da Razoabilidade, cuja conceituação se origina no Direito Administrativo, como critério para o arbitramento da indenização por danos morais vem sendo de fundamental importância, no sentido de refutar tanto quantias pequenas e insuficientes quanto exorbitantes e milionárias, evitando uma degeneração do instituto e descaracterização do direito em si, devendo assim, buscar um equilíbrio entre a satisfação da vítima e o dever do causador do dano, através de uma quantia pecuniária a ser paga.

                        A necessidade da adoção deste princípio como critério, se consolidou a partir da Constituição de 1988, quando a reparabilidade do Dano Moral, no Brasil, ganhou mais força, passando a ser absolutamente incontestável a sua possibilidade jurídica.

                     Para uma boa parte dos estudiosos que já escreveram trabalhos científicos sobre o assunto a aplicação do princípio da razoabilidade é uma novidade que tende a solucionar a problemática da valoração do quantum nas ações de danos morais, data vênia, é plausível a idéia de que não há o que se discutir em relação a sua condição de ser a solução mais eficaz presente na ordem jurídica, todavia, entendemos que é um atributo que presume a própria norma (lei), juntamente com as presunções de moralidade, legalidade e boa-fé, como pressupostos da Segurança Jurídica nos atos provenientes do Estado, principalmente, no ato de legislar.

                     Corrobora com tal raciocínio o entendimento de J.J. GOMES CANOTILHO (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª ed. Editora Almedina: São Paulo, 1997, p. 1169):

“Qualquer que seja a indeterminabilidade dos princípios jurídicos, isso não significa que eles sejam impredictíveis. Os princípios não permitem opções livres aos órgãos ou agentes concretizadores da constituição (impredictibilidade dos princípios); permitem, sim, projeções ou irradiações normativas com um certo grau de discricionaridade (indeterminabilidade), mas sempre limitadas pela juridicidade objetiva dos princípios. Como diz Dworkin, o ‘direito – e, desde logo, o direito constitucional – descobre-se, mas não se inventa”. (grifo nosso).

                       Outrossim, seria aceitável entendermos que o papel da jurisprudência atualmente em relação à matéria em estudo vem sendo o de aplicar a razoabilidade interpretando-a em si mesma, pois aqui a razoabilidade existe, só que de forma implícita nos preceitos como o art. 5º, V e X, da CF/88, e art. 186 e 927 do C.C.

                    Com efeito, o melhor exemplo que podemos trazer de forma específica ao nosso tema é o projeto de Lei no 6960/2002, em tramitação no Congresso Nacional, alterando o art.944 do Código Civil ao acrescentar um parágrafo que prevê o seguinte:

“§ 2º - A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante". (grifo nosso)

                     O termo “adequado desestímulo ao lesante” está dotado de razoabilidade que carece de interpretação para se produzir os seus efeitos no caso concreto, haja vista a inexistência de um limite pecuniário a ser deduzido pela lei (razoabilidade expressa no sentido de quantificação).

                     Por sua vez, na responsabilidade penal, a razoabilidade também é presumida, porém de forma expressa no que tange a sua quantificação, pois as penas possuem um limite mínimo e máximo suficientes para dar efetividade ao jus puniendi em seus diversos aspectos, exteriorizando desta feita a mesma razoabilidade existente em preceitos constitucionais como art. 5º, XXXIX, da CF/88 (“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”), resguardando assim, o cidadão de um possível arbítrio ilimitado do Estado em relação à sua liberdade de locomoção, o que seria seguramente irrazoável.         

                     O professor LUÍS ROBERTO BARROSO (Temas de Direito Constitucional. 2ª ed. Editora Renovar: São Paulo, 2002, p. 156) divide a razoabilidade em duas espécies: “razoabilidade interna” e “razoabilidade externa” como se demonstra:

“Deve ela aferir-se, em primeiro lugar, dentro da lei. É a chamada razoabilidade interna, que diz com a existência de uma relação racional e proporcional entre seus motivos, meios e fins. Incluí-se aí a razoabilidade técnica da medida”.

“De outra parte, havendo a razoabilidade interna da norma, é preciso verificar sua razoabilidade externa, insto é: sua adequação aos meios e fins admitidos e preconizados pelo texto constitucional. Se a lei contravier valores expressos ou implícitos na Constituição, não será legítima nem razoável à luz desta, ainda que o fosse internamente”.                               

