Sumário: Introdução. 1. A Distinção entre os "bens vinculados" à prestação dos serviços públicos e os "bens reversíveis". 2. As diversas origens dos bens vinculados à prestação dos serviços Públicos. 3. Os regimes jurídicos dos bens vinculados à prestação dos serviços públicos. 4. Responsabilidade pela manutenção, alienação e penhora dos bens vinculados. 5. Conclusão. 6. Bibliografia.

INTRODUÇÃO

Como bem salientado pela professora Dinorá Adelaide Musetti Grotti(1) , cada povo diz o que se deve considerar por serviço público em consonância com seu respectivo sistema jurídico. A professora adverte, ainda, que a definição de uma dada atividade como sendo serviço público remete ao plano da concepção sobre o Estado e seu papel. Nota-se, portanto, que se está no plano da escolha meramente política, que pode estar fixada na Constituição do país, na legislação infraconstitucional vigentes em um dado momento histórico.

O professor Marcos Juruena Villela Souto(2) define serviço público como sendo a atividade cuja realização é assegurada, regulada e controlada pelo Estado em face de sua essencialidade ao desenvolvimento da sociedade, exigindo, pois, uma supremacia na sua disciplina.

É cediço que tais serviços, considerados públicos, podem ser prestados pelos órgãos da Administração Direta, pela via da criação de autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações ou pela delegação à particulares via concessões ou permissões.

Os dois autores, acima mencionados, destacam que o Estado brasileiro, ao longo dos anos, organizou o desempenho de seus serviços públicos sob diversas modalidades. Destacam esses autores que, originariamente, só se conhecia a prestação direta pelo Estado, valendo-se dos órgãos que compõem o seu próprio aparato administrativo. Num segundo momento, segundo os mesmos autores, até 1930, teve grande voga a concessão a favor de pessoas privadas, tendo como objeto social a prestação de serviço público. É perceptível que em setores como transporte ferroviário, energia elétrica, telecomunicações, por exemplo, a presença estatal é quase exclusiva na a partir da Segunda Guerra Mundial.

Os autores supracitados salientam que, a partir da década de 90, a divulgação internacional das propostas de privatização chega ao Brasil e as empresas estatais deixam de ser a única alternativa para prestação dos serviços públicos. Vale lembrar, ainda, que a insuficiência de recursos estatais para manutenção de serviços públicos adequados também contribuiu para o novo formato dos serviços públicos, como, também, muito bem destacados pelos autores mencionados.

Os autores acima mencionados deixam a lição de que a descentralização de atividades anteriormente cometidas ao Estado vem se desenvolvendo, por delegação atribuindo competências às entidades privadas, com preferência para a concessão de serviços públicos.

O objeto do presente estudo, portanto, é a concessão de serviço público às entidades privadas e o deslinde das questões inerentes aos bens vinculados à prestação dos serviços públicos.

Inicia-se o estudo com a análise de alguns aduzimentos sobre o conceito dos bens vinculados, no ordenamento jurídico brasileiro, bem como os diversos entendimentos exarados pelos doutrinadores sobre o regime jurídico dos ditos bens.

Também são colacionadas lições sobre a responsabilidade pela manutenção, alienação e penhora dos bens vinculados.

Por fim, é apresentada uma síntese conclusiva sobre o tema, sem a preocupação de inovar, mas apenas com o intuito de contribuir para a melhor compreensão dos novos institutos jurídicos decorrentes das novas relações jurídicas constituídas na seara da prestação dos serviços públicos através de empresas privadas.

1. A DISTINÇÃO ENTRE OS "BENS VINCULADOS" À PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS E OS "BENS REVERSÍVEIS"

O professor português Pedro Gonçalves(3) destaca, com maestria, a importância de se observar que a gestão do serviço público, como o exercício de qualquer outra atividade econômica, pressupõe o uso de meios de que o concessionário se serve para cumprir as suas obrigações contratuais. O professor enumera, ainda, como exemplos: dos meios humanos, o pessoal que a empresa concessionária "vincula" à concessão, ou meios materiais, isto é, de bens utilizados na gestão do serviço público.

