1. Introdução

 

A improbidade administrativa, tida como um mal social que envolve a máquina gerencial administrativa do nosso país, implica no desvirtuamento da Administração Pública, atingindo o interesse público e infringindo os princípios regentes do Estado Democrático de Direito. As conseqüências trazidas pelo cometimento de atos dessa espécie são danosas para toda a sociedade, impedindo que o Brasil tenha melhoria na qualidade de vida dos seus cidadãos e um desenvolvimento mais uniforme.

Em regra geral, quando não atendido o dever de probidade, está configurada a improbidade administrativa, comportando a imposição de determinadas sanções, regulamentadas na Constituição Federal de 1988 e na Lei n°8.429/92, mais conhecida como Lei de Improbidade Administrativa.

A improbidade se apresenta na maioria dos escândalos veiculados pela mídia nacional como prática normal, o que não pode ser perpetuado, pois estar-se-ia dando amparo ao espírito individualista e egoísta do brasileiro, nesse caso, na pessoa do administrador público corrupto e que não atende ao interesse público para atender o seu próprio.

2. Considerações sobre a origem da palavra “improbidade”

Inicialmente, para situar o tema “Improbidade Administrativa” no Direito e na sociedade, é necessário fazer uma retrospectiva histórica, no que tange ao surgimento e aplicação deste vocábulo.

Desde a antiguidade mais remota, a sociedade distingue os comportamentos antagônicos do bem e do mal, como meio de classificação das atitudes humanas.

Conforme Garcia e Alves (2004), tal distinção apresenta-se como fator de valoração humana durante todos os processos históricos, tornando-se inafastáveis e indissociáveis ao homem.

A palavra probidade é originária do latim probitas e do radical probus, tendo como significado aquilo que brota bem, denotando o que tem boa qualidade. Essa concepção era, primariamente, aplicada às plantas, passando a ser usada em sentido moral, caracterizando o indivíduo honrado, íntegro, possuidor de bons costumes. Significa, atualmente, atitude de respeito aos bens e direitos alheios, constituindo ponto essencial para a integridade do caráter.

A improbidade, tanto a casual quanto a administrativa, nunca foi esquecida pelo processo histórico-filosófico. Garcia e Alves trazem um apanhado de vários autores renomados discorrendo acerca desse assunto. Entre eles, podemos enfatizar o pensamento de John Locke que, na sua famosa obra “Dois tratados de governo civil”, alude à sociedade para a prevenção de qualquer atentado que fosse leviano ou maldoso e que se dirigissem contra a liberdade e a propriedade das pessoas. Já Montesquieu, em “Os espíritos da lei”, acaba por dedicar vários capítulos à corrupção nas diversas formas de governo.

O dinheiro público, quando empregado com atos de motivação fútil e imoral, sem levar em conta o interesse público e os princípios administrativos, expõe a flagrante desproporção do valor gasto com o benefício à sociedade, se é que este existe. O gestor administrativo não é dono dos bens que administra, por isso cabe-lhe tão somente praticar atos administrativos que tenham motivação válida e real, beneficiando o povo, pois caso contrário, deverá responder por aquilo que acabou praticando.

2.1. Corrupção e improbidade administrativa: alcance terminológico

Conforme os ensinamentos de Garcia e Alves, a corrupção é um fenômeno social composto por desvios de comportamento que infringem a normatividade estatal ou os seus valores morais em troca de uma vantagem correlata. É uma forma de degradação dos padrões ético-jurídicos que devem reger o comportamento individual nas esferas pública e privada.

Etimologicamente, o termo corrupção deriva do lato rumpere, equivalente a romper, dividir, vindo a gerar o termo corrumpere, significando deterioração, alteração. Os povos civilizados utilizam bastante esse vocábulo, já que reprimem as ações compostas por desonestidade e por deslealdade dos seus agentes públicos no desempenho das atividades funcionais. Pode-se dizer que a corrupção é uma das formas de manifestação da improbidade.

