RESUMO

         O presente artigo visa demonstrar de forma clara e concisa, a importância do reconhecimento da relação socioafetiva e da multiparentalidade, considerando a realidade dos novos institutos familiares que sofrem sucessivas modificações em sua composição, quebrando todos os parâmetros de que família é baseada apenas por laços genéticos, biológicos ou decorrentes do casamento.

         Neste sentido, as relações socioafetivas propõem o estabelecimento do vínculo familiar a partir de laços afetivos e/ou multiparentalidade. A existência de afetividade nessas relações é o ponto central é indispensável para sua constituição, pois garante a possibilidade da pessoa ter mais de um pai e/ou mais de uma mãe em seu registro civil desde que observado este requisito.

         Portanto, tem-se por objetivo apresentar o mais novo instituto jurídico, demonstrando sua respectiva importância e ainda identificar os elementos jurídicos que constituem a multiparentalidade e relação socioafetiva nas obrigações civis.

Palavras-chave: Família, Filiação, Afetividade, Multiparentalidade

ABSTRACT

         This article aims to demonstrate clearly and concisely the importance of recognition of the socio-affective relationship and of multiparentality, considering the reality of the new family institutes that undergo successive modifications in their composition, breaking all the parameters of which family is based only by genetic ties, biological or arising from marriage.

         In this sense, the socio-affective relations propose the establishment of the family bond from affective ties and / or multiparentality. The existence of affectivity in these relationships is the central point is indispensable for their constitution, since it guarantees the possibility of the person having more than one parent and / or more than one mother in their civil registry since this requirement is observed.

          Therefore, the objective is to present the newest legal institute, demonstrating its respective importance and also to identify the legal elements that constitute multiparentality and socio-affective relationship in civil obligations.

Keywords: Family, Affiliation, Affection, Multiparentality

INTRODUÇÃO

         Desde os tempos mais remotos, quando o ser humano iniciava sua jornada, a família já era a base tanto do ser humano quanto da sociedade. Diante da apreciação histórica do instituto familiar, observa-se a grande evolução diante das mudanças que ocorreram nas características e funções.

        Frente às consequências das diversas mudanças que ocorreram na sociedade, foi necessário realizar algumas adaptações no mundo jurídico para que possa garantir os direitos e deveres do indivíduo, tal como os resguardados pelo art. 5º da Constituição Federal de 1988.

        Em decorrência disso, novos modelos de família foram surgindo, acredita-se que diante dessa realidade é possível explanar que atualmente com a ideia que se tem, é que família não é apenas ligada pelo vínculo biológico ou matrimonial, mas também pela relação afetiva, ou seja, a relação de parentalidade pode ser baseada pela afetividade sendo um critério definidor na determinação da filiação, núcleo característico da união familiar.

        Nesse contexto, no desapontamento de conflitos de parentalidade surge a multiparentalidade e nesse sentido, é importante lançar luz sobre o que vem a ser esse instituto e quais são seus efeitos, com base na inovação jurisprudencial, que se refere à inclusão de um pai e/ou mãe no registro civil da pessoa.

       Diante disso, o presente artigo tem por objetivo compreender a relação socioafetiva, a multiparentalidade e seus efeitos nas relações civis e será realizado através de análises bibliográficas, ou seja, baseado em leituras e releituras de doutrinas, leis, jurisprudências e demais materiais necessários para alcançar uma visão clara e coerente acerca do tema abordado.

1.      MULTIPARENTALIDADE E SOCIOAFETIVIDADE

        Hodiernamente, o ser humano está em constante busca pela felicidade, no qual não cabe apenas para si, fazendo parte de um caminho diário diante de vários aspectos, seja nos relacionamentos amorosos, na compaixão ao próximo ou na compreensão e zelo desenvolvidos pelo núcleo familiar ou em ciclos de amizades.

        A família, por exemplo, é o ponto de partida, é a maior referência de valor que é dado ao indivíduo, ceio onde se desenvolve os aprendizados e valores da vida o qual permanece os reflexos por toda a vida, disciplinando nas decisões, conceitos e ações. Neste aspecto é importante analisá-la e ampará-la em suas diversas formas.

       Inicialmente, ao depara-se com a entidade familiar, verifica-se que no decorrer de sua linhagem histórica este núcleo foi sofrendo sucessivas modificações em suas composições, estruturas e seus respectivos desdobramentos. No entanto, tendo em vista, o desenvolvimento e o progresso desta instituição, fez-se necessário uma adaptação do mundo jurídico para que se assegurasse todos os direitos relacionados a família.