Os ditos bens incorporados na concessão, vinculados à gestão do serviço público, compreendem, portanto, o conjunto de bens imóveis (terrenos, edifícios, infra-estruturas complexas, como redes de água ou de telecomunicações) e móveis (materiais, máquinas, equipamentos, aparelhagens, mobiliário, material circulante) utilizados na prestação do serviço público concedido.

Quanto ao tema "bens vinculados", é interessante notar que todos os doutrinadores pesquisados afirmam que os bens vinculados são todos aqueles necessários à prestação do serviço pública. Ocorre, contudo, ao que parece, que os doutrinadores não fazem qualquer distinção entre "bens vinculados" e "bens reversíveis". O professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto(4) , por exemplo, utiliza os adjetivos "vinculado" e "reversível" como sinônimos.

Tal entendimento parece ser errôneo, pois, nem todos os bens utilizados pela concessionária na prestação do serviço público são de extrema necessidade para o funcionamento do serviço e, conseqüentemente, não devem ser transferidos, ao final da concessão, ao poder concedente.

Vale destacar que na legislação não há dispositivo que defina "bens vinculados", contudo os incisos II, V e VII, do artigo 31, da Lei n.° 8.987, 13 de fevereiro de 1995 (Lei das Concessões e Permissões), mencionam, entre os encargos da concessionária, que incumbe à mesma "manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão"; "permitir aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qualquer época, às obras, aos equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como a seus registros contábeis" e "zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço, bem como segurá-los adequadamente", respectivamente.

Percebe-se, portanto, que o legislador fez menção expressa aos bens vinculados à prestação dos serviços públicos, sem, contudo, declinar um conceito legal. É fácil notar, ainda, que o legislador não afirma que os bens vinculados são aqueles necessários à prestação do serviço público e nem, muito menos, que os ditos bens serão todos reversíveis.

Conclui-se, pelo já exposto, que os bens vinculados são todos aqueles utilizados pela concessionária para a realização dos serviços públicos concedidos, não se confundindo com os bens reversíveis, pois estes são aqueles bens vinculados "extremamente" necessários à prestação do serviço público e que por força dos princípios da continuidade, regularidade e atualidade da prestação do serviço público deverão reverter (serão transferidos) ao poder concedente para que a prestação do serviço não sofra uma solução de continuidade. Mais adiante, no presente trabalho, serão trazidas as lições de autores renomados que explicam cada um dos princípios mencionados.

É importante fixar o entendimento de que os bens vinculados à prestação dos serviços públicos, só passam a categoria de bens reversíveis, a partir do momento que o poder concedente estabelece que terminados bens são da "essência" da prestação dos serviços concedidos, isto é, sem os ditos bens a concessionária não poderá prestar um serviço público continuo, atual e regular.

Para corroborar o acima exposto, se faz necessário observar como o legislador usou o adjetivo "reversível", nos textos legais. Por exemplo, na Lei n.° 8.987/95 é possível observar o artigo 18, inciso X, da Lei n.° 8.987/95 - "Art. 18. O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais de legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente: (...) X - a indicação dos bens reversíveis." -, o artigo 23, inciso X, da mesma lei - "Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: (...) X - aos bens reversíveis." -, o artigo 35, §§ 1° e 3° - "Art. 35. Extingue-se a concessão por: (...) § 1°. Extinta a concessão, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato. (...) § 3°. A assunção do serviço autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de todos os bens reversíveis.", o caput do artigo 36 da lei em foco - "Art. 36. A reversão no advento do termo contratual far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do serviço concedido."

Na Lei n.° 9.472/97, o artigo 93, XI - "Art. 93. O contrato de concessão indicará: (...) XI - os bens reversíveis, se houver;", o caput do artigo 101 da lei em referência - "Art. 101. A alienação, oneração ou substituição de bens reversíveis dependerá de prévia aprovação da Agência."