A improbidade sempre foi presença constante nas esferas do governo brasileiro. A corrupção teve, na colonização, o ponto inicial de sua implantação no Brasil. O elo existente entre o Monarca e os Administradores era marcado por interesses pessoais e paternalistas, somado com o objetivo comum de lucro desenfreado, descomprometido com ideais éticos, deveres funcionais ou interesses coletivos. A coisa pública era considerada como “coisas de ninguém”, atendendo, apenas, aos desejos das classes dominantes na época.

Apesar de ter denominação diversa, essa classe ainda persiste no poder, agindo, muitas vezes, sem pensar na coletividade. A reiteração das práticas e a inaceitável idéia de que são toleráveis, possibilitou a institucionalização da corrupção, enfraquecendo a consciência coletiva de que algo deveria ser feito para haver mudanças. Com o mal implantado, fica bem mais difícil extraí-lo da sociedade.

A responsabilidade do agente público pelos ilícitos que venha a praticar é consequência lógica da inobservância do dever jurídico de atuar em busca da conservação do interesse público. Tal responsabilização envolve a esfera administrativa, política, penal, cível ou até mesmo a moral. Esses ramos acompanharão a natureza do ato e sua potencialidade lesiva no contexto social, permitindo a aplicação de sanções extremamente variáveis, seja em grau ou essência.

Porém, é inútil a cominação de severas sanções se os mecanismos de controle e execução são ineficazes. O temor inibitório só incidirá no agente público se este perceber que uma sanção será inevitavelmente aplicada. Quanto maior o prejuízo patrimonial passível ao agente ímprobo e mais eficaz o meio de controle dos atos, menores serão os estímulos à corrupção.

Conforme enfatiza Rita Tourinho (2005, p.123), “os serviços administrativos são exercidos, em geral, por pessoas despreparadas e sem afinidade com o interesse coletivo, recebendo péssimos salários”. Tal afirmação colabora com a estruturação do elenco de pressupostos atinentes à corrupção.

A partir dessa concepção, entra em cena uma incessante busca por efetiva justiça, já que o povo, cansado da prática reiterada de atos corruptos, opta por utilizar a lei como mecanismo de defesa, procurando combater, a qualquer custo, esses atos.

A gestão da coisa pública é marcada por um alto grau de incidência de improbidade administrativa. E essa atuação desvirtuada e nociva dos agentes públicos é fator ponderante para impedir uma melhoria da qualidade de vida dos brasileiros e de um desenvolvimento mais uniforme do país.

O sistema jurídico brasileiro, diante da convivência direta com essa situação, foi dando uma configuração à improbidade administrativa de tal forma, que passou a deixar claro que esses comportamentos seriam passíveis de sanções. A Constituição Federal de 1988 foi a pioneira responsável por estabelecer princípios e normas pertinentes à moralidade e à improbidade administrativa. O art. 37 consignou a moralidade como princípio expresso da Administração Pública no seu caput, e tem, em seu §4º, a declaração de que a improbidade produziria efeitos sancionatórios, como a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário.

É nítida a vontade do Constituinte, exausto da prática de condutas reveladoras de desvio de poder, em adotar uma postura de maior dignidade, tentando extirpar a degeneração de caráter que assola a gestão do interesse público. Com base nas normas constitucionais, aparece a Lei nº 8.429/1992, buscando regular os casos de improbidade, identificar os sujeitos, as sanções, as providências processuais, o ressarcimento ao erário, entre outros.

De acordo com Pazzaglini Filho,

revela-se improbidade administrativa no emprego da negociata na gestão pública, que vai desde auferimento do administrador ou de terceiro de ganhos patrimoniais ilícitos, concessão de favores e privilégios ilegais, exigência de propinas, mesmo para atendimento de pedidos legítimos de particulares, desvio ou aplicação ilegal de verbas públicas, sectanismo do comportamento da autoridade, privilegiando, no exercício funcional, o interesse pessoal em relação ao público, até tráfico de influência nas esferas públicas, bem como exercício deturpado ou ineficiente das funções públicas com afronta acintosa aos princípios constitucionais que as regem (PAZZAGLINI, 2002, p.16).

