Há 13 anos, a comunidade de Vigário Geral, no Rio, acordou sacudida por um trágico acontecimento, cruelmente realizado no bairro, do qual todos os brasileiros tomaram conhecimento. Episódio mundialmente conhecido como “Chacina de Vigário Geral”.

O insólito e revoltante crime hediondo perpetrado por arremedos de policiais, alguns já condenados, causou a morte de 21 pessoas, inclusive crianças e idosos, retirados do seio das famílias pela sanha assassina de perigosos meliantes, entre eles figuras integrantes do grupo de extermínio denominado “Cavalos Corredores”, para quem o assassinato é mera rotina.

O evento gerou a condenação criminal de alguns policiais militares e o ajuizamento de inúmeras ações de indenização pela combatente Defensoria Pública estadual.

Das diversas ações ajuizadas, duas merecem destaque. Dona Dora, mãe de uma das vítimas, Hélio de Souza Santos, na ocasião com 38 anos, ajuizou uma ação em data posterior, precisamente quatro anos após. O pai e irmãos de Hélio, ao argumento de que igualmente sofreram com sua morte, também ajuizaram iguais demanda. Ambas as ações foram julgadas procedentes. Isto tudo com decisões passíveis de apresentação de recursos.

O pesadelo que não tem fim ganha contornos de crueldade. A ação ajuizada pela mãe de Hélio é julgada improcedente pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e a ação movida pelo pai e irmãos tem a procedência confirmada pela 16ª Câmara do mesmo tribunal.

O horror de uma sociedade diante da verificação de que a Lei, sem motivo razoável para tanto, é aplicada de modo diferente em casos que clamam por decisões unificadas, poderia gerar um ceticismo maior e mais perigoso que o existente. Talvez a própria anomia que hoje assombra os Estados nacionais e preocupa alguns sociólogos.

Não tem jurista que explique a Dona Dora que o Estado foi condenado a pagar aos seus familiares pela morte de Hélio, seu pranteado filho e, com base nos mesmos fatos, sua ação foi julgada improcedente.

A questão aqui tratada é de fato muito séria e extrapola uma mera divergência legal, pois causa uma avalanche de decisões divergentes nos tribunais locais, as quais maculariam ainda mais o já tão criticado Judiciário. Daí o interesse em que se evitem as decisões contraditórias, fator de desmoralização e desprestígio para a Justiça, como no caso concreto, em que dois órgãos fracionários do mesmo Tribunal, em caso de grande repercussão nacional e internacional, emitiram julgamentos diametralmente opostos, o que causa verdadeira comoção social.

É realmente difícil explicar à sociedade porque uma Câmara entende que o Estado é responsável pela reparação dos danos causados aos lesados pela referida “Chacina” e outra, do mesmo Tribunal, entende o contrário. Evitar isso é o objetivo do Estado Democrático de Direito.

 

Como citar o texto:

TANCREDO, João..Chacina de Vigário: dois pesos e duas medidas. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 201. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/cronicas/1582/chacina-vigario-dois-pesos-duas-medidas. Acesso em 21 out. 2006.

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