Na Lei n.° 9.427/96, o artigo 14, inciso V - "Art. 14. O regime econômico e financeiro da concessão de serviço público de energia elétrica, conforme estabelecido no respectivo contrato, compreende: (...) V - indisponibilidade, pela concessionária, salvo disposição contratual, dos bens considerados reversíveis.", o caput do artigo 18 - "Art. 18. A ANEEL somente aceitará como bens reversíveis da concessionária ou permissionária do serviço público de energia elétrica aqueles utilizados, exclusiva e permanentemente, para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica."

Analisando-se os dispositivos legais supracitados, pode-se concluir, salvo melhor juízo, que os bens reversíveis são espécie do gênero bens vinculados à prestação dos serviços públicos. Frise-se que, conforme expressamente indicado pelo inciso XI, do artigo 93, da Lei n.° 9.472/97, a existência de bens reversíveis não é obrigatória. Deve-se concluir, portanto, que, em determinadas concessões, existem bens vinculados à prestação dos serviços públicos que por razões de cunho político e/ou financeiro não são arrolados pelo poder concedente como sendo bens reversíveis. Esse raciocínio, embora pareça simples, não encontra eco na doutrina pesquisada.

Vale destacar que parte relevante da doutrina, portanto, ao que parece, entende que os bens vinculados à prestação do serviço público são necessariamente reversíveis, pois a vinculação de tais bens decorre do princípio da continuidade da prestação do serviço público.

De qualquer forma, independentemente do entendimento que se adote, o presente estudo tem por finalidade analisar o gênero bens vinculados à prestação de serviços públicos, portanto, englobando-se, portanto, tanto os bens reversíveis, quanto os bens não reversíveis, mas apenas vinculados à prestação dos serviços públicos.

Para melhor esclarecer a questão, vale trazer a lição do professor Luiz Alberto Blanchet(5) :

"A doutrina francesa discerne dos biens de retour que devem compulsoriamente ser entregues ao poder concedente ao final da concessão, e os biens de reprise, conforme, respectivamente, devam retornar obrigatoriamente ao poder concedente ao término da concessão, ou apenas possam (a critério do poder concedente e mediante indenização) ser revertidos. Nosso direito, embora não distinga as duas espécies, dispensa tratamento semelhante conforme o valor do bem já tenha ou não sido amortizado no momento da extinção da concessão.

A concessão pode extinguir-se por vários meios conforme se verá à análise do art. 35. Um destes meios é a reversão, que ocorre quando expira o prazo de vigência do contrato de concessão. Findo o prazo contratualmente estipulado, o concessionário automaticamente perde o direito de executar o serviço, o qual retorna ao poder concedente, ocasião em que os bens vinculados à execução do objeto da concessão devem ser revertidos ao titular concedente.

Sempre houve divergências a respeito dos bens que devem ser revertidos. A opinião predominante é no sentido de que somente os bens necessários à prestação do serviço concedido, e para esse fim efetivamente utilizados, deveriam ser revertidos ao poder concedente, conforme, aliás, entende também o Supremo Tribunal Federal. Este é o posicionamento mais condizente com o princípio da permanência, ou continuidade, do serviço, pois se os bens efetivamente utilizados na prestação adequada do serviço já são suficientes para preservar a continuidade de sua prestação, a reversão dos demais bens é supérflua, e de qualquer modo terá sido paga com recursos públicos antes da concessão (se já existentes ou adquiridos pelo poder concedente, para utilização na prestação do serviço), durante (dissolvido o seu curto no valor da tarifa), ou ao final da concessão mediante indenização ao concessionário (se assim estiver previsto no contrato). Como não é facultado ao administrador público empregar recursos públicos em coisas desnecessárias, nada justifica a reversão de bens desnecessários para assegurar a permanência do serviço. A indenização constitui-se em obrigação do Poder Concedente, no caso de serviços de energia elétrica, como garantia integrante do regime econômico-financeiro da concessão, consoante dispõe a Lei n.° 9.427/96, em seu art. 14, inc. II.