       Ao longo do tempo, o núcleo familiar passou a garantir proteção específica do Estado e consequentemente surgiu à igualdade entre pai e mãe dentro da conjuntura familiar, fazendo também surgir novas organizações familiares, atualmente sancionadas pela Constituição Federal e demais normas brasileiras.

        Alguns doutrinadores, como exemplo, Cassettari (2015), entende que o vínculo afetivo tem de ser o fundamento definidor na determinação da filiação, não podendo esta ser dissolvida em razão da filiação biológica, o que demonstra a efetiva mudança de paradigma no direito de família.

        Nos dias de hoje, é válido dizer que o instituto familiar ultrapassa as fronteiras da consanguinidade chegando ao seu ponto principal que é o amor, ramificando-se para os mais diversos sentidos da palavra, como zelo, cuidado, união, carinho e afeto.

         Deste modo, entende Maria Berenice Dias:

O fato é que a família, apesar do que muitos dizem, não está em decadência. Ao contrário, houve a repersonalização das relações familiares na busca do atendimento aos interesses mais valiosos das pessoas humanas: afeto, solidariedade, lealdade, confiança, respeito e amor. (DIAS, 2013, P. 40)

         Levando em consideração tais mudanças no instituto familiar, sabe-se que atualmente família estrutura-se e constitui-se das mais variadas formas, quebrando todos os parâmetros de que família é baseada apenas por liames genéticos, biológicos ou decorrentes do casamento.

         Por este contexto, preleciona João Batista Vilela:

A consanguinidade tem, de fato e de direito, um papel absolutamente secundário na configuração da paternidade. Não é a derivação bioquímica que aponta para a figura do pai, senão o amor, o desvelo, o serviço com que alguém se entrega ao bem da criança. Permita-me repetir aquilo que tenho dito tantas vezes: a verdadeira paternidade não é um fato da biologia, mas um fato da cultura. (VILLELA, 1997, P. 85)

         Assim, a família foi conquistando novos rumos se adaptando à nova realidade, apreciando desta forma a união constituída pelo carinho, amor e afeto, e não mais pelo intuito somente de reprodução, mas também a infindável busca pelo ideal de felicidade e a comunhão plena de vida a dois. Com isso sua configuração foi mudando e o papel do pai e da mãe na nova constituição familiar aos poucos foi se adaptando.

       Em consequência dessa realidade, surge um novo instituto denominado de multiparentalidade, ou seja, é a viabilidade jurídica cedida a genitor(a) biológico(a) ou afetivo(a) de evocar os princípios da dignidade humana e da afetividade para ser garantida a manutenção ou instituição de vínculos parentais.

         A pluriparentalidade consiste no fato de uma pessoa reconhecer mais de outro pai e/ou mãe civilmente por meio do vínculo afetivo e uma vez consolidada, será um grande avanço no reconhecimento do afeto enquanto valor jurídico, aplicando-se o princípio constitucional da busca da felicidade com o intuito de reconhecer os vínculos socioafetivos.

1.1  surgimento no direito brasileiro

       As vertentes da parentalidade socioafetiva como fonte de efeitos jurídicos conquistaram espaços em detrimento da atuação do Poder Judiciário diante das análises de casos concretos, detectando a necessidade de tutelar os interesses daqueles que mantêm uma relação como se pai e filho fossem, independente do vínculo biológico.

        O tema teve origem em 1979, quando o professor da Universidade Federal de Minas Gerais, chamado João Baptista Villela, realizou um trabalho intitulado como “Desbiologização da Paternidade”. De acordo com Bunazar (2010), a tese defendida pelo autor, radical para o tempo, apontava que a paternidade é uma escolha, uma realidade cultural, que é totalmente dissociada de qualquer tipo de responsabilidade civil decorrente da coabitação entre homem e mulher.

         Com a introdução da Carta Magna de 1988, muitos princípios decorrentes da desigualdade familiar foram dissolvidos dando espaço para que novos princípios equiparassem a relação familiar, dentre eles, a identidade dos filhos havidos fora do casamento, ou seja, não se admitia qualquer forma de discriminação entre os filhos biológicos garantindo-lhes o direito igualitário. Com o intuito de equiparar as relações filiais o artigo 227, §6 da Constituição Federativa do Brasil de 1988 assegura:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

(....)

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL. Constituição Federal. DF: Planalto Central, Brasília. 1988).

          Diante do contexto, novas reflexões acerca do real sentido da paternidade vieram à tona, retomando as lições sobre a “desbiologização” da paternidade e então o reconhecimento jurídico normativo veio acontecendo de forma célere.

