The socioenvironmental challenges before the paradigm of development in contemporary society

RESUMO: As interpretações da modernidade acerca desenvolvimento condicionaram o progresso como imperativo indispensável ao ser humano; portanto, refutou-se majoritariamente ao longo da história o pensamento que entrasse em conflito com o ideal de crescimento. A construção do pensamento racionalista prático descartou aspectos do empirismo como metodologia válida, bem como pensamentos liberalistas que versavam sobre a liberdade e a propriedade, originando os direitos de primeira geração, assentando mitos da conquista da natureza, a qual seria objeto, pelo homem, sujeito do universo, em posicionamento corroborado pela razão e pela religião. Aos demais povos que diferiam do conceito de “civilização”, impõe-se a doutrinação, a europeização e a modernização como não somente uma necessidade perante o globo mas como um direito aos mesmos. Nesse quesito, e entendendo a elevação do direito ao desenvolvimento a direito humano fundamental, o artigo questiona os moldes que construíram nossa atual percepção de progresso, bem como a natural resistência à concepções novas que pareçam refrear o mesmo, e sugerem-se novas interpretações do desenvolvimento, como liberdade e como reequilíbrio das questões humanas de dominância e exploração, perante a crise do sistema capitalista. Há um limite até mesmo físico para o que conhecemos atualmente como progresso. Não obstante melhorias na qualidade de vida geral auferidas pelo modelo atual, é indubitável que a exploração foi o ponto chave para o estabelecimento dos institutos dos quais nos valemos em nossa época, culminando nos danos incomensuráveis desse posicionamento histórico que se sopesam aos seus benefícios. A situação atual do planeta clama por uma reforma e uma nova análise é importante perante um novo panorama global.

PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento; Exploração; Crescimento; Progresso 

ABSTRACT: The modern interpretations of development conditioned the progress as an indispensable imperative to the human being; therefore, any thought that conflicted with the ideal of growth was largely refuted throughout history. Non-Western animism is traditionally regarded by Western scholars as retrograde and inferior. The construction of practical rationalist thinking dismissed aspects of empiricism as a valid methodology, as well as liberalistic thoughts that dealt with freedom and property, giving rise to the rights of the first generation, set myths of the conquest of nature, which would be object, by the mankind, subject of the universe, in a position corroborated by reason and religion. To the other peoples who differed from the concept of "civilization", indoctrination, Europeanization and modernization were imposed as not only a necessity before the world but also a right to their very population. In this subject, and understanding the elevation of the right to development to a fundamental human right, the article questions the molds that have built our present perception of progress, as well as the natural resistance to new conceptions that seem to restrain it, and are suggested new interpretations of development, such as freedom, and as a rebalancing of the human questions of dominance and exploitation, before the crisis of the capitalist system. There is an even physical limit to what we know today as progress. Notwithstanding improvements in the general quality of life of the current model, it is undoubted that exploitation was the key point for the establishment of the institutes on which we count in our time, culminating in the immeasurable damages of this historical positioning that are weighed against its benefits. The current situation of the planet calls for a reform and a new analysis is important before a new global panorama.

KEYWORDS: Development; Exploration; Growth; Progress

 

INTRODUÇÃO

Internalizamos a necessidade de desenvolvimento como necessidade de expansão, e a ideia de refrear o que atualmente chamamos de progresso parece contra a própria natureza humana. Através do artigo, questionam-se alguns pilares que historicamente sedimentaram esses conceitos, demonstrando como foram construídos e absorvidos. Não se pretende desenlear como se deu o processo de desenvolvimento no planeta, ou fazer um apanhado histórico ou ponderamento filosófico. Ao invés, existe a intenção de salientar aspectos do que, nesse processo, legitimou os paradigmas do desenvolvimento.

Em um primeiro momento, serão sugeridas as influências da razão e da ocidentalização no processo civilizacional que culminou no mundo globalizado de hoje. Os fundamentos da hegemonia do conhecimento estabeleceram nossa relação com a natureza e e da exploração, que deveria ser dominada em prol da humanidade. Ao mesmo tempo, essa razão estabeleceu um ideário que refutava sua crítica, posicionando a evolução e a busca pelo conhecimento Vencidos pela força e pela opressão através da europeização, sem a irrefutável validação da razão e dos processos e métodos ocidentais para a aquisição de conhecimento, as demais crenças foram consideradas superadas pela história e, consequentemente, em prol da evolução, sob pena do imperdoável retrocesso.

Após, o pilar do crescimento econômico é apontado. Este é pressuposto capitalista de existência, que vive do progresso e da produção, pois que é seu valor de capital. Ainda que a humanidade aceite a problemática do progresso e da exploração desenfreados e assuma em tese que o desenvolvimento não se resume apenas em acumulação, por diversos motivos a serem tratados, o crescimento econômico segue como alicerce do que é entendido por desenvolvimento.

Desta forma, ideais como desenvolvimento sustentável, baseados em novas abordagens assentadas em bases que não se pré-questiona, tratam-se de meras transferências. A crença na tecnologia e na ciência, portanto constituída com influências como as que se pretende apresentar, e mesmo como síntese de ambas, segue como uma das soluções confortáveis dentro do que sempre se fez.

