1 INTRODUÇÃO

O estudo da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, inaugurada na Argentina, deriva da necessidade de uma constante releitura dos institutos jurídicos, com o fim de reduzir o anacronismo entre os textos legais e a realidade sobre a qual incidem. Neste diapasão, fundamental é o papel do intérprete, sujeito ativo na construção do sentido das normas jurídicas, que em seu labor, evidentemente, não prescinde de uma conformação entre o texto de lei e os valores socialmente vigentes. 

Busca-se, com esse estudo, promover uma reflexão sobre a necessária ponderação entre a segurança jurídica resultante da uniformidade dos procedimentos e o combate a decisões socialmente incompatíveis com o sentimento de justiça vigente, na medida em que são formalmente coerentes com a letra fria da lei, mas desconectadas da realidade sobre a qual pretendem incidir.

A teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, nesse ponto, parte da noção de dinamicidade da vida, para conceber a posição processual das partes não de maneira estática, mas como situações transitórias, conforme as particularidades do caso concreto, cabendo ao aplicador do direito a adaptação do texto legal a essa realidade disforme. É dizer, impende que se promova uma flexibilização das normas legais a fim de que estas se coadunem com a questão de direito material discutida.

No particular, a distribuição do ônus da prova prevista no art.333 do CPC funda-se num excessivo rigor, que revela a pretensão do legislador de que tal regra fosse hábil a resolver todas as questões de direito material postas em juízo.  Sucede que a prática tem demonstrado que embora, de fato, a regra do CPC seja capaz de resolver a maior parte das questões, em inúmeras outras a sua aplicação resulta na violação de princípios processuais constitucionais que, por seu turno, encerram direitos fundamentais processuais, tais como o direito à igualdade e ao acesso à justiça.

Em situações como estas, defende-se a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, com o fim de modificar a regra geral de distribuição do ônus probatório, atribuindo-se o encargo da prova a quem efetivamente tenha condições práticas de dele desincumbir-se.

Apesar de não encontrar previsão expressa no ordenamento jurídico, afora a destinada às relações consumeristas, a adoção da teoria decorre da direta aplicação dos referidos princípios constitucionais. Isto porque é justamente com base na força normativa dos princípios, especialmente dos cristalizados na Constituição Federal, que poderá o intérprete atribuir ao Direito a dinamicidade capaz de evitar a sua fossilização diante da realidade da vida. Sobre esse aspecto, merece transcrição o pensamento de Eros Roberto Grau:

 

A realidade social é o presente, presente é vida e movimento. A interpretação do direito não é mera dedução dele, mas sim processo de continua adaptação de seus textos à realidade e seus conflitos (GRAU, 2003, p.120).

Importa ressaltar que a tese ora defendida é compartilhada por representativa parte da doutrina e jurisprudência, além de ter sido adotada nos principais anteprojetos ao Código de Processo Coletivo do Brasil, e que se aguarda, com ansiedade, seja definitivamente introduzida no ordenamento pátrio como regra subsidiária ao art.333 do CPC.

2 A TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA

2.1 INTRODUÇÃO

O modelo estático de distribuição do ônus da prova adotado no Brasil encontra similares noutros países, o que explica o surgimento, em alguns deles, de teorias em favor da relativização do rígido arquétipo legal. Dentre elas, merece destaque a teoria consagrada na Argentina através de Jorge Peyrano e Augusto Morello, que, inspirados pela teoria da situação jurídica processual, de Goldschmidt, enunciaram a teoria das cargas probatórias dinámicas, a qual já encontra ampla aceitação no âmbito doutrinário e jurisprudencial brasileiro, onde recebe o nome de teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova.

2.2 ORIGEM

É difícil a tarefa de fixar o momento histórico do surgimento da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. É possível imaginar, no entanto, que seus primeiros delineamentos tenham aparecido com Jeremy Bentham, que, no século XIX, já defendia a necessidade de uma distribuição casuística do ônus probatório (CREMASCO, 2009, p. 71). Segundo ele, o ônus da prova deveria ser atribuído, conforme o caso concreto, à parte que pudesse produzi-la com menos inconvenientes, dilações, vexames ou gastos (CÂMARA, 2005, p. 13-14).

Moarcyr Amaral comenta que

Betham, partindo do pressuposto de que se deve proteger o autor e não o réu, porque o primeiro não se atreveria a propor a ação, senão quando convencido da sua justiça, enquanto que o segundo, no mais das vezes, não tem outro intuito, senão contrariar a demanda, aparta-se do princípio romano que incumbe ao autor fazer prova do alegado – actore incumbit probatio. Para o filósofo inglês, a obrigação da prova, num sistema franco e simples, de procedimento natural, deve ser imposta, em cada caso, à parte que puder satisfazê-la com menores inconvenientes, isto é, menor perda de tempo, menores incômodos e menores despesas. (SANTOS, 1997, p. 100).

A moderna doutrina da distribuição dinâmica também apresenta notória semelhança com o princípio da solidariedade, defendida pelo francês René Demogue, consistindo numa aplicação deste princípio na esfera probatória (CARNEIRO NETO, 2009, p.162), razão pela qual se afirma ser este um antecedente da teoria.

Vale mencionar o princípio da aptidão para a prova, inaugurado pelo autor mexicano Porras Lopes, que ao defender a fixação de critérios de distribuição do ônus probatório no processo do trabalho segundo a noção de que “deve provar aquele que estiver apto fazê-lo, independentemente de ser autor ou réu” (CARNEIRO NETO, 2009, p. 163), acabou por representar mais um antecedente da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova.

A moderna concepção da doutrina das cargas probatórias dinâmicas, da forma como atualmente se conhece surge somente no final do século XX, na Argentina. Wilson Alves de Souza comenta que o seu aparecimento ocorreu

[...] de maneira tímida, porque no objetivo de resolver alguns casos de responsabilidade civil por culpa, notadamente nas hipóteses de erro médico, nas quais se aplicada rigidamente a regra tradicional chegar-se-ia a uma solução injusta. [...]. A aplicação prática de tal teoria, no entanto, vem se alargando para casos antes não imaginados, conforme observação do próprio PEYRANO (SOUZA, 1999, p. 247-248),

de modo que hoje já é amplamente aplicada no país, contando com forte respaldo tanto dos tribunais como da doutrina.

Antônio Veloso Peleja Júnior apresenta uma interessante retrospectiva da evolução da teoria na Argentina:

Na verdade a Corte Suprema de Justiça Argentina já havia, em um de seus julgados, em 1957, balanceado a situação concreta e invertido o encargo probatório, impondo a determinado funcionário público a prova da legitimidade de seu enriquecimento, sob a alegação de que ele estaria em melhores condições que o Estado para produzir a prova. Somente na década de 90, entretanto, o tema passou a ser recorrente nos simpósios e congressos de relevo e ganhou aprofundamento doutrinário, sob a coordenação de Jorge Peyrano. Em 1997, a Corte Suprema novamente utilizou a teoria, ao julgar caso envolvendo a responsabilidade civil na área médica e inverteu o ônus probatório à parte-ré (cirurgião e hospital) em relação à adequação e correção dos procedimentos utilizados durante a cirurgia, sob o argumento de que eles tinham melhores condições de produzir a prova[1].

 

Sobre as bases teóricas do pensamento, o autor argentino Jorge W. Peyrano, citando James Goldschimidt, concebe o processo como situação jurídica, de modo que

Los vínculos jurídicos que nascen entre las partes no son propiamente relaciones jurídicas (consideración estática del Derecho); esto es, no son faculdades ni deberes en el sentido de poderes sobre imperativos o mandatos, sino situaciones jurídicas (consideración dinámica del Derecho), es decir situaciones de expectativa, esperanza de la conducta judicial que há de producirse y, em último término, del fallo judicial futuro; en una palabra: expectativas, posibilidades y cargas. (PEYRANO, WHITE, 2004, p. 76).

2.3 FUNDAMENTOS DA TEORIA: CRÍTICA AO MODELO ESTÁTICO E PROPOSTA DE DISTRIBUIÇÃO CASUÍSTICA DE ÔNUS DA PROVA

Pautando-se na dinâmica atuação das partes no processo, a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, inicialmente, critica a visão excessivamente estática da distribuição do ônus probatório, considerando-a insuficiente e inadequada.

Jorge Peyrano, adepto da consideração dinâmica dos fenômenos processuais, critica o modelo rígido e estático:

Ocorrió entonces que adoptando una visión excesivamente estática de la cuestión, los doctrinadores “fijaron” (y aquí ese verbo debe ser entendido de un modo literal) las reglas de la carga de la prueba de una manera demasiado rígida y sin miramientos, además, para las circunstancias del caso; circunstancias que, eventualmente, podrían llegar a aconsejar alguna otra solución. (PEYRANO, WHITE, 2004, p. 78).

 Defende-se, então, a possibilidade de dinamização do ônus, conforme as particularidades do caso concreto, tomando-se por critério a “situação” da parte no momento da produção da prova, de modo que esta última deverá ser realizada por quem possuir melhores condições (técnicas, culturais, econômicas, etc.) de trazê-la a juízo. Segundo enuncia a teoria, pouco importa a posição ocupada pelas partes na relação processual, mas sim a acessibilidade à produção da prova.

Há que se ter em conta, contudo, que se trata de uma teoria residual e subsidiária à regra geral. Nestes termos, professor Wilson Alves de Souza (1999, p. 247-248) assevera:

Não se nega a validade da teoria clássica como regra geral, mas não se pode é admitir tal regra com inflexível e em condições de solucionar todos os casos práticos que a vida apresenta.

Assim, no âmbito nacional, a distribuição dinâmica do ônus da prova seria aplicável quando a regra do art.333 do CPC imputasse a uma das partes o ônus de produzir prova impossível ou sobremodo difícil (a chamada prova diabólica), impossibilitando, na prática, a defesa do direito defendido pelo onerado e quando, simultaneamente, o adversário tivesse maior facilidade na produção de tal prova em juízo. É justamente como forma de impedir que as partes sejam encarregadas de produzir probatios diabolicas que, segundo esta teoria, pode o juiz, excepcional e fundamentadamente, inverter o ônus da prova, atribuindo-o a quem possua melhores condições de desincumbir-se do encargo.