         O Supremo Tribunal Federal, na esteira do julgamento do Recurso Extraordinário 898.060, ante à Repercussão Geral 622, decidiu que a “paternidade Socioafetiva, declarada ou não em registro civil, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica com os efeitos jurídicos próprios”, ou seja, passou-se a admitir a multiparentalidade para seus efeitos legais

          Conforme o assunto vislumbrado, entende o seguintes Tribunais de Justiça:

TJSP. MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Preservação da Maternidade Biológica Respeito À memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto e de sua família – Enteado criado como filho desde dois anos de idade. Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e a sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes – A formação da família moderna não consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Recurso provido” (TJSP, 1ª Câmara de Direito Privado, Registro: 2012.0000400337. Apelação Cível n. 0006422-26.2011.8.26.0286, Comarca de Itu, Relator: Desembargador Alcides Leopoldo e Silva Júnior).

TJRS. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO. PADRASTO E ENTEADA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA ADOÇÃO COM A MANUTENÇÃO DO PAI BIOLÓGICO. MULTIPARENTALIDADE. Observada a hipótese da existência de dois vínculos paternos, caracterizada está a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade. DERAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70064909864, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 16/07/2015).

         O tema também já foi objeto de enunciado aprovado durante o IX Congresso Brasileiro de Direito de Família, remanescendo com a seguinte redação: “A multiparentalidade gera efeitos jurídicos.” (Enunciado 09 do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM).

             No mesmo sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, a saber:

A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. (STF. Plenário. RE 898060/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 21 e 22/09/2016) – Informativo nº. 840.

            A importância do reconhecimento da multiparentalidade se faz necessário visto que a sociedade está em constante mutação em todos os seus respectivos aspectos. O direito, por sua vez, naturalmente se encarrega de se adaptar a sua evolução, tendo em vista sua incumbência de garantir a sociedade uma segurança jurídica. 

         Ainda, quanto à aplicabilidade do princípio basilar da dignidade da pessoa humana perante o instituto da socioafetividade, leciona Lôbo (2007), que além de alcançar os sentimentos maiores da vida humana, vai muito além, até o núcleo de sua existência, impondo inafastável proteção e respeito, que na verdade exige a exclusão de qualquer atitude que possa despersonificar a pessoa humana.

           Nesse aspecto, um exemplo seria a relação de famílias recompostas, no qual pode estabelecer um caso de multiparentalidade, em decorrência do  abandono afetivo do pai ou mãe biológico em relação ao filho, que acaba sendo adotado afetivamente pelo cônjuge do genitor que possui a guarda do menor, sendo imperioso o reconhecimento de uma nova parentalidade, a qual pode ser incluída no assento de nascimento da criança.

          Portanto, existente a realidade multiparental, imperioso é seu reconhecimento com foco na modificação registral, pois verifica-se que na celebração do avenço se analisadas as formalidades pertinentes não haverá infringência de qualquer dispositivo legal.

1.2  condição do estado de filho

           Atualmente, diante da realidade fática e com as várias alterações o instituto familiar, além basear-se no vínculo biológico passa a reconhecer, ainda, ao vínculo elaborado a partir da relação afetiva.

        Como ensina Lôbo (2006), toda paternidade é, necessariamente, socioafetiva, podendo ter origem biológica ou não; ou seja, a paternidade socioafetiva é gênero do qual são espécies, a paternidade biológica e não biológica.

        Conforme essa linha lógica, é válido dizer o termo paternidade socioafetiva ganhou uma vasta dimensão. Pois o caráter definidor afetivo está presente até mesmo na filiação biológica, assim como na adoção e na reprodução assistida. Desta forma, sempre que houver paternidade, haverá afeto. Caso haja ausência dessa característica a paternidade, além do vínculo obrigacional, pode ser desconfigurada.

        A afetividade é vínculo estabelecido por meio de carinho, zelo e cuidado que se tem com alguém íntimo ou benquisto, como uma posição psicológica que permite ao indivíduo evidenciar os seus sentimentos e emoções a outrem.

       Etimologicamente a palavra afeto que deriva do latim afficere, afectum, e que significa produzir impressão; e também do latim affectus, que significa tocar, comover o espírito, unir, fixar. Seu melhor significado, no entanto, liga-se à noção de afetividade, afecção, que deriva do latim afficere ad actio, onde o sujeito se fixa, onde o sujeito se liga. (AURÉLIO, 2019, online)

         O princípio da afetividade é sobretudo um dos mais importante nas relações socioafetivas e multiparentais, pois o componente da instituição acima de tudo demonstrará o vínculo familiar por meio do afeto.