Os modelos mentais entranhados pelos arcabouços de pensamento criados pela ciência no começo do século ainda nos prendem profundamente. Uma equação que venha a atualizar nossa forma de pensar e de enxergar o mundo é um problema de percepção.

 

DESENVOLVIMENTO

É importante apontar que, na tarefa de conceituar desenvolvimento, mesmo um trabalho acadêmico com foco específico teorizaria por páginas e páginas a fio sem abranger toda a discussão. Trata-se de um termo que possuiu distintas abordagens ao longo de quase sete décadas, por inúmeras áreas do conhecimento, tornando-se cada vez mais complexo e menos linear. Isso pode ser bem sumarizado com o seguinte trecho:

Essa complexidade foi enriquecida pela contribuição de várias disciplinas e pelas experiências de várias práticas, tornando-se, por seu turno, portadora de múltiplos desafios, quer no que se refere às abordagens interdisciplinares que exige, quer no que respeita às estratégias e aos métodos de intervenção que implica. (AMARO, 2003)

     Entretanto, aqui o pretendido é trazer alguns pontos acerca de por que a hegemonia da razão e o crescimento econômico foram consagrados dentro da construção do pensamento acerca do desenvolvimento.

 

A hegemonia da razão e da ocidentalização na conceituação histórica de desenvolvimento

A razão conforme apresentada nesse trabalho pouco se atém às definições filosóficas de racionalismo e demais, apesar de pincelar por muitas destas. Ao invés, trata-se de ideia mais simples, comum ao pensamento como um todo, de que há uma diferença essencial entre o ser humano e os demais seres – que foi interpretada como superioridade.

Stephan Harding (2008), com notável destreza, exemplifica como se deu o afastamento entre ser humano e natureza, com a objetificação da última, em nome da laureada razão. As confortáveis certezas que haviam mantido a sociedade coesa no início da Idade Média sucumbem com as reviravoltas científicas, as guerras e a queda das velhas igrejas. O autor aponta elementos na pesquisa de grandes pensadores que ilustram isso. Para Galileu (1564-1642), as experiências sensoriais subjetivas não são confiáveis e nada de útil pode ser aprendido do mundo através destas. Locke (1632-1704) considerava apenas secundariamente as experiências vívidas, enfatizando sua condição inferior. Francis Bacon (1561-1626) prelecionava que as invenções mecânicas e a exploração e escravidão da natureza seriam a confirmação da expansão do domínio humano sobre o universo físico. Descartes (1596-1650) distingue fundamentalmente a matéria e a mente, declarando que o mundo material que vemos e sentimos à nossa volta é desprovido de alma, uma máquina morta a ser controlada através do exercício de nossa capacidade intelectual. Newton (1642-1727), com seus cálculos diferenciais e a matemática da mudança, impressionou o mundo por sua capacidade de prever com precisão trajetórias de corpos em movimento, o que parecia fornecer uma comprovação final de que o mundo de fato não era mais do que uma vasta máquina (HARDING, 2008).

A noção de origem bíblica do direito divino do homem sobre todas as coisas permeou a mente humana e foi o pressuposto do pensamento de liberalistas como John Locke, para quem era essencial a separação entre homem e natureza. Da mesma forma, para os clássicos da economia política, a natureza é fornecedora de matérias-primas. Bem como a ideia de Locke, Adam Smith apresentava a vantagem da terra “melhorada”, apenas como fornecedora de matéria-prima (MARÉS, 2015). Kant argumenta que, “numa criatura, a razão é a faculdade de ampliar as regras e os propósitos do uso de todas as suas forças muito além do instinto natural, e não conhece nenhum limite para seus projetos” (KANT, 2003, p. 5). Pode-se dizer que “[a] razão traduzida em ciência significava a capacidade de apreender o mundo, e as coisas do mundo, como verdades muito próximas do absoluto” (MARÉS, 2015).

O projeto de modernidade formulado pelos filósofos do iluminismo no século XVIII baseava-se no desenvolvimento de uma ciência objetiva, de uma moral universal, de uma lei e uma arte autônomas e reguladas por lógicas próprias (HABERMAS, 1989). “Um dos aspectos que Habermas comunga com Weber é a leitura neo-evolucionista da sociologia, principalmente naquilo que se refere ao campo da religião” (BANNWART, 2008). Para Bannwardt, o ponto norteador dessa leitura pauta-se na demonstração de que as dimensões cognitiva e moral da sociedade ocidental possuem um desenvolvimento evolutivo encadeado que condiz com a compreensão de modernidade.

O que consolidou a ideia contemporânea de progresso, de acordo com também eloquente explicação trazida por Gilberto Dupas (2007) foi a revolução provocada por Darwin com suaOrigem das espécies, publicada após muita hesitação em 1859. Ainda que não se refute a perspectiva de que o homem seria uma criação original de Deus, a tese darwinista pressupunha que ele havia evoluído a partir de uma espécie inferior, a mesma do macaco. Portanto, um eventual futuro melhor estava evidenciado pela evolução. Soma-se isso a eventos que abalam definitivamente as ideias narcisistas e onipotentes do homem, como a trazida por Galileu na elucidação da Terra e do homem do centro do universo.

