Existe uma emergência quando o assunto é a reconfiguração da masculinidade ocidental, especialmente na conjuntura brasileira, onde a concepção de violência tem relação estrutural como o alto número de homicídios e feminicídios.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no Atlas da Violência apontou que dos jovens entre 15 a 29 anos assassinados em 2017, 94,4% eram homens. Quando o assunto é feminicídio, de acordo com o Ipea são assassinadas no Brasil 13 mulheres por dia sendo o crime perpetrado dentro da residência e por pessoa conhecida. O crime é maior contra mulheres negras, ou seja, de 2007 a 2017 houve uma crescente de 60,5% de feminicídios de mulheres negras em face de 1,7% contra mulheres não negras em números absolutos. Significa que as mulheres negras representam 66% da letalidade de todo o país.

É certo que a relação de causa e efeito é muito mais complexa, já que há outros fatores que podem servir de fonte para a ocorrência de crimes dessa natureza, mas fato é: o quanto a ruptura normativa desse modelo masculino posto poderia inferir diretamente na redução da violência?

Não dá para ignorar que há no imaginário social uma concepção identitária sobre esse sujeito masculino ideal, pautado pela força, virilidade e pelo sucesso. Dessa forma, os homens correm atrás dessa identidade social para ser aceito no clube do bolinha.

Ocorre que, esse pacto social estabelecido entre os homens não está funcionando, ou seja, o ser humano diariamente defronta-se com as suas vulnerabilidades, frustrações e fracassos, o que gera um paradoxo com a ideia de sucesso e potência, de modo que esses sujeitos criam uma performance social escondendo angústias emocionais.

Mas além desse aspecto patológico, a reconfiguração das dinâmicas sociais impulsionada fortemente pelo movimento das mulheres revisando os papéis domésticos, dos espaços de poder no mercado corporativo ou político e cansadas de sofrerem com a violência doméstica, física, psicológica e em ultimo grau com os feminicídios, atravessamos um momento de urgente necessidade da superação dessa masculinidade que se expressa através de uma linguagem agressiva e primitiva.

Essa reconfiguração perpassa pelo campo subjetivo, considerando, com efeito, a pluralidade decorrente da própria naturalidade humana sendo importante abarcar as peculiaridades para além do homem cisgênero e branco, ou seja, ajustar essa representação do sujeito homem é observar o homem negro, o homem trans, o homem gordo, o homem indígena, homem asiático e também as camadas sociais olhando para o contexto brasileiro.

Pensando nisso, ainda que de forma tímida, têm surgido na sociedade os grupos reflexivos, tratando-se de grupos de partilha e acolhimento geralmente conduzido por alguém que já está mais familiarizado com a importância da desconstrução do modelo patriarcal e do ideal masculino.

No âmbito jurídico, o art. 45 da Lei Maria da Penha, o qual alterou o art. 152 da Lei de Execução Penal estabelece no parágrafo único que “nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação” iniciativa disruptiva que tem sido adotada - embora menos do que deveria - como política pública nos Tribunais de Justiça Brasil adentro.

Nesse caso, haverá a presença de um psicólogo ou um assistente social que trabalhará diretamente com esses homens no intuito de fazer com que eles entendam os efeitos da violência e mais do que isso: não voltem a reincidir.

No Estado de São Paulo, por exemplo, o projeto da Promotora de Justiça Maria Gabriela Manssur chamado “Tempo de despertar” instaurado em algumas comarcas e também instituído na Lei Municipal paulistana nº 16.732, de 1º de novembro de 2017 aborda questões como violência contra a mulher, relações familiares e paternidade, sexualidade, controle da impulsividade e ansiedade, consumo de drogas e álcool, machismo e masculinidade.

No Tribunal do Estado do Rio de Janeiro os encontros também foram instituídos como medida judicial, em grupos fechados e conduzidos por equipe multidisciplinar, a qual ao final dos 10 encontros deverá emitir um relatório.

No Estado do Maranhão as ações vêm sendo promovidas pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica contra a Mulher (CEMULHER) para toda a rede de servidores do Tribunal de Justiça desse Estado, Ministério Público, Delegacias, Policia Militar, representantes do CREAS, CAPS e advogados explanando questões teóricas sobre os conceitos de gênero, violência doméstica e masculinidade, mas também refletindo sobre a metodologia ideal para o desenvolvimento de grupos reflexivos.

Para alterar esse paradigma iniciativas como os grupos reflexivos são de suma relevância, principalmente porque não há demérito em desconstruir um padrão normativo que literalmente machuca, violenta e mata, além de produzir dependências, ocultar emoções e afetar as relações afetivas.

Frisa-se, portanto, que os grupos reflexivos não têm por objetivo retirar a responsabilidade desses homens, pelo contrário, o objetivo é criar um espaço aberto ao diálogo e acolhimento que visa justamente ressignificar a masculinidade.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei Maria da Penha. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 07 de out. 2019.

________. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Disponível em: http://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=48819.

Acesso em: 07 de out. 2019.

________. Prefeitura Municipal de São Paulo. Disponível em: http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-16732-de-1-de-novembro-de-2017. Acesso em: 07 de out. 2019.

________. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: http://portaltj.tjrj.jus.br/web/guest/grupo-reflexivo-de-autores-em-situacao-de-violencia-domestica. Acesso em: 07 de out. 2019.

________. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Disponível em:

http://www.tjma.jus.br/cgj/visualiza/sessao/50/publicacao/425946. Acesso em: 07 de out. 2019.

________. IPEA. Disponível em:

http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=34784&Itemid=432. Acesso em: 07 de out. 2019.

CRP-MG. Conselho Regional de Psicologia – MG. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=e9hJ5-JP1SU. Acesso em 06 de out. 2019.

                                                                                     

O Silêncio dos Homens. Disponível em: Direção: Ian Leite e Luiza de Castro. Produção executiva: PapodeHomem e Instituto PdH, 2019. https://www.youtube.com/watch?v=NRom49UVXCE. Acesso em 06 de out. 2019.

Data da conclusão/última revisão: 7/10/2019

 

Como citar o texto:

PRADO, Monique Rodrigues do..Grupos reflexivos: desenvolvimento de masculinidades possíveis. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1661. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/cronicas/4586/grupos-reflexivos-desenvolvimento-masculinidades-possiveis. Acesso em 23 out. 2019.

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