Resumo: Em um panorama objetivo, mas exauriente, defende a impossibilidade de responsabilização solidária entre advogados públicos e administradores, pontuando os motivos existentes para esta posição dentre as diversas áreas do conhecimento jurídico de maneira clara e reflexiva.

Palavras-chave: Responsabilidade solidária. Parecer jurídico. Advogado público e administrador. Impossibilidade

Parte da doutrina e também da jurisprudência recepcionou a ideia da responsabilização dos advogados públicos, mas contudo, não expõe argumentos sólidos e capazes de esclarecer como e por quê aconteceria essa responsabilização.

Buscando a conceituação de responsabilidade solidária no Código Civil, percebemos que ela ocorre todas as vezes em que existe mais de um obrigado, sendo que todos respondem pelo cumprimento da obrigação, sendo que só haverá solidariedade em casos expressos na lei ou no contrato, sendo assim, nunca podendo ser presumida.

Aclarando este conceito de solidariedade, temos o ícone do Direito Civil brasileiro, Orlando Gomes (2007, p. 81), que nos diz:

A obrigação solidária caracteriza-se pela coincidência de interesses, para a satisfação dos quais se correlacionam os vínculos constituídos. Levando em conta o fim para que se constitui a solidariedade, a lei declara que não se presume. Para que a obrigação seja solidária é preciso que as partes, ou a lei, assim a definam, de modo expresso.

 

Nítido, portanto, se fez o conceito da solidariedade e o requisito para que esta seja firmada: a definição em lei ou contrato. Mesmo o conceito sendo proposto pelo ramo do direito privado, é perfeitamente factível o transporte à seara administrativa, logicamente fazendo as devidas modificações que o tratamento diferenciado à Administração Público impõe.

Analisando a jurisprudência do STF encontramos um pleito do Tribunal de Contas da União para que houvesse a responsabilização solidária do advogado público vinculado a uma empresa estatal por este ter dispensado uma licitação e o administrador assim ter procedido, quando da execução do contrato. A ideia fundamentadora do pedido era a de que o advogado teria responsabilidade sobre a ilicitude da contratação, uma vez que o administrador só dispensou a licitação, por conta do parecer exarado.

Ora, analisando o caso, mesmo que superficialmente, são perceptíveis vários pontos que impossibilitam sob maneira a responsabilização do advogado público.

 O primeiro deles seria a independência que o administrador possui quando da execução dos atos administrativos. O parecer emitido pelo advogado público em questão tratava-se de um parecer obrigatório, ou seja, aquele que NÃO necessita ser seguido pelo administrador se este não concordar com a ideia ali exposta, obrigando-se a somente justificar devidamente a medida contrária ao defendido pelo parecerista. Assim, existe total liberdade entre o exposto no parecer e o ato decisório final concretizado pelo administrador, sendo, portanto, impossível afirmar que um ato (o parecer) é consequência do outro (a decisão do administrador). O parecer não é a expressão da vontade do Estado, mas somente, um instrumento de consulta técnico-jurídica.

A segunda conclusão é quanto a independência funcional do advogado. Como vislumbrar a responsabilidade deste profissional na emissão de pareceres, sendo que os pareceres são peças opinativas? Valorar a opinião de alguém em lícita ou ilícita é algo surreal, já que a carga subjetiva encontrada nessas peças é altíssima. Reforça-se a ideia de que o conteúdo seguirá uma linha lógica e racional, balizado nos pensamentos da doutrina e jurisprudência pátria, mas nunca deixará de ser a opinião do parecerista. Comprovada a má-fé ou até mesmo interesses escusos na emissão de um parecer favorável a certa situação, há culminação sim em responsabilização do advogado, mas fora esta situação, aplicar sanções a alguém que somente emitiu seu posicionamento é inexeqüível.

O terceiro ponto a ser rebatido é a questão da responsabilidade solidária. Como exposto, a solidariedade só poderá ser encontrada onde a lei assim estabeleça ou o próprio contrato a defina. Onde existe na legislação pátria a imposição de responsabilidade solidária entre advogados e administradores? Existe uma imposição de responsabilidade solidária no artigo 25 da Lei 8.666/93, mas em relação aos administradores e fornecedores, junto a questões ligadas a superfaturamentos e inexigibilidade de licitação. Em momento algum é inserido neste cenário a figura do advogado público, e mais uma vez entendemos pela impossibilidade da responsabilização. Neste mister, apropriado e indispensável trazer à baila o pensamento crítico, mas sempre coerente, do ilustre Carlos Valder do Nascimento (2007, P. 12), quando relata:

 

Por qualquer que seja o ângulo examinado, não há possibilidade de se imputar objetivamente ao advogado público tal responsabilidade, especialmente pela forma solidária. Primeiro porque não há previsão legal no sentido sancionatório que pretende o Tribunal de Contas da União. Segundo, em face de que o ato por ele praticado não reproduz a vontade do Estado. Por último, porque o parecer configura-se apenas um ato enunciativo e, como tal, não tem valor de ato administrativo.

 

O renomado doutrinador resumiu perfeitamente todos os óbices encontrados para que se possa responsabilizar o advogado público, como já fora esposado neste texto.

 Responsabilizar solidariamente o advogado público, como pretende o Tribunal de Contas da União, é admitir um retrocesso nas liberdades e garantias profissionais e uma conseqüente agressão ao nosso ordenamento pátrio, ressaltando assim um enfrentamento direto ao disposto no Estatuto dos Advogados. Desta forma, resta clara esta impossibilidade, em respeito não só a independência funcional, como também a própria característica intrínseca do parecer como instrumento apenas consultivo.

 

 

Elaborado em março/2014

 

Como citar o texto:

CARVALHO, Kamayura Ribeiro Freire de..A possibilidade de responsabilidade solidária entre o advogado público e o administrador no que tange a emissão de parecer jurídico. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1170. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/3099/a-possibilidade-responsabilidade-solidaria-entre-advogado-publico-administrador-tange-emissao-parecer-juridico. Acesso em 9 jun. 2014.

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