3 SUPERVENIÊNCIA DO CDC

3.1 O INCISO VIII DO ART. 6º DO CDC

A única previsão legislativa expressa que adota distribuição dinâmica do ônus da prova no ordenamento brasileiro encontra-se no art.6º, VIII da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e apresenta a seguinte redação:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Inicialmente, merece destaque o fato de ter a lei haver conferido ao juiz a verificação casuística e, portanto, subjetiva, das situações em que a “dinamização” será aplicável.

Trata-se, por conseguinte, de uma inversão ope iudicis, não se confundindo com a chamada inversão ope legis, esta última fixada abstratamente e prescindindo da avaliação subjetiva do magistrado quanto à sua aplicação. Essa distinção revela-se fundamental, pois a “inversão” ope legis não é tecnicamente uma inversão, mas uma verdadeira uma regra especial de distribuição do ônus, aplicável aos casos indicados em lei, a exemplo do art. 38 do CDC.

3.2 INVERSÃO X DINAMIZAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

Nota-se, ainda, que o legislador consumerista optou pela expressão “inversão do ônus da prova” para denominar a flexibilização do modelo previsto como regra geral no Código de Processo Civil. Para Artur Thompsen Carpes (2008, p. 123-124), contudo, embora a expressão já esteja consagrada, mormente no âmbito das relações de consumo, em verdade trata-se de “distribuição” do ônus da prova e não de inversão.

Para o autor, a inversão do ônus da prova consiste na transferência integral dos ônus probatórios de uma parte a outra. Todas as alegações fáticas cujo ônus da prova tocava a uma das partes terão que ser demonstradas pela outra. Sucede que a justificativa para a ruptura da regra geral do art.333 do CPC funda-se, justamente, no combate à desigualdade entre as partes. A questão é que esta desigualdade no âmbito probatório dificilmente se manifestará quanto à produção de todas as alegações fáticas das partes, mas somente algumas.

Segundo esta visão, a expressão correta seria “dinamização”, que consiste na transferência do ônus da prova somente em relação às circunstâncias de fato que, caso tivessem que ser provadas pelo sujeito indicado no art.333 do CPC, comprometeria o seu direito fundamental à igualdade substancial em relação à parte adversa e o seu direito fundamental à prova.

De fato, ao se tomar como exemplo demandas envolvendo responsabilidade civil, nas quais o objeto da prova refere-se ao dano, nexo causal e à culpa, verifica-se que não haverá, obrigatoriamente, a necessidade se transferir ao réu do ônus de provar a inocorrência de todos os fatos constitutivos, mas somente aqueles cuja demonstração se mostrar excessivamente difícil para o demandante.

Embora a crítica do autor tenha pertinência, não há qualquer prejuízo prático em tratar dinamização e inversão do ônus da prova como sinônimos, já que um conceito está contido no outro. Isto porque a inversão consiste na transferência integral do ônus de provar as circunstancias fáticas de uma parte para outra e dinamização, diversamente, na transferência, somente, da alegação fática capaz de gerar uma probatio diabolica para a parte. Como é um imperativo do princípio da cooperação que o juiz, em decisão fundamentada e prévia à instrução, indique expressamente sobre quais fatos ocorrerá a “inversão”, perde-se o sentido na distinção dos referidos termos.

3.3 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CDC

Feita este observação, impende agora analisar as hipóteses de inversão do ônus da prova previstas no Código de Defesa do Consumidor.

Segundo o art.6º, VIII do CDC, a inversão do ônus da prova deve ocorrer em duas situações não cumulativas: a) constatada a verossimilhança das alegações do consumidor; b) verificando o juiz que o consumidor encontra-se numa condição de fragilidade e hipossuficiência probatória.

A primeira situação decorre de uma presunção relativa de que os fatos ocorreram de acordo com o afirmado pelo consumidor. Neste caso, o juiz dispensa a produção da prova pelo consumidor, cabendo ao fornecedor elidir a presunção. Já na hipótese de o juiz verificar a hipossuficiência probatória do consumidor, deverá determinar a inversão do ônus, como forma de facilitação da demonstração do seu direito em juízo.

Especialmente em relação a esta última hipótese, vislumbra-se uma verdadeira aplicação do princípio da adequação e da igualdade substancial em favor de uma decisão judicial socialmente efetiva. De certo, a introdução da regra no ordenamento brasileiro representou uma importante ruptura na rígida distribuição do ônus da prova até então adotada no país, especialmente por evidenciar a insuficiência de um modelo apriorístico na resolução do todas as situações de direito material litigiosas.

Com efeito, a dicção contida no inciso VII do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor impôs um verdadeiro dever ao órgão judicial de conformação constitucional do processo, ao determinar a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, face à sua hipossuficiência em relação ao fornecedor. Noutras palavras, aferindo o juiz que, no caso concreto, existe uma quebra de isonomia entre as partes, face à maior acessibilidade da prova ao fornecedor, decorrente do seu maior conhecimento profissional ou técnico acerca da atividade comercial que desempenha, a lei determinou a inversão do ônus da prova visando conformar o processo aos valores, princípios e garantias que são colhidos da Constituição (CARPES, 2006, p. 7). É uma nítida manifestação do princípio da solidariedade.

3.4 A NECESSIDADE DE ADOÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA COMO CRITÉRIO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM PROCESSOS NOS QUAIS SE DISCUTE RELAÇÕES JURÍDICAS NÃO CONSUMERISTAS

Os fundamentos que levaram o legislador consumerista a prever a exceção à regra geral de distribuição do ônus da prova não são exclusividade das relações de consumo. A fragilidade e hipossuficiência probatória de uma parte em relação à adversária pode se apresentar, evidentemente, em relações outras além das de consumo. Neste sentido, Wilson Alves de Souza (1996, p. 250):

Deste modo, vê-se que as teorias das cargas probatórias dinâmicas e do princípio da solidariedade, considerando a insuficiência da teoria clássica, sem embargo da validade deste como critério geral, mas que assim não deve ser considerada em caráter rígido ou absoluto, deverão ser aplicadas em qualquer processo, porque só assim o magistrado alcançará o seu objetivo que é o de fazer justiça, jamais de julgar de maneira sabidamente iníqua.

Ainda nesta linha, Robson Renault Godinho (2006, p. 305) afirma:

Entretanto, em uma leitura constitucional do tema, pensamos que a inversão do ônus da prova é condicionada às peculiaridades do direito material e serve como instrumento concretizador do direito fundamental de acesso à justiça, não podendo ficar limitada às relações de consumo.

Sandra Aparecida Sá dos Santos defende, então, a edição de norma com status constitucional que estenda a todos os processos não penais a inversão do ônus da prova desde que presente a hipossuficiência ou a verossimilhança das alegações do onerado pela regra geral do CPC (SANTOS, 2006, p. 98). 

De fato, o ordenamento brasileiro carece de uma previsão geral que estenda a louvável regra prevista para relações consumeristas a outras relações nas quais o desproporcional poder instrutório das partes comprometa o efetivo direito de acesso à justiça a uma delas.

 Não se pode perder de vista, contudo, que o art.6º, VIII do CDC foi pensado para as questões entre consumidor e fornecedor, prevendo-se a inversão, apenas, em favor do consumidor. É dizer, nas causas de consumo, a hipossuficiência que autoriza a inversão do ônus da prova é sempre do consumidor. Uma regra geral, contudo, deverá estabelecer a inversão em favor do hipossuficiente, seja ele quem for, de modo que somente o juiz, após analisar o caso concreto, poderá perquirir tal condição.

Com estas devidas adaptações, se faz necessário que a essência da solução do CDC seja repetida para as demais situações nas quais a regra geral do CPC se mostrar inadequada, a fim de evitar que o hipossuficiente na produção probatória sofra uma desigualdade substancial dentro do processo, com o encargo de produzir uma prova impossível ou excessivamente onerosa.

Embora lamentável, a falta de previsão legislativa não impede a aplicação da teoria, especialmente tendo em vista o conteúdo de princípios processuais expressamente consagrados no ordenamento jurídico brasileiro, conforme será analisado no capítulo que se segue.

4 APLICABILIDADE DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

4.1 CARÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL EXPRESSA

 

 

Conforme mencionado, a única previsão, no ordenamento brasileiro, que admite a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova encontra-se no Código de Defesa do Consumidor, embora a jurisprudência já tenha se deparado com inúmeras situações, além das consumeristas, em que o modelo geral revela-se insatisfatório e violador de direitos fundamentais.

Sucede que a ausência de previsão legal não pode implicar em óbice para a aplicação da teoria quando a regra geral, diante do caso concreto, revelar-se incompatível com a sua adequada solução, bem como com valores fundamentais presentes na sociedade.

Luiz Guilherme Marinoni apresenta uma visão vanguardista sobre o tema para defender que a previsão legal de distribuição do ônus da prova é desnecessária, permitindo-se concluir que ainda que não esteja expressamente prevista em lei, já é possível adotar no Brasil a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. Em suas palavras:

Além disso, não existe motivo para supor que a inversão do ônus da prova somente é viável quando prevista em lei. Aliás, a própria norma contida no art. 333 não precisaria estar expressamente prevista, pois decorre do bom senso ou do interesse na aplicação da norma de direito material, que requer a presença de certos pressupostos de fato, alguns de interesses daquele que postula a sua atuação e outros daquele que não deseja vê-la efetivada. Recorde-se que o ordenamento alemão não contém norma similar à do art. 333, e por isso a doutrina alemã construiu a Normentheorie.(MARINONI, ARENHART, 2006, p. 274-275).

Ainda que se adote uma postura mais conservadora, inegavelmente se faz necessária uma solução interpretativa, impondo-se uma análise dos direitos e valores supremos que permeiam o ordenamento jurídico como forma de superar as antinomias decorrentes da busca de uma solução pelo intérprete pautada em dispositivos legais isolados.

Não se pode olvidar, ainda, que a escolha de um modelo de distribuição do ônus da prova consiste em matéria jurídico-positiva, devendo se relacionar com o sentimento de justiça vigente na comunidade em que se insere. Destarte, na atual sociedade, não mais se concebe decisões que, embora formalmente congruentes com o Direito, sejam incapazes de repercutir, efetivamente, na promoção da paz social. É fundamental, portanto, que se compatibilize o modelo adotado em 1973 com os valores da sociedade atual, a fim de conferir legitimidade às decisões nele baseadas.

