CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente artigo possui como tema a renúncia e a exclusão no contexto do Direito Sucessório nacional. O principal objetivo deste trabalho é apresentar a temática, evidenciando os respectivos conceitos de cada instituto e suas características e particularidades, de modo que, ao final, possa ser possível perceber com clareza a diferença entre renunciar à uma herança ou testamento e estar excluído da ordem sucessória de uma herança.

ABERTURA DA SUCESSÃO E O MOMENTO DA TRANSMISSÃO DA HERANÇA

De acordo com o Código Civil de 2002, a sucessão considera-se aberta no momento do óbito daquele que é o titular do patrimônio. Após aberta a sucessão, o artigo 1.784 desse mesmo código preceitua que a herança é transmitida, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, torno-a um condomínio pro indiviso.

Isso implica dizer que a transmissão da herança aos herdeiros, legítimos e testamentários, pode ocorrer antes mesmo que eles tomem ciência do falecimento do autor da herança.

Nesse sentido, Zeno Veloso apud Gonçalves (2019) acertadamente conclui que:

[...] a morte, a abertura da sucessão e a transmissão da herança aos herdeiros ocorrem num só momento. Os herdeiros, por essa previsão legal, tornam-se donos da herança ainda que não saibam que o autor da sucessão morreu, ou que a herança lhes foi transmitida. Mas precisa, aceitar a herança, bem como podem repudiá-la, até porque ninguém é herdeiro contra sua vontade.

Deste modo, é preciso que, antes de fazer a partilha da herança (haja vista esse ser o prazo cabal para tal manifestação), todos os herdeiros, legítimos e testamentários, expressem sua aceitação (que pode ser expressa ou tácita, nos termos do artigo 1.805 do Código Civil) ou sua renúncia (a qual, à luz o § 1º do artigo 1.805 do CC, somente pode se dar de maneira expressa).

RENÚNCIA À HERANÇA OU TESTAMENTO

Em um conceito rápido, renúncia é a legítima expressão de vontade de um herdeiro que prefere ser estranho à relação hereditária desencadeada a partir do falecimento do titular da herança.

Trata-se, portanto, de um negócio jurídico unilateral que, seguindo a forma do artigo 1.806 do Código Civil, “deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial” (BRASIL, 2002), sendo, assim, um ato solene e não podendo, em hipótese alguma, ocorrer de forma tácita. Contudo, cabe ressaltar que, caso o renunciante prejudique o seu credor, poderá este aceitar a herança de forma presumida, conforme ensina o art. 1813 do Diploma Civil: “quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante” (BRASIL, 2002).

Ademais, a renúncia, a dispor dos ensinamentos de Lôbo (2019, p. 64), não é possível de ocorrer à título oneroso, nem antes de haver nascido o direito, isto é, do titular da herança ter falecido. Outro aspecto da renúncia apresentado pelo autor é seu caráter irrevogável, sobre o qual comenta:

A renúncia é irrevogável. Seu efeito é imediato. Nenhum arrependimento posterior é possível [...]. Todavia é invocável sua invalidade, em razão das mesmas causas que invalidam as manifestações de vontade. Da mesma forma que a aceitação, não se admite renúncia de parte da herança, ou subordinada a condição de qualquer espécie, ou a termo (LÔBO, 2019, p. 64).

Ressalta-se que o instrumento público a que o artigo se refere, segundo Gonçalves (2019), é a escritura pública e que o termo judicial deverá ser lavrado nos autos do inventário.

Dois são os tipos de renúncia existentes no ordenamento jurídico pátrio:

a)    Abdicativa ou propriamente dita: Esse tipo de renúncia acontece quando o herdeiro expressa sua repúdia à herança desde logo, isto é, ao início do inventário ou mesmo antes dele, não praticando, dessa maneira, qualquer ato que exprima uma aceitação tácita, e fazendo-a sem indicar qualquer benefício.

b)    Translativa: Alguns autores nem mesmo a consideram um tipo de renúncia, denominando-a como cessão ou desistência. Ocorre quando o herdeiro renuncia sua herança em favor de uma outra pessoa, devendo citá-la nominalmente.

Gonçalves (2019) salienta que é importante fazer tal distinção devido à tributação existente. O autor explica que, na renúncia abdicativa, é devido tão somente o Imposto de Transmissão Cauda Mortis, enquanto que na segunda espécie, por haver aceitação tácita e doação instantânea, além do ITCM, é devido também o Imposto de Transmissão Inter Vivos.