A predefinição dos bens reversíveis anteriormente à elaboração das propostas pelos interessados, além de evitar impasses futuros, possibilita a cotação de valores mais reais, pois o proponente não precisará introduzir em sua cotação reservas destinadas a neutralizar os efeitos econômicos de eventuais surpresas ao término da concessão.

Idêntico efeito produzirá a definição sobre a gratuidade ou onerosidade da reversão. Se no edital de licitação ficar estabelecido que pela reversão dos bens ao poder concedente nada será devido ao concessionário, este naturalmente incluirá em sua proposta o custo desta gratuidade. Esta é a razão da exigência contida no inc. X deste artigo."

O professor Marçal Justen Filho(6) esclarece que todos os bens públicos utilizados pelo concessionário são reversíveis, já os bens privados podem ser reversíveis ou não reversíveis, dependendo da vida útil dos ditos bens. Destarte, os aduzimentos do professor Marçal corroboram para o entendimento de que os bens reversíveis são espécie do gênero bens vinculados à prestação do serviço público.

É importante firmar, portanto, o entendimento de que os bens reversíveis são espécie do gênero bens vinculados à prestação dos serviços públicos e tais bens serão sempre aqueles necessários (sem os quais não é viável a prestação do serviço) à prestação do serviço público, não obstante, o poder concedente, por razões políticas e/ou financeiras, possa definir se existirão bens reversíveis, bem como quais serão esses bens. São exemplos comuns de bens que devem sem arrolados como reversíveis nos contratos de concessão, na lição do professor Celso Antônio Bandeira de Mello(7) : a) os vagões ferroviários, as locomotivas, os pátios de manobras, as estações de embarque e desembarque de passageiros ou carga, os trilhos etc, para as concessionárias de transporte ferroviário; b) os diques, os cais de embarque e desembarque em um porto marítimo, os pequenos ramais ferroviários de transporte, os armazéns, as dragas marítimas etc, para as concessionárias de serviços portuários; c) as barcas, os terminais de passageiros etc, para a concessionária de transporte por barcas etc.

2. AS DIVERSAS ORIGENS DOS BENS VINCULADOS À PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Quanto à origem dos bens vinculados à prestação dos serviços públicos, é importante destacar que os mesmos podem ser incorporados na concessão pelo poder concedente ou adquiridos ou construídos pelo concessionário. Os bens vinculados, portanto, podem ser de propriedade da concessionária, da empresa pública, ou outra pessoa jurídica da administração indireta ou, até mesmo, de uma pessoa jurídica da administração direta. Destarte, todos os bens, independentemente de suas origens podem ser vinculados à prestação do serviço público.

Para corroborar a afirmação acima, é importante trazer a lição do professor português Pedro Gonçalves(8) :

"A variedade de situações, que leva a doutrina a distinguir três categorias de bens afectos à gestão do serviço público concedido (bens de regresso, bens a transferir e bens próprios do concessionário), não elimina um elemento comum a todos eles: o tratar-se de bens afectos à concessão."

O professor Hely Lopes Meirelles(9) , também é da mesma opinião: "(...) a reversão só abrange os bens, de qualquer natureza, vinculados à prestação do serviço. (...)".

O professor Marcos Juruena Villela Souto(10) também contribui para elucidar a questão, ao afirmar que:

"Diversa é a situação dos bens imóveis cedidos à empresa para execução das atividades previstas no seu objeto social.

A cessão é uma situação interna dos bens imóveis, na qual não acontece a transferência da propriedade; daí esses bens, que ainda pertencem à Administração, serem regidos pelo regime jurídico de direito público, apesar de se encontrarem na posse da empresa.(...)

(...) Os Programas de Reforma do Estado estão calcados na Desestatização, que tem nas privatizações, concessões e alienação de bens de empresas em liquidação as suas molas mestras; em alguns casos, ocorre a privatização da empresa estatal exploradora de serviço público com concomitante outorga da concessão desse serviço noutras, pode haver extinção da empresa, venda de patrimônio e concessão de serviço.