                        Sendo assim, a previsão constitucional apesar de ter pacificado a sua possibilidade, porém, fez com que nascesse uma outra polêmica no campo infraconstitucional: a quantificação do dano, a qual é bastante complexa devido ao seu caráter ultra-subjetivo relacionado à falta de disposição legal expressa em relação ao valor quantitativo (razoabilidade objetiva expressa) e pela absoluta abstração do objeto, o que dificulta ao máximo, se buscar uma valoração aritmética exata.

                        Esse ultra-subjetivismo possibilita pedidos absurdos que buscam quantias astronômicas assim como decisões arbitrando quantias ilógicas e irreais no sentido de se valorar “muito” ou “pouco”, as quais em muitos casos vêm sendo reformadas pelos Tribunais Superiores embasados em uma “interpretação” da razoabilidade.

                     É importante esclarecer que, ainda não foi encontrada uma solução legal para a problemática do quantum indenizatório, pois mesmo com a razoabilidade adotada como critério nas decisões judiciais, principalmente nos Tribunais, através das inúmeras jurisprudências, a valoração continua essencialmente subjetiva, o que ainda deixa precedente para ocorrência de valorações exageradas ou hiposuficientes, colaborando, no primeiro caso, com o atual congestionamento do judiciário, oriundo, dentre outras causas, dos inúmeros pedidos de indenização por Danos Morais sem qualquer causa de pedir, ou quando possuem são motivados pela possibilidade de ganhar muito dinheiro, o que vem a ser, na maioria dos casos, a verdadeira causa petendi.

                        As possíveis exorbitantes indenizações em nossa Ordem Jurídica não deixam de retratar uma afronta ao próprio interesse público, pois um país como o Brasil e com as peculiaridades que tem, onde os indicadores sociais de pobreza e concentração de renda estão nos primeiros lugares no ranking mundial, valores elevados, favorecendo certa supremacia econômica de uns sobre outros, associada a um enriquecimento sem causa, a título de indenização, são veementemente incompatíveis e torna o Poder Judiciário um instrumento mais econômico do que jurídico, maculando a própria função jurisdicional, a qual deve ser entendida como ensina a renomada doutrina processualista:

“O processo, legitimamente relacionado ao poder político jurisdicional, precisa ser apto a dar a quem tem um direito, na medida do que for praticamente possível tudo aquilo a que tem direito e precisamente aquilo a quem tem direito” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 365).

                        Princípios doutrinários da ciência jurídica ensinam que o interesse particular, no caso em apreço, satisfação de um direito pessoal lesado, não pode se sobrepor ao interesse público, no sentido de aquele deve estar nos moldes deste, sem que o contrarie ou o ameace.

                        Para o professor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: “o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo específico algum da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas dele, como, por exemplo, os princípios da função social da propriedade, da defesa do consumidor ou do meio ambiente (art.170, incisos III, V e VI) ou em tantos outros. Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social”. (Curso de Direito Administrativo. 7a ed, 1995, p.53).

                        O enriquecimento de uns, paralelo à miséria de outros, com causa ou sem causa está diretamente relacionado ao interesse público, pois com certeza, contribui para agravar os indicadores sociais assim como congestionar a máquina judiciária com milhares de pedidos sem qualquer interesse jurídico devido à ganância de muitos.

                        Não há dúvidas que o caráter ultra-subjetivo na valoração do quantum é uma lacuna, a qual permite que em nossa realidade jurídica sejam retratados absurdos, com arbitramentos de montas que muitas vezes jamais fazemos idéia de quanto representa em espécie, quando não a possibilidade de reformas de decisões pelos Tribunais que ensejam em uma desvalorização do direito a ser tutelado, reduzindo de forma suntuosa. A subjetividade pertinente ao Dano Moral é insuperável em relação ao seu objeto, porém pode ser abrandada e limitada frente à Segurança Jurídica e, por via de conseqüência, ao próprio interesse público, acarretando assim, uma diminuição significativa das elucubrações valorativas e também em um maior controle jurídico, o que propicia uma maior consistência do direito.