 

4.2 A NECESSIDADE DE UMA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E SISTEMÁTICA DO ART. 333 DO CPC

 

 

Apesar de ter o legislador brasileiro adotado um procedimento uniforme, o que poderia gerar a crença de que o intérprete não teria espaço para flexibilizar o modelo do arquétipo legal, é necessário que se adote uma interpretação constitucional do art.333 do CPC, possibilitando ao juiz desonerar a parte incumbida de produzir uma probatio diabolica, e atribuir o ônus, em seguida, àquele que tiver condições de trazer a prova ao processo. Noutras palavras, a despeito da ausência de expressa previsão legal, a aplicação da doutrina da distribuição dinâmica do ônus da prova decorre da necessária interpretação constitucional das normas processuais.

Assim, com base nos princípios consagrados na Carta Magna, deverá o intérprete orientar sua atividade, conformando o texto legal com os valores supremos do ordenamento. Neste sentido, Juan Alberto Rambaldo afirma: 

Estoy harto convencido de que la doctrina en estudio se encuentra perfectamente sostenida por los principios generales del proceso. Y digo eso porque creo que estos principios, además de constituir parámetros interpretativos de las normas vigentes, son también mecanismos generadores de deberes y cargas procesuales que exceden lo expresamente previsto por las normas legales. (RAMBALDO, 2004, p. 29).

 

Artur Thompsen Carpes também se manifesta em defesa desta “constitucionalização” do processo:

Com efeito, a interpretação das regras do Código de Processo Civil não pode escapar às diretrizes apontadas pela Constituição, dada à sua força normativa, à sua condição de norma suprema que condiciona a validade de todo o sistema jurídico. Trata-se, a bem da verdade, de um critério de interpretação, que não pode ser objetado na aplicação da norma pelo operador do direito. Surge, pois, para o juiz um correlato dever de “interpretar” a legislação processual à luz dos valores da “Constituição Federal”, pensando o procedimento em conformidade com as necessidades do direito material e dos casos concretos. (2006, p. 6-7).

Deste modo, é necessário que o intérprete conceba os princípios constitucionais como verdadeiras normas, capazes, portanto, de prescrever condutas. Nas palavras de Wilson Alves de Souza:

[...] não há como interpretar o Direito abstraindo princípios, estejam ou não estes consignados nos textos legais, até porque, seja como for, os princípios são normas superiores, e um ponto tal que em caso de conflito entre estes e a lei, deverão os princípios prevalecer. (1996, p. 252).

Seguindo esta tendência, vislumbra-se a necessidade de conformação do art.333 do CPC aos princípios constitucionais, como forma de evitar que a sua aplicação literal e inflexível implique numa violação aos direitos fundamentais processuais. Esta tarefa, por óbvio, compete ao juiz, que deverá extrair do texto legal norma capaz de conferir máxima efetividade a tais direitos ou, se for o caso, afastar a aplicação da regra diante das particularidades do caso concreto, preservando a supremacia da Constituição Federal.

4.3 OS PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS PROCESSUAIS

Avançando no tema, o professor Fredie Didier Jr. atribui aos princípios constitucionais processuais posição de direitos fundamentais processuais, e aponta três conseqüências desta nova visão de processo:

a) o magistrado deve interpretar esses direitos como se interpretam os direitos fundamentais, ou seja, de modo a dar-lhe o máximo de eficácia; b) o magistrado poderá afastar, por inconstitucional, qualquer regra que se coloque como obstáculo irrazoável/desproporcional à efetivação de todo direito fundamental, c) o magistrado deve levar em consideração, na realização de um direito fundamental, eventuais restrições a estes impostas pelo respeito a outros direitos fundamentais, aplicando o princípio da proporcionalidade”. É preciso visualizar, neste sentido, a clara ligação entre estes princípios constitucionais processuais e a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova. (DIDIER JR, 2007, p. 23).

Dentre os princípios que consistem em “direitos fundamentais processuais”, militam em favor da aplicação da teoria, de forma mais contundente, os princípios do devido processo legal, igualdade, adaptabilidade do procedimento, solidariedade e do acesso à justiça. Defende-se que a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova resulta da aplicação direta desses princípios, de modo a prescindir sua expressa previsão legal para que seja adotada no âmbito nacional.

4.4 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS E A “TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA

4.4.1 O Princípio do Devido Processo Legal (art. 5º, XIV, CF)

O Princípio do Devido Processo Legal insere-se na base dos Estados Constitucionais de Direito, e dele se extraem os demais princípios processuais.

Em sentido formal, o princípio do devido processo legal consagra a garantia de que os indivíduos somente serão processados com base em normas prévia e regularmente elaboradas. Atualmente, contudo, ganha destaque a noção de devido processo legal substancial, que veicula a ideia de que as decisões não devem ser apenas formalmente regulares, mas também substancialmente devidas, capazes, então, de extrapolar o plano ideal do direito e promover mudanças sociais.

É dever do juiz, como aplicação do devido processo legal, conformar as regras de distribuição do ônus da prova, podendo inverter a regra geral como forma de maximizar o direito fundamental processual dos litigantes de se submeterem a procedimentos devidos tanto do ponto de vista formal quanto substancial.

4.4.2 Princípio da Igualdade (art. 5º, caput, CF e art. 125, I do CPC)

Do direito fundamental ao devido processo legal nasce o direito fundamental à igualdade. Nesta linha, compreende-se por igualdade não apenas o tratamento indistintamente igualitário, mas também a necessidade de que eventuais diferenças se justifiquem racionalmente como forma de promoção de uma igualdade efetiva. Destarte, não se imputa apenas ao legislador a tarefa de tratar com igualdade os sujeitos do processo, mas precipuamente ao intérprete, que deverá, no caso concreto, extrair do texto legal, em consonância com o ordenamento, normas capazes de efetivar tal igualdade.  A esse respeito, o art.125, do CPC é expresso:

Art. 125. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

I - assegurar às partes igualdade de tratamento;

Relacionando o princípio à tese defendida, Antônio Janyr Dall’gnol Junior afirma:

Só é possível igualdade, em tema de prova, quando se viabiliza a sua realização, independentemente de quem a produza. Aliás, o disposto no art.131, primeira parte, não permite dúvida quanto à preocupação com o resultado da atividade probatória, e não para com quem tenha realizado a demonstração (DALL`AGNOL JR, 2001, p.105).

Conclui-se que as normas processuais devem ser aplicadas de modo a garantir a real “igualdade de armas” das partes dentro do processo. No particular, a distribuição do ônus da prova deve ser concebida como um instrumento de promoção da igualdade e não como agravamento da desigualdade. É preciso que o juiz pondere, em cada caso, qual será a solução capaz de conferir máxima efetividade ao princípio – se a regra geral de distribuição do ônus da prova ou se sua inversão.

4.4.3 O Princípio da Adequação

Outro relevante princípio processual é o da adequação ou adaptabilidade do procedimento, sendo uma de suas manifestações a orientação da atividade do intérprete no sentido de conformar o procedimento ao caso concreto, segundo suas peculiaridades.  O princípio pode ser compreendido em dois momentos: direcionando a atividade legislativa e a orientando o intérprete a adaptar o procedimento ao caso concreto.

Ao conceituar o princípio da adaptabilidade, o professor Fredie Didier Jr. (2007, p. 51) preceitua:

Nada impede, entretanto, antes aconselha, que se possa previamente conferir ao magistrado, como diretor do processo, poderes para conformar o procedimento às peculiaridades do caso concreto, tudo como meio de mais bem tutelar o direito material. Também se deve permitir ao magistrado que corrija o procedimento que se revele inconstitucional, por ferir um direto fundamental processual, como o contraditório (se um procedimento não previr o contraditório, deve o magistrado determiná-lo até mesmo ex officio, como forma de efetivação deste direito fundamental). Eis que parece o princípio da adaptabilidade.

O processo, portanto, não se desconecta da Constituição Federal, de modo que deve adequar-se sempre à Carta Magna. Esta adequação, por seu turno, deve ser almejada tanto pelo legislador, na elaboração das leis, quanto pelo intérprete, na conformação dessas leis aos preceitos constitucionais. Ademais, deve o processo dialogar com a matéria nele veiculada, a fim de que as decisões que dele decorram possam repercutir na prática, coadunando-se, então, com o sentimento de justiça prevalente no seio social.

A distribuição do ônus da prova, nesse sentido, deve adequar-se tanto à Constituição Federal quanto às particularidades do caso concreto, cabendo ao juiz avaliar se será mais adequado manter a regra geral ou distribuir dinamicamente o ônus da prova.

4.4.4 O Princípio da Cooperação ou Solidariedade (arts. 339, 340, 342, 345 e 355, CPC)

Já o princípio da cooperação combate a visão do processo como chicana para concebê-lo como produto da atividade cooperativas das partes e do juiz, de maneira que todos têm como objetivo comum a prolação final de uma decisão justa e, portanto, socialmente efetiva.

A distribuição dinâmica do ônus da prova, nesse diapasão, pode servir como instrumento para conduzir às partes a uma conduta mais solidária dentro do processo, rompendo-se com a visão individualista dos interesses processuais: todos devem cooperar com a descoberta da verdade dos fatos, pois à vontade de vencer a demanda, deve-se sobrepor a busca por uma decisão coerente com a verdade dos fatos.

4.4.5 O Princípio do Acesso ao Judiciário (art.5º, XXX, CF)

Pode ocorrer de a regra do art.333, do CPC gerar para a parte onerada o encargo de produzir prova sobremodo difícil, impossibilitando, na prática, a defesa do direito em juízo, e comprometendo-se, em última instância, o acesso ao Judiciário. Sobre este tema, Danilo Knijnik (2006, p. 943) aponta que a aplicação invariável da regra geral do CPC, implica, muitas vezes, em “restrições ocultas” à garantia do acesso útil ao Poder Judiciário:

Essa perspectiva conduz-nos a certas situações nas quais a aplicação das regras sobre ônus da prova pode acarretar manifesta injustiça, a ponto de inviabilizar o acesso útil ao Poder Judiciário, violando-se, ainda que de forma oculta, o art.5º, XXXV, da CF.

