SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Presença de parentesco no processo licitatório: impedimento x possibilidade; 2.1. Doutrina e decisões recentes; 3. Considerações Finais; Referências Bibliográficas.

RESUMO

A relação de parentesco como razão de impedimento na participação em licitações públicas é tema de grandes debates jurídicos e divide opiniões. Os impedimentos sobre procedimentos licitatórios estão listados no Art. 9º da Lei Federal nº 8.666/93. É indiscutível que devem ser preservados os princípios da isonomia e da moralidade na licitação, no entanto, a simples existência de parentesco não presume ofensa a esses princípios, emergindo daí uma discussão pautada nos princípios da Dignidade da pessoa humana, da Legalidade e no interesse público.

Palavras-chave: Licitação, Parentesco, Princípios.

1. INTRODUÇÃO

A lei nº 8.666/93 elenca em seu Art. 9º, as hipóteses de impedimento à participação de procedimentos licitatórios. Todavia, não está expressamente previsto nesse rol, a causa de impedimento relativa ao parentesco entre licitantes e sujeitos da Administração Pública. Ocorre que, o tema gera discussões jurídicas e divide opiniões. Já é assunto principal de grande número de decisões judiciais e motivo de anulação de atos administrativos.

Fala-se que, uma interpretação ampliativa do mencionado artigo ofende o princípio da legalidade, por não estar presente em seu rol, o impedimento de parentes de algum membro da entidade promotora do certame participarem como licitantes, ao tempo em que, sua permissão ofende especialmente dois dos princípios presentes no Art. 3º da mesma lei, quais sejam, a moralidade e a igualdade. Há quem pense, porém, que esse impedimento, por decorrer de mera presunção, ofenderia outro princípio basilar do Direito, o da Dignidade da Pessoa Humana. Além disso, se o sujeito em comento apresenta proposta mais vantajosa e que atenda as necessidades da Administração Pública, seu impedimento fere uma das pedras de toque do Direito Administrativo, a supremacia do interesse público.

Quanto à metodologia de pesquisa, o método adotado é o dialético, já que a conclusão será construída a partir de um conjunto de pensamentos doutrinários e de decisões jurisprudenciais sobre o tema em questão.

2. PRESENÇA DE PARENTESCO NO PROCESSO LICITATÓRIO: IMPEDIMENTO X POSSIBILIDADE

O impedimento aqui tratado refere-se à impossibilidade de parentes de algum membro da entidade promotora do certame participarem do procedimento licitatório em pé de “igualdade” com todos os outros participantes, o que não estaria de acordo com o princípio da isonomia previsto no Artigo 3º da Lei de Licitações nº 8.666/93, já que estes participantes poderiam estar em situação vantajosa quanto aos demais, tendo acesso a informações privilegiadas sobre o certame e seus concorrentes. Ocorre que, este impedimento não está elencado entre as hipóteses previstas no Art. 9º da mesma lei, abaixo transcrito:

Art. 9º Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários:

I - o autor do projeto, básico ou executivo, pessoa física ou jurídica;

II - empresa, isoladamente ou em consórcio, responsável pela elaboração do projeto básico ou executivo ou da qual o autor do projeto seja dirigente, gerente, acionista ou detentor de mais de 5% (cinco por cento) do capital com direito a voto ou controlador, responsável técnico ou subcontratado;

III - servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação.

