Em março do corrente ano, o governo Português passou a implementar um programa de desburocratização, por meio de num conjunto de 333 medidas condensadas no Plano de Simplificação Administrativo, denominado “Simplex 2006”. O principal objetivo desse programa consiste em dotar a Administração Púbica com respostas prontas e eficazes às necessidades dos cidadãos e das empresas.

O Simplex 2006, segundo o site do Governo Português (http://www.portugal.gov.pt), é um exercício pedagógico. Servirá com estímulo ao serviço público para fazer, continuamente, o levantamento permanente das suas relações com os administrados, para avaliar os custos e os respectivos encargos e para questionar a sua pertinência. Sem esquecer do compromisso de identificar os constrangimentos e os impedimentos legais e burocráticos já existentes na Administração Publica, a fim de dar eficiência e consistência às medidas de simplificação, além de adequar os ambientes legais, regulamentares e administrativos. Trata-se, outrossim, de uma contraprestação fundamental a toda sociedade para o fim de libertar recursos das empresas, dar mais dinamismo à economia e eliminar custos públicos de contexto esdrúxulo. E, ao mesmo tempo, permitir que o Estado possa concentrar seus esforços naquelas atividades que são as suas obrigações essenciais. Para tanto, foi necessário concentrar esforços para superar os obstáculos burocráticos inúteis; simplificar os procedimentos administrativos complexos; reduzir os prazos de resposta aos administrados; eliminar as formalidades dispensáveis, os requisitos absurdos, os falsos instrumentos de controle que verdadeiramente ninguém utiliza.

Concisamente, a novo programa de simplificação administrativo do Governo Português preconiza: (i) a eliminação das certidões, reforçando o canal de informações interno e o compartilhamento da informação pública, no respeito aos direitos do cidadão, relativo à matéria de proteção dos seus dados pessoais contidos nos serviços de informação da Administração; (ii) desmaterialização do papel de modo a aproveitar das facilidades oferecidas pelas tecnologias da informação e da comunicação para eliminar os antigos circuitos do papel, facilitando a informação e diminuindo os custos de gestão; (iii) desburocratização, que consiste no combate à complexidade dos processos, fazendo a sua reengenharia, reduzindo o volume dos documentos e a rigidez das práticas administrativas; (iv) desregulamentação, isto é, a eliminação dos controles e dos constrangimentos prévios, desnecessários ou desproporcionais, desenvolvendo o princípio da confiança e da responsabilização entre cidadãos, empresa e Governo; (v) facilitação dos acessos ao serviço público, por meio da articulação dos diferentes organismos públicos que atuam no âmbito do mesmo procedimento, numa lógica de integração de serviços e de partilha da informação; e, (vi) consolidação do regime jurídico, melhorando o acesso e da compreensão das leis e dos regulamentos, reduzindo custos de interação com os cidadãos e as empresas, bem como no interior da própria Administração.

Não se pode esquecer, entretanto, que o caminho da desburocratização tem início com a simplificação preventiva das atividades públicas. Atividade preventiva essa que possui a finalidade de avaliar o impacto normativo concentrado nos custos administrativos, que é usualmente realizada por meio da avaliação ex-ante do impacto de medidas legislativa e/ou administrativas. Os testes de avaliação do impacto normativo (Regulatory Impact Assessment – RIA) são os instrumentos mais usados para esse efeito. Este teste difere do método tradicional de avaliação do impacto normativo, pois refuta a mera visão da aplicação da lei (abstrata e genérica) ao caso em concreto, preferindo analisar o reflexo da criação da norma jurídica e dos seus efeitos na vida social e nas relações econômicas. Impõe ao legislador, desse modo, o dever de garantir a qualidade, racionalidade e eficiência a nova legislação. Por conseguinte, a simplificação do ambiente legislativo contribui para aumentar a certeza, a compreensão e a efetividade da aplicação do Direito. Além de prevenir encargos administrativos excessivos e desproporcionais para o cidadão e para a empresa.