Quando diante de determinados casos a aplicação do art.333 do CPC revelar-se violadora do direito fundamental ao acesso à justiça, caberá ao juiz conformar à distribuição do ônus da prova à Constituição Federal, podendo então afastar a regra geral, para atribuir o ônus de prova de maneira que não se inviabilize o efetivo acesso das partes ao Judiciário. Impende que se faça, por conseguinte, uma compatibilização da regra com o art.5º, XXXV da Lei Maior.

4.5 O PRINCÍPIO DISPOSITIVO E A DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA

Além da falta de previsão legal, há quem critique a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova sob o fundamento de que o sistema brasileiro adota o princípio dispositivo, razão pela qual se a parte deixasse de trazer as provas ao processo estaria, consequentemente, dispondo do seu próprio direito. Sucede que, como bem analisa Barbosa Moreira (1984, p. 180), ainda que as partes disponham do seu direito, não trazendo a prova ao processo, subsiste para o juiz o poder de averiguar os fatos.

Analisando o tema, Wilson Alves de Souza é categórico:

De fato, não é crível que o processo venha a ser lugar para injustiças quando se pode fazer justiça, de modo que faz-se necessário aí a atuação do juiz, porque num sistema jurídico que de há muito tempo consagrou o caráter publicístico do processo, não é tolerável que as partes tenham poder de dispor sobre o poder do juiz de melhor investigar a realidade dos fatos. (1999, p. 249).

Juan Alberto Rambaldo acentua as críticas à visão individualista do processo, defendendo, inclusive, a existência de uma obrigação processual das partes na busca da verdade dos fatos:

La doctrina procesal moderna ha avanzado lo suficiente como para entender que ambas partes se encuentran obligadas a producir su aporte a los fines de esclarecer la verdad de los hechos controvertidos, no por voluntad sino por obligación procesal, para lograr una aplicación del Derecho por el sentenciante que tiende a ser más justo. (RAMBALDO, 2004, p. 31).

Destarte, não se pode mais conceber os interesses em torno do processo sejam apenas das partes litigantes. Primeiramente porque a atividade jurisdicional é pública, de modo que o exercício do direito de ação implica numa pretensão em face do Estado-juiz, do qual se busca obter provimento jurisdicional apto a restaurar a paz social. A segunda conclusão é decorrência lógica da primeira, pois, se o que se pretende com o processo é o retorno à paz social, há, então, verdadeiro interesse público na prolação de decisões justas e capazes de repercutir no plano da vida. Artur Thompsen Carpes expressa bem esta idéia com as seguintes palavras:

No entanto, hoje não se vive mais num Estado Liberal, onde se exaltava um individualismo que marcava o processo como um jogo, uma batalha, que interessava tão-somente às partes. Hoje se vive um Estado Constitucional, onde se está a cultivar outros valores. Nessa pauta, sobrelevam os valores da justiça, da igualdade, da democracia, da dignidade da pessoa humana, do acesso à ordem jurídica justa e do meio ambiente, por exemplo. E o processo, na esteira dessa transformação, assume uma função eminentemente pública. (CARPES, 2006, p. 6).

Ademais, o princípio dispositivo é claramente mitigado pela CPC ao retira do juiz a confortável condição inerte e distanciada do processo, para lhe impor uma conduta mais participativa e atuante, o que pode ser notado, especialmente, nos dispositivos que cuidam de matéria probatória.

4.6 O PAPEL DO JUIZ NA INSTRUÇÃO DA CAUSA.

Por ser o destinatário da prova, a lei brasileira confere ao juiz fundamental papel na fase instrutória do processo, assumindo este a função de verdadeiro colaborador na coleta e produção de provas. Reconhece-se ao magistrado, inclusive, poderes de iniciativa quanto à instrução, pois, embora caiba à parte a iniciativa na deflagração do processo, o seu desenvolvimento se dá por impulso oficial, nos termos do art.262 do CPC.

No direito processual brasileiro, por conseguinte, não se concebe mais o modelo de magistrado “neutro, imparcial, eqüidistante do drama das partes e, por isso, alheio à formação do objeto do processo e à atividade probatória tendente a demonstrar a causa do pedido do autor e a resistência do réu” (THEODORO JR, 1999, p.10).

Nesta linha, o art. 130 do CPC amplia os poderes instrutórios do juiz, atribuindo-lhe o poder-dever de determinar, mesmo que de ofício, as provas necessárias à instrução do processo. É com base nesse artigo que Suzana Cremasco defende que poderá o juiz não apenas participar ativamente da atividade instrutória, mas também alterar o encargo probatório inicialmente existente. Segundo a autora, o magistrado tem poderes para determinar que uma parte traga aos autos uma prova que, em princípio, não lhe competiria trazer, ou ainda, ordenando, de ofício, a realização de provas que deveriam ser produzidas por um ou outro litigante. Tudo isso de forma a aprimorar a instrução do processo e permitir que a sua convicção final se forme e esteja escorada em elementos sólidos. (CREMASCO, 2009, p. 95).

 

É justamente com base na ampliada participação do juiz na produção de provas que se defende a possibilidade de o magistrado tanto determinar de ofício a produção da prova faltante, quanto inverter o ônus probatório, caso verifique ser impossível ou excessivamente difícil para a parte onerada desincumbir-se do encargo. São poderes que se inserem no raciocínio de que cabe ao juiz buscar, dentro do processo e em conformidade com os direitos fundamentais e princípios constitucionais, uma projeção dos fatos que mais se aproxime da verdade real.

Ademais, milita em favor do argumento de que o juiz pode, casuisticamente, inverter o ônus, a já analisada previsão do art.125 do CPC, que lhe imputa o dever de promover a igualdade de tratamento entre as partes. Sobre o papel do juiz quanto a esse aspecto, interessa transcrever o pensamento de Antônio Veloso Peleja Júnior (2009, p. 2):

O juiz não pode quedar-se na situação de mero espectador, em um comodismo intelectual que se apóia no formalismo que esclerosa o processo. Não pode ficar escravo da letra da lei, na mais exata concepção montesquiniana, e chancelar uma saída legal injusta e inadequada para a situação posta, em franco contra-senso ao mandamento constitucional que impõe a igualdade material das partes em busca de um processo justo e équo.

 

Assim, caso verifique que o modelo legal de distribuição do ônus da prova promove uma injustificada desigualdade substancial entre as partes, estará o magistrado adstrito a promover a inversão, sem que isto torne questionável a sua parcialidade no processo, pois o juiz, nesse contexto, seria parcial se assistisse inerte, como um espectador a um duelo, ao massacre de uma das partes, ou seja, se deixasse de interferir para tornar iguais partes que são desiguais. A interferência do juiz na fase probatória, vista sob esse ângulo, não o torna parcial. Ao contrário, pois tem a função de impedir que uma das partes venha a vencer o processo, não porque tenha o direito, que assevera ter, mas porque é economicamente mais favorecido que a outra. (WAMBIER, 1995, p. 245-250).

 

4.7 CRITÉRIOS E LIMITES À APLICAÇÃO DA TEORIA

É preciso, contudo, que a teoria seja aplicada de forma criteriosa, a fim de não se comprometer, desproporcionalmente, a segurança jurídica que deve permear as relações processuais. “Deve-se buscar dotar o juiz de critérios seguros para operar a dinamização. Caso contrário, a tendência é que o incremento de poderes do órgão judicial se aproxime da arbitrariedade, perigo com o qual não se afortuna a convivência”. (CARPES, 2008, p.132).

Defende-se que o critério adotado no art.6º, VIII do CDC seja utilizado, por analogia, como filtro às hipóteses de inversão do ônus da prova nos casos não consumeristas, com a restrição de que esta somente ocorra na hipótese de o juiz verificar hipossuficiência da parte onerada, quando então promoverá a sua inversão fundamentadamente.

Atento ao perigo do seu uso indiscriminado e pouco criterioso, Danilo Knijnik ( 2006, p. 947 e seg.) aponta, de forma sistematizada, limites à teoria. O primeiro se refere à necessidade de que o litigante dinamicamente onerado se encontre em posição privilegiada na produção da prova em detrimento da parte adversa. Isto porque a dinamização do ônus da prova não pode implicar numa probatio diabolica reversa, ou seja, na transferência da produção da prova diabólica de uma parte para a outra. Dito de outra forma,

[...] a dificuldade ou impossibilidade de produção probatória por parte de um dos litigantes deve encontrar, necessariamente, contrapartida na maior facilidade ou melhor condição do outro litigante para a sua realização. (CREMASCO, 2009, p. 87).

Destarte, se, em virtude do papel que desempenhou no desenrolar dos fatos ou em razão de suas condições particulares, a prova for mais acessível à parte inicialmente desonerada e, por outro lado, a parte encarregada pela prova não possuir condições reais de produzi-la, aquela deverá arcar com o ônus da sua produção. Seria o que o legislador consumerista optou por chamar de hipossuficiência.

 Ressalte-se que a simples dificuldade na produção da prova não pode servir de fundamento para a inversão do ônus, mas somente a verificação de uma desarrazoada desproporcionalidade quanto à capacidade de produção de determinada prova pelas partes. “Em outras palavras, se a parte pode produzir a prova, terá o ônus de produzi-la, ainda que tal produção fosse mais fácil para a parte contrária” (CÂMARA, 2005, p.15). A este ponto acrescenta o autor:

Esse limite material, porém, deve sofrer rigoroso escrutínio processual: o ônus dinâmico não pode ser aplicado para simplesmente compensar a inércia ou inatividade do litigante inicialmente onerado, mas, única e tão-somente, para evitar a formação da probatio diabolica diante da impossibilidade material que recai sobre uma das partes, à luz da natureza e da sintaxe da norma.

Danilo Knijink também ressalta a necessidade de se atentar para duas circunstâncias: a inviabilização da prova (i) por fato culposo da parte contrária; (ii) por violação dos deveres de cooperação por um dos litigantes.

No primeiro caso, o ônus da prova seria invertido no sentido de evitar a criação de uma prova diabólica. No segundo, seria preciso analisar se a conduta da parte dificultou ou efetivamente impossibilitou a produção da prova. Se a recusa em colaborar visa dificultar a posição da outra parte na produção da prova, a solução seria a cominação das sanções ao comportamento processual ímprobo. Por outro lado, se a recusa inviabilizar a produção da prova, haveria necessidade de dinamização do ônus da prova, pois a falta de colaboração de uma das partes não pode comprometer a adequada instrução da causa. O art. 232 do Código Civil adota solução semelhante a ora defendida: “Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.”