A partir daí, e até um pouco antes do início da Segunda Guerra, o mundo produziu uma vasta literatura em ciência social em queprogressoera sempre suposto como axioma. A ideia deprogressopermeou a quase totalidade da obra de Hegel, estruturada sobre a dialética. Finalmente, Marx também acreditou profundamente no progresso histórico e inexorável da humanidade. (DUPAS, 2007)

Para Marx e Engels (2005), em seu Die deutsche Ideologie (A Ideologia Alemã, em português) de 1932, as ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes; ou seja, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante, vez que detém também a produção espiritual e as impõe sobre a classe dominada. São dessa forma, as ideias de sua dominação. Adorno e Horkheimer sintetizam o processo:

O mito converte-se em esclarecimento e a natureza em mera objetividade. O preço que os homens pagam pelo aumento de seu poder é a alienação daquilo sobre o que exercem o poder. O esclarecimento comporta-se com as coisas como o ditador se comporta com os homens. Este conhece-os na medida em que pode manipulá-los. O homem de ciência conhece as coisas na medida em que pode fazê-los. É assim que seu em-si torna para ele. Nessa metamorfose, a essência das coisas revela-se como sempre a mesma, como substrato da dominação. (ADORNO e HORKHEIMER, 1985)

Edgardo Lander (2005) aponta que decorre desse panorama a suposição de que a sociedade industrial liberal é a expressão mais avançada desse processo histórico, e por essa razão define o modelo que define a sociedade moderna, em um processo que conduz todas as culturas e a todos os povos invariavelmente do primitivo e tradicional até o moderno.

A sociedade liberal, como norma universal, assinala o único futuro possível de todas as outras culturas e povos. Aqueles que não conseguirem incorporar-se a esta marcha inexorável da história estão destinados a desaparecer. Em segundo lugar, e precisamente pelo caráter universal da experiência histórica europeia, as formas do conhecimento desenvolvidas para a compreensão dessa sociedade se converteram nas únicas formas válidas, objetivas e universais de conhecimento (LANDER, 2005, p. 105)

A igualdade era um marco da revolução burguesa, mas não como material e social, mas formal ao invés, atendendo aos interesses dos que não possuíam títulos de nobreza. “[a] igualdade humana era frente à lei, em cujo centro se encontrava a garantia do parlamento como representante do povo e da propriedade privada” (DA LUZ, 2016)

As tentativas de legitimação da ciência como busca do verdadeiro têm sido um dos papéis da filosofia. Elas constituem um metadiscurso que recorre explicitamente a algum grande relato do tipo liberdade do espírito, emancipação do trabalhador ou desenvolvimento da riqueza; ou outros equivalentes, que buscam legitimá-la como se ela trouxesse o progresso. (DUPAS, 2006, p. 115)

Ideários opostos à hegemonia da razão, portanto, ao que podemos observar, historicamente foram subjugados. Um trecho que ressalta essa característica com especial visceralidade é o de Hegel em seu Grundlinien der Philosophie des Rechts (Princípios da Filosofia do Direito, no Brasil), publicado em 1820:

Ao povo a que corresponde tal momento como princípio natural, é-lhe encomendada a execução do mesmo no progresso da autoconsciência do espírito do mundo que se abre. Este povo, na história universal e para essa época, é o dominante e nela só pode fazer época uma vez. Contra este seu absoluto direito de ser portador do atual grau de desenvolvimento do espírito do mundo, os espíritos dos outros povos não têm direitos [rechtlos], e eles, como aqueles cuja época passou, não contam na história universal (Hegel, 1976: 334-335).

As culturas indígenas, por exemplo, conheciam a terra como coisa viva, uma vasta presença sensitiva. O animismo não-ocidental foi considerado pelos estudiosos do Ocidente tradicionalmente como retrógrado e sem validade objetiva. (HARDING, 2008). Em nome do progresso, nessa interpretação, devem ser, portanto, superados.

“Enquanto as mitologias das outras civilizações inscreviam o mundo humano na natureza, o Homo occidentalis foi, até a metade do século XX, totalmente ignorante e inconsciente da identidade terrestre e cósmica que traz em si. Ainda hoje, a filosofia e a antropologia dominantes repelem com força toda tomada de consciência e toda consequência da identidade animal e viva do homem, denunciando como "vitalismo" irracional ou "biologismo" perverso qualquer reconhecimento de nosso enraizamento terrestre, físico e biológico. (KERN e MORIN, 2005)

O Brasil pode ser utilizado como exemplo próximo e relacionável. Ignorando a existência de um sistema de Direito particular, próprio destas populações pré-colombianas, mesmo quando a nossa legislação evoluiu no sentido de visar proteção à vida e dignidade dos indígenas, reiterou e perpetuou a subjugação da cultura tradicional àquela que se considerou civilizada através de métodos integracionistas. O Estatuto do Índio de 1973, seguindo o preceito do Código Civil brasileiro de 1916, abarcou a ideia de que os índios eram "relativamente incapazes", devendo, portanto, ser tutelados por um órgão indigenista estatal (de 1910 a 1967, o Serviço de Proteção ao Índio - SPI; atualmente, a Fundação Nacional do Índio - Funai) até que eles estivessem “integrados à comunhão nacional”.

