O Sistema de Registro de Preços, amplamente utilizado pela Administração Pública devido às vantagens sofria críticas por abrir espaço para diversos casos de corrupção, particularmente no que tange à figura do carona. Nesse cenário, o Decreto n.º 7.892/13, alterado pelo Decreto n.º 9.488/18, trouxe novas medidas de austeridade para as adesões, mudanças estas que são o núcleo do objeto deste estudo, sendo as principais: a Intenção de Registro de Preços, dotação orçamentária a posteriori e a limitação do teto das adesões por órgãos não participantes.

1. INTRODUÇÃO 

O Sistema de Registro de Preços, amplamente utilizado pela Administração Pública devido às vantagens sofria críticas por abrir espaço para diversos casos de corrupção, particularmente no que tange à figura do carona. 

O foco de preocupação residia na ausência de limite ao número de órgãos não participantes. Essa falha normativa era vista como verdadeira afronta ao Princípio da Competitividade, possibilitando práticas nefastas como a comercialização ilícita de Atas de Registro de Preços. 

Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União assim já se manifestou:

"ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, ante das razões expostas pelo Relator, em:

9.2. determinar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que:

9.2.2. adote providências com vistas à reavaliação das regras atualmente estabelecidas para o registro de preços no Decreto n.º 3.931/2001, de forma a estabelecer limites para a adesão a registros de preços realizados por outros órgãos e entidades, visando preservar os princípios da competição, da igualdade de condições entre os licitantes e da busca da maior vantagem para a Administração Pública, tendo em vista que as regras atuais permitem a indesejável situação de adesão ilimitada a atas em vigor, desvirtuando as finalidades buscadas por essa sistemática, tal como a hipótese mencionada no Relatório e Voto que fundamentam este Acórdão;" (AC N.º 1487/2007 – TCU – PLENÁRIO – BRASIL, 2007).

"Vale observar, em termos práticos, que a sistemática de permitir adesões ilimitadas às Atas de Registro de Preços por intermédio de caronas, ao invés de reduzir a possibilidade de fraude ao procedimento licitatório, tende a ampliar esta possibilidade, como observa Marçal Justen Filho no trecho abaixo transcrito (ob. cit., p. 197):"A consagração do "carona" favorece a prática da corrupção [...]." (AC n.º 1717-25/2012 – TCU – PLENÁRIO – BRASIL, 2012)

Nesse cenário, o Decreto n.º 7.892/13, alterado pelo Decreto n.º 9.488/18, trouxe novas medidas de austeridade para as adesões, mudanças estas que são o núcleo do objeto deste estudo, sendo as principais: a Intenção de Registro de Preços, dotação orçamentária a posteriori e a limitação do teto das adesões por órgãos não participantes.

 

2. DA UTILIZAÇÃO DA ATA DE REGISTRO DE PREÇOS POR ÓRGÃO OU ENTIDADES NÃO PARTICIPANTES

2.1. Conceito de órgão não participante

De acordo com o art. 2º do Decreto n.º 7.892/2013, podem participar da Ata de Registro de Preços os seguintes órgãos: como gerenciador o órgão ou entidade da administração pública federal responsável pela condução do conjunto de procedimentos para registro de preços e gerenciamento da ata de registro de preços dele decorrente; como participante o órgão ou entidade da administração pública que participa dos procedimentos iniciais do Sistema de Registro de Preços e integra a ata de registro de preços; como não participante (carona) o órgão ou entidade da administração pública (Federal, Estadual ou Municipal) que, não tendo participado dos procedimentos iniciais da licitação, atendidos os requisitos do mencionado decreto, faz adesão à ata de registro de preços.

A possibilidade de adesão de órgão não participante está prevista no caput do artigo 22 do Decreto n.º 7.892/2013, a seguir transcrito:

“Art. 22.  Desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador."

Sendo assim, além dos órgãos gerenciador e participante, de acordo com o art. 22 do Decreto n.º 7.892/2013, a Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, pode ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração Pública Federal que não tenha participado do certame licitatório (órgão carona), desde que preencha os requisitos para adesão à ata, os quais serão analisados no próximo tópico. 