Observando as idéias do mesmo autor, percebemos que a incidência da improbidade administrativa resulta em depauperação do patrimônio público, comprometimento da eficiência de atuação dos Poderes do Estado, geração de falsos conceitos da administração, de agente público e de impunidade, descrédito dos ocupantes de funções públicas, enriquecimento ilícito de autoridades e particulares apaziguados em detrimento da qualidade, economia e eficiência dos serviços públicos, inversão de prioridades públicas pelo tráfico de influências, ampliação das desigualdades sociais, aumento da dívida pública, com o desequilíbrio entre receitas e despesas, entre tantos outros malefícios.

Para retornar à conceituação do tema-chave deste trabalho, devemos antes tecer algumas considerações. Como sabemos, todo conceito valorativo não possui conteúdo preciso e limitado dentro do direito positivo. Dessa forma, a improbidade administrativa não foge da regra. O alcance terminológico do vocábulo “improbidade” passa por vários obstáculos de conceituação, conforme notamos em diversas correntes sobre o assunto na doutrina.

Muitos autores constroem o conceito de improbidade administrativa a partir do significado do princípio da probidade administrativa. Maria Sylvia Zanella di Pietro (2001) e José Afonso da Silva (1990), por exemplo, seguem essa linha. A primeira autora afirma que a improbidade seria a lesão à probidade e moralidade administrativa, acrescentando que, quando tratada como infração, a improbidade ganha um sentido mais extenso e preciso, abarcando os atos imorais ou desonestos, como também os atos ilegais. Aduz, ainda, que na Lei 8.429/92 a violação à moralidade é apenas um dos aspectos da improbidade.

Com efeito, vale ressaltar que uma parte da doutrina não faz referência à probidade como um princípio da administração, mas como um dever necessário à legitimidade dos seus atos, dever este que deriva diretamente do princípio da moralidade. Para estes, a probidade administrativa pode ser tida como o dever que o agente público têm de servir à Administração com honestidade, boa-fé e boa administração.

Antônio José de Mattos Neto (1997), analisando a Lei de Improbidade, afirma, que a moralidade administrativa está contida na noção de probidade administrativa, mencionando que o diploma legal em questão considera atos de improbidade administrativa aqueles que ensejam enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao erário ou atentam contra os princípios da administração, dentre os quais está o princípio da moralidade, acompanhado pelos princípios da legalidade, impessoalidade e publicidade, além dos implícitos, que, mesmo assim, aplicam-se à gestão dos negócios públicos.

A improbidade, de acordo com Waldo Fazzio Júnior (2000), pode ser considerada como a violação dos princípios administrativos da legalidade, da impessoalidade, da publicidade, da moralidade e da eficiência, no exercício de função, cargo, mandato ou emprego público, tendo como fonte a má-fé. Juarez de Freitas (1996), por sua vez, exige ainda que a violação dos princípios citados configure, concomitantemente, num dano mensurável, no aspecto moral ou material, à moralidade administrativa.

Diante da dificuldade de se conceituar a improbidade administrativa, vemos que cada autor escolhe uma forma de delimitar esse tipo de atitude desonrosa. Os ensinamentos de Rita Tourinho (2005) alertam que a improbidade administrativa do nosso ordenamento jurídico atual abrange não somente aspectos morais, mas também os componentes dos demais princípios que regem a Administração Pública.

Wallace Paiva Martins Júnior (2001) considera, com efeito, que ímprobo é o agente desonesto, que se utiliza da Administração Pública para angariar ou distribuir vantagens em detrimento do interesse público, atuando, também, com menosprezo aos deveres do cargo e aos valores, direitos e bens que lhe são confiados.

Os atos de improbidade administrativa estão descritos nas três seções componentes do Capítulo II da Lei nº 8.429/92, sendo subdivididos em três grupos distintos, conforme o ato importe em enriquecimento ilícito (art. 9º), cause prejuízo ao erário (art. 10) ou tão somente atente contra os princípios da Administração Pública (art.11).