Situações há, porém, nas quais o serviço é concedido e a empresa estatal continua a existir, exercendo funções de subconcedente, de fiscalização técnica do serviço ou de administração do patrimônio de sua propriedade (transferido ao concessionário que fica, assim, desobrigado de adquiri-lo e de se remunerar desse investimento pela cobrança da tarifa; esta, por sua vez, torna-se mais módica para o usuário)."

Marçal Justen Filho é enfático ao afirmar que: "os bens utilizados no desenvolvimento da concessão enquadram-se em dois grandes grupos. O primeiro é constituído pelos bens públicos e o segundo pelos bens privados."(11)

O professor Marçal Justen Filho(12) esclarece, ainda, que os bens públicos relacionados com a concessão poderão ser de uso comum do povo, bens de uso especial e bens dominicais.

Analisando-se os entendimentos dos diversos autores, até agora colacionados, é necessário concluir que os bens utilizados pelas concessionárias na prestação dos serviços públicos podem ser de diversas origens. Quanto às origens dos bens vinculados à prestação dos serviços públicos, verificar-se que existem:

a) Bens do domínio público: a concessionária possui apenas o direito de uso de tais bens, pois eles continuam pertencendo ao domínio público. Vale lembrar que esses bens podem ser de uso comum, de uso especial ou dominicais (é importante relembrar as lições de Direito Administrativo de Odete Medauar(13) , Hely Lopes Meirelles(14) , Celso Antônio Bandeira de Mello(15) , Diogo de Figueiredo Moreira Neto(16) e Marçal Justen Filho(17) ). Podem ser citados como exemplos: estradas, pontes, instalações portuárias(18) etc.

b) Bens de propriedade das empresas públicas e sociedades de economia mista: a concessionária apenas terá a posse direta dos bens de propriedade de propriedade das empresas públicas e sociedades de economia mista. A transferência da administração dos ditos bens pode se dar a título de empréstimo gratuito ou oneroso. É importante frisar que esses bens continuam sendo de propriedade da empresa pública ou sociedade de economia mista, como ocorreu, por exemplo, no caso do Metrô do Rio de Janeiro(19) ;

c) Bens de propriedade da concessionária: são os bens incorporados ao patrimônio da concessionária, na própria concessão ou durante o prazo de sua vigência, através de recursos próprios. A concessionária pode adquiri-los - incorporando-os ao seu patrimônio - juntamente com a concessão do serviço (tendo direito de amortizar o valor investido durante o prazo da concessão), como por exemplo: os prédios, terrenos, veículos, móveis etc. Vale lembrar, ainda, que os ditos bens passam a fazer parte do patrimônio da concessionária (integram a conta "ativo imobilizado" do ativo permanente, no balanço patrimonial das concessionárias). Esses bens, quando reversíveis, serão da propriedade resolúvel da concessionária, conforme se depreenderá dos aduzimentos a seguir.

3. OS REGIMES JURÍDICOS DOS BENS VINCULADOS À PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Para elucidar a questão do regime jurídico dos bens vinculados à prestação dos serviços públicos, é salutar compreender que os bens utilizados (na posse direta das concessionárias) possuem diversas origens, conforme explanado acima.

A doutrina, contudo, está dividida entre os que afirmam veementemente que todos os bens vinculados à prestação dos serviços públicos são públicos, logo, obedecem ao regime jurídico de direito público (corrente doutrinária majoritária) e os que distinguem as diversas origens dos bens utilizados na prestação dos serviços públicos, diferenciando os regimes jurídicos conforme a natureza dos respectivos bens.

O professor Marçal Justen Filho(20) traz importante reflexão sobre o tema:

"O Direito produz um tratamento jurídico unitário para o conjunto de bens aplicados à prestação do serviço delegado. Ainda que se trate de uma pluralidade de bens e direitos, alguns públicos e outros privados, a disciplina jurídico considera tais bens em seu conjunto, inclusive para reconhecer a titularidade jurídica do concessionário.

