O presente artigo aborda a possibilidade de que empresas estatais federais terceirizem tarefas inerentes às categorias previstas em seu Plano de Cargos, Carreira e Salários, mormente diante da publicação Decreto nº 9.507/2018, que revogou o Decreto nº 2.271/1997 e se dedicou, dentre outros assuntos, a dispor acerca dos limites à terceirização no âmbito da Administração Pública.

Introdução

O presente trabalho tem como tema a possibilidade de que empresas estatais federais terceirizem tarefas inerentes às categorias previstas em seu Plano de Cargos, Carreira e Salários, mormente diante da publicação Decreto nº 9.507/2018, que dispõe acerca dos limites à terceirização no âmbito da Administração Pública.

Nesse contexto, será abordada a evolução do instituto da terceirização na Administração Pública, a partir das alterações legislativas, assim como do entendimento jurisprudencial a respeito.

 

Desenvolvimento

A terceirização, de maneira objetiva, evidencia-se quando o empregador, em vez de contratar o empregado, contrata uma empresa prestadora de serviços para que esta, por sua vez, contrate o trabalhador. A relação de emprego dá-se entre a empresa de prestação de serviços e o empregado, inexistindo vínculo com a contratante.

Segundo Sérgio Pinto Martins,

Vários nomes são utilizados para denominar a contratação de terceiros pela empresa para prestação de serviços ligados a sua atividade-meio. Fala-se em terceirização, subcontratação, filialização, desverticalização, exteriorização do empregado, focalização, parceira, etc. Consiste a terceirização na possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que não constituem o objeto principal da empresa. Essa contratação pode compreender tanto a produção de bens, como de serviços, como ocorre na necessidade de contratação de empresa de limpeza, de vigilância ou até para serviços temporários. (MARTINS, 2009, p. 176).

Na mesma linha, ensina Luciano Martinez que

a terceirização é uma técnica de organização do processo produtivo por meio da qual uma empresa, visando concentrar esforços em sua atividade-fim, contrata outra empresa, entendida como periférica, para lhe dar suporte em serviços meramente instrumentais, tais como limpeza, segurança, transporte e alimentação. (MARTINEZ, 2016, p. 157)

Na esfera privada, a terceirização vem sendo adotada em larga escala pelas grandes empresas, que procuram concentrar suas estratégias nas atividades-fim, como forma de viabilizar seu crescimento sem perda da competitividade. Assim, os serviços atinentes à área-meio são em grande parte, quando não totalmente, terceirizados.

Como é objeto de permanente controvérsia, a terceirização dá origem a um grande número de ações na Justiça do Trabalho. A esse respeito, a principal síntese jurisprudencial é representada pelo Enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho, de 17/12/1993, que dispõe:

Súmula nº 331 do TST

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Dito isso, cumpre esclarecer que, no âmbito da Administração Pública brasileira, a terceirização teve como marco normativo inicial o Decreto-lei nº 200/1967, que instituiu as bases para a ampla reforma administrativa como forma de impedir o crescimento desmesurado da máquina pública:

Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.

(...)

§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

Posteriormente, o Poder Executivo, visando a regulamentar o § 7º do art. 10 do Decreto-lei nº 200/1967, editou o Decreto nº 2.271/1997, recentemente revogado pelo Decreto nº 9.507/2018, que se dedicou, dentre outros assuntos, a dispor acerca dos limites à terceirização no âmbito da Administração Pública, incluindo as empresas estatais federais controladas pela União.

O artigo 4º do referido Decreto esclarece quais atividades não poderão ser objeto de execução indireta nas empresas estatais federais e as exceções para tal vedação, senão vejamos:

Art. 4º Nas empresas públicas e nas sociedades de economia mista controladas pela União, não serão objeto de execução indireta os serviços que demandem a utilização, pela contratada, de profissionais com atribuições inerentes às dos cargos integrantes de seus Planos de Cargos e Salários, exceto se contrariar os princípios administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade, tais como na ocorrência de, ao menos, uma das seguintes hipóteses:

I - caráter temporário do serviço;

II - incremento temporário do volume de serviços;

III - atualização de tecnologia ou especialização de serviço, quando for mais atual e segura, que reduzem o custo ou for menos prejudicial ao meio ambiente; ou

IV - impossibilidade de competir no mercado concorrencial em que se insere.

§ 1º As situações de exceção a que se referem os incisos I e II do caput poderão estar relacionadas às especificidades da localidade ou à necessidade de maior abrangência territorial.

§ 2º Os empregados da contratada com atribuições semelhantes ou não com as atribuições da contratante atuarão somente no desenvolvimento dos serviços contratados.