 

Com base nessa divisão, podemos encontrar no caput desses artigos a presença de conceitos jurídicos indeterminados, que nada mais são do que a tentativa de achar uma concepção uniforme de determinado grupamento, com o intuito de fixar parâmetros que proporcionem certeza e segurança jurídica no momento de descrição de determinadas situações que desencadeiam conseqüências no plano normativo.

Assim sendo, são conceitos que necessitam de uma avaliação da situação do caso concreto subjacente à norma, para a realização de uma ponderação valorativa de interesses, ou seja, uma avaliação de situação atual com posterior projeção de uma situação futura.

Essa análise é excelente para o desempenho da Administração Pública, pois acarreta grande mitigação na esfera da discricionariedade dos agentes públicos, reduzindo, portanto, os patamares de sua incidência.

Vale salientar que, visto a dificuldade de se fixar o alcance real da improbidade administrativa, os incisos dos referidos arts. 9º, 10 e 11 tratam de previsões específicas dos casos de improbidade administrativa, sendo utilizados para facilitar a compreensão dos conceitos indeterminados veiculados no caput, exemplificando as situações tidas como violadoras da probidade administrativa.

Por fim, temos, ao nosso entender, que a improbidade administrativa pode ser considerada como qualquer conduta praticada contra a Administração Pública, que lesa o interesse público, importando em enriquecimento ilícito para o agente, em prejuízo ao erário ou que resulte numa infração a qualquer princípio da Administração Pública, seja ele implícito ou explícito.

2.2 Cultura brasileira da improbidade e evolução constitucional e legislativa

Antes de alcançar os pontos cruciais de investigação deste trabalho, devemos mostrar um breve histórico da cultura da corrupção e improbidade no Brasil e no mundo, ressaltando suas implicações, já que esse tipo de atitude tem origem nos costumes sociais e políticos.

De acordo com Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2001), em artigo intitulado “Corrupção e Democracia”, a corrupção é um mal gravíssimo, que prejudica as bases de sustentação do Estado e ameaça a sociedade como um todo, sendo fonte de descrédito das instituições regentes de um governo democrático.

Atentando, assim, contra o próprio sistema democrático, acaba por contribuir para a proliferação da idéia de que os mandatários do povo são desonestos. Soma-se a esta singela consideração, a constatação de que os regimes democráticos, por serem conduzidos sem uma efetiva participação popular, mostram-se como ambiente adequado à aparição de alto índice de corrupção.

Quando se diz que um agente público é probo, deseja-se expressar a idéia de que essa pessoa é dotada de honradez e integridade na realização de suas condutas. A probidade muitas vezes é confundida com a moralidade. Ambos os termos integram a ciência do dever-ser, marcada, na esfera da Administração Pública, pela orientação de como deve ser o comportamento do administrador público e de seus subordinados. Como disse, costuma-se confundir moralidade com a probidade. Mas isso não deve prosperar, pois a moralidade é muito mais abrangente.

De acordo com Luiz Alberto Ferracini (1999), a ciência da moralidade abrange princípios e conclusões mais amplos, ao contrário do termo probidade, que evidencia circunstâncias concretas da aplicação da moralidade, encerrando, desse jeito, o direito natural, que é um poder moral nascido das exigências racionais da natureza humana.

Assim, a improbidade revelaria uma qualidade humana que não atende ao bem comum, agindo desonestamente, com indecência e falta de caráter, tornando-se um ato tido como amoral.

O dever de probidade decorre do dever da moralidade. Com isso, podemos afirmar que a probidade administrativa tem como função instrumentalizar a moralidade administrativa. Olhando pelo aspecto repressivo, a incidência das espécies de atos ímprobos contidos na Lei 8.429/92 implicaria numa imoralidade administrativa, já que o resultado obtido abrange o dano contra os valores morais da Administração Pública.

Voltando ao retrospecto histórico, inicialmente as leis que combatiam a corrupção eram bastante cruéis. Na Grécia, o juiz corrupto era punido com a morte. A lei mosaica indicava flagelação para o mesmo tipo de caso. A primeira ação de combate à corrupção entre os romanos acontece com a imputação da pena capital ao juiz que recebesse dinheiro ou valores.