Essa questão é muito peculiar e não tem sido bem resolvida no âmbito do Direito Administrativo. É inquestionável que alguns bens aplicados à prestação do serviço público são inquestionavelmente públicos. Transfere-se ao concessionário apenas a posse direta sobre eles - se é que tal se poderia cogitar de posse em sentido próprio."

É evidente que a controvérsia não é discussão inútil. A aplicação do regime jurídico de direito público ou privado será o responsável pela viabilidade econômica de uma concessão de serviço público, envolvendo inúmeros interesses, inclusive o público, pois, caso as concessões não atraiam a iniciativa privada, os serviços públicos não poderão ser prestados de forma adequada.

Para rechaçar a corrente doutrinária que defende que a totalidade dos bens vinculados à prestação dos serviços públicos obedecem ao regime de direito público, é importante observar os seus fundamentos, conforme se fará a seguir.

Inicialmente, é importante demonstrar os dispositivos legais que aparentemente sustentam o raciocínio da corrente doutrinária em comento.

O artigo 65 do Código Civil ("são públicos os bens do domínio nacional pertencentes à União, aos Estados, ou aos Municípios. Todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem") era o dispositivo legal que fornecia o conceito de bens públicos.

O dito dispositivo, interpretado ao pé da letra, deixa claro que até os bens das autarquias seriam privados - o que é um engano. No entanto, evidentemente, tal preceito não serve de base para a definição dos bens das entidades da Administração Indireta, uma vez que, em 1916, quando foi promulgado o Código Civil, não se cogitava das mesmas. Frise-se que o artigo 98 do novo Código Civil já menciona que "são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros serão particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem".

Já o artigo 66, II, do antigo Código Civil, que definia os bens de uso especial, trazia importante subsídio, pois deixava claro que eram bens públicos dessa natureza "os edifício ou terrenos aplicados a serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipal". O artigo 99, II, do novo Código Civil, prescreve que são bens públicos "os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias".

Interpretando os artigos supracitados do antigo Código Civil, a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro(21) traz a seguinte lição:

"Ora, dentre as entidades da Administração Indireta, grande parte presta serviços públicos; desse modo, a mesma razão que levou o legislador a imprimir regime jurídico publicístico aos bens de uso especial, pertencentes à União, Estados e Municípios, tornando-os inalienáveis, imprescritíveis, insuscetíveis de usucapião e de direitos reais, justifica a adoção de idêntico regime para os bens de entidades da Administração Indireta afetados à realização de serviços públicos.

É precisamente essa afetação que fundamenta a indisponibilidade desses bens, com todos os demais corolários.

Com relação às autarquias e fundações públicas, essa conclusão tem sido aceita pacificamente. Mas ela é também aplicável às entidades de direito privado, com relação aos seus bens afetados à prestação de serviços públicos.

É sabido que a Administração Pública está sujeita a uma série de princípios, dentre os quais o da continuidade dos serviços públicos. Se fosse possível às entidades da Administração Indireta, mesmo empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionárias de serviços públicos, alienar livremente esses bens, ou se os mesmos pudessem ser penhorados, hipotecados, adquiridos por usucapião, haveria uma interrupção do serviço público. E o serviço é considerado público precisamente porque atende às necessidades essenciais da coletividade. Daí a impossibilidade da sua paralisação e daí a sua submissão a regime jurídico publicístico.

Por isso mesmo, entende-se que, se a entidade presta serviço público, os bens que estejam vinculados à prestação do serviço não podem ser objeto de penhora, ainda que a entidade tenha personalidade jurídica de direito privado.

Também pela mesma razão, não podem as entidades prestadoras de serviços públicos alienar os seus bens afetados a essa finalidade, sem que haja a prévia desafetação; embora a Lei n.° 8.666, de 21.06.1993, só exija autorização legislativa para a alienação de bens imóveis das autarquias e fundações, encontra-se, às vezes, em leis esparsas concernentes à prestação de serviços públicos concedidos, norma expressa tornando inalienáveis os bens das empresas concessionárias, sem a prévia autorização do poder concedente.

Portanto, são bens públicos de uso especial os bens das autarquias, das fundações públicas e os das entidades de direito privado prestadoras de serviços públicos, desde que afetados diretamente a essa finalidade."

