Quem não se lembra do Proálcool, programa criado pelo Governo Federal, em 1975, visando reduzir a importação de petróleo, mediante a sua substituição pelo álcool? Em decorrência desse programa é que passou a ser acrescentado álcool anidro à gasolina, tendo o Governo Federal liberado, entre 1973 e 1989, aproximadamente 7 bilhões de dólares aos usineiros.

Além do incentivo às pesquisas de novas tecnologias, durante certo período, a Petrobrás adquiriu toda a produção dos usineiros, em razão de um acordo. Em 1986, houve a estagnação do proálcool.

Muitos creditam esse fracasso à especulação por parte dos usineiros, que voltavam suas usinas para a produção de açúcar sempre que a demanda deste produto subia no mercado externo. Isso fez com que faltasse álcool nas bombas dos postos, colocando em risco o transporte daqueles que adquiriram veículos a álcool.

Resultou daí que a demanda por veículos a álcool diminuiu e as montadoras pararam de produzi-los. Os usineiros, então, passaram a depender apenas do mercado externo e acumularam prejuízos.

Em função de reclamação dos usineiros junto ao Governo Federal, voltou a ser incrementado o proálcool em 1994. Essa retomada atinge o seu auge agora, com o domínio no mercado dos veículos com tecnologia FLEX, que podem ser abastecidos com álcool ou gasolina.

Mais uma vez, o Governo ajudou os usineiros, por exemplo, reclassificando os veículos FLEX para fins de IPI, equiparando-os aos veículos a álcool. Em março de 2003, surgiram os primeiros veículos FLEX, como opcionais de mercado e hoje alguns modelos já saem da fábrica com a tecnologia FLEX, deixando de existir o modelo a gasolina.

A imprensa noticia, agora, novas dificuldades com o Proálcool. Foram sucessivos os aumentos de preços, fazendo com que o litro do preço do álcool atingisse mais do que 70% do preço do litro da gasolina, tornando o álcool uma opção não econômica para o consumidor. Há falta também de álcool nas bombas porque, novamente, os usineiros estão optando por exportar açúcar em razão dos preços mais atrativos do mercado externo.

A alta do preço do álcool hidratado já está estimada em 13,8%, cerca de R$0,20, enquanto que a alta do preço da gasolina será de R$0,09, o que representa reajuste de cerca de 4%, por conta da redução da mistura de álcool anidro, de 25% para 20%.

Dizem os usineiros que o mercado é livre e que podem modificar o preço do álcool conforme as suas oscilações. Não é bem assim, uma vez que o art. 170, V e VI da Constituição Federal, por exemplo, consagram a intervenção do Estado na economia para proteger o consumidor e o meio ambiente.

Tanto um quanto outro estão sendo prejudicados no caso. Na medida em que o consumidor pagou mais caro pelos veículos flex para poder economizar no combustível e, posteriormente a essa aquisição, o benefício desapareceu. O Governo perde credibilidade porque, por duas vezes pelo menos, o consumidor confiou e foi lesado. Já o prejuízo ao meio ambiente também é notório, uma vez que a redução de álcool anidro na gasolina, já adotada, aumenta os gases poluentes na atmosfera, o mesmo ocorrendo em relação à opção do consumidor pelo uso da gasolina.

O álcool, além de ser um combustível renovável, é bem menos poluente do que a gasolina, sendo certo que o aumento dos níveis de poluição, notadamente em cidades como São Paulo, prejudica a qualidade de vida das pessoas, atingindo principalmente os idosos e as crianças, ocasionando demanda maior pelos serviços de saúde, prejudicando a sociedade.

O Governo pode e deve intervir na economia. Está na hora de dar um basta às especulações dos usineiros. Atitudes como essa podem configurar, em tese, crime contra a ordem econômica, previsto na Lei nº 8.137/90, especialmente aquele definido no art. 4º, VII consistente em “elevar sem justa causa o preço de bem ou serviço, valendo-se de posição dominante no mercado.”. Entendemos também deva ser adotada a medida extrema de limitar os aumentos abusivos, tendo em vista que a produção dos usineiros só cresceu dessa forma em razão dos auxílios do Governo Federal.

Essas especulações e o lucro desmedido têm que parar.

 

Como citar o texto:

ROLLO, Arthur; ROLLO, Alberto..O proálcool "parte 2". Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 168. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/cronicas/1087/o-proalcool-parte-2. Acesso em 3 mar. 2006.

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