Como se observa, não há previsão expressa na Lei de Licitações e Contratos e por isso, estabeleceu-se a discussão de que, ao impedir a existência de relação de parentesco no procedimento, estar-se-ia ampliando o rol do referido artigo, que para alguns deve ser interpretado restritivamente, pois do contrário, o princípio da legalidade estaria sendo ferido, como dispõe o Art. 5º, II da Constituição Federal de 1988, "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Torna-se claro que a intenção do legislador ao elaborar o artigo 9º da Lei 8.666/93 é a proteção aos princípios previstos no Art. 3º da mesma lei, em especial, aos princípios da isonomia (condições iguais para todos) e da moralidade (honestidade/probidade), vejamos:

Art. 3º - A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (grifamos)

Outros princípios também devem ser analisados em relação ao tema, como o princípio constitucional da livre iniciativa, já que impedir certas pessoas de participar de procedimento ao qual é assegurada legalmente ampla concorrência em condições iguais, resulta em limitar o direito à livre iniciativa ao trabalho. Outro ponto importante, é que a Administração Pública pode estar perdendo com isso, a proposta mais vantajosa para a licitação, afetando o interesse público e ferindo, na mesma proporção, o princípio da economicidade.

A simples presunção de má-fé do participante parente vai de encontro a outro grande princípio, no qual se baseia qualquer ramo do Direito brasileiro, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, consagrado no art. 1º, III, da Constituição da República.

No entanto, há prevalência daqueles que defendem o alargamento da interpretação da norma e encaram essa relação de parentesco como óbice à participação do certame licitatório. Inclusive, essa é a posição predominante das decisões judiciais, e o impedimento também se encontra previsto em editais de procedimentos licitatórios, como veremos a seguir.

Desse modo, o vínculo de parentesco, por si só, não justificaria o impedimento aqui tratado, pois como já explanado, não há previsão expressa em lei, e também, por não se poder presumir, sem provas, a existência de vício no procedimento, originário de favorecimentos ou privilégios decorrentes da relação de parentesco.

2.1. DOUTRINA E DECISÕES RECENTES

O tema torna-se complexo à medida que não há na doutrina tratamento específico suficiente para sanar a controvérsia aqui tratada. Contudo, é visível a prevalência de entendimentos judiciais tendentes a impedir a existência de relação de parentesco nos certames.

Faz-se imperativo ressaltar, decisão do Tribunal de Contas, no Acórdão nº 607/2011- Plenário, TC-002.128/2008-1, Relator Ministro-Substituto André Luís Carvalho em 16 de março de 2011, segundo o qual: “(...) Mesmo que a Lei nº 8.666, de 1993, não possua dispositivo vedando expressamente a participação de parentes em licitações em que o servidor público atue na condição de autoridade responsável pela homologação do certame, vê-se que foi essa a intenção axiológica do legislador ao estabelecer o art. 9º dessa Lei, em especial nos §§ 3º e 4º, vedando a prática de conflito de interesse nas licitações públicas (...)”.

Na doutrina, há divergências. Para Lucas Rocha Furtado (2007, p. 40): “Não obstante a lei descreva situações que importam em violação da moralidade administrativa, não se deve restringir a moralidade à legalidade. Isto é, qualquer outra situação, ainda que não descrita em lei, mas que importe em violação do dever de probidade imposto aos servidores públicos deve ser rejeitada por ser incompatível com o ordenamento jurídico”.

Já para o doutrinador Uadi Lammêgo Bulos (2008): “O art. 9º, da Lei 8.666/1993 lista, taxativamente, o rol de hipóteses, com base numa ordem numerus clausus, pelas quais pessoas físicas ou jurídicas encontram-se impedidas de participarem, direta ou indiretamente, de licitações, nos termos ali previstos. Neste particular, só o Poder Legislativo, e mais ninguém, poderá regular a matéria, sob pena de ofensa direta ao disposto no art.22, XXVII, do Texto Magno. Assim, presentes os pressupostos lógico – pluralidade de objetos e de ofertantes; jurídico – atendimento ao interesse público; e fático – presença de vários interessados em disputar o certame, nada poderá invalidar, do ponto de vista jurídico, a licitude e a legitimidade do certame licitatório. O contrário disso seria empreender interpretação inconstitucional de leis constitucionais”.