5. A teoria do valor desestímulo:

                       A teoria do valor desestímulo teve sua origem no direito norte-americano, através da expressão “punitive demages” que traduzindo para o vernáculo significa danos punitivos. A finalidade do instituto está relacionada a um desestímulo ao ofensor de não mais praticar a conduta danosa por meio de uma imposição de pagamento de grandes quantias, as quais significam atribuir valores milionários às vítimas lesadas, isto também, conseqüentemente, proporciona um exemplo à própria sociedade de forma a inibi-la da prática de atos que possam atentar contra o patrimônio moral de alguém.

                       Para RODRIGO MENDES DELGADO (O valor do dano moral. Como chegar até ele. Teoria e prática. Editora JH Mizuno, São Paulo, 2003, p. 256) deve-se entender: “A teoria do valor do desestímulo é um instituto através do qual, por meio da condenação a uma soma milionária, pretende-se obter, a um só tempo, a punição do ofensor, desestimulando-o a reincidir no erro e, proporcionar um exemplo à sociedade como um todo, como meio preventivo”. 

                      O Brasil, a partir da expressa possibilidade de reparabilidade por danos morais, de acordo com o art. 5º, V e X, da Constituição Federal, acolheu com mais voracidade a teoria do valor desestimulo, tendo como grandes defensores CARLOS ALBERTO BITTAR e o eminente professor JOÃO CATILLO.

                       No que diz respeito aos valores indenizatórios aplicados no Brasil revelaram, em um primeiro momento, situação análoga a dos Estados Unidos, com os contínuos pagamentos de valores milionários. Aliás, há um movimento por lá para rever os critérios de indenização em face às conseqüências econômicas sofridas, que vêm inviabilizando, inclusive, atividades profissionais.

                        Por adotarem várias indenizações extremamente elevadas, os Estados Unidos vivenciam atualmente uma crise da responsabilidade civil. Esta crise do sistema da chamada loteria judicial (judicial lottery) pode ser observada no livro de autoria de Peter Huber (Liability, The Legal Revolution and its Consequences, Basic Books, New York, 1988). No Brasil esta vertente, de indenizações elevadíssimas, por enquanto e com “perigosa” maleabilidade, vem sendo contida através da adoção do princípio da razoabilidade como critério, principalmente nas decisões do Superior Tribunal de Justiça, firmando precedente no sentido de que, embora em regra não revise valores, excepcionalmente, em caso de indenizações aberrantes pode sim alterar o valor das mesmas.

6. A razoabilidade objetiva no Ordenamento Jurídico e uma estimativa legal do quantum indenizatório:

                      Inexiste, na principal fonte do direito brasileiro, a lei, “uma estimativa prudente” da quantificação do dano moral, a qual disporia de um teto máximo para as indenizações, fato que não comprometeria o livre convencimento do magistrado, pois o quantum variaria do mínimo até um máximo permitido em lei, sendo que a quantificação dentro dessa estimativa dependeria do arbítrio exercido pelo julgador, assim como possibilitaria ao juiz que mensurasse a indenização acima do valor máximo permitido em lei para se fazer valer o caráter disciplinador da condenação (nos casos de o ofensor ser possuidor de elevado poderio econômico que comprometa a própria efetividade da condenação), porém este valor excedente não se destinaria ao ofendido, mas sim para um fundo social, o que desta feita, levaria o Estado, através da sua função jurisdicional, corresponder tanto à necessidade da pretensão do direito privado quanto no resguardo do interesse público.

                      Para LUÍS ALBERTO BARROSO (Temas de Direito Constitucional. 2ª ed. Editora Renovar: São Paulo, 2002, p. 52): “A lei, por sua vez, opera a despersonalização do poder, conferindo-lhe o batismo da representação popular. Visa, sobretudo, a introduzir previsibilidade nos comportamentos e objetividade na interpretação”.

                    O grande e saudoso jurista ANDRÉ FRANCO MONTORO uma vez escreveu: “Nas sociedades modernas, a lei é indiscutivelmente a mais importante das fontes formais da ordem jurídica. Ela é a forma ordinária e fundamental de expressão do direito. É a lei que fixa as linhas fundamentais no sistema jurídico e serve de base para a solução da maior parte dos problemas do direito”. (Introdução à Ciência do Direito. 25ª ed. Editora RT: São Paulo, 1999, p. 327).