O decreto mencionado inovou ao estabelecer o conceito de órgão não participante, comumente conhecido como “carona”, que, segundo Jorge Ulisses Jacoby, são “aqueles que, não tendo participado na época oportuna, informando suas estimativas de consumo, requerem, posteriormente, ao órgão gerenciador o uso da ata de registro de preços”.

Em relação ao conceito, destacamos a definição de Marçal Justen Filho (2008):

[...] a pratica conhecida como ‘carona’ consiste na utilização por um órgão administrativo do sistema de registro de preço alheio. Como se sabe, o registro de preços é implantado mediante uma licitação, promovida no âmbito de um ou mais órgãos administrativos. Essa licitação é modelada de acordo com as necessidades dos órgãos que participam do sistema. A “carona” ocorre quando outro órgão, não participante originariamente do registro de preços, realiza contratações com base no dito registro[1].

 

2.2. Requisitos para adesão à ata de registro de preços 

O Decreto n.º 7.892/2013, em seu art. 22 e parágrafos, apresenta requisitos a serem observados durante a solicitação e utilização da Ata de Registro de Preços. 

Neste sentido, os órgãos não participantes do Sistema de Registro de Preços devem, antes de aderir à Ata de Registro de Preços, realizar pesquisa de mercado que justifique a vantagem na adesão em detrimento da realização de um novo procedimento licitatório, consultar o órgão gerenciador da ata para se manifestar sobre tal possibilidade, assim como realização de estudo que demonstre ganho de eficiência, a viabilidade e a economicidade para a administração pública federal da utilização da ata de registro de preços.

Cabe acrescentar que a adesão à Ata de Registro de Preços não prescinde das etapas comuns a todo planejamento de compras a ser realizado pela Administração Pública. Assim sendo, cabe ao futuro “órgão carona”, primeiramente, definir e estabelecer suas necessidades, tanto nos aspectos qualitativos, quanto quantitativamente, proceder à realização de pesquisa de mercado, nas quantidades a serem adquiridas, e, somente após vencida essa etapa, caso seja cabível, deve buscar no Portal de Compras do Governo Federal (www.comprasnet.gov.br) uma Ata de Registro de Preços que contenha o bem ou serviço que atenda ao que foi anteriormente estabelecido como necessidade da Administração.

Caso reste demonstrada a vantagem em aderir e, em sendo possível, deve-se solicitar ao órgão gerenciador da Ata de Registro de Preços a sua utilização. A realização do caminho inverso, busca de Ata de Registro de Preços primeiro, para depois definir as necessidades, deve ser expurgada da prática administrativa.

Assim, a solicitação de adesão à Ata de Registro de Preços é formalizada entre o órgão gerenciador da ata e o órgão “carona” por meio de ofício. Posteriormente, deve-se realizar consulta junto ao fornecedor registrado, quanto a sua anuência no fornecimento do bem ou serviço registrado.

Por fim, devem ser observados os limites referentes ao quantitativo de aquisições decorrente de adesões à Ata de Registro de Preços, que serão abordados na sequência.

 

2.3. Limites estabelecidos pela legislação

A legislação determina a observância de três limites, cumulativamente, no momento de utilização da Ata de Registro de Preços por órgãos e entidades que não participaram da licitação. O primeiro remete a limite individual, o segundo a um limite geral e um terceiro de caráter temporal. 

Destaque-se que, antes do Decreto n.º 7.892/2013, não havia limitação expressa nesse sentido, o que ocasionava extrapolação dos quantitativos máximos a serem contratados. À época, o Tribunal de Contas da União já se manifestava quanto à necessidade de fixação de limites, já que a utilização da figura do “carona” de forma indiscriminada estava afrontando os princípios da obrigatoriedade da licitação, da isonomia, da legalidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da competitividade.

Com a publicação do Decreto n.º 7.892/2013, foram estabelecidos limites que, posteriormente se mostraram insuficientes, razão pela qual sobrevieram novos limites estabelecidos pelo Decreto nº 9.488/2018, que alterou os §§ 3º e 4º do art. 22 do Decreto 7.892/2013.