 A previsão do supracitado artigo, embora destinada a um caso específico de impossibilidade de produção da prova causada por uma das partes, demonstra a necessidade de se prever cláusulas gerais com base nas quais se inverta o ônus da prova sempre que ficar constatado que a conduta de um dos litigantes pretender impossibilitar a produção da prova. O próprio legislador, em dispositivos esparsos, reconhece a necessidade de se criar presunções como forma de reequilibrar a relação entre os litigantes, especialmente quando a prova a ser produzida pela onerado necessitar da colaboração da parte adversária. Um ilustre exemplo é a presunção de paternidade no caso de recusa à realização do exame de DNA, introduzida no ordenamento através do parágrafo único do art. 2º da Lei n. 12.0004/09, que apenas cristalizou o posicionamento jurisprudencial já firmado neste sentido. Sobre este tipo de presunção legal, professor Wilson Alves de Souza afirma: “Observe-se que, muitas vezes o próprio legislador reconhece a fragilidade de sua teoria e estabelece expressamente presunções em favor de determinada parte.” (SOUZA, 1996, p. 248).

Verifica-se que, de fato, não é raro que as partes dificultem a produção daquelas provas que sabidamente lhe desfavorecem. Em alguns casos o legislador, conforme dito, opta por prever hipóteses nas quais se justifica a ruptura com o modelo legal.

Indaga-se, então, porque não se estenderia ao magistrado a prerrogativa de flexibilizar a modelo geral com forma de promover o equilíbrio entre as partes. Ora, não teria o juiz, diante de situações concretas e pelo contato direito entre os litigantes, melhores condições que o legislador de perceber que a instrução processual está sendo prejudicada pela conduta de um deles e, então, inverter fundamentadamente a regra geral de distribuição do ônus da prova? Mais uma vez, depara-se com o receio de ampliar a margem interpretativa do julgador, em evidente prejuízo a uma prestação jurisdicional mais adequada.

 

4.8 O PROBLEMA DA PROVA DUPLAMENTE DIABÓLICA

 

Problema de difícil solução, no entanto, é o caso da prova duplamente diabólica. Nesse caso, é importante que o juiz tenha a sensibilidade de não transferir o ônus de produzir uma prova igualmente diabólica à parte inicialmente desonerada.

 

Em princípio, a inversão do ônus da prova somente é admissível como regra dirigida às partes, pois deve dar à parte que originariamente não possui o ônus da prova a oportunidade de produzi-la. Quando se inverte o ônus é preciso supor que aquele que vai assumi-lo terá a possibilidade de cumpri-lo, pena de a inversão do ônus da prova significar a imposição de uma perda, e não apenas a transferência de um ônus. (MARINONI, 2006, p. 276).

 

Segundo Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira,

 

Em tais casos, não cabe ao juiz manter o ônus da prova com aquele que alegou o fato, tampouco invertê-lo, na fase de saneamento (ou probatória), para atribuí-lo ao seu adversário. [...]. Para definir qual será a sua regra de julgamento (ônus objetivo), cabe ao juiz verificar, ao fim da instrução, qual das partes assumiu o ‘risco de inesclarecibilidade’, submetendo-se à possibilidade de uma decisão desfavorável. Assim, se o fato insusceptível de prova for constitutivo do direito do autor: a) e o autor assumiu o risco de inviabilidade probatória (‘inesclarecibilidade’), o juiz, na sentença, deve aplicar a regra legal (333, CPC) do ônus da prova (regra de julgamento) e dar pela improcedência; b) mas se foi o réu que assumiu o dito risco, o juiz deve, depois a instrução e antes da sentença, inverter o ônus da prova e intimá-lo (o réu) para que se manifeste, para, só então, dar pela procedência. (DIDIER, BRAGA, OLIVEIRA, 2008, p. 88).

Admite-se, contudo, que se trata de uma situação de difícil deslinde, devendo o magistrado decidir com base, em última análise, na ponderação dos riscos assumidos entre os sujeitos inseridos na sociedade. É dizer, dada a crescente tensão de interesses verificada na vida em comunidade, impende que os indivíduos tornem-se cada vez mais precavidos quanto à demonstração da idoneidade de suas condutas, que a qualquer momento poderão ser questionadas judicialmente.

Destarte, parece ser mais razoável a solução de que nos casos de alegações fáticas cujas provas sejam duplamente diabólicas, o juiz atribua o ônus a quem assumiu o risco da “inesclarecibilidade”, desde que preservado o contraditório, especialmente quando tal risco foi assumido por quem, segundo a regra geral, não teria o ônus da prova.

Quem adota semelhante solução, no âmbito administrativo, é Durval Carneiro Neto, ao defender que

[...] em muitas situações deverá a Administração previamente adotar procedimentos que assegurem, dentro dos meios que razoavelmente dispõe, os adequados registros de seus atos, para que possam servir de prova em caso de eventual litígio com os administrados” (CARNEIRO NETO, 2009, p. 388).

Agindo assim, estará a Administração Pública evitando o risco da “inesclarecibilidade” em litígios futuros.

5 MOMENTO ADEQUADO PARA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

O momento para a inversão do ônus da prova é questão que já vem sendo discutida no âmbito doutrinário consumerista e, evidentemente, traz relevantes repercussões práticas à aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova.

A doutrina controverte-se acerca da matéria, destacando-se três principais posicionamentos quanto ao momento processual adequado à inversão: na sentença, no despacho inicial e na fase de saneamento (audiência preliminar ou no despacho saneador).

Os autores que defendem que a momento oportuno à inversão é quando da prolação da sentença, dentre eles Cândido Rangel Dinamarco (2003, p. 82-84), Ada Pelegrini, Kazuo Wantanabe (1998, p. 735), Nelson Nery (2006, p. 217), além de decisões do STJ[2], entendem que os dispositivos sobre ônus da prova são regra de julgamento, de modo que sua aplicação antes da sentença implicaria em pré-julgamento.

A esse entendimento são lançadas algumas críticas, sendo a primeira delas relativa à equiparação do ônus da prova (regra de julgamento) à inversão do ônus da prova (regra de procedimento).

A regra de inversão do ônus da prova é regra de processo, que autoriza o desvio de rota; não se trata de regra de julgamento, como a que distribui o ônus da prova. [...] Um coisa é a regra que se inverte (a regra do ônus), outra é a regra que inverte (a da inversão do ônus). (DIDIER, BRAGA, OLIVEIRA, 2008, p. 81).

A segunda seria a ofensa aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, pois

[...] reservar a inversão do ônus da prova ao momento da sentença representa uma ruptura com o sistema do devido processo legal, ofendendo a garantia do contraditório. Não se pode apenar a parte que não provou a veracidade ou inveracidade de uma determinada alegação sem que se tenha conferido a ela a oportunidade de fazê-lo. (DIDIER, BRAGA, OLIVEIRA, 2008, p. 83).

Ora,

[...] se fosse lícito ao magistrado operar a inversão do ônus da prova no exato momento da sentença, ocorreria a peculiar situação de, simultaneamente, se atribuir o ônus ao réu e negar-lhe a possibilidade de desincumbir-se do encargo que antes inexistia (GIDI, 2007, 38).

Os defensores da tese, contudo, afirmam que no momento de o juiz sentenciar, as partes já sabem previamente do risco de ocorrer a inversão, de modo que cabe a estas, até aquele momento, precaver-se quanto à eventual inversão. De fato, há hipóteses em que poderá o juiz inverter o ônus da prova na sentença. É dizer, quando ficar claro que uma das partes, valendo-se da regra geral de distribuição do ônus da prova, deliberadamente omite aquelas cujo acesso lhe é exclusivo ou encontra-se em seu poder, com o manifesto intuito de ocultar a verdade dos fatos para se beneficiar com a ausência da prova que lhe desfavorece. É essa, inclusive, a opinião da doutrinadora Inés Lépori:

Por último, merece destacarse que, desde el punto de vista analizado, la aplicación del instituto de las cargas probatorias dinámicas por parte del juez en la sentencia nunca podrá tomar de sorpresa a ninguna de las partes. Ello así por cuanto nadie puede sorprenderse se si sanciona su propia mala fe, malicia, abuso o falta de lealdad o probidad, tampoco que el hecho de que el tribunal asuma responsablemente su función y se preocupe por mantener la igualdad de las partes, mucho menos por el hecho de que se resuelva con justicia en un caso. (LÉPORI, 2004, p. 77). 

Afora tais casos, nos quais é manifesta a atuação dolosa da parte que omite prova essencial ao processo e que somente ela tem acesso, não se pode defender a inversão do ônus da prova na sentença. Primeiramente, porque a inversão prévia à sentença (preferencialmente antes da fase de instrução) aumenta as chances de uma instrução satisfatória, pois a parte dinamicamente onerada saberá, de antemão, quais as provas que deverá produzir para cumprir o seu encargo, evitando, com isso, um julgamento formal, baseado na regra de ônus da prova.

Nesse sentido, devendo o juiz primar pela busca da verdade real, com base na qual a decisão torna-se mais próxima do sentimento de justiça vigente no seio social, somente deve julgar com base na regra de ônus da prova quando não for possível a elucidação de todos os fatos fundamentais ao julgamento da demanda. Isto porque a decisão judicial será tanto mais efetiva na pacificação dos conflitos quanto mais próxima for a sua fundamentação da verdade real.

É preciso perceber, ainda, que ao se defender, indiscriminadamente, uma inversão na sentença, incorre-se no risco de violação ao princípio da cooperação, segundo o qual deve o juiz adotar uma postura de diálogo com as partes, esclarecendo suas dúvidas ou pedindo esclarecimentos e dando orientações. O princípio visa, sobretudo, criar um ambiente de transparência dentro do processo, oportunizando a efetiva atuação dos seus sujeitos no resultado final da lide.

 Trazendo a questão para o momento da inversão do ônus da prova, caso esta ocorra somente na sentença, indubitavelmente, se estará comprometendo esta atmosfera de cooperação, pois seria imposto ao onerado o fator surpresa, uma vez que ele não teria sido alertado do seu novo ônus em tempo hábil para dele desincumbir-se, caso não já tenha produzido a respectiva prova.