Posteriormente, leis mais brandas indicavam a substituição da pena capital aplicada ao agente pela obrigação de devolver o débito indevidamente recebido. Além da sanção civil, a corrupção passou a constituir ilícito penal com a Lei Acilia (123 a.C), sendo cominadas as penas de furto, que implicavam na restituição em dobro.

Depois disso, vendo que a corrupção ainda encontrava-se enraizada, começaram a aplicação das penas de perda dos direitos civis, penas de exílio e de confisco de bens, além das pecuniárias, que agora já quantificavam a restituição no quádruplo do valor percebido.

Na Idade Média, os juízes e agentes públicos também eram punidos em casos de corrupção. A França e a Inglaterra editaram leis e códigos tentando controlar tal mazela. Temos como exemplo, o aterrorizante caso de juiz chamado Thorpe que foi condenado à forca por corrupção. Não podemos deixar de mencionar que o poder eclesiástico, bastante influente na época, reprimia veemente esse tipo de prática, pois estaria contrário às ordens divinas.

Conforme abordado anteriormente, o Brasil, ao ser colonizado pelos portugueses que só visavam a obtenção de interesses pessoais e o lucro desenfreado, propiciou o desenvolvimento de um sistema carente de formação especializada e ausência de instrumentos de fiscalização efetivos.

Porém, de acordo com os já citados Garcia e Alves, as ordenações Filipinas, que vigeram no Brasil e Portugal durante séculos, ao vedar o recebimento de vantagens por parte dos Oficiais de Justiça e da Fazenda,

comunicavam-lhe as penas de perda do ofício e obrigação de pagar vinte vezes mais do que receberam, sendo que, deste total, metade reverteria para o acusador e a outra metade para a denominada Câmara do Conselho. Na teoria tudo fluía muito bem, mas na prática as ações não eram concretizadas (GARCIA, ALVES, 2004, p. 187).

Aparece, então, o Código Criminal Brasileiro de 1830, tipificando a corrupção em dois dispositivos independentes, chamados de peita e de suborno. Essa sistemática foi alterada pelo Código de 1890, que optou por unifica-los em uma seção apenas.

O Direito positivo pátrio passa a se preocupar, mais efetivamente, com a probidade administrativa, disciplinando-a em preceitos diversos ao longo da pirâmide do ordenamento jurídico.

No tocante a previsão constitucional da improbidade, a Carta Magna de 1988 foi pioneira a tratar do assunto. Anteriormente, apenas tratava-se do enriquecimento ilícito, modalidade mais incisiva da improbidade administrativa. Podemos constatar tal ocorrência no art.146, §31, da Constituição Federal de 1946, que expressava o seguinte: “a lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica”.

Encontramos na Constituição de 1967, alterada pelas Emendas 1/69 e 11/78, o art.153, §11, prevendo em sua parte final que “a lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício da função pública”.

A Constituição de 1988 inovou no seu art.37, §4º, ao dizer que “os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Pode-se conceituar a improbidade administrativa como a conduta inadequada de qualquer agente público, e até mesmo de terceiros, servidor público ou não, que pratiquem atos lesivos ao erário, ou que resultem em enriquecimento ilícito, ou que simplesmente atentem contra os princípios constitucionais da administração pública. Ao expandir tal conceito, a sociedade passa a contar com mais um instrumento de combate à corrupção.

Então, a improbidade pode ser representada por condutas ilegais, corruptas e nocivas de determinado agente público, que, no exercício de sua atividade, dolosa ou culposamente, ajudado ou não por terceiros, ofendem os princípios constitucionais da Administração Pública, trazendo prejuízo para toda a sociedade.

Diante do exposto, podemos ver que a improbidade administrativa constitui violação ao princípio constitucional da probidade administrativa, ou seja, ao princípio que obriga o agente público a atuar sempre com honestidade na gestão dos negócios públicos, tendo como consequência a quebra de dois deveres fundamentais: lealdade e eficiência funcional mínima.