 

O crescimento econômico na conceituação histórica de desenvolvimento

Apesar de considerarmos que “[o] progresso é uma ideia e uma aspiração do século XVIII; o desenvolvimento, uma ideia e um projeto do século XX que continua no século XXI” (BRESSER-PEREIRA, 2014, p. 33), o progresso “está na base dos enfoques tradicionais de desenvolvimento’ existentes no mundo moderno” (DIEGUES, 1992, p. 22).

Wolfgang Sachs (1992) propôs que a era do desenvolvimento haveria começado em 20 de janeiro de 1949, quando Harry S. Truman declarou pela primeira vez, em seu discurso de posse, o hemisfério sul como "áreas subdesenvolvidas". Segundo ele, “[o] rótulo ‘grudou’ e, subsequentemente, forneceu a base cognitiva tanto para o intervencionismo arrogante do Norte quanto para a auto-piedade patética no Sul” (SACHS, 1992, p. 16, tradução livre).

Os EUA tornaram-se o paradigma da boa sociedade desenvolvida, e o desenvolvimento passou a ser caracterizado como a transposição do “jeito americano de viver” (ou melhor, de ter) para o resto do mundo. O estilo de vida norte-americano tornou-se a luz que direcionaria o desenvolvimento do Terceiro Mundo, e as nações recém liberadas do colonialismo europeu imediatamente aceitaram a condição de país subdesenvolvido, proclamando-se candidatas ao desenvolvimento econômico. Assim, o Terceiro Mundo assumiu um desenvolvimento mimético, negando suas especificidades culturais, e a isso se deve o aniquilamento das sociedades indígenas na América Latina. (LAYRARGUES, 1997, p. 5)

De acordo com modelos clássicos, o crescimento econômico tem como origem e meio a industrialização. Nessa avaliação, os países industrializados são países desenvolvidos, em oposição àqueles que tem sua economia baseada na agricultura. Portanto, a decorrência lógica seria de que o processo de desenvolvimento teria por objetivo colocar estes últimos no mesmo patamar dos primeiros.

Os países que hoje fazem parte do Primeiro Mundo optaram por não frear o progresso tecnológico e, por isso mesmo, adotaram no início deste século uma série de políticas que permitiram a regulação do êxodo rural e, sobretudo, um certo monitoramento do processo de transformação de atividades exclusivamente agrícolas na chamada “pluriatividade”, isto é, a simbiose familiar de ocupações agrícolas e não-agrícolas. (DA VEIGA, 2000, p. 173)

Essa ideia se agrega à noção de evolução, como transformação gradual e constante, e considerou-se o progresso de uma nação um processo quase natural, no já mencionado “darwinismo social”. Almeida (1999) ilustra que há pouca clareza da fronteira entre a modernização e desenvolvimento. “A primeira indica a capacidade que tem um sistema social de produzir a modernidade; o segundo, se refere à vontade dos diferentes atores sociais (ou políticos) de transformar sua sociedade. Portanto, a modernização é um processo e desenvolvimento uma política” (ALMEIDA, 1999, p. 17). Essa conexão é ilustrada por Dupas (2007) quando menciona que “[após] a queda do socialismo real, o triunfo do capitalismo global apossou-se integralmente do conceito de progresso com o desenvolvimento científico e técnico e seus avanços formidáveis”. O conceito de progresso, portanto essencial para se entender os modelos clássicos de desenvolvimento, sedimenta-se no conhecimento técnico-científico e na razão, baseando-se na superioridade da civilização ocidental e instrumentalizando os saberes no intuito de aprender sobre a natureza para botá-la a serviço do homem.

O duplo caráter do progresso manifesta-se primeiramente no desenvolvimento tecnológico e científico. Quer se trate da introdução da máquina, da evolução dos meios de comunicação ou do aperfeiçoamento da divisão do trabalho, o progresso sempre correu o risco de transformar-se em regressão. A imbricação entre progresso e regressão torna-se evidente "quando se considera as possibilidades técnicas à nossa disposição". Se se toma como exemplo a reprodução mecânica, percebe-se que o progresso dos procedimentos de reprodução ocorre em detrimento de uma produção definida pelas necessidades e coincide, pelo contrário, çom uma adaptação/sujeição reais das necessidades aos próprios procedimentos. Mais ainda: que se trate da produção de bens culturais ou materiais, são os procedimentosenquanto tais,isto é, desenvolvidosindependentemente daquilo que eles reproduzem,e não seu potencial de satisfação das necessidades, que se tornam asmarcas do progresso. (LÖWY, 1992)

Edgar Morin e Anne Brigitte Kern (2005) assinalam que, a despeito de todas as regressões e inconsciências, há um “esboço de consciência planetária” na segunda metade do século XX, a partir da persistência de uma ameaça nuclear global, da formação de uma consciência ecológica planetária e da entrada no mundo do terceiro, do desenvolvimento da mundialização civilizacional; do desenvolvimento de uma mundialização cultural, da formação de um folclore planetário; tele-participação planetária e a Terra vista da Terra.