A conclusão da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro é taxativa, isto é, ela entende que os bens utilizados por empresas privadas prestadores de serviços públicos são bens públicos de uso especial, pois estão afetados ao serviço público e, portanto, devem obedecer ao regime jurídico de direito público, com todas as suas restrições.

Seguem o mesmo raciocínio da professora Di Pietro, os professores José Arthur Diniz Borges(22) ; Hely Lopes Meirelles(23) ; Celso Antônio Bandeira de Mello(24) ; Odete Medauar(25) , entre outros.

Para os autores mencionados acima, em síntese, os bens vinculados à prestação do serviço público devem obedecer ao regime jurídico de direito público. Destarte, no entender desses autores, os bens vinculados seriam bens que, em razão de sua destinação ou afetação a fins públicos, estariam fora do comércio jurídico de direito privado; vale dizer que, enquanto mantivessem essa afetação, não poderiam ser objeto de qualquer relação jurídica regida pelo direito privado, como, por exemplo, compra e venda, doação, permuta, hipoteca, penhor, comodato, locação, posse ad usucapionem etc. Se isto já não decorresse da própria afetação desses bens, a conclusão seria a mesma pela análise dos artigos 67, 69 e 756 do antigo Código Civil, segundo os mesmos autores, pois o primeiro artigo estabelece a inalienabilidade dos bens públicos, nos casos e forma que a lei prescrever, o segundo determina serem coisas fora do comércio as insuscetíveis de apropriação e as legalmente inalienáveis; e o terceiro dispõe que só as coisas alienáveis podem ser objeto de penhor, anticrese ou hipoteca.

Vale destacar, ainda, que, segundo esse entendimento, deve-se aplicar o artigo 100 da Constituição Federal, que exclui a possibilidade de penhora de bens públicos, ao estabelecer processo especial de execução contra a Fazenda Pública.

Em síntese, os adeptos dessa corrente doutrinária defendem que a origem e a natureza dos bens vinculados continuam sendo públicas; sua destinação continua sendo de interesse público, mas apenas sua administração é transferida a uma entidade de personalidade jurídica de direito privado, que os utilizará na forma da lei; tanto assim que - advertem esses autores -, na extinção da empresa, os bens vinculados devem reverter ao patrimônio estatal. Percebe-se claramente, portanto, que os autores acima citados parecem confundir os institutos, utilizando erroneamente a expressão "bens vinculados", quando na verdade as características que mencionam dizem respeito aos "bens reversíveis".

O professor Marcos Juruena Villela Souto(26) , discorda dos autores acima citados, afirmando o seguinte:

"O patrimônio afetado ao serviço, se integralizado no capital social da empresa estatal, se submete, na lição de CAIO TÁCITO, ao regime jurídico de direito privado, ainda que doutas vozes sustentem tratar-se de bem público sob administração especial. (...)"

O professor Marcos Juruena Villela Souto ressalta muito bem que o Decreto-lei n.° 200, de 25.02.1967, em seu artigo 5°, procurou estabelecer distinções entre as autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, a saber:

"I. autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada;

II. empresa pública - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para exploração de atividade econômica que o governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito;

III. sociedade de economia mista - a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à União ou entidade da administração indireta."

 

 

O professor Caio Tácito(27) - citado pelo mestre Marcos Juruena Villela Souto -, analisando a situação dos bens transferidos pelo Município de São Paulo à Empresa Municipal de Urbanização - EMURB, a título de integralização do capital social, sustenta que tal patrimônio perde sua característica original; não existindo distinção de tratamentos em razão de a integralização se operar em dinhei.

 

Como citar o texto:

PESSOA, Leonardo Ribeiro..As diversas origens dos bens vinculados à prestação dos serviços públicos e os seus regimes jurídicos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 105. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/416/as-diversas-origens-bens-vinculados-prestacao-servicos-publicos-os-seus-regimes-juridicos. Acesso em 6 dez. 2004.

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