A Lei de Improbidade Administrativa (LIA), n.º 8.429/92, chegou para dispor especificamente sobre a improbidade, tendo como objetivo trazer as sanções aplicáveis aos agente públicos, no caso de enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na administração pública.

Quanto à legislação infraconstitucional, o legislador brasileiro produziu duas leis anteriores à Lei 8.429/92: a Lei n.º 3.164/57 (Lei Pitombo-Godói) e a n.º 3.502/58 (Lei Bilac Pinto). Ambas tiveram pouca aplicação, pois apenas tratavam do enriquecimento ilícito. A incidência era rara devido à difícil caracterização do enriquecimento, dentre outros fatores.

A primeira sujeitava a seqüestro os bens do servidor público, adquiridos por influência ou abuso do cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que aquele tenha ocorrido. Já a segunda, regulava o seqüestro e o perdimento de bens de servidor público da administração direta e indireta, nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso do cargo ou função, tendo natureza confirmativa em relação à Lei Pitombo-Godói.

Passados dez anos da promulgação da Lei Bilac Pinto, foi editado, em 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional n.º 5, composto de inúmeras medidas antidemocráticas, sendo consequência direta da turbulência política que enfrentava nosso país. O AI-5 concedeu ao Presidente da República poderes para suspender os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de 10 anos, cassar mandatos políticos e decretar o confisco dos bens daqueles que tivessem enriquecido ilicitamente no exercício de cargo ou função pública. O absolutismo era tanto, que o decreto presidencial sequer era apreciado pelo Poder Judiciário.

Decretos-lei posteriores trataram de organizar todo o procedimento do confisco dos bens. O Decreto-Lei n.º 359/68, por exemplo, instituiu uma Comissão Geral de Investigação, que seria o órgão responsável por uma investigação sumária que serviria de base para o confisco.

O Ato Institucional n.º 14, de 5 de setembro de 1969, alterou o art.150, §11, da Constituição Federal de 1967, tendo previsto que o confisco e o perdimento de bens, nos casos de enriquecimento ilícito ou dano ao erário, seriam disciplinados por lei.

Com a promulgação da primeira Emenda Constitucional, datada de 17 de outubro de 1969, houve uma restrição da possibilidade de confisco, podendo ocorrer somente nos casos de “guerra externa, psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva, nos termos que a lei determinar”, ou seja, não contemplou tal medida na hipótese de enriquecimento ilícito ou dano ao erário.

Ainda no tocante ao assunto, tem-se a Emenda Constitucional n.º 11, de 13 de outubro de 1978, que acabou por fornecer nova redação ao art.153, §11, da Constituição, revogando todos os atos institucionais e complementares que autorizavam o confisco, estando seus efeitos igualmente excluídos da apreciação do Poder Judiciário.

3. Conclusão

Desde John Locke e Montesquieu se dedica importância aos episódios de improbidade. O que se percebe, portanto, é que da antiguidade mais remota até os dias atuais, é da natureza humana fazer a distinção do que é o bem e do que é o mal, do que é certo e do que é errado.

Lamenta-se, no entanto, que a mesma certeza não pode ser adotada no que concerne ao fim da prática dos gestores públicos em apenas fazer o mal, deixando de visar ou atender o interesse público que deve nortear toda a atuação administrativa.

Ao revés. O que se pode afirmar, lamentavelmente, é que embora o sistema judiciário brasileiro considere a improbidade administrativa uma prática abusiva, criminosa, e tenha uma Lei que trata especificamente desta prática maléfica, o mesmo não consegue transformar a realidade do país, com a gradual e definitiva extirpação de episódios que demonstrem práticas de agentes ímprobos.

Aliás, pode até se ter a impressão de os mesmos estarem diminuindo, porém, na prática, o que pode ser constatado é que os mesmos só não estão sendo descobertos e punidos como deveria ser, estando o país sem saber onde tal situação vai parar.

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Data de elaboração: novembro/2010

 

Como citar o texto:

SILVEIRA,Clariana Oliveira da..Um breve histórico da improbidade administrativa no Brasil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/2156/um-breve-historico-improbidade-administrativa-brasil. Acesso em 16 fev. 2011.

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