Podemos extrair que “[as] objeções nietzschianas ao uso ideológico na noção de ‘progresso’ empregado pela sociedade moderna já enunciavam os lampejos de uma nova maneira de se relacionar com a natureza circundante” (BITTENCOURT, 2011). A modernização e a racionalização calculadora, correlativos do progresso técnico, tiveram como resultado umaperda,um declínio, uma degradação com relação às sociedades pré-modernas. Com o progresso, "o que os homens perderam foi o componente humano de cultura" (LOWY, VARIKAS, 1992, p. 201).

O direito ao desenvolvimento como direito humano fundamental consagrou-se na Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986. Nela, conceitua-se o desenvolvimento como “um processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes” (ONU, 1986). Esta promessa global de felicidade generalizada teve um apelo imediato, não só para aqueles que esperavam uma melhoria em suas condições de vida, mas também para aqueles que estavam comprometidos com a justiça social internacional. (RIST, 2007, p. 486). Para John Toye (2010), “a ideia de redução da pobreza em si tem uma óbvia luminosidade, desafiando meros mortais a desafiar seu status como um imperativo moral” (TOYE in CORNWALL e EADE, 2010, p. 56, tradução livre). Se a prioridade é reduzir a pobreza, o objetivo é diminuir a intensidade desta, através da redução do tamanho da lacuna entre os rendimentos dos pobres e o limiar do que é considerado pobreza.

Em 1987, o Relatório Brundtland apontou que o crescimento econômico era necessário para as nações mais pobres atenderem às suas necessidades. Em seu texto, traz que “[o] que é necessário agora é uma nova era de crescimento econômico - crescimento vigoroso e ao mesmo tempo social e ambientalmente sustentável" (ONU, 1987). Nisso, o crescimento e exploração desenfreados já se tornam um modelo dificilmente defensável, e é constatado o estado atual, de inegável “confronto de interesses entre, de um lado, relações de mercado e, de outro, relações sociedade-natureza, com consequências danosas para esta última” (MONTIBELLER FILHO, 2007, p. 10). Em relatório, economistas consagrados como Stiglitz e Amartya Sen postularam, ainda que de forma cautelosa:

Sabemos que a forma como nós, como comunidade internacional, nos conduzimos não é sustentável. Sabemos que é impossível para o mundo, como o conhecemos, sobreviver se os padrões atuais de vida e produção continuarem, e ainda mais se forem estendidos aos bilhões no mundo em desenvolvimento. No entanto, alguns, mesmo no país mais rico do mundo, afirmam que se eles mudassem, nós pagaríamos um preço econômico. Claramente, nossas métricas são defeituosas: nossas medidas devem nos dizer que o que estamos fazendo hoje não é sustentável, que o consumo atual é pelo menos em parte às custas das gerações futuras; Nesse sentido, podemos estar vivendo além de nossos meios. (STIGLITZ et al, 2010, p. 10)

Um eloquente exemplo das alterações de abordagem foi o entendimento de que a renda per capita não reflete o nível de produtividade e de desenvolvimento econômico de um país, com a consequente criação e implementação na década de 90 (mais como uma complementação ao Produto Nacional Bruto) do Índice de Desenvolvimento Humano. Sen (2000), um dos idealizadores do Índice, traz que a expectativa de vida realmente tem uma correlação significativamente positiva com o Produto Nacional Bruto per capita, mas essa relação funciona sobretudo por meio do impacto do PNB sobre (1) as rendas, especificamente dos pobres e (2) os gastos públicos com serviços de saúde em especial.

As interpretações mais convencionais e estreitas do desenvolvimento sustentável enfatizam principalmente o cumprimento das necessidades humanas materiais, a manutenção de ativos ambientais para as gerações futuras (por exemplo, a conservação) e a equidade futura. (ROSELAND, 2000). Desde a Conferência do Rio em 1992, descrições afins, como os três pilares, constituiram a base para a maioria das definições geralmente aceitas de desenvolvimento sustentável nas organizações internacionais. A "abordagem das capitais" - considerando a sustentabilidade como a manutenção ou o aumento do estoque total de diferentes tipos de capital (manufaturado, natural e social) - tem sua origem na economia, mas tem sido amplamente aceita como uma abordagem de "senso comum" pela comunidade acadêmica em geral (LEHTONEN, 2004).