Cumpre pontuar, ainda, que não prospera o argumento de que a inversão do ônus da prova antes da sentença implica em pré-julgamento dos fatos alegados. Primeiramente porque não se trata de regra de julgamento, mas de procedimento. Em segundo lugar porque a parte dinamicamente onerada pode lograr desincumbir-se do encargo e vencer a demanda. E por fim, porque a decisão que inverte o ônus da prova não deve levar em conta a veracidade das alegações, tampouco perquirir a quem assiste razão na demanda, mas tão somente buscar identificar se a causa enquadra-se numa das hipóteses nas quais se autoriza a inversão, como forma de aplicação, especialmente, do princípio da isonomia.

Cumpre acentuar que são deveres processuais das partes o proceder com lealdade e boa-fé, nos termos do art.14, II do CPC. Ressalte-se que o art. 17, inciso II do CPC indica ser litigância de má-fé a alteração da verdade dos fatos e, no inciso IV, a oposição injustificada ao andamento do processo, de modo que a parte que oculta, deliberadamente, prova fundamental ao processo, age de má-fé, estando sujeita, portanto, à condenação por perdas e danos, nos termos do art.16 do CPC.

Há, ainda, os que defendem que a inversão, no rito ordinário, deva ocorrer no despacho da inicial.Tampouco a estes assiste, pois a peça contestatória é fundamental para a fixação dos pontos controvertidos, a partir dos quais se analisará a necessidade de inversão do ônus da prova.

Por fim, a afiguar mais razoável o posicionamento adotado por Antônio Gidi (s/a, p. 38), Marinoni (2009), Eduardo Cambi (2006, p. 418 ss), Artur Thompsen Carpes (2007, p. 40 ss), decisões do STJ[3] e a Súmula n. 91[4] do TJ/RJ, segundo o qual a inversão deve ocorrer, necessariamente, antes da sentença e, preferencialmente, na fase de saneamento.

Segundo esta visão, defende-se que na audiência preliminar ou no despacho saneador, ao fixar os pontos controvertidos, o magistrado poderá inverter fundamentadamente o ônus da prova, possibilitando que a parte dinamicamente onerada tenha a chance de produzir a prova.   Agindo assim, não haverá desrespeito à ampla defesa e ao contraditório, pois antes de iniciada a fase instrutória, as partes já terão conhecimento dos ônus que lhes correspondem, tendo então a oportunidade (e a opção) de orientar sua atividade com base neles. Semelhante opinião é esposada por Jorge Peyrano (SOUZA, 1996, p.250), segundo o qual deve o juiz definir quem tem o ônus de provar em audiência preliminar, antes, portanto, da instrução

5.1 O RECURSO CABÍVEL CONTRA DECISÃO DE DINAMIZAÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

Conforme entendimento acima esposado, salvo em situações excepcionais, nas quais a dinamização do ônus da prova poderá ocorrer na sentença,  como regra geral, tem-se que a decisão que defere, indefere ou determina de ofício a dinamização dos ônus probatórios deve ocorrer na fase de saneamento do processo, assumindo a natureza, evidentemente, de decisão interlocutória, atacável, portanto, pelo recurso de agravo. Resta então analisar se se trata de agravo sob a forma retida ou instrumental.

Com as modificações introduzidas pela Lei n.11.187/05 na redação do art. 522 do CPC, o agravo retido passou a ser a regra, de modo que para a interposição do agravo de instrumento, o recorrente deverá demonstrar a presença de pelo menos uma das três hipóteses legais: i) se a decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação; ii) no caso de inadmissão da apelação ou iii) versar o agravo sobre os efeitos em que a apelação é recebida.

Por serem manifestamente inaplicáveis à decisão de dinamização do ônus da prova, elimina-se as duas últimas hipótese de interposição de agravo de intrumento acima elencadas. Resta então analisar se a possibilidade de tal decisão ser suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação.

Para Sandra Santi, está claro que o recurso contra esta decisão é o agravo de instrumento:

[...] da decisão que defere a inversão, cabível é o agravo de instrumento, uma vez que tal decisão pode causar à parte lesão grave ou de difícil reparação, com efeito suspensivo (art. 522 combinado com o art.558 do CPC); da que indefere, cabe o mesmo recurso, porém com pedido de efeito ativo (criação doutrinária), cuja interposição deve ser feita no prazo de 10 dias (art.522 do CPC) a contar da intimação da decisão interlocutória. (SANTOS, 2006, p. 82).

Adotando o mesmo entendimento, Artur Thompsen Carpes (2008, p.154) sustenta que a interposição do agravo sob a forma retida implicaria em postergar a análise da questão (no caso de ausência de retratação do juiz) para o julgamento da apelação, quando o agravo deveria ser reiterado nas razões ou contra-razões recursais. Se o agravo fosse provido, em atenção ao direito fundamental ao contraditório, se faria necessária a reabertura da fase instrutória, como forma de permitir que a parte onerada por efeito da inversão pudesse se desincumbir do seu ônus, o que representaria uma dilação da duração do processo. Eis as palavras do autor:

Tal necessidade de se reabrir a fase instrutória, especialmente para o fim de permitir à parte onerada se desincumbir de seu ônus, representa dilação indevida do tempo do processo, acarretando prejuízo grave e de impossível reparação a todos aqueles que dele participam. Vale dizer: prejuízo não é apenas das partes, mas do Estado, a quem compete a administração da justiça, e de toda sociedade indiretamente atingida. Viola-se o direito fundamental à duração razoável do processo, colorário do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. (CARPES, 2008, p. 155).

Embora respeitáveis, não se pode concordar com estes posicionamentos. Isto porque não se pode generalizar a ocorrência lesão grave ou de difícil reparação quando a apreciação do recurso contra a decisão que inverte o ônus da prova somente for apreciado quando do julgamento de eventual apelação. Ora, se a parte que tem interesse recursal é a que recebe o ônus decorrente da dinamização, que tipo de prejuízo lhe poderia sobrevir se sua irresignação fosse apreciada na apelação? Primeiramente, se a parte dinamicamente onerada vencer a demanda, não terá interesse recursal em reiterar os fundamentos do agravo retido (ganha-se com a celeridade processual). Se vier a perder por não haver conseguindo desincumbir-se do ônus, não haverá qualquer prejuízo em se impugnar a decisão que o inverteu em sede de apelação.

Por outro lado, caso fosse interposto agravo de instrumento sem efeito suspensivo e a parte lograsse produzir a prova, se verificaria a perda do objeto do agravo, tendo sido praticado ato processual inútil. Por outro lado, caso lhe fosse atribuído efeito suspensivo e, ao final, o agravo de instrumento fosse improvido, haveria um desnecessário retardamento do processo.

É com base, justamente, na celeridade processual, que se defende que o recurso cabível seria o agravo retido.

6 O CÓDIGO MODELO DE PROCESSO CIVIL COLETIVO PARA IBERO-AMÉRICA E ANTEPROJETOS QUE ADOTAM A TEORIA

 

Em maio de 2002, na cidade de Roma, o professor Antônio Gidi propôs a criação de um Código-Modelo de Processo Coletivo para Íbero-América. A idéia foi aceita pelo Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, ficando a cargo de Ada Pelegrini, Kazuo Wantanabe e Antônio Gidi a elaboração do Código. Segundo Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., o modelo de Código de Processo Civil Coletivo elaborado por Antônio Gidi foi o primeiro a sistematizar, enquanto sugestão legislativa, a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova (DIDIER, ZANETI, 2009, p. 308). Eis os artigos relativos ao tema:

Art 11. Ônus da prova.

11. Quando o descobrimento da verdade dos fatos depender de conhecimento técnicos ou de informações que apenas uma das partes dispõe ou deveria dispor, a ela caberá o ônus da prova, se as alegações da parte contrária forem verossímeis.

Art 12. Custo da prova:

12. Quando a produção da prova for extremamente difícil ou custosa para uma das partes e não para outra, o juiz atribuirá a sua produção à parte contrária, que terá o direito de ser ressarcida de suas despesas.

Art.13. Prova estatística:

13. O uso de prova estatística ou por amostragem é permitido como complemento à prova direta ou quando a prova direta for custosa ou de difícil ou impossível produção.

O anteprojeto do Código Modelo de Processos Coletivos para Íbero-américa aprovado pela Assembléia Geral do Instituto Ibero Americano de Direito Processual, realizada em outubro de 2004, durante a XIX Jornada Ibero-Americana de Direito Processual (CREMASCO, 2009, p. 113-114), manteve a opção pela distribuição dinâmica do ônus da prova no § 1º do seu art.12, ao estabelecer que

O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração. Não obstante, se por razões de ordem econômica ou técnica, o ônus da prova não puder ser cumprido, o juiz determinará o que for necessário para suprir a deficiência e obter elementos probatórios indispensáveis para a sentença de mérito, podendo solicitar perícia à entidade pública cujo objeto estiver ligado à matéria em debate, às custas da mesma. Se assim mesmo a prova não puder ser obtida, o juiz poderá ordenar sua realização, a cargo ao Fundo de Direitos de Grupo.

No âmbito nacional a tendência à introdução da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova é claramente percebida em dois importantes anteprojetos ao Código Brasileiro de Processo Coletivo.

O Instituto Brasileiro de Direito Processual, também acolhendo a concepção, previu, em seu art. 11, § 1º, que “O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração” (DIDIER, ZANETI, 2009, p. 309).

A teoria é novamente adotada no art. 19, § 1º do anteprojeto elaborado em conjunto pelos programas de pós-graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Estácio de Sá, sob a coordenação do professor Aluísio Gonçalves Mendes, com a seguinte redação:

O ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração, cabendo ao juiz deliberar sobre a distribuição do ônus da prova por ocasião da decisão saneadora. (DIDIER, ZANETI, 2009, p. 492).

Certamente, a tendência em breve se materializará com a definitiva introdução do Código de Processo Coletivo ao ordenamento pátrio, de maneira que a previsão do art.6º, VIII do CDC deixará de ser a única a adotar da teoria no âmbito nacional. Espera-se ainda que num futuro próximo o legislador avance na questão de modo a adotar expressamente a distribuição dinâmica do ônus da prova como aplicação subsidiária em todos os processos nos quais a regra geral do art. 333 do CPC revelar-se inadequada.

