A sociologia fenomenológica, pelas mãos dos professores alemães que seguiram para os Estados Unidos fugindo da babárie nazista, propôs uma interpretação de nossa tendência humana para racionalizar as coisas como último recurso ante uma alternativa pior: a de que o mundo careça de sentido, que seja puro caos onde tudo, absolutamente tudo, seja permitido. Depois dos incessantes golpes que, dia após dia, estamos sofrendo por conta de uma criminalidade desenfreada e descontrolada, começa a aparecer nos Estados Unidos e Europa uma iniciativa similar: pretender entender e explicar o que ocorre no cérebro de um criminoso, ou seja, de entender porque agem de tal maneira, em completo desprezo pelo sofrimento do “outro”. Em uma palavra, que circunstâncias lhes levam a habitar no primeiro círculo do inferno de Dante: o da indiferenzza, o reino do puro e insensível interesse próprio egoísta.

Patricia Churchland, pesquisadora no Salk Institute californiano de investigações em neurociência cognitiva, apontou uma possível interpretação ligada ao gene que regula a enzima monoamina oxidase, MAOA. Em 2002, Caspi e seus colaboradores haviam detectado que a MAOA permite ao cérebro das crianças maltratadas compensar em certo modo essa tragédia, evitando que eles desenvolvam traços de personalidade anti-sociais. Daí deduzir que aqueles que se mostram agressivos, inclusive até o extremo de converter-se em assassinos capazes de matar uma missionária como a irmã Dorothy Stang, carecem desse gene benéfico vai um passo.

De fato, os laços genéticos da enzima MAOA são estudados desde princípios dos anos 80 do século passado. Suas possíveis anomalias se relacionaram não somente com a conduta anti-social mas também com o alcoolismo e inclusive com a esquizofrenia. Mas os estudos a respeito, contudo, não são concludentes: enquanto alguns investigadores encontram correlações entre variantes genéticas da codificação da MAOA e essas patologias, outros as descartam. Em 2004, por exemplo, Jaffee, Caspi, Moffitt e Taylor, da mesma equipe que levantou a pólvora da associação entre a genética e a conduta agressiva, concluíram que para que se dêem alguns dos traços de personalidade que denominamos patológicos tanto influi o herdar anomalias como o fato de haver sido maltratado quando criança. O sentido comum seguramente poderia haver deduzido isso por si só.

Mas, que relação existe entre a conduta agressiva provenha de onde provenha, e a responsabilidade? O aparato de justiça americano está dando voltas à possibilidade de introduzir-se no cérebro dos suspeitosos de um crime para saber se foram eles ou não os culpados. Parece que algo já se avançou desde os tempos em que o Dr. Lombroso sugeria somente medir-lhes o crânio. Contudo, nos encontramos ainda em uma parecida incapacidade para entender o que é a culpa, quais são suas razões e o que medeia entre os impulsos para o crime e a vontade.

Bem vindos sejam todos os avanços que nos permitam conhecer melhor o mal e suas causas. Mas ainda que os avanços da ciência nos permita descobrir que alguns indivíduos têm alterado sua capacidade genética para a prática de comportamentos patológicos e anti-sociais, nada, absolutamente nada, virá a substituir a responsabilidade do Estado, em grau de tolerância zero, de adotar todos os meios necessários para que possamos formar parte de uma sociedade na qual impere a segurança, a liberdade e o direito de poder lutar por todos aqueles que ainda se encontram na parte mais escura da vida - “no pior de todos os mundos possíveis”, para usar a expressão de Schopenhauer - sem ter que temer os que nasceram para matar.

 

Como citar o texto:

FERNANDEZ, Atahualpa; FERNANDEZ BISNETO, Atahualpa..Nascidos para matar. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 173. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/cronicas/1174/nascidos-matar. Acesso em 9 abr. 2006.

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