         Paulo Luiz Netto Lôbo complementa a lição sobre o afeto, ensinando que ele possui origem constitucional:

“O princípio da afetividade tem fundamento constitucional; não é petição de princípio, nem fato exclusivamente sociológico ou psicológico. No que respeita aos filhos, a evolução dos valores da civilização ocidental levou à progressiva superação dos fatores de discriminação entre eles. Projetou-se, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da família como grupo social fundado essencialmente nos laços da afetividade. Encontram-se na CF quatro fundamentos essenciais do princípio da afetividade, constitutivos dessa aguda evolução social da família, máxime durante as últimas décadas do século XXI: a) todos os filhos são iguais independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família, constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); d) o direito à convivência familiar, e não a origem genética, constitui prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, caput)”. (LÔBO, 2002, p. 42)

         Nos tempos mais remotos, não há o que se falar em vínculo afetivo, família era sinônimo de reprodução. Hodiernamente as famílias estão pautadas no amor, afeto, zelo e respeito e isso é as mantem unida, para José Sebastião de Oliveira (2002), a família só tem sentido enquanto unida pelos laços de respeito, consideração, amor e afetividade.

         Portanto, ser pai ou ser mãe não está no mero fato de gerar, mas está ligado as circunstâncias de amar, zelar, servir e cuidar. Desta forma, quando se fala em paternidade socioafetiva, refere-se à adoção (regular e à brasileira), à reprodução assistida heteróloga e à posse de estado de filho (filho de criação).

         Neste sentido, Zeno Veloso (1997), conceitua a posse de estado de filho como sendo aquela que resulta de vários fatos, os quais, em conjunto, constituem fortes indícios da existência de uma relação de filiação, entre uma pessoa e aquela à qual está sendo atribuído o estado de filho.

         Consolidando as sábias palavras de Veloso, Paulo Luiz Netto Lobo (2003) afirma que, a posse de estado de filiação constitui-se quando alguém assume o papel de filho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe ou de pais, tendo ou não entre si vínculos biológicos. Sobrepondo, ainda, que a posse de estado de filho é a exteriorização da coexistência familiar e dos liames afetivos.

         Afinal, entende-se que a parentalidade socioafetiva acima de tudo pode ser definida como o vínculo de parentesco civil entre pessoas que não possuem entre si um vínculo biológico, mas que vivem como se parentes fossem, em decorrência do forte laço afetivo e da própria assistência existente entre elas.

         Ainda no tocante contexto, tem-se que o estado de posse de filho é um requisito para a configuração da filiação socioafetiva, mas não o único, devendo este, estar acompanhado da vontade recíproca das partes em serem considerados pai e filho.

         Para o jurista brasileiro Orlando Gomes (1999), devem ocorrer determinados elementos para que esta espécie de relação afetiva se configure, tais como; a) o filho deve ter levado o nome dos pressupostos genitores; b) ter recebido continuamente o tratamento de filho legítimo; c) ter sido constantemente reconhecido, pelos presumidos pais e pela sociedade, como filho legítimo.

        No mesmo sentido, Fachin (1999) sustenta que a posse de estado de filho está caracterizada desde que estejam presentes três características: tractatus, nomem e reputatio (ou fama). Sendo que a tractatus está presente quando a pessoa é tratada como membro pertencente à família, ou seja, como filho biológico. Onomem se dá quando a pessoa traz o reconhecimento do nome do pai, como o caso da filiação. E a fama é a pessoa ter sido constantemente reconhecida como filha, pelos presumidos pais, pela família e pela sociedade.

         No que concerne, a tais características, vale dizer, que a doutrina majoritária dispensa o requisito do nomem, sendo suficiente para a caracterização da posse de estado de filho, os requisitos do tratamento e da fama. Ainda, para se garantir a segurança jurídica faz-se necessário, além da presença dos requisitos constitutivos, exige-se que estejam presentes outros dois elementos tais como, a notoriedade e a continuidade. A notoriedade significa que a relação de parentalidade filial seja objetivamente visível no meio social. 

         No que tange a duração verifica-se que este elemento é condição de existência e validade para a caracterização da força de posse de estado de filho, ou seja, sem a duração ela não se configura, visto que é na convivência diária, que solidifica tal relação.

        Por fim, a posse de estado ainda exige um tempo mínimo de duração que comprovem a sua permanência, apenas dessa forma os elementos constitutivos se consideram válidos dentro dos parâmetros, uma vez que a posse de estado de filho requer estabilidade e habitualidade. Logo, a filiação socioafetiva e estado de posse de filho são institutos distintos, sendo que o segundo é elemento constitutivo do segundo.

1.3 constituição da socioafetividade

        Em decorrência do grande avanço da Constituição Federal de 1988 e das diversas mudanças da sociedade, várias formas de entidades familiares surgiram e por consequência, de filiação. Logo, o direito como uma ferramenta que visa resguardar e garantir os direitos dos indivíduos não pode deixar de amparar os novos núcleos familiares, que tem como um principal fundamento em comum, o amor e afeto entre os componentes.