Nesse sentido, Silvio Rodrigues (apud Gonçalves, 2019) exemplifica:

[...] o filho declara que renuncia à herança paterna em favor de seus filhos, de modo que um receba o dobro do outro, estamos diante da chamada renúncia translativa, ou renúncia imprópria, que, na verdade, não é renúncia, mas cessão de direitos; presume-se que o filho aceitou a herança e que a transmitiu, por ato entre vivos, a seus filhos. Há impostos sobre duas transmissões: uma causa mortis, do defunto a seu filho; outra, deste aos donatários.

Lôbo (2019, p. 66) apresenta, ainda, mais duas informações importantes a cerca da renúncia à herança: por tratar-se de “ato unilateral, não receptício e exclusivo do herdeiro”, não é exigida outorga do cônjuge ou companheiro para que seja válida a renúncia. Além disso, não há que se falar em renúncia da meação do cônjuge ou companheiro sobrevivente, uma vez que “a meação destes não se inclui na herança do de cujus”.

É importante frisar, também, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (RE 1.622.331 – SP) sobre a impossibilidade de os herdeiros renunciarem à herança quando o falecido, titular do direito, a tenha devidamente aceitado.

EXCLUSÃO DA HERANÇA

A exclusão da herança é ato que atinge os sucessores, os quais perdem a sua qualidade hereditária. A exclusão se dá por imposição legal ou por vontade do testador, sendo tais formas de exclusão nomeadas como indignidade e deserção, respectivamente.

Sobre as formas de exclusão, a primeira delas é a indignidade, que nada mais é do que o legislador julgar indigna certa conduta praticada pelo herdeiro em face do autor da herança enquanto ainda estava vivo. Tal conduta resume-se em atentar contra a vida, a honra ou a liberdade do autor da herança.

O artigo 1.814 do Código Civil dispõe in verbis que:

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade (BRASIL, 2002).

Observa-se, neste caso, que a exclusão por indignidade do sucessor é um ato de punição, haja vista ter praticado conduta que atenta contra a vida e/ou a boa-fé do autor da herança. Desse modo, o herdeiro não é merecedor de constar na ordem de vocação e, por isso, a exclusão pode atingir tanto os herdeiros legítimos quanto os legatários.

A esse respeito, Gonçalves (2019) aduz:

A quebra dessa afetividade, mediante a prática de atos inequívocos de desapreço e menosprezo para com o autor da herança, e mesmo de atos reprováveis ou delituosos contra a sua pessoa, torna o herdeiro ou o legatário indignos de recolher os bens hereditários.

O artigo 1.815 do Código Civil trata do procedimento para conquistar a exclusão da herança do herdeiro ou legatário, sendo o prazo para ajuizamento da demanda de 04 (quatro) anos a contar da abertura da sucessão. Além disso, a exclusão da herança deve ser declarada por sentença, mas, de acordo com o § 2º do artigo 1.814, I, do Código Civil, o Ministério Público que possui legitimidade para demandar a referida ação.

É importante ressaltar, porém, conforme preceitua Gonçalves (2019), que o ato indigno praticado contra o autor da herança pode ser “perdoado”, ocorrer, assim, a chamada “reabilitação do indigno”. Essa reabilitação deverá ser realizada de maneira expressa por aquele contra qual o ato de indignidade foi praticado.

Nesse contexto, Lôbo (2019, p. 197) demonstra que os efeitos do reconhecimento judicial da indignidade são pessoais e, por isso, não atingem os descendentes, bem como retroagem à data da abertura da sucessão. Ademais, o indigno não terá direito ao usufruto e à administração dos bens que passem aos filhos menores.

A segunda forma de exclusão da herança é a deserção, a qual consiste na manifestação de vontade do autor da herança pela exclusão da ordem vocacional de herdeiro que, contra ele, tenha praticado ato repreensível. Todavia, diferentemente da indignidade, a deserção só engloba os herdeiros necessários.

É permitida, assim, a deserção por todos os atos que ocasionam na exclusão por indignidade, elencadas no artigo 1.814 do Código Civil, assim como devido aos atos constantes nos artigos 1.962 e 1.963, ambos do Código Civil, os quais podem ser observados a seguir:

Art. 1.961. Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.

Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;

IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:

I - ofensa física;

II - injúria grave;

III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;

IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade (BRASIL, 2002).

Por fim, conforme preceitua o artigo 1.817 do Código Civil, há validade nos atos praticados pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé, assim como todos os atos de administração que forem praticados licitamente pelo herdeiro, desde que anteriores à exclusão definida em sentença. Todavia, há direito do pedido de perdas e danos dos herdeiros que forem prejudicados.