De outro lado, o processo de simplificação corretiva é complexo. Envolve a aplicação de instrumentos e mecanismos diversificados e depende, por muitas vezes, de um conjunto de ações interligadas. Com efeito, o Governo Português criou o seu próprio sistema de avaliação do impacto normativo formado por quatro etapas distintas, a saber: Primeira, avaliação da existência de novos encargos, o tipo de encargo e a busca de uma solução alternativa para sua eliminação. Segunda, quantificação dos custos dos encargos do ponto de vista dos seus destinatários (metodologia inspirada no standard cost model). Terceira, avaliação da nova medida idealizada de acordo com as prioridades e boas práticas administrativas eletrônicas (desmaterialização de procedimentos e formulários, somado a partilha de informações). Quarta, promoção da consolidação normativa, afastando o labirinto de leis conflitantes, norteado pelos mecanismos da  sistematização e da racionalização.

O Governo Português já colocou em prática algumas dessas 333 medidas administrativas, sendo a de maior impacto aquela que torna facultativa todas as escrituras sobre os atos relativos à vida das empresas. Assim como a simplificação de autenticação de documentos e reconhecimento presencial de assinaturas. No futuro, o reconhecimento presencial ou por semelhança de assinatura poderá ser feito também por conservatórias, advogado, solicitadores e câmaras de comércio e indústria, acabando com o monopólio dos notários.

Contudo, a medida que melhor reflete essa austeridade na eficiência dos serviços públicos de Portugal resulta da medida denominada “Empresa na Hora”, que já permitiu a criação de 2.622 empresas, com um tempo médio de constituição de apenas uma hora e sete minutos.

Em contra partida, para ser efetivada a fusão ou cisão de duas sociedades comerciais eram necessários 03(três) atos de registro em uma das Conservatórias de Registro Comercial, 04 (quatro) publicações em papel na III Série do Diário da República, 01 (uma) escritura pública no notário e 02 (duas) publicações em jornais locais. Agora, por meio da nova sistemática, bastará registrar o projeto num site web, publicar também num site web a convocatória da Assembléia Geral e proceder a um único registro na Conservatória, publicado também por via eletrônica. Igualmente, para encerrar as atividades de uma sociedade comercial era necessário lavrar uma escritura pública no notário, registrar a dissolução e a liquidação da Conservatória do Registro Comercial, além de publicar o ato de dissolução no Diário da República em seção específica.

De ressaltar que esse enfadonho modelo burocrático mostrava-se totalmente incoerente aos padrões da eficiência exigido no mercado globalizado, pois propiciava um desnecessário duplo controle de legalidade. Vale dizer, outrossim, que o custo também era dobrado! Com a nova prática administrativa, o empresário poderá dirigir-se simplesmente a uma Conservatória e, num único momento, constituir, dissolver ou liquidar a sociedade comercial, procedendo de imediato o registro desse ato. A publicação passará a ser feita por via eletrônica, com recurso de um site que já está disponível naquele país. Desse modo, caberá apenas à Conservatória do Registro Comercial garantir a segurança jurídica dos atos de comércio, concorrendo com a eficiência e qualidade na prestação do serviço público, por meio de apenas um ato de controle público.

A reforma burocrática portuguesa, necessário concluir, encontrou sua pilastra mestra no seguinte princípio político: nenhum regulamento sem fundamentação, nenhum pedido de informação sem razão de ser, nenhum formulário sem justificação. Rompeu, por conseguinte, com a sedutora lógica burocrática de procurar encontrar uma boa justificação para criação de uma nova formalidade. Porém, a quebra do paradigma está em eliminar esse acúmulo de normas que por fim emperram a máquina administrativa. Por fim, vale dizer que a simplificação do aparato burocrático revela um sistema inteligente e racional, com mecanismos eficientes na coleta e armazenamento de informações, enaltecendo a confiança entre os cidadãos, os agentes econômicos e a Administração Pública, pautada pela segurança jurídica.

Um exemplo a ser seguido.

 

Como citar o texto:

GOMES, Carlos de Souza..Desburocratização, o exemplo de Portugal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 174. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/cronicas/1180/desburocratizacao-exemplo-portugal. Acesso em 16 abr. 2006.

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