         Desta forma o presente trabalho tem a pretensão de vislumbrar noções a respeito da filiação, destacando o que se demonstra pertinente ao presente estudo, bem como destacar os três critérios utilizados para classificar, constituir e identificar o novo instituto jurídico.

         Atualmente existem três diferentes critérios utilizados para o estabelecimento do vínculo parental, são eles; critério jurídico, critério biológico e o mais recente critério socioafetivo.

         O critério jurídico ou legal regula a paternidade por meio de pressupostos jurídicos fundamentado com base na filiação que deu origem devido a união casamentária;

         Desta forma, o Código Civil regula o critério legal, através do seu artigo 1.597, “pelo qual a filiação decorre de uma presunção prevista em lei”, que não leva em consideração a verdade biológica, utilizando-se da presunção para reconhecer como mãe aquela indicada pelo parto e o pai o marido dela.

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. (BRASIL. Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002)

         Com o grande avanço da Carta Magna que estabeleceu a igualdade na relação familiar e com a evolução da ciência que permitiu a comprovação da paternidade através do exame de DNA surgiu o critério biológico, que constitui o reconhecimento da paternidade pela determinação genética.

        Portanto esta filiação se dá pelo vínculo consanguíneo, conforme expresso no dispositivo 1.593 do Código Civil, ou seja, resultado da análise genética, sendo assim necessário para a comprovação da filiação e posteriormente realizar o reconhecimento desta.

         Em decorrência do surgimento desse critério que tomou repercussão, a jurisprudência passou a adotar medidas em relação a paternidade que se pretendia provar, na hipótese de recusa injustificada em se submeter ao exame de DNA. É o que dispõe a súmula 301 do STJ: “Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”.

         Nesse diapasão, surge o último e mais recente critério, chamado de socioafetivo, com base na noção do melhor interesse da criança, tem-se considerado a prevalência do critério socioafetivo para fins de se assegurar a primazia da tutela à pessoa dos filhos, no resguardo dos seus direitos fundamentais, notadamente, o direito à convivência familiar.

         Logo, pode-se dizer que a relação socioafetiva é a filiação constituída baseada puramente na afetividade. É um vínculo estabelecido além do critério biológico, quebrando todos os parâmetros de que família é baseada apenas por liames genéticos, biológicos ou decorrentes do casamento.

        Diante disso, deve sobrepor a paternidade afetiva, em detrimento da biológica, sempre que se demonstrar como o meio mais oportuno de realização dos direitos assegurados à criança e ao adolescente, especialmente diante de um dos seus direitos fundamentais: o direito à convivência familiar.

Enunciado 339 do Conselho de Justiça Federal, entende que: “A paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho”.

      Esta espécie de filiação encontra-se amparada no artigo 227, §6º da Constituição Federal, assim como no artigo 1.593 do Código Civil Brasileiro, quando entende que o parentesco é resultado da consanguinidade ou de outra origem, portanto o dispositivo legal amplia o reconhecimento da parentalidade contemplando a socioafetividade.

       Corroborando com a mesma interpretação, Farias e Rosenvald apontam, no mesmo contexto, o Enunciado 108 da I Jornada de Direito Civil, “no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consanguínea e também a socioafetiva”.

        Ainda vislumbram seus entendimentos com base no Enunciado 256 da III Jornada de Direito Civil, que diz respeito, “a posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”.

         Este tema também já foi objeto do Projeto de Lei n° 2.285/07, versado como Estatuto das Famílias, prevê a socioafetividade como forma de  parentesco, ao dispor, em seu artigo 10, que “o parentesco resulta da consanguinidade, da socioafetividade ou da afinidade” (redação esta semelhante ao que dispõe o Projeto de Lei n° 470/13, Estatuto das Famílias de iniciativa do IBDFAM, em seu artigo 9°).

       Diante disso, o requisito indispensável para o reconhecimento da parentalidade socioafetiva é processo judicial, tendo em vista de que se trata de um tipo de parentesco que exige uma delicada comprovação para a sua caracterização. Nesse sentido é o entendimento de Giselda Hironaka (2000), para quem, antes de ser levado a registro, essa modalidade de parentesco ser levada à análise pelo foro judicial.

2. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA E DA MULTIPARENTALIDADE

        Com a aplicação da novidade no mundo jurídico ao se equiparar um genitor socioafetivo a um biológico, relevantes questões foram levantadas quanto às consequência e os efeitos legais oriundos deste, como: se é direito apenas do filho ou de igual forma dos pais, se há a necessidade de uma afetividade recíproca, se há relação obrigacional, se há direito sucessório, se o parentesco socioafetivo liga o filho a todos os parentes do pai ou da mãe, se há direitos previdenciários, se essa filiação pode ser impugnada, dentre outros pontos. Nesse âmbito a doutrina assevera:

“Não há dúvida de que o maior efeito dessa forma de parentalidade, e não apenas filiação, é a criação de multiparentalidade, ou seja, a possibilidade de a pessoa ter mais de um pai e/ou mais de uma mãe. Existem no Brasil algumas decisões concedendo esse modelo plural de parentesco, motivo pelo qual se aborda nesta obra a necessidade de esse tema ser levado ao Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais, para gerar os seus regulares efeitos no âmbito do Direito de Família”. (CASSETTARI, 2014, online)

     Segundo entendimento da douta Juíza de Direito da 1ª Vara de Família de Sobradinho/DF, Drª Ana Maria Gonçalves Louzada, ao tratar da Ação Declaratória de Paternidade, autuada sob o nº 2013.06.1.001874-5: 

“O direito deve espelhar e proteger a vida da pessoa em sua inteireza. Se no caso concreto ela possuir duas mães, dois pais, ou seja, lá a composição que sua família tenha, não cabe ao Direito, tampouco ao Judiciário impor limites a essa entidade familiar” (DIAS, 2015, P. 07)

         A magistrada elenca, ainda, as consequências jurídicas do reconhecimento da multiparentalidade, que se passa a transcrever: 

a) Direito ao parentesco: ao se admitir a multiparentalidade, também se deve assegurar o parentesco daí advindo. Assim, exemplificadamente, se possuir dois pais e duas mães, terá oito avós e tantos tios quantos irmãos esses pais/mães possuírem, e assim por diante. Também os impedimentos matrimoniais no que diz com o parentesco deverão ser observados em todos esses casos.

b) Direito ao nome: o nome faz parte de um dos direitos da personalidade. É através dele que somos conhecidos e reconhecidos pela vida afora. [...] O nome de família materno, paterno, da madrasta, do padrasto ou socioafetivo e o avoengo poderão ser incluídos no nome civil. Tal pretensão é admissível, mesmo que o interessado ainda não tenha atingido a maioridade, uma vez que o art. 56 da Lei nº 6015 não trata de alterações pela via judicial, mas administrativa, em que a pessoa pode pleitear junto ao oficial do Registro Civil, “ pessoalmente ou por procurador bastante”, que se averbe a mencionada alteração. Portanto admite-se alteração de nome pleiteada por menor, e, da mesma forma que se admite a inclusão do sobrenome do padrasto, também é possível que seja retirado do assento de nascimento o patronímico do genitor, nos casos, por exemplo, de abandono afetivo. Contudo a retirada do sobrenome não excluiria o direito sucessório e tampouco alimentar. Caso contrário, sua desídia em relação ao filho traria como consequência a sua dispensa com qualquer obrigação em relação a ele.

c) Direito de convivência e guarda: havendo vários pais/mães, necessário será a definição de convivência e guarda, a fim de assegurar o melhor interesse da criança. Assim, caso essa família não conviva sob o mesmo teto, importante que todos os que façam parte dessa multiparentalidade tenham dias de convivência definidos, judicialmente ou não. Quanto à guarda, o ideal é que ela seja compartilhada, podendo todos os envolvidos dialogar sobre os destinos desse filho. Não sendo possível, a guarda poderá ser determinada a favor da dupla com quem resida o infante. Ainda não havendo acordo, caberá ao Judiciário decidir no caso concreto[..]

d) Direito a alimentos: a pensão alimentícia está embasada, dentre outros, no princípio da solidariedade familiar. Assim se a pessoa possuir mais de um pai ou mais de uma mãe, natural que o dever de pensionamento seja estendido a todos. E essa obrigação não se limitará aos pais, mas incluirá também todos os avós[...] (LOUZADA, apud CASSETTARI, 2015, P. 194-195)

         Com isso, o objetivo é de não mais proteger apenas o patrimônio e sim amparar o direito dos indivíduos, por força do princípio da dignidade da pessoa humana e da afetividade, há de serem reconhecidas as relações interpessoais existentes na sociedade, para que haja a garantia à manutenção ou ao estabelecimento de vínculos parentais. Assim, resultando em uma maior humanização do Poder Judiciário, para que a população seja dignamente amparada pelo Estado.

        Conforme o princípio maior da dignidade humana diante do novo aspecto de filiação é dado a proteção integral da criança e do adolescente, com isso são reconhecidos e garantidos direitos que lhes são próprios. Tendo por objetivo atender o melhor interesse da criança. Neste caso, a relação de paternidade advém do trato socioafetivo em sobreposição ao liame biológico.