Diante disso, o § 3º, art. 22 do Decreto n.º 7.892/2013 estabeleceu que as aquisições ou contratações adicionais por órgãos e entidades que não participaram da licitação não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cinquenta por cento dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório e registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes. É o limite individual.

O limite geral está previsto no § 4º do mesmo artigo, o qual estabelece que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao dobro do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem.

Cabe ressaltar que o instrumento convocatório poderá prever limites menores de quantitativos a serem adquiridas por órgãos e entidades não participantes do certame licitatório. É o que estabelece o inciso III, art. 9º, observado o disposto no § 4º, art. 22, ambos do Decreto n.º 7.892/2013.

Por fim, destacamos a existência de um limite temporal à adesão e à aquisição por parte do “carona”, tendo em vista que o Decreto n.º 7.892/13 acrescentou um novo requisito a ser aferido quando da adesão à ata de registro de preços, ao estabelecer em seu art. 22, § 6°, que “Após a autorização do órgão gerenciador, o órgão não participante deverá efetivar a aquisição ou contratação solicitada em até noventa dias, observado o prazo de vigência da ata”.

Importante ainda mencionar que o “órgão carona” não pode contratar bens ou serviços com especificações diferentes das registradas em ata ou sem que estejam registrados, sob pena de restar configurada a contratação direta sem o devido amparo legal. Também não poderia a empresa detentora de registro de preço junto à Administração Pública, ao fornecer objeto ou prestar serviços registrados a órgão não participante da Ata de Registro de Preços, executar preços diferentes dos registrados na referida ata, a qual deve ser executada conforme o regramento nela estabelecido, não podendo haver distinção se quem irá utilizá-la participou ou não da licitação para o referido registro.

 

2.4. Possibilidades de adesões

Desde que respeitados os limites mencionados no tópico anterior, há possibilidade para que um órgão solicite adesão a mais de uma Ata de Registro de Preços cujos objetos registrados sejam os mesmos, ou ainda solicitar adesão a uma mesma Ata de Registro de Preços mais de uma vez. Neste último caso, as adesões devem se referir a objetos distintos. Quando o objeto for o mesmo, o órgão não participante da licitação deve se utilizar da ata de uma única vez, não podendo executá-la de forma parcelada, o que só é permitido aos órgãos participantes e gerenciador da Ata de Registro de Preços.

Nesse sentido, o § 6º, art. 22 do Decreto n.º 7.892/2013, estabelece que, após a autorização do órgão gerenciador, o órgão não participante deverá efetivar a aquisição ou contratação solicitada em até noventa dias, observado o prazo de vigência da ata.

Há ainda possibilidade de um órgão ser participante e “carona” na mesma Ata de Registro de Preços, desde que a licitação ocorra por item e a demanda apresentada pelo referido órgão participante ao órgão gerenciador não contemple todos os itens da licitação. Ou seja, em que pese a ata registrar preços para diversos itens, o órgão participante integra apenas aqueles para os quais indicou interesse em participar do registro de preços, e encaminhou ao órgão gerenciador a sua estimativa de consumo e, posteriormente, manifestando concordância com o objeto a ser licitado, antes da realização do procedimento licitatório. E, considerando que a licitação por itens são licitações distintas que ocorrem ao mesmo tempo e que o órgão não apresentou demanda para todos, não há vedação legal para usufruir da previsão contida no art. 22, do Decreto n.º 7.892/2013 para os itens em que não apresentou demanda, desde que observados os limites individual e geral.

É também interessante mencionar que os órgãos participantes e gerenciador de uma Ata de Registro de Preços podem, durante a sua vigência, aderir à outra Ata de Registro de Preços cujo objeto seja idêntico ao já registrado em sua ata. Considerando que a Administração realizou licitação para registro de preço visando aquisição futura, a qual foi procedida de planejamento prévio, com levantamento das necessidades técnicas e quantitativas, a única hipótese para se aderir à outra Ata de Registro de Preços cujo objeto seja idêntico ao registrado em ata própria seria a vantagem econômica, ou seja, o preço registrado em ata própria deve ser superior ao contida em outra ata.