A proposta do desenvolvimento sustentável é a de traçar o paralelo entre a análise econômica do direito, desenvolvimento econômico e necessidade de pensar em desenvolvimento socioambiental. “O ponto que merece ser destacado converge para encontrar-se o ótimo de Paretto, em relação ao equilíbrio entre desenvolvimento econômico e desenvolvimento socioambiental” (OZELAME e ZANELLATO, 2015, p. 165). A fim de satisfazer os requisitos para um desenvolvimento socioambientalmente sustentável, a economia formal terá de ser ampliada de uma forma social e economicamente compatível, embora as práticas socioambientalmente saudáveis ​​sejam por vezes consideradas mais facilmente promovidas nos sectores informais da economia e nas organizações não governamentais do que na economia formal e política. (LITTIG e GRIEßLER, 2005).

A globalização econômica preconizava a expansão econômica global, no pensamento que Capra (2002, p. 145-146) aponta como a crença de que “o crescimento econômico global fará diminuir a pobreza, pois seus benefícios, como numa reação em cadeia, chegarão a todas as pessoas, até mesmo às mais pobres”. Para os teóricos que seguem essa corrente, o imperativo mais urgente é um crescimento econômico mais rápido, a fim de satisfazer as necessidades e aspirações de uma população mundial florescente, bem como para começar a reduzir a pobreza em massa. E isso justamente em um viés que iria de encontro à justiça social e atenderia às necessidades ambientais: se essa pobreza não for reduzida significativamente e logo, tornar-se-ia impossível parar o declínio acelerado dos estoques de capital básico do planeta: suas florestas, solos, espécies, pesqueiras, águas e atmosfera. (MACNEILL, 1989, p. 106)

O ponto de partida dessa lógica é de que mais consumo por pessoa leva a uma maior eficiência tecnológica e a necessidade de um crescimento ainda maior. O mesmo para expansão do mercado. Isso também geraria mais renda, mais poder de compra e mais mais-valia que deve ser absorvido por mais crescimento ainda. Também permite que economias de escala sejam capturadas através do aumento do tamanho da planta, uma maior divisão do trabalho e assim por diante (GOWDY, 1992). Uma frase famosa cunhada na época é de que se trata de "uma maré crescente que eleva todos os navios”.

O Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (1992), em relatório acerca do desenvolvimento mundial, asseverou que à medida que os rendimentos aumentam, a demanda por melhorias na qualidade ambiental aumentará, assim como os recursos disponíveis para investimento. No mesmo sentido traz Beckerman (1992), indo ainda mais além: “Há evidências claras de que, embora o crescimento econômico geralmente leve à degradação ambiental nos estágios iniciais do processo, no final a melhor - e provavelmente a única - maneira de alcançar um ambiente decente na maioria dos países é tornar-se rico” (BECKERMAN, 1992, p. 32, tradução livre).

Várias propostas acerca da economia verde surgiram entre 2008 e 2012. Cada uma sugere um papel diferente para o Estado na regulação do mercado e do setor financeiro (ou seja, sugerem diferentes modelos de capitalismo). As propostas também se distinguem pelas posições tomadas sobre a modernização ecológica (ou seja, apresentam diferentes modelos de "verdeza") (TIENHAARA, 2014). A imperatividade do crescimento econômico permanece intrínseca à conceituação de desenvolvimento.

Um ponto basilar de contradição existe na proposição de desenvolvimento ilimitado a partir de uma base de recursos finita (LIMA, 1997). José Eli da Veiga (2007) assinala o ponto de vista de muitos teóricos convencionais sobre o desenvolvimento, o qual preconiza que qualquer elemento da biosfera que se mostrar limitante ao processo produtivo, cedo ou tarde, acabará substituído, graças a mudanças na combinação entre seus três ingredientes fundamentais: trabalho social, capital produzido e recursos naturais. Isto porque segundo tais posicionamentos “o progresso científico tecnológico sempre conseguirá introduzir as necessárias alterações que substituam a eventual escassez, ou comprometimento, (...), mediante inovações dos (...) dois, ou de algum deles” (DA VEIGA, 2007, p. 35). Em especial agora, quando a “vida torna-se objeto de ciência: uma ciência não mais simplesmente descritiva (anatômica), como vimos, mas realmente criadora (genética)” (OST, 1995, p. 83).  Cavalcanti (1998), ao teorizar sobre a noção de desenvolvimento sustentável, sugere que o dever da ciência é explicar como, de que forma a sustentabilidade pode ser alcançada, quais são os caminhos.

 

Os desafios e as críticas perante o panorama atual 

Para Capra (2002), contudo, todas as questões abordadas com relação a um mercado global na verdade precisam ser enxergadas de forma que não é um mercado mais do que um mero algoritmo. Assim, age por um único valor, o do ganhar dinheiro por ganhar dinheiro, em detrimento de qualquer possível outro. Para Gilbert Rist (2007), a Comissão Brundtland tentou conciliar as exigências contraditórias a serem cumpridas para proteger o meio ambiente da poluição, do desmatamento, do efeito estufa e da mudança climática e, ao mesmo tempo, assegurar a busca do crescimento econômico, que ainda era considerado uma condição para felicidade geral. Criticou que “[esta] tarefa impossível resultou na cunhagem da cativante frase ‘desenvolvimento sustentável’, que imediatamente alcançou status de estrela. Infelizmente, só significava trocar um bordão por outro” (RIST, 2007, p. 486, tradução livre).