         A jurista Heloísa Helena Barboza interpreta que:

         O reconhecimento da paternidade afetiva não configura uma concessão do direito ao laço de afeto, mas uma verdadeira relação jurídica que tem por fundamento o vínculo afetivo, único, em muitos casos, capaz de permitir à criança e ao adolescente a realização dos direitos fundamentais da pessoa humana e daqueles que lhe são próprios. (BARBOZA, 1999, p. 140)

2.1 Admissibilidade da relação socioafetiva

      Caso ocorra por via judicial, deverão ser aplicados à parentalidade socioafetiva todos os dispositivos legais concernentes à filiação, pois fixada pelo critério socioafetivo, todos os efeitos decorrem automaticamente, sejam existenciais ou patrimoniais, uma vez que não há diferenciação na relação de paternidade/maternidade biológica ou afetiva.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL. Constituição Federal. DF: Planalto Central, Brasília. 1988, online)

         Com isso, o filho socioafetivo terá direito à herança e aos alimentos (efeitos patrimoniais) e, igualmente, estabelecerá o vínculo de parentesco e estará sob o poder familiar do pai afetivo (efeitos pessoais), dentre outros.

         Uma vez configurada o vínculo parental a aplicação dos efeitos jurídicos da parentalidade socioafetiva deve retroagir à data do início da convivência na qual se formou o vínculo afetivo, visto que foi então que a posse de estado de filiação começou a ser estabelecida. Isso se deve ao fato de que o reconhecimento da paternidade não constitui o vínculo, somente declara a existência do estado de filho e, portanto, tem efeitos ex tunc.

        No que tange a admissibilidade da pluriparentalidade, uma vez atribuído os efeitos jurídicos em relação à afetividade e a afirmação da igualdade ao grau hierárquico entre os vínculos biológico e socioafetivo, consequentemente, viabilizam o reconhecimento do instituto da multiparentalidade.

        No julgamento do Recurso Extraordinário nº 898.060, o Ministro Luiz Fux, baseou-se perante os princípios da dignidade da pessoa humana (artigo 1°, III, CF/88) e da paternidade responsável (artigo 226, § 7°, CF/88) com o qual impõem o reconhecimento de modelos familiares diversos da concepção tradicional, devendo o ordenamento jurídico imperar sob vínculos de filiação construídos com base no afeto, quanto àqueles originados da ascendência biológica.

      Frisou que “a omissão do legislador brasileiro quanto ao reconhecimento dos mais diversos arranjos familiares não podem servir de escusa para a negativa de proteção a situações de pluriparentalidade”, sendo imprescindível à adequada tutela da pessoa humana que se reconheça, com todos os seus efeitos, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica.

2.2 Reflexos do reconhecimento da relação socioafetiva no direito da família

     Conforme vislumbrado anteriormente aos efeitos da relação socioafetiva, uma vez configurada, acarretará com as mesmas responsabilidades obrigacionais como a de qualquer outra relação parental já garantida em lei.

      De acordo com o estabelecido pelo artigo 229 da Constituição Federal, da mesma forma que os pais devem assistir, criar e educar os filhos menores até que eles atinjam idade suficiente para ingresso no mercado de trabalho, os filhos maiores têm o dever de ajudar a amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

       Portanto, como ao pai biológico, ao pai socioafetivo recairá todos os direitos e deveres concernentes do direito obrigacional, no que tange ao direito ao nome, guarda, visita e alimentos.

2.2.1 Registro civil

         Tendo vista, o reconhecimento da relação socioafetiva e consequentemente da multiparentalidade, será válido inclusão da filiação socioafetiva em uma certidão de nascimento, juntamente às filiações puramente sanguíneas, passando a constar para seus efeitos jurídicos a existência legal da dupla paternidade.

         Com a decisão alusiva do Supremo, esse instituto revela-se não tão somente como direito, mas sim, como de igual forma, uma obrigação, a fim de preservar os direitos fundamentais de todos os envolvidos na situação fática.

         A dupla paternidade já vinha sendo exercida de forma natural pela população. Esta adaptação legal denominada de multiparentalidade se mostra de extrema relevância, pois tem como objetivo primordial, por força do princípio do melhor interesse da criança, resguardar e amparar os envolvidos na situação fática.

        Segundo a Corregedoria Nacional de Justiça, no âmbito de sua competência regimental, editou o Provimento n.63, de 14 de Novembro de 2017, que institui modelos únicos de certidão de nascimento, casamento e óbito, a serem adotadas pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais, e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação de paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A” e sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão de filhos havidos por reprodução assistida.