No entanto, acontecendo essa hipótese, cabe, primeiramente, ao órgão gerenciador da ata, seguir ao descrito no art. 18 do Decreto n.º 7.892/2013 e convocar o fornecedor visando à negociação para redução de preços e sua adequação ao praticado pelo mercado, a qual, sendo frustrada, deverá liberar o fornecedor do compromisso assumido, e, somente vencida esta etapa, poderá solicitar adesão a outra Ata de Registro de Preços, cujo preço encontra-se mais vantajoso à Administração Pública, e proceder ao cancelamento do registro de sua Ata de Registro de Preços.

O art. 15, § 4º, da Lei n.º 8.666/1993, ratifica esse posicionamento, haja vista que o detentor do registro tem o direito de preferência em ser contratado pela Administração Pública no fornecimento do bem registrado, em igualdade de condições.

"Art. 15.

[...]

§ 4º A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições."

 

2.5. Adesão por órgãos não participantes de entes federativos diversos 

Lembrando que, por expressa disposição do § 8º, art. 22, do Decreto n.º 7.892/2013, os órgãos da Administração Pública Federal não podem solicitar adesão a uma Ata de Registro de Preços cuja licitação tenha sido promovida por órgãos da Administração Pública Estadual, Distrital ou Municipal.

Cabe acrescentar que a Advocacia Geral da União expediu a Orientação Normativa n.º 021/2010 no mesmo sentido. Segue a redação da referida Orientação Normativa in verbis:

“É vedada aos órgãos públicos federais a adesão à ata de registro de preços quando a licitação tiver sido realizada pela Administração Pública Estadual, Municipal ou do Distrito Federal, bem como por entidades paraestatais.”

Por outro lado, há previsão de os órgãos e entidades pertencentes às esferas estaduais e municipais aderirem à Ata de Registro de Preços cujo registro pertença à Administração Pública Federal. O § 9º, art. 22, do Decreto n.º 7.892/2013 traz essa permissividade. Segue a transcrição in verbis:

"Art. 22. Desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de reços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador.

[...]

§ 9º É facultada aos órgãos ou entidades municipais, distritais ou estaduais a adesão à ata de registro de preços da Administração Pública Federal."

Saliente-se que, no caso de utilização de Ata de Registro de Preços Federal em vigor por esses entes, deverá ser obedecido limite geral de contratação definido no § 4º do art. 22 do Decreto nº 7.892/2013:

“§ 4º O instrumento convocatório preverá que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao dobro do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem. (Redação dada pelo Decreto nº 9.488, de 2018) (Vigência)

 

3. CONCLUSÕES 

O Decreto n.º 7.892/13 promoveu importantes e necessárias mudanças no ordenamento jurídico, pois alterou o procedimento do Sistema de Registro de Preços no sentido de lhe proporcionar maior eficiência, assim como criou limites à participação dos “caronas”.

Como se observou, o Decreto n.º 3.931/01, que anteriormente regulamentava o Sistema de Registro de Preços, mostrou-se ineficiente em medidas de austeridade, particularmente quanto à figura do carona. A doutrina e jurisprudência convergiam nesse mesmo entendimento, motivo pelo qual o decreto era recorrentemente criticado por parte dos órgãos de controle e pelos demais aplicadores do sistema. 

A edição do Decreto nº 7.892/13 representou, então, uma tentativa de resolver os problemas que atingiam a probidade do procedimento do Sistema de Registro de Preços, visto que passou a prever mecanismos que mitigassem a permissividade encontrada na legislação anterior.

 

NOTAS:

 [1]JUSTEN FILHO, Marçal. TCU restringe a utilização de “carona” no sistema de registro de preços, 2008. Disponível em: http://www.justen.com.br//informativo.php?&informativo=6&artigo=743&l=pt#>. Acesso em: 26 nov. 2013.

Data da conclusão/última revisão: 07/12/2020

 

Como citar o texto:

NERI, Bárbara Dantas..Utilização da Ata de Registro de Preços por órgãos ou entidades não participantes. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1013. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/10809/utilizacao-ata-registro-precos-orgaos-ou-entidades-nao-participantes. Acesso em 15 jan. 2021.

Importante:

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