DIFERENÇAS ENTRE RENÚNCIA E EXCLUSÃO

De acordo com Gonçalves (2019) “a renúncia da herança é negócio jurídico unilateral, pelo qual o herdeiro manifesta a intenção de se demitir dessa qualidade”. Portanto, assim como na aceitação da herança, a renúncia possui efeitos ex tunc, retroagindo à data da abertura da sucessão.

A exclusão da herança, por sua vez, pode se dar de duas formas – indignidade ou deserção – sendo uma punição que o Código Civil impõe (no caso da indignidade), ou que o testador, por ato unicamente seu, o faz (no caso da deserção).

Dessa forma, Lôbo (2019, p. 195) traduz o entendimento do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp 1.102.360, de forma a expressar que a finalidade da exclusão de um herdeiro ou legatário pelo critério da indignidade é, exatamente, “impedir que aquele que atente contra os princípios basilares da justiça e da moral, nas hipóteses taxativamente previstas em lei, venha receber determinado acervo patrimonial”.

Logo, comparando os institutos estudados, percebe-se que a diferença cabal entre renúncia e exclusão consiste no fato de que a renúncia é um direito pessoal do herdeiro ou legatário de declinar-se do recebimento de herança ou legado; ao passo que a exclusão é a perda do direito de participar da ordem de vocação devido a um ato indigno praticado pelo herdeiro ou por ter sido deserdado pelo autor da herança. Portanto, entende-se que a renúncia é um ato voluntário, enquanto a exclusão é ato involuntário.

Além disso, tal como afirma Gonçalves (2019), o ato de renunciar possui efeito ex tunc, ou seja, retroage à data da abertura da sucessão. Com isso, é visto como se nunca tivesse sido herdeiro. No caso da exclusão, ao retroagir, é como se o herdeiro tivesse morrido, isso porque, diferentemente da renúncia, para efeitos jurídicos, ele existiu como herdeiro (efeitos ex nunc).

Outrossim, ao tratar da renúncia, o artigo 1.816 do Código Civil afirma não ser possível suceder representando herdeiro renunciante. Ou seja, aquele que suceder alguém que tenha renunciado a uma herança não poderá representá-lo para, por ele, receber tal encargo.

Na exclusão, porém, é possível haver tal representação, uma vez que, por força do artigo 1.816 do Código Civil, o herdeiro excluído é tido como se morto fosse antes mesmo de ocorrer a abertura da sucessão, ensejando, desse modo, a possibilidade de seus herdeiros representá-lo no momento da partilha dos bens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A renúncia à herança ou ao testamento e a exclusão da herança são dois institutos de relevância ímpar para o Direito Sucessório brasileiro, haja vista exercerem grande influência na partilha da herança.

A renúncia é um direito pessoal do herdeiro legal ou testamentário, que, sendo praticado, afetará diretamente a divisão dos bens deixados pelo autor da herança. Isso porque, ao manifestar sua vontade de renunciar à herança ou testamento, é como se aquele herdeiro nem mesmo existisse, passando a ser completamente esquecido para fins de partilha de bens hereditários.

Já a exclusão, é, na verdade, a perda do direito de estar na ordem de vocação. Ou seja, aquele que cometeu ato de indignidade ou que foi deserdado da herança não poderá participar da partilha dos bens do autor da herança, podendo, contudo, ser representado, nesse momento, por seus próprios herdeiros, já que sua condição é tal como a do herdeiro que falece antes da abertura da sucessão.

Portanto, é possível perceber que os institutos em comento são bem diferentes entre si, possuindo conceitos e finalidades próprios. Porém, ambos poderão interferir diretamente na partilha dos bens deixados pelo de cujus, devendo sempre ser observados a priori quando aberta a sucessão.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: . Acesso em 24 de mar. 2019

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Direito Civil. Recurso Especial nº 1.622.331 – SP. Disponível em: < https://www.26notas.com.br/blog/?p=13129>. Acesso em 04 de abr. 2019.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões. 13ª ed. 07 vol. ED. Saraiva, São Paulo, 2019.

LÔBO, Paulo. Direito Civil: Sucessões. 5ª ed. 06 vol. ED. Saraiva, São Paulo, 2019.

Data da conclusão/última revisão: 14/4/2019

 

Como citar o texto:

FERREIRA, Oswaldo Moreira; SCARAMUSSA, Giovanna Pagani; SILVA, Julia Cruz da; FERRARI, Stéphanie Lã..Sucessão hereditária: Diferenças entre renúncia e exclusão. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1613. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/4371/sucessao-hereditaria-diferencas-entre-renuncia-exclusao. Acesso em 16 abr. 2019.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.