                      Mutatis Mutandis, o “Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem” reafirma a importância da lei como fonte precípua do direito em uma sociedade politicamente organizada ao declarar como “essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei”.

                     Ademais o nosso Ordenamento Jurídico incorporou em seus preceitos tal princípio, quando na própria Carta Política prescreve no seu art. 5º, II, que “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” assim como conferiu um caráter secundário às demais fontes quando a Lei de Introdução ao Código Civil, no seu art. 4º, dispõe que “quando a lei for omissa” é que poderão ser aplicadas as demais formas de expressão do direito.

                     Com efeito, podemos seguramente afirmar que a “estimativa legal” da quantificação das indenizações por Danos Morais, em nada lesionaria qualquer princípio ou instituto jurídico, pelo contrário, favoreceria para uma maior consistência do direito material em prol da própria Segurança Jurídica.

                    Para uma maior compreensão, a expressão “Segurança Jurídica” passou a designar um conjunto abrangente de idéias e conteúdos, objetos de uma verdadeira evolução tanto doutrinária quanto jurisprudencial, quais sejam: “a existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias, assim como sujeitas ao princípio da legalidade; a confiança nos atos do Poder Público, que deverão reger-se pela boa-fé e razoabilidade; a estabilidade das relações jurídicas, manifestada na durabilidade das normas, na anterioridade das leis em relação aos fatos sobre os quais incidem e na conservação de direitos em face da lei nova; a previsibilidade dos comportamentos, tantos os que devem ser seguidos como os que devem ser suportados; a igualdade na lei perante a lei, inclusive com soluções isonômicas para situações idênticas ou próximas”. (Luis Roberto Barroso em seu livro: Temas de Direito Constitucional. 2ª ed. Editora Renovar: São Paulo, 2002, p. 50).          

                      Assim, não nos resta dúvida de que a Segurança Jurídica em relação ao direito de indenização por danos morais, em uma concepção moderna, inevitavelmente requer, dentre outros requisitos, a previsibilidade, boa-fé e razoabilidade como pressupostos necessários de quaisquer atos do Poder Público, em especial, dos atos legislativos. A razoabilidade, como bem foi analisada, já existe de forma implícita através de preceitos constitucionais e até mesmo infraconstitucionais, restando apenas a sua previsibilidade em uma quantificação moldada não no interesse privado, mas soberanamente, no interesse público.

                      O professor HELY LOPES MEIRELES (Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed. Editora Malheiros, São Paulo, 2004, p. 92) deixou-nos o seguinte ensinamento em relação ao Princípio da Razoabilidade: “Sem dúvida, pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública. Como se percebe, parece-nos que a razoabilidade envolve a proporcionalidade, e vice-versa. Registre-se, ainda, que a razoabilidade não pode ser lançada como instrumento de substituição da vontade da lei pela vontade do julgador ou do intérprete, mesmo porque ‘cada norma tem uma razão de ser’”. (grifo nosso).

                      Destarte, a jurisprudência não tem deixado de exercer um papel de extrema relevância quando da ausência de previsão legal acerca do quantum, todavia o seu caráter maleável apenas garante uma previsibilidade parcial ou até mesmo precária, o que nos caso em discussão, fragiliza a Segurança Jurídica.

                      Para o professor ANDRÉ FRANCO MONTORO (Introdução à Ciência do Direito. 25ª ed. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 1999, p. 353): “A jurisprudência, como a lei, traça uma norma jurídica geral e obrigatória. Mas se distingue da lei por sua maior flexibilidade e maleabilidade”.

                      Por sua vez, VICENTE RÁO (O Direito e a Vida dos Direitos, n. 192, p. 303) expõe o seguinte entendimento em consentâneo a doutrina aceita na ordem jurídica contemporânea: “a lei surge como fonte direta e imediata do direito, seguindo-se-lhe, tão somente, com caráter mediato e direto, o costume. Além dessas, nenhuma outra fonte pode admitir-se, nem mesmo com caráter supletivo. E também se exclui a jurisprudência, isto é, a ‘auctoritas rerum similiter judicatarum’, porque por maior que seja a influência dos precedentes judiciais, jamais eles adquirem o valor de uma norma obrigatória e universal, podendo, quando muito, propiciar reformas ou inovações legislativas, como também pode fazer a ciência jurídica”.