Diferentes aspectos sociais do desenvolvimento sustentável já foram intensamente discutidos, sem espaço para uma exposição com a devida propriedade no presente artigo. A escala parte de criticar qualquer tentativa de estender o conceito de desenvolvimento sustentável a áreas não relacionadas ao meio ambiente até argumentar que um conceito distinto deve ser desenvolvido para levar em conta os limites "ético-sociais" ao crescimento (MAUERHOFER, 2010). “A existência de tantas teorias acerca do conceito de desenvolvimento sustentável é o que o faz ficar tão impalpável, a ponto de não fazer sentido”.

A crença na solução através do desenvolvimento fundado na manutenção da economia e na fé pela ciência e pela tecnologia não é essencialmente fruto de desprezo pelos impactos socioambientais, mas pressupõe o estabelecimento dos modelos vigentes com base em uma passividade e otimismo.

A noção de sustentabilidade é até considerada muito útil, pois a humanidade precisa evitar tudo o que possa ocorrer em detrimento de seus descendentes. Não apenas dos mais diretos, mas também dos mais distantes. Só que isto significa, em seu ponto de vista, a preservação da capacidade produtiva para um futuro indefinido, pela ilimitada substituição dos recursos não-renováveis. O que exigirá, evidentemente, mudanças importantes na maneira de medir o desempenho das economias. (DA VEIGA, 2007a)

De acordo com o Löwi (1992), oduplo caráterdo progresso não designa simplesmente um mau uso da ciência. Ao invés, designa, maisradicalmente,a existência de um potencial de desumanização nas próprias raízes da empreitada científica, o que pode ser exemplificado com o previamente tratado no presente artigo. Dupas (2011, p. 23) traz o seguinte:

Transformados em fator fundamental da disputa dos mercados e da acumulação capitalista global, os vetores tecnológicos se autonomizaram definitivamente de maiores considerações de natureza social ou de políticas públicas. Em outros tempos o capital apossou-se por completo dos destinos da tecnologia, libertando-a de amarras metafísicas e orientando-a única e exclusivamente para a criação de valor econômico.

Nesse contexto, “ciência e técnica não param de surpreender e revolucionar. Mas essa ciência vencedora começa a admitir que seus efeitos possam ser perversos. Ela é simultaneamente hegemônica e precária” (DUPAS, 2011, P. 49). Se por um lado vê-se na ciência uma solução, Heline Sinivi Ferreira (2011) sublinha como novas tecnologias como a biotecnologia são cenários de incerteza e de perigo latente. Nesse contexto e a redução de organismos a mercadorias expõe a sociedade a um novo nível de ameaças com potenciais completamente fora das projeções humanas. O início do século XX foi marcado pela “invasão das desordens nas ciências ditas duras (ou ainda, deterministas, termodinâmicas etc.) e a inclusão das noções de probabilidade, incerteza e risco em diversas disciplinas”. ROHDE in CAVALCANTI, 1994, p. 21).

 

O debate acerca das soluções alternativas

Para formular uma definição propriamente sociológica de "desenvolvimento", segundo Rist (2007), é preciso deixar de lado suas conotações emocionais e normativas e também incorporar todas as características externas - que qualquer um pode observar - que estão relacionadas ao assunto.

Em outras palavras, a definição de "desenvolvimento" não deve se basear no que se pensa ser ou no que se deseja, mas em práticas sociais reais e suas consequências, isto é, coisas que qualquer pessoa pode identificar. O que é necessário salientar é um processo histórico que diz respeito não só aos países do Sul, mas apenas às operações conduzidas sob a égide da "cooperação para o desenvolvimento", que começou há dois séculos e transforma continuamente o nosso mundo. (RIST, 2007, p. 488, tradução livre)

Conforme previamente exposto, não se pretendeu explicar ou conceituar desenvolvimento, mas estudar os dois referidos pontos pode levantar a discussão. E, dentro dela, há um imenso debate, o qual exemplifica-se a seguir sem a menor pretensão de exaurir o tema, com alguns nomes escolhidos em especial por seus posicionamentos aparentemente distintos. Para Amartya Sen, (2000, p. 16) “[o] desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades pessoais que as pessoas desfrutam”. Para o autor, liberdades são liberdades políticas, facilidades econômicas (livre iniciativa; economia de mercado), oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora. A relevância da liberdade para o desenvolvimento não tem de ser estabelecida a posteriori, com base em sua contribuição indireta ou para a promoção da industrialização.

Partindo de outro viés, o Michael Löwy (2005), em crítica ecossocialista à manutenção do capitalismo por sua intrínseca incompatibilidade com a preservação, propôs, um planejamento democrático que defina: 1) quais produtos devem ser subvencionados ou até mesmo distribuídos gratuitamente; 2) quais opções energéticas deverão ser seguidas, ainda que não sejam em um primeiro momento as mais rentáveis; 3) como reorganizar os sistemas de transportes, em função de critérios sociais e ecológicos; 4) quais medidas tomar para reparar, o mais rápido possível, os gigantescos estragos do meio ambiente, etc.

