Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo, diz-se que há uma disciplina jurídica autônoma, quando esta corresponde a um conjunto sistematizado de princípios e regras que lhe dão identidade, diferenciando-a das demais ramificações do Direito. Assim, são os princípios peculiares aplicáveis ao Direito Administrativo que lhe conferem o caráter disciplinar autônomo, pois estabelecem um sistema normativo harmônico e coerente, chamado de regime jurídico-administrativo ou regime publicista. Este regime impõe sujeições e ao mesmo tempo estabelece prerrogativas à Administração Pública.

 

Há dois princípios, entretanto, segundo o mesmo doutrinador, que fundamentam todo Direito Administrativo, ou seja, constituem-se na sua “pedra de toque” do sistema, são eles: Supremacia do Interesse Público sobre o Privado; e a Indisponibilidade pela Administração Pública do Interesse Público.

Pois bem, como já sabemos Supremacia do Interesse Público privilegia os Órgãos encarregados de zelar pelo interesse público em suas relações com particulares, lhes dando prerrogativas ou privilégios como a Presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos; benefícios de prazos maiores quem teriam as pessoas privadas a se manifestar em juízo; prazos especiais para prescrição; impenhorabilidade de seus bens, etc.

Assim, a Supremacia da Administração Pública dá o tom de suas relações com os particulares, quais sejam, a verticalidade e a coercibilidade dos atos administrativos. No primeiro, o Poder Público encontra-se em situação de autoridade ou comando em relação ao particular, razão pela qual poderá constituir, unilateralmente, os particulares em obrigações ou desconstituí-las da mesma forma. No segundo, a Administração Pública impõe a executoriedade ou exigibilidade dos seus atos.

Também, o poder que possui a Administração Pública de anular seus próprios atos quando eivados de nulidade, também chamado de Autotutela, fundamenta-se na supremacia do interesse público.

Pela Indisponibilidade do Interesse Público o Estado tem o dever de perseguir, proteger, curar os interesses públicos, mas nunca poderá deles dispor. Por isso, submete-se as regras que limitam ou predeterminam o seu comportamento.

No entanto, normalmente não é clara a real e objetiva conceituação do que seja Interesse Público. E a sua envergadura alcança o social, a sociedade e o sociológico. Daí a importância de concebê-la de forma precisa é premente, antes mesmo que se dê a sua aplicação.

À Administração Pública compete o atendimento das finalidades públicas previstas em lei, e para isso o ordenamento jurídico à confere verdadeiros poderes, que são instrumentos indispensáveis ao alcance das sobreditas finalidades. Sem eles, o sujeito investido na função não teria como se desincumbir do dever posto a seu cargo. Donde, os que os titularizam manejam, na verdade, “deveres–poderes”, no interesse alheio. Portanto, os “poderes” surgem como instrumentos (prerrogativas) através dos quais o Poder Público irá perseguir o interesse coletivo. Por esta razão estão indissoluvelmente atrelados à finalidade pública em função da qual foram criados. E o exercício desse poder, previsto em lei e, por isso, obrigatório, materializa-se por ato administrativo exercido por pessoa natural, na representação do Estado, enquanto Administração Pública.

Sim! Vozes poderia se levantar afirmando que os atos administrativos são vinculados à Lei, não permitindo à pessoa natural discricionariedade para agir. Porém, como sabemos, não há um poder absolutamente vinculado à Lei. O Administrador não é um mero aplicador da lei. De fato, não é possível ao legislador prever todas as situações fáticas que demandariam a atuação do Administrador. Da mesma forma, não há poder absolutamente discricionário, eis que o administrador está vinculado à determinados aspectos da lei, como a finalidade, por exemplo. Assim, se permite é que determinados aspectos do ato administrativo chamado vinculado sejam discricionários.

A primeira idéia que nos vem à cabeça é a de que o interesse público seria o interesse de todos, ou seja, do corpo social, da coletividade.

Entretanto, este interesse não se contrapõe completamente ao interesse individual, deste não se desvinculando. Ou seja, o interesse público não existe por si mesmo, não se trata de uma realidade estranha e independente a qualquer interesse dos indivíduos, pois o interesse do todo é uma forma específica de manifestação das partes que o compõem.

Com efeito, para se comprovar tal assertiva basta que realizemos a seguinte indagação: Haveria um interesse público discordante do interesse de cada um dos membros da sociedade? A resposta é negativa, pois, do contrário, haveria um contra-senso já que estaríamos admitindo que o bem de todos fosse o mal de cada um. O que pode haver, sem dúvida, é que o interesse coletivo se contraponha a um dado interesse particular.

Portanto, interesse público é a dimensão pública dos interesses individuais que compõe a sociedade, ou seja, o conjunto de interesses de cada indivíduo enquanto partícipe da sociedade. Assim, por exemplo, um indivíduo pode ter o máximo interesse pessoal em não ser desapropriado, mas não pode, individualmente, se opor ao instituto da desapropriação, eis que esta se situa no âmbito do interesse coletivo. Por outro lado, se o Estado, ao praticar um ato administrativo, violando substancialmente a legalidade, desencontra-se daquilo que é verdadeiramente do interesse público, pode ser contestado pelo Administrado quando o onerar pessoalmente.

Torna-se evidente, portanto, que o indivíduo tem direito subjetivo à defesa de interesses consagrados em normas expedidas para a promoção de interesses propriamente coletivos (direitos sociais, por exemplo), quando o descumprimento destas normas pelo Estado acarretar ônus ou gravames suportados individualmente por cada qual.

Por fim, devemos nos atentar para o fato de que os interesses públicos correspondem à dimensão pública dos interesses privados, ou seja, que consistem no complexo dos interesses dos indivíduos enquanto partícipes da sociedade (entificada juridicamente no Estado), não há coincidência necessária entre o interesse público e o interesse do Estado, e das demais pessoas jurídicas de direito público que o compõem. Entretanto, o Estado somente poderá realizar os seus interesses secundários quando estes coincidirem com os interesses primários (públicos) ou forem instrumentos indispensáveis ao seu alcance, eis que o Estado tem a obrigação de provê-los.

Por fim, necessário nos ater que, quem define quais são os interesses públicos que deverão ser perseguidos pelo Estado é a Constituição Federal, a qual, por sua vez, delega a aludida tarefa aos Poderes Estatais: Executivo, Legislativo e Judiciário.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997.

COUTO E SILVA, Almiro do. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei de Processo Administrativo da União (Lei n° 9.784/99). Disponível em: .

COUTO E SILVA, Almiro do. Princípios da legalidade da administração pública e da segurança jurídica no Estado de Direito contemporâneo. Revista de Direito Público, Rio de Janeiro, n. 84, out./dez., 1987.

 

Data de elaboração: janeiro/2012

 

Como citar o texto:

TAVARES, Marco Arlindo..A administração pública e o interesse público. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 988. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/cronicas/2516/a-administracao-publica-interesse-publico. Acesso em 8 jun. 2012.

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