§ 3º Não se aplica a vedação do caput quando se tratar de cargo extinto ou em processo de extinção.

§ 4º O Conselho de Administração ou órgão equivalente das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União estabelecerá o conjunto de atividades que serão passíveis de execução indireta, mediante contratação de serviços.

Nesse panorama, extrai-se o entendimento de que as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo Plano de Cargos e Salários das empresas estatais não podem ser objeto de execução indireta, exceto nas situações em que se verificar que o atendimento a tal mandamento afronta os princípios administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade.

Assim, a princípio, há possibilidade excepcional de terceirização de atividades abrangidas pelo Plano de Cargos e Salários da empresa estatal, desde que evidenciado que a execução direta dos serviços afronta os mencionados princípios administrativos, apontando o Decreto para situações exemplificativas que podem nortear a decisão administrativa, como: caráter temporário do serviço; incremento temporário do volume de serviços; atualização de tecnologia ou especialização de serviço, quando for mais atual, mais segura, trouxer redução de custo ou for menos prejudicial ao meio ambiente; ou impossibilidade de competir dentro do mercado concorrencial em que se insere.

É necessário, ainda, que o serviço que se pretende terceirizar nestas condições esteja entre aqueles passíveis de execução indireta, assim definido pelo Conselho de Administração da empresa, nos termos do artigo 4º, § 4º, do Decreto nº 9.507/2018. O não atendimento a qualquer das exigências mencionadas afastaria a possibilidade de execução indireta de atribuições inerentes às categorias funcionais previstas no Plano de Cargos e Salários da empresa, tornando ilícita a terceirização empregada.

Sobre o assunto, Joel de Menezes Niebuhr leciona que

Para as estatais, na redação do art. 4º do Decreto nº 9.507/2018, a premissa de não terceirização das atividades coincidentes com as atribuições de seus cargos é substancialmente mais suave, podendo ser afastada por ato de competência discricionária baseado nos princípios da eficiência, economicidade e razoabilidade.

Esse tratamento suavizado para as estatais encontra justificativas. Não se recusa que a regra constitucional do concurso público abrange as estatais, porém sob um corte diferente, correspondente ao regime jurídico que lhes é próprio. (...)

Unindo as pontas, chega-se a duas conclusões: a primeira é que a terceirização de atividades coincidentes com os cargos das estatais não viola a legalidade, porque os cargos das estatais não são criados por lei; a segunda é que não há proibição geral de terceirização de atividades-fim. Diante disso, sem violar qualquer norma jurídica, o caput do art. 4º do Decreto nº 9.507/2018 reconheceu competência discricionária às estatais para terceirizar atividades coincidentes com as atribuídas a seus cargos, tomando em conta os princípios da eficiência, da economicidade e da razoabilidade. (...)

Ainda que se reconheça competência discricionária por parte das estatais, a terceirização não pode ser usada livremente, sob pena de violação à regra constitucional do concurso público. (NIEBUHR, 2019, p. 10).

 

Com efeito, interpretação que admita a terceirização irrestrita de atividades nas empresas estatais ensejaria frontal ofensa à regra constitucional do concurso público (art. 37, somente excetuado nas hipóteses de cargo em comissão de livre nomeação (inc. V).

 

Conclusão

Ante o exposto, tem-se que o Decreto nº 9.507/2018 regulamentou os limites à terceirização no âmbito da Administração Pública, esclarecendo quais atividades não poderão ser objeto de execução indireta nas empresas estatais federais e as exceções para tal vedação.

Assim, o Decreto previu a possibilidade excepcional de terceirização de atividades inerentes às categorias abrangidas pelo Plano de Cargos e Salários da empresa estatal, desde que evidenciado que a execução direta dos serviços afronta os princípios administrativos da eficiência, da economicidade e da razoabilidade, bem como que o serviço esteja entre aqueles passíveis de execução indireta, assim definido pelo Conselho de Administração da empresa, nos termos do seu artigo 4º.

 

REFERÊNCIAS

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 25ª edição. São Paulo: Atlas S.A, 2009.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2016.

NIEBUHR, Joel de Menezes. A terceirização no novo decreto nº 9.507/2018: entre a restrição para a administração direta, autárquica e fundacional e a flexibilidade para as estatais. 

Revista Zênite ILC – Informativo de Licitações e Contratos, Curitiba: Zênite, n. 299, jan. 2019.

Data da conclusão/última revisão: 07/02/2019

 

Como citar o texto:

NERI, Bárbara Dantas..Possibilidade de terceirização de atividades em estatais federais. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 18, nº 983. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/10226/possibilidade-terceirizacao-atividades-estatais-federais. Acesso em 16 jun. 2020.

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