                      Ademais se faz mister destacar que nos tempos antigos, mais precisamente à época concernente ao Código de Hamurabi, a quantificação do dano era objetiva, no sentido de não se ter uma estimativa legal prudente do valor a ser pago, como se sugere aplicar no Brasil, mas sim, uma valoração exata, ou seja, um valor certo para cada tipo, como podemos observar em alguns casos:

§ 209 – “Se um homem livre (awilum) ferir o filho de um outro homem livre (awilum), e em conseqüência disso, lhe sobrevier um aborto, pagar-lhe-á 10 ciclos de prata pelo aborto”.

§ 211 – “Se pela agressão fez a filha de um Muskenun expelir o (fruto) de seu seio: pesará cinco ciclos de prata” (cinco ciclos de prata correspondiam a mais ou menos 40 gramas de prata).

§ 212 – “Se essa mulher morrer, ele pesará meia mina de prata” (meia mina equivale a 250 gramas de prata).

                            Atualmente o Projeto de Lei no 1443/2003 em tramitação no Congresso Nacional (Anexo IV), estabelece critérios para a definição do valor da indenização, mais precisamente, no seu art.2o, §§ 1o e 2o conforme se observa:

“Art. 2o - A indenização do dano moral será fixada em até duas vezes e meia os rendimentos do ofensor ao tempo do fato, desde que não exceda em dez vezes o valor dos rendimentos mensais do ofendido, que será considerada limite máximo”.

§ 1o - “Na ocorrência conjunta de dano material, o valor indenizatório do dano moral não poderá exceder a dez vezes o valor daquele apurado”.

§ 2o - “A autoridade judicial deverá levar em consideração, para a fixação do montante indenizatório, o comportamento do ofendido e se houve retratação por parte do ofensor, podendo reduzir a indenização e, até mesmo, cancela-la se houver anuência do ofendido”.

                        O referido projeto apresenta uma finalidade de relevante interesse tanto jurídico, quanto social, ao levarmos em consideração que o Direito também é uma ciência social, ao dispor sobre uma estimativa prudente com a adoção de um limite máximo para as indenizações, porém carece de uma previsão mais aperfeiçoada, pois se observa que o legislador não aplica a razoabilidade de forma a corresponder uma solução eficaz para a problemática da quantificação do Dano Moral, ou seja, esquece da proporcionalidade como elemento integrante da razoabilidade objetiva (previsão expressa em relação ao debitum), a qual se pretende.   

                        Quando o seu art. 2o, “caput”, prevê que “A indenização do dano moral será fixada (...), desde que não exceda em dez vezes o valor dos rendimentos mensais do ofendido, que será considerada limite máximo.”, a proporcionalidade é esquecida quando nos deparamos com um caso concreto de o ofendido receber mensalmente um salário mínimo. Neste caso a indenização máxima que essa pessoa poderia receber hoje seria de R$ 3.000,00 (três mil reais), valor este, dependendo do caso de dano e da capacidade econômica do ofensor, muito aquém.

                        Para uma previsão legal mais eficaz, torna-se necessário que na estimação prudente através de um “piso” e um “teto” indenizatório se busque um equilíbrio fundado na razoabilidade objetiva que possibilite o pagamento de indenizações nem hiposuficientes, nem hipersuficientes, assim como também, refute qualquer tipo de disparidade processual, fazendo-se valer princípios fundamentais como o da igualdade, legalidade e, principalmente, o da segurança jurídica juntamente com o resguardo do interesse público.

                      Ademais, retrata uma movimentação institucional, mesmo que ainda incipiente, no sentido de solucionar, legalmente, a definição do quantum, afastando o máximo a possibilidade de indenizações absurdas e sem qualquer razoabilidade.

                         A referida iniciativa legislativa vislumbra uma tendência da sociedade, devidamente representada, de estabelecer um parâmetro legal para a valoração do Dano Moral, ao criar uma estimativa, almejando coerência com o escopo do direito e com a realidade sócio-econômica do país, evitando-se assim grandes distorções e o desvio da própria finalidade do Poder Judiciário.