Para Beck (2011), politicamente, o pacto para a distribuição das consequências é uma terceira via entre o socialismo e o liberalismo. “Desta forma, (...) a prevenção substitui o progresso como objetivo de desenvolvimento; A redistribuição do risco, em vez da redistribuição da riqueza, agora domina a agenda internacional”. (SACHS, 1992, p. 17, tradução livre). A teoria Gaia, abordada por nomes como James Lovelock em 1969, e a Ecologia Profunda, conceito proposto pelo filósofo e ecologista norueguês Arne Næss em 1973, propõem a visão de mundo ecocêntrica em detrimento do antropocentrismo, de modo que a percepção ecológica seja fortalecida, em um entendimento da holística e da importância dos elementos não-humanos.

Capra (2002) salienta que as mudanças que podem dar a solução para os principais problemas de nosso tempo requerem renovações radicais no pensamento e valores atuais. O que, contudo, não é reconhecido e, portanto, muito menos aplicado pelos líderes políticos, que não distinguem os diferentes problemas e suas inter-relações, bem como a forma com que a sua atuação sem os dar a devida importância afeta a equidade intergeracional. Do lado oposto aos otimistas mencionados previamente, a situação do planeta e da sociedade tende a fazer muitos se renderem ao fatalismo. Oportunamente Richard Norgaard (1994, p. 46) traz: "[a] euforia do controle sobre a natureza e da superação das limitações das formas históricas de valorização, conhecimento e organização deu lugar ao desânimo". Já Beck (2011) traz que é, de fato, uma situação onde tudo está em jogo; assim, não se pode sobrepujar o pessimismo. Mas, para o autor, este não deve ser fatalista, pois é um pessimismo ingênuo e ontológico, e, ao invés, é a fonte de criatividade, e é onde tudo se pode reexaminar, repensar e rediscutir.

 

CONCLUSÕES

Há uma infinidade de moldes que estabeleceram a nossa sociedade como se vê na contemporaneidade, e o artigo apenas superficialmente arranha a discussão. A criatividade e a verdadeira reavaliação só podem ocorrer quando se questionam os pontos de interesse desde o começo, sem contar com verdades absolutas. Os desafios socioambientais, quando enfrentados sem questionamento e confrontamento, encontram becos sem saída e cercam-se de ideologia e utopias, transformando-se em novas roupagens para as mesmas ideias recicladas de sempre. Isso pode implicar na redução de comodidades, como determinados preços ou oferta de serviços aos quais estamos acostumados – são questões que devemos resolver, mas existem inúmeras formas de re-localizar.

Que não caiamos em demagogia: O próprio conhecimento que nos leva a criticar a globalização se faz a partir de informação angariada pela incessante troca de conteúdos e decorrem das inter-relações que compõem a complexidade dos sistemas atuais. Todavia, a reflexão da modernidade é um estágio avançado desta, que nos permite visualizar as implicações e balancear prospectos. É analisar a importância de abandonar os mitos da conquista da natureza-objeto pelo homem sujeito do universo, do falso infinito para o qual se lançavam o crescimento industrial, o desenvolvimento, o progresso. As racionalidades parciais e fechadas, as racionalizações abstraídas e delirantes que consideram como irracional toda crítica racional dirigida a elas, segundo o qual ciência e técnica assumem e levam a cabo o desenvolvimento humano, são imensamente danosas e atualmente são razões da crise e mal-estar nos quais nos encontramos.

Não se trata de negar a importância da razão e do conhecimento com ela alcançado, tampouco de cometer a impropriedade de atacar o crescimento econômico per se. Ou mesmo, em absoluto, de descartar a possibilidade de a tecnologia e da ciência trazer respostas para as crises; apenas de não contar cegamente com essas, de modo a acreditar que tudo se resolverá por si. É como esperar que o mercado se regule por si mesmo em prol do benefício comum. Estamos falando, contudo, de um sistema regulatório cujos fatores determinantes não estão isentos – são influenciados por bancos e por grandes empresários, de modo que muito mais atenderão às suas necessidades do que às dos riscos de ocorrências ainda indefinidas, sem precisão fatal de quando isso ocorrerá.

Tentar delas se desvencilhar e entender que será necessário que se revolucione a forma como a humanidade se relaciona com seu meio é fundamental para nossa sobrevivência. Porque, por conta própria, deixada à sua própria mercê, toda a saga e os monumentos dessa espécie que tanto lutou contra a dominação da natureza, desejando suplantá-la e a ela julgando-se superior, terá um fim.

 

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Data da conclusão/última revisão: 1/12/2017

 

Como citar o texto:

GREGÓRIO, Carolina Lückemeyer..Os desafios socioambientais perante o paradigma do desenvolvimento na sociedade contemporânea. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1524. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-ambiental/4014/os-desafios-socioambientais-perante-paradigma-desenvolvimento-sociedade-contemporanea. Acesso em 24 abr. 2018.

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