Nota-se que não é pacífico o entendimento doutrinário quanto ao assunto. No entanto, há entendimento da Corte Suprema do país no sentindo de impedir a existência de parentesco entre os participantes do certame e membros da entidade responsável, inclusive, de parentes da autoridade homologatória, como no julgamento do Recurso Extraordinário nº 423.560, de Minas Gerais, datado de 29/05/2012, Segunda Turma:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL. LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE BRUMADINHO-MG. VEDAÇÃO DE CONTRATAÇÃO COM O MUNICÍPIO DE PARENTES DO PREFEITO, VICE-PREFEITO, VEREADORES E OCUPANTES DE CARGOS EM COMISSÃO. CONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DOS MUNICÍPIOS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.

É de suma relevância para este trabalho transcrever parte do voto do ilustre Ministro:

O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (RELATOR):  A Constituição Federal outorga à União a competência para editar normas gerais sobre licitação (art. 22, XXVII) e permite que Estados e Municípios legislem para complementar as normas gerais e adaptá-las às suas realidades. Da generalidade da norma às particularidades de cada ente da Federação, pode-se afirmar que a Constituição deixa aberta a porta da discricionariedade. Contudo, em tema de licitação, como já decidiu esta Corte, a discricionariedade existe para preservar um interesse público fundamental: a possibilidade de efetiva, real e isonômica competição. É a busca pela competição que justifica certa liberdade do legislador e do administrador (ADI 3059-MC, rel. min. Carlos Britto, RTJ 192/163; ADI 3.070, rel. min. Eros Grau, DJ 19.12.2007).

Diante disso, percebe-se que os Tribunais se inclinam a enfrentar a questão de modo a efetivamente impedir a existência de relação de parentesco nos processos licitatórios.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Restou claro que toda a discussão doutrinária e jurisprudencial apresentada no presente artigo pauta-se na relação de parentesco existente entre participantes da licitação administrativa e membros da entidade organizadora do certame, inclusive da autoridade que a homologa.

O fato é que o impedimento não está previsto expressamente em Lei, mais precisamente no Art. 9º da lei 8.666/93, a lei de licitações e contratos, e esse fato traz uma série de discussões inclusive judiciais, o que abarrota ainda mais os Tribunais, tornando seu trabalho menos célere, por um assunto que já poderia ter sido resolvido, talvez, com um acréscimo no corpo do referido artigo, incluindo essa hipótese de impedimento, pois não é plausível no Direito brasileiro presumir a má-fé de pessoas que pretendem prestar serviço para a Administração Pública, simplesmente por haver uma relação de parentesco entre elas e os responsáveis pelo certame, imaginando com isso que estas pessoas não estariam competindo em igualdade com os demais por receberem informações privilegiadas.

O tema merece maior atenção dos legisladores, pois é descabida a ofensa ao princípio constitucional da Legalidade, e aos princípios da livre iniciativa, economicidade, e Dignidade da Pessoa Humana, ao tempo que, com a simples normatização deste impedimento, estaria sendo evitado todo o desconforto que o tema sugere, especialmente no que se refere à ofensa a outros dois Princípios: a moralidade e a isonomia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.

- BULOS, Uadi Lammêgo. Licitação em caso de parentesco. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1855, 30 jul. 2008. Disponível em: 24/10/2013.

- Informativo de Jurisprudência sobre Licitações e Contratos nº 54. Tribunal de Contas da União. Sessão 15 e 16 de março de 2011.

 - GESTÃO PÚBLICA. Gabrielapercio.blogspot.com.br. Participação de parentes de servidor em licitações - Entendimento atual do TCU. 2011. Disponível em: 20/10/2013.

- www.stf.jus.br. Disponível em: 20/10/2013. Acesso às 14h30.

 

 

Elaborado em novembro/2013

 

Como citar o texto:

SANTOS, Andreza Souza Nascimento dos..O parentesco nas licitações: ofensa a princípios. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1118. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/2854/o-parentesco-nas-licitacoes-ofensa-principios. Acesso em 11 nov. 2013.

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