7. Conclusão:

                    Portanto, podemos entender que não vem a ser prudente partirmos do pressuposto de que o patrimônio moral é quantitativamente imensurável para justificar tanto o não pagamento de eventual lesão quanto o pagamento com base em somas elevadas a ponto de desequilibrar a própria relação jurídica.

                   Um Estado Democrático de Direitos exige para sua própria consistência a impossibilidade de se impor poderes ilimitados assim como de se exercer direitos sem qualquer restrição legal, como garantia da sua própria ordem institucional.

                   A finalidade do trabalho não foi a de criticar a sistematização atualmente adotada para se tentar valorar as indenizações por danos morais, mas sim demonstrar que apesar da razoabilidade está presente nas decisões de nossos Tribunais, a subjetividade persiste em detrimento a uma definição legal que garanta não somente o exercício do direito privado, mas também, respeito às limitações que resguardem uma maior Segurança Jurídica, e, por conseguinte, o Interesse Público.

                   No caso em estudo, é de se observar um conflito entre garantias constitucionais quais sejam: uma de direito privado, relacionada ao direito de ser indenizado em virtude de lesão à moral (art. 5ª, V e X); e outra de ordem pública, no sentido de vedar o enriquecimento sem causa e tudo que atente contra a liberdade, justiça e solidariedade assim como zelar pela legalidade, maior segurança jurídica e a erradicação da pobreza, da marginalização e principalmente das desigualdades sociais (artigos 3º e 5º, II), sendo vital para a sociedade que haja a prevalência de alguns princípios ou garantias mais importantes do que outros existentes em nossa Constituição.  

                 Com efeito, é Princípio Geral do Direito que o interesse público se sobre ponha ao direito privado como forma de garantir a harmonia e ordem social as quais constituem características precípuas de uma sociedade politicamente organizada.

                 É por isso que neste sentido o grande mestre J.J.GOMES CANOTILHO (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª ed. Editora Almedina: São Paulo, 1997, p. 1168) concluiu com muita propriedade:

 “Considerar a constituição como uma ordem ou sistema de ordenação totalmente fechado e harmonizante significa esquecer, desde logo, que ela é, muitas vezes, o resultado de um compromisso entre vários actores sociais, transportadores de idéias, aspirações e interesses substancialmente diferenciados e até antagônicos e contraditórios.” (grifo nosso).

“(...). Daí o reconhecimento de momentos de tensão ou antagonismo entre os vários princípios e a necessidade, atrás exposta, de aceitar que os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma ‘lógica do tudo ou nada’, antes podem ser objeto de ponderação e concordância prática o seu ‘peso’ e as circunstâncias do caso”. (grifo nosso)

                           Por fim, diante do estudo acima apresentado podemos concluir pela possibilidade de um sistema legal de valoração, pois está bem evidenciado que a nossa Ordem Jurídica por meio de seus princípios fundamentais, leis e doutrinas admite uma estimativa legal do quantum indenizatório nas ações de danos morais.

Bibliografia:

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DELGADO, Rodrigo Mendes. O valor do dano moral. Como chegar até ele. Teoria e prática. São Paulo, Editora JH Mizuno, 2003.

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MATIELO, Fabrício Zamprogna. Dano Moral, Dano Material e Reparações. 3a ed. Porto Alegre, Sagra Luzzato Editores, 1997.

MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29ª ed. São Paulo. Editora Malheiros, 2004.

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SANTINI, José Raffaeli. Dano Moral: Doutrina, Jurisprudência e Prática. 2a ed. Revisada e Ampliada. Campinas – SP, Agá Júris editora, 2000.

VALLER, Wladimir. A Reparação do Dano Moral no Brasil. 1a ed. São Paulo, E.V. Editora Ltda, 1994.

ZENUN, Augusto. Dano Moral e Dano Moral e Sua Reparação. 6a ed. Rio de Janeiro, Editora Forense, 1997.

(Texto elaborado em: Abril/2005)

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Como citar o texto:

BRANDÃO, Caio Rogério da Costa..Dano Moral: valoração do quantum e razoabilidade objetiva. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 129. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/637/dano-moral-valoracao-quantum-razoabilidade-objetiva. Acesso em 7 jun. 2005.

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