7 PRECEDENTES JUDICIAIS

A despeito da falta de previsão legal na Argentina, jurisprudencialmente, a teoria já se alastrou no país por quase todos os campos do Direito. Inés Lépori (2004, p. 70) elenca o rol de matérias às quais se tem aplicado a teoria:

Como podrán comprobar examinando los antecedentes jurisprudenciales de todo el país, la teoría se aplicó en muy diversas materias, entre las que podemos citar: accidente de tránsito, concursos, contrato de depósito, contrato de garaje, criminal correccional, daños y perjuicios, derecho bancario, entidades financieras, falsificación de cheques, lesión subjetiva, locación de obra, prensa, responsabilidad contractual, responsabilidad extracontractual, responsabilidad médica, seguridad social, simulación, títulos de crédito.

O primeiro antecedente da aplicação da teoria pelos tribunais argentinos, segundo a autora, ocorreu na Corte Suprema de Justicia de la Nación, em 1957, que ao julgar suposto enriquecimento ilícito de um funcionário, entendeu que

[…] sea el funcionario quien produzca la prueba de la legitimidad de su enriquecimiento y no el Estado la ilegitimidad; es aquél quién está en las mejores condiciones para subministrar esa prueba, en tanto que para éste existiría, si no una imposibilidad, una grave dificultad evidente. (PEYRANO, 2004, p. 71).

Sucede que a teoría de las cargas probatórias dinámicas somente ganhou fôlego entre os tribunais argentinos quarentas anos após o primeiro precedente, quando a Corte Suprema julgou uma famosa ação de responsabilidade por erro médico. Nesse caso, a paciente demandante carecia de elementos para demonstrar as irregularidades no tratamento que lhe fora dispensado, como os prontuários e exames complementares de diagnóstico. Assim, decidiu a Corte que caberia à demandada a confecção da história clínica da paciente e que o desaparecimento das provas relativas ao procedimento médico não poderia prejudicar a acionante em razão da situação de inferioridade na qual esta se encontrava (PEYRANO, 2004, p. 73). Esse foi o precedente que impulsionou a retomada do interesse pela distribuição dinâmica do ônus da prova como meio de se evitar decisões flagrantemente injustas.

Ainda no âmbito da jurisprudência internacional, é interessante mencionar a expressiva receptividade da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova pelos tribunais da Espanha, onde recebe o nome de doctrina de la facilidad probatória (CARNEIRO NETO, 2009, p.145). Foi por sugestão dos próprios juízes, que a teoria ingressou no ordenamento do país, através do art.217 da Lei n. 1/2000 (legislação processual civil)[5].

No Brasil, apesar de não encontrar a mesma força jurisprudencial que na Espanha e Argentina, a teoria vem ganhando adeptos por expressiva parte da doutrina e dos tribunais. Ainda que muitos julgados não façam referência expressa à teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, em diversos deles verifica-se uma alusão, mesmo que intuitiva, à necessidade de distribuição casuística do ônus da prova. Trata-se, indubitavelmente, de um imperativo do bom senso.

Alguns Tribunais pátrios, indiscutivelmente, deixaram-se contaminar por esta flexibilização da doutrina clássica da distribuição do ônus da provar, circunstância que se explica pelo fato de os Juízes, assim como os demais operadores do direito, não restringirem seu exame ao formal (DALL`AGNOL JUNIOR, 2001, p.100).

O exemplo mais comum da aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova é encontrado nas ações de responsabilidade por erro médico, o que se justifica pela hipossuficiência técnica do paciente em demonstrar a irregularidade no procedimento. Ao lado dessa insuficiência técnica, não raras vezes o paciente encontra inúmeros óbices fáticos à demonstração do seu direito, como, por exemplo, por estar inconsciente no momento da intervenção médica, ou por não ter acesso aos prontuários e expedientes administrativos internos da unidade hospitalar.

Em tais casos,

[...] o que torna necessária a dinamização do ônus é, fundamentalmente, a melhor condição técnica na qual o médico se encontra em relação ao paciente no que pertine a existência ou não de erro na intervenção. É o médico, e talvez apenas ele – quem detém o domínio sobre a verdade dos fatos ocorridos durante a cirurgia (ou tratamento) e, por conta disso, maior facilidade de demonstrar a existência ou não de culpa sua pelos danos reclamados. (CREMASCO, 2009, p. 103).

Há que se ter em conta, portanto, que, via de regra, transfere-se para o demandado a demonstração da inexistência da culpa em sua conduta, continuando com o demandante o ônus da prova quanto aos demais elementos caracterizadores da responsabilidade civil, salvo se a mesma dificuldade na demonstração da culpa estende-se a tais elementos.

Em 1996 o STJ, em Recurso Especial de relatoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, aplicou a teoria para decidir questão relativa à responsabilidade civil por erro médico. Eis um trecho do voto:

Assim ponderando, sem deixar de fundamentar a sua conclusão na prova existente nos autos sobre os quesitos de responsabilidade civil, que analisou, o v. acórdão apenas se colocou ao lado da orientação que hoje predomina na matéria sobre culpa médica, que é o da teoria da distribuição dinâmica (da carga) da prova, segundo a qual cabe ao profissional esclarecer o juízo sobre os fatos da causa, pois nenhum outro tem como ele os meios para comprovar o que aconteceu na privacidade da sala cirúrgica[6].

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, seguindo esta linha, já utilizou a teoria para decidir sobre ocorrência de erro médico, embora no particular tenha afastado a culpa do profissional:

 

Não se ignora a dificuldade de obtenção de prova, sempre que a ação se funda em erro médico. Um arraigado, e equivocado, conceito da ética médica serve a obstaculizar a elucidação dos fatos, levando, no mais das vezes, à improcedência das demandas que visem à responsabilização do profissional dessa área. Não por outra razão, a doutrina, com alguns reflexos jurisrudenciais, tem-se trazido a esta seara a denominada Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova, que outra coisa não consiste senão em nítida aplicação do princípio da boa-fé no campo probatório. Ou seja, deve provar quem tem melhores condições para tal[7].

 

Segundo Antônio Janyr Dall’Agnol Junior, no Rio Grande do Sul, o extinto Tribunal de Alçada constantemente aplicava a teoria na produção de prova documental relativa à revisão de contratos bancários, recaindo o ônus, em tais casos, sobre a instituição financeira. Embora os bancos sejam considerados fornecedores, para fins de incidência do CDC nas suas relações os clientes, é interessante notar que nos julgados mencionados por Dall’Agnol Jr., os tribunais, em lugar de inverter o ônus da prova com base no art. 6º, VIII do CDC, aplicavam, diretamente, a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova.

 

Segundo a fundamentação de tais julgados, a ausência do contrato não implicaria, necessariamente, em extinção do feito por ausência de pressuposto de constituição, pois o juiz poderia distribuir dinamicamente o ônus probatório e determinar que a prova faltante fosse trazida ao processo pelo banco (DALL`AGNOL JUNIOR, 2001, p.102)[8]. Seguindo essa linha, os Tribunais de Justiça de Minas Gerais[9] e Rio de Janeiro[10] também já aplicaram a teoria nas questões referentes à revisão de contrato bancário.

 

A teoria também foi aplicada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais no Agravo n. 1052106051659-3/001, no qual se discutia dano ambiental, dispondo o seguinte:

 

 “É cabível inversão do ônus da prova no Direito Ambiental com base nos princípios da precaução e da prevenção, e na responsabilidade objetiva daquele que explora recursos minerais”.

 

Marcelo Abelha Rodrigues, seguindo o entendimento do tribunal mineiro, defende que cabe ao suposto poluidor a demonstração da inexistência de risco de poluição decorrente de sua atividade:

 

[...] quando se trata de incerteza científica da atividade supostamente poluidora, é o princípio da precaução ambiental que determina que cabe ao suposto poluidor a prova de que não há risco de poluição. Com isso queremos dizer que é regra de direito material, vinculada a uma incerteza científica (hipossuficiência científica), o ônus de provar que os danos advindos ao meio ambiente não são do suposto poluidor a este cabe, de modo que a dúvida é sempre em prol do meio ambiente. (RODRIGUES, 2003, p. 208-211).

 

Já no âmbito do Direito Administrativo, a aplicabilidade da teoria é amplamente defendida por Durval Carneiro Neto, ao sustentar uma mitigação à presunção de veracidade dos atos administrativos por entende que todos eles apresentam um “conteúdo mínimo de vinculação”, de modo que cabe à Administração demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação.  Nas palavras do autor:

Destarte, só a partir de um mínimo esforço probatório, sempre a cargo da Administração, é que tem início o encargo do particular de demonstrar em sentido contrário, ou seja, somente quando se mostrem verificados estes pressupostos vinculantes é que caberá ao administrado apresentar prova que conduza à declaração de ilegalidade do ato. (CARNEIRO NETO, 2009, p. 380).

Os tribunais, acompanhando este entendimento, vêm reconhecendo a maior aptidão da Administração Pública em apresentar as provas que justifiquem a sua atuação. Isto porque se sabe ser ela “na maioria dos casos, a detentora dos meios de prova ou, pelo menos, a parte tecnicamente apta a adotar o procedimento adequado para produzi-los” (CARNEIRO NETO, 2009, p. 378).

Na esfera da Justiça Federal já é possível encontrar, inclusive, julgados nos quais há jurisprudência consolidada no sentido de nas demandas relativas à correção das contas de FGTS geridas pela Caixa Econômica Federal caber à empresa pública apresentar os documentos relativos ao fato constitutivo do autor.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. FGTS. ÔNUS RELATIVO À APRESENTAÇÃO DOS EXTRATOS. EMBARGOS ACOLHIDOS PARA SANAR A OMISSÃO APONTADA. 1. Conforme preceitua o art. 535 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são cabíveis em caso de obscuridade, contradição ou omissão nas decisões judiciais. 2. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que a apresentação dos extratos das contas vinculadas do FGTS constitui ônus da CEF, porquanto gestora do fundo, inclusive no período anterior à vigência da Lei 8.036/90, tendo a prerrogativa de exigir dos bancos depositários tais extratos e, na hipótese de recusa, formular requerimento em juízo para que os responsáveis sejam impelidos a apresentar tais documentos. 3. Embargos de declaração acolhidos para sanar a omissão apontada.[11]

Também no âmbito tributário, já se verifica a aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova. Na hipótese de repetição do indébito, tem-se dispensado o autor de demonstrar os pagamentos efetuados, atribuindo-se ao fisco este encargo.

TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. IMPOSTO DE RENDA. RESTITUIÇÃO. NOVA DECLARAÇÃO DE RENDA. I – “É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada”. No caso, decidiu-se que nas ações de repetição de indébito em que se visa receber os valores indevidamente recolhidos a título de imposto de renda incidente sobre parcelas indenizatórias, cabe à Fazenda Nacional o ônus da prova de que não houve compensação com o imposto apurado na declaração. A agravante irresigna-se contra a aplicação do art. 557 do CPC, sem, todavia, atacar aquela tese e os fundamentos da decisão agravada. II – Agravo regimental não conhecido. [12]

A exemplo dos julgados acima, não se verifica óbice à aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova no âmbito judicial quando o objeto da prova for um ato administrativo, a despeito da presunção de legitimidade que recai sobre estes. Isto porque tal presunção não pode implicar na impossibilidade de o particular demonstrar seu direito em juízo. Em suma,

[...] a adequada distribuição do ônus da prova nos litígios administrativos deve sopesar a presunção de legitimidade com a verificação, no caso concreto, de uma maior aptidão da Administração Pública para a produção da prova necessária, evitando-se, com isso, que se faça recair sobre o administrado o fardo de nada dispor para poder defender-se. (CARNEIRO NETO, 2009, p. 387).

Com base nos precedentes analisados, é possível concluir que a doutrina ora defendida tem sido bem recebida pelos tribunais brasileiros, o que reforça a sua importância na solução de casos cujas particularidades revelem ser inadequada a regra geral de distribuição do ônus da prova.

8 CONCLUSÃO

Ao longo do presente estudo verificou-se que o Código de Processo Civil, em seu art.333, adotou o modelo de Chiovenda para a distribuição do ônus da prova, estabelecendo, basicamente, que as partes devem provar suas alegações. Embora se reconheça que a regra revela-se satisfatoriamente adequada na maioria dos casos, critica-se o seu excessivo rigor em não conferir ao juiz margem para a sua flexibilização, quando em razão das peculiaridades do caso concreto, for recomendável a adoção de outro modelo de distribuição dos encargos probatórios.

É com base nessa crítica que surge na Argentina o que hoje se conhece por teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, que se mostra uma solução para as hipóteses em que, segundo a distribuição legal do ônus da prova, uma das partes deparar-se com a chamada probatio diabolica, ficando impossibilitada de defender seu direito em juízo em razão da dificuldade instrutória. Neste caso, segundo a teoria, verificando o juiz que a parte adversa possui melhores condições técnicas, culturais, científicas, econômicas, etc. de produzir a prova, deverá determinar, fundamentadamente, a inversão.

No Brasil, afora o art.6º, VIII do CDC, não há no ordenamento jurídico previsão expressa que autorize o juiz promover a inversão do ônus da prova em situações não consumeristas quando verificar que uma das partes se encontra em situação de hipossuficiência probatória. A ausência de previsão, contudo, não consiste em óbice à adoção da teoria, uma vez que esta se trata de clara aplicação dos princípios constitucionais processuais (direitos fundamentais processuais) do devido processo legal, igualdade, adequação, cooperação e do acesso à justiça.

Destarte, é dever do intérprete avaliar se no caso concreto o art.333 do CPC revela-se violador dos referidos princípios constitucionais, hipótese em que deverá afastar sua incidência. Ou seja, a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova é totalmente compatível com o ordenamento brasileiro nos casos em que a aplicação da regra geral for inadequada e inconstitucional. Não por outro motivo, a teoria vem ganhando representativo espaço na doutrina e jurisprudência pátrias.

É preciso, contudo, que a doutrina seja aplicada com cautela e de forma criteriosa, pois representa uma ruptura com o modelo geral, que, repita-se, costuma ser aplicável a maior parte das demandas. Nesse sentido, é preciso estabelecer parâmetros à inversão do ônus da prova, com o fim de que a tese ora defendida não seja aplicada de maneira precipitada e irrefletida. Assim, somente é cabível a inversão do ônus da prova quando a parte onerada segundo o art.333 do CPC encontrar-se com o encargo de produzir prova impossível ou sobremodo difícil e, em contrapartida, a parte adversa possuir melhores condições de trazê-la ao processo. Como forma de reequilibrar a situação das partes no processo, o juiz inverterá o ônus probatório.

Essa inversão somente poderá ocorrer na sentença em situações extremas, sendo a regra que ela ocorra na fase de saneamento, pois, diferentemente do ônus da prova, que consiste numa regra de julgamento (aplicável, portanto, na sentença), a inversão do ônus da prova é regra de procedimento, devendo ser aplicada em momento processual que possibilite à parte dinamicamente onerada desincumbir-se do novo encargo. Preserva-se, com isso, o contraditório e a ampla defesa.

Como a decisão que determina a inversão do ônus da prova deve ocorrer antes da sentença, conclui-se consistir em decisão interlocutória, recorrível por agravo retido, já que não se vislumbra, a priori o perigo de grave lesão ou de difícil reparação que justifique a sua interposição sob a forma instrumental.

Por fim, conclui-se que a adoção da teoria representa um avanço no sentido de se promover uma tutela jurisdicional mais adequada e, portanto mais efetiva. Isto porque a dinamicidade da atual sociedade não poderia deixar de repercutir na forma de se conceber os institutos processuais, sob pena de se ter um anacronismo entre a relação jurídica de direito material e o processo no qual ela é discutida.

Outrossim, a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova propõe uma visão de processo mais adequado à realidade social, e, por isso, mais justo.

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[1] Ativismo Judicial e Ônus da Prova: a teoria da distribuição dinâmica, p. 9. Disponível no site http://www.mp.mt.gov.br/arquivos/imprensa/RevistaJuridica_MT_artigo_12.pdf, acessado em 29/10/09.

[2] Assim, o REsp. n. 203.225/MG, de abril de 2002.

[3] Vide REsp. n. 195.760/PR e REsp. n. 442.854/SP.

[4] “A inversão do ônus da prova, prevista na legislação consumerista, não pode ser determinada na sentença”.

[5] Disponível em: http://www.derecho.com/l/boe/ley-1-2000-enjuiciamiento-civil/pag_6.html#A217. Acesso em: 05/11/2009. “Artículo 217. Carga de la prueba.  1. Cuando, al tiempo de dictar sentencia o resolución semejante, el tribunal considerase dudosos unos hechos relevantes para la decisión, desestimará las pretensiones del actor o del reconviniente, o las del demandado o reconvenido, según corresponda a unos u otros la carga de probar los hechos que permanezcan inciertos y fundamenten las pretensiones. 2. Corresponde al actor y al demandado reconviniente la carga de probar la certeza de los hechos de los que ordinariamente se desprenda, según las normas jurídicas a ellos aplicables, el efecto jurídico correspondiente a las pretensiones de la demanda y de la reconvención.  3. Incumbe al demandado y al actor reconvenido la carga de probar los hechos que, conforme a las normas que les sean aplicables, impidan, extingan o enerven la eficacia jurídica de los hechos a que se refiere el apartado anterior.  4. En los procesos sobre competencia desleal y sobre publicidad ilícita corresponderá al demandado la carga de la prueba de la exactitud y veracidad de las indicaciones y manifestaciones realizadas y de los datos materiales que la publicidad exprese, respectivamente.  5. Las normas contenidas en los apartados precedentes se aplicarán siempre que una disposición legal expresa no distribuya con criterios especiales la carga de probar los hechos relevantes.  6. Para la aplicación de lo dispuesto en los apartados anteriores de este artículo el tribunal deberá tener presente la disponibilidad y facilidad probatoria que corresponde a cada una de las partes del litigio”.

[6] STJ, REsp 69.309/SC, Rel. Ministro  RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 18/06/1996, DJ 26/08/1996 p. 29688. Nesse sentido, TJRS, Apelação Cível n.597083534, 1ª Câmara Cível, Rel. Dês. Armínio José Abreu Lima da Rosa, j. 03.12.1997, DJ  do dia;

[7] TJRS, AC 598450401, Des Armínio José Abreu Lima da Rosa. 1ª Câm. Cível do TJRS, de 03.12.1997.

[8] Em favor da tese ora defendida, o autor cita os seguintes julgados: AgIn 196253504, da 4ª Câm. Cível., j. 27.03.1997, relator Juiz Bertran Roque Ledur; Ag In 196254932, de 03/04.1997, pela 6ª Câm. Cível, relator Juiz José Carlos Teixeira Giorgis (ambos do extinto Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul). No âmbito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul o autor cita os seguintes julgados: AC 599489945, de 30.09.1999; ACS 70000618561, 70000703306 e 70000619924, todas de 09.03.2000.

[9] TJMG, Agravo de Instrumento n. 1070206289424-2/002, Comarca de Uberlândia, 18ª Câmara Cível, Rel. Dês. Fábio Maia Viana, j. 03.07.2007, DJMG 20.07.2007.

[10] TJRJ, Apelação Cível n.200800108926, 9ª Câmara Cível, Rel Dês. Carlos Santos de Oliveira, j. 07.03.2008.

[11] EDcl no REsp 853.219/AL, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/11/2007, DJ 10/12/2007 p. 301. Nesse sentido, os julgados: REsp 947.857/RS, Rel. Ministro  HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2007, DJ 08/02/2008 p. 659; REsp 887.658/PE, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/03/2007, DJ 11/04/2007 p. 235; REsp 858.197/SP, Rel. Ministro  HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/12/2006, DJ 05/02/2007 p. 210.

[12] (AgRg no Resp 858555/SC, Rel. Ministro  FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/10/2006, DJ 26/10/2006 p. 264). Nesse sentido, os julgados: TJPR, ACÓRDÃO n. 1638, Relator: Des. Hélio Henrique Lopes Fernandes de Lima, julgado em 29.09.2005; TJPR, Acórdão n. 25138, Relator: Des. Troiano Netto, julgado em 15.02.2005.

 

 

Elaborado em novembro/2012

 

Como citar o texto:

FRANÇA, Marcela Moura..Teoria das Cargas Probatórias Dinâmicas e o art.333 do CPC. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1110. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/cronicas/2708/teoria-cargas-probatorias-dinamicas-art-333-cpc. Acesso em 10 out. 2013.

Importante:

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