         Conforme o entendimento da douta magistrada Drª Ana Maria Gonçalves Louzada, apresentado no fundamento 2, o nome do ser humano é critério mais honroso diante ao direito de personalidade. O nome de família, por sua vez, materno, paterno, da madrasta, do padrasto ou socioafetivo e o avoengo poderão ser incluídos no nome civil. Portanto admite-se alteração de nome pleiteada por menor, e, da mesma forma que se admite a inclusão do sobrenome do padrasto, também é possível que seja retirado do assento de nascimento o patronímico do genitor, nos casos, por exemplo, de abandono afetivo.

2.2.2 alimentos

         O cunho do instituto da multiparentalidade é tipicamente familiar e funda-se exclusivamente no vínculo conjugal, nas relações de união estável e no vínculo de parentesco. No tocante às verbas alimentares, como forma de exemplificação de um dos efeitos no âmbito jurídico, não há ensejo para uma aplicação diferenciado da lei especial de alimentos vigente no ordenamento jurídico pátrio.

         Para Schimitt e Augusto mesmo antes do reconhecimento jurídico no caso de socioafetividade, o caso fático já era realidade na vida dos envolvidos. Assim, o direito aos alimentos é medida que se impõe.

 “Na tripla filiação multiparental o menor necessitado poderá requerer alimentos de qualquer um dos pais, atendendo o princípio do melhor interesse da criança, presente no Estatuto da Criança e do Adolescente. Resta claro que a possibilidade de uma tripla filiação teria muito mais condições de contribuir para o adequado desenvolvimento do menor. Nos casos onde os magistrados decidissem por reconhecer a tripla filiação, sempre haverá a prévia relação familiar de fato, restando apenas reconhecer uma regulamentação de direito.” (SCHIMITT; AUGUSTO 2013, online)

         Ainda, a Carta Magna de 1988 acarreta em seu artigo 229 da CF, que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Diante da realidade da tripla filiação o menor poderá requerer alimentos de qualquer um dos pais, atendendo o princípio do melhor interesse da criança.

         Não obstante, explica Monteiro (2008), também têm direito a alimentos os pais perante os filhos. Seria realmente coisa escandalosa, diz Laurent, ver um o filho negar alimentos ao pai, dando, por assim dizer, a morte a quem lhe deu a vida. Portanto, de igual forma há a possibilidade da cobrança de alimentos aos descendentes de primeiro grau em linha reta, quando não for possível pelo próprio labor manter uma vida digna, com a observância do trinômio: necessidade, possibilidade e razoabilidade.

        O entendimento do Conselho de Justiça Federal, está contextualizada no Enunciado 341 conforme o artigo 1696 do Código Civil de 2002. “Para fins do art. 1696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar”.

        Os alimentos estão embasados no princípio da solidariedade familiar, uma vez regulado o instituto da multiparentalidade, a pessoa poderá requerer a qualquer um dos pais vinculados a filiação, pois natural é o dever de pensionamento no qual seja estendido a todos.

2.2.3 Guarda e visitas

        O Código Civil Brasileiro em seu artigo 1589, assegura o direito de visita do pai ou a mãe, em cujo guarda não estejam os filhos, determinando que possam visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

      No caso da filiação biológica este poder e deve surgir com o nascimento do filho, enquanto que na multiparentalidade, o marco inicial é com o registro em nome daqueles que afetivamente já eram considerados como se pais fossem.

        Com a inserção do Estatuto da Criança e do Adolescente, surge o princípio do menor interesse do menor, no artigo 19 do referido estatuto, consta que o menor tem o direito de ser educado e criado no seio de sua família, mesmo quando houver a fragmentação desta pela desunião de seus genitores, neste ponto compreende-se como genitores não só os biológicos, mas também os pais afetivos. Assim, independentemente de quem ficará com a guarda do menor, poderá ser requerida por qualquer dos pais constantes na certidão, os demais possuem o direito e dever de visita ao menor.

       Este modelo de família fundamentou-se nos mais diversos princípios constitucionais, adotando como majoritário o princípio basilar da dignidade da pessoa humana, o princípio da afetividade e o do melhor interesse do menor, que visa regulamentar casos já presentes na sociedade, buscando assim o Estado devidamente amparar a sociedade.

        Havendo vários pais/mães, necessária será regulamentação da convivência e guarda, a fim de assegurar o melhor interesse da criança. Assim, caso essa família não conviva sob o mesmo teto, importante que todos os que façam parte dessa multiparentalidade tenham dias de convivência definidos, judicialmente ou não.

3 A EXTRAJUDICIALIZAÇÃO DA MULTIPARENTALIDADE

         O perfilhamento é um ato sublime, voluntário, espontâneo, incondicional e irrevogável. Mais do que isso, é o afeto, é a decisão de assumir as funções paterna na vida de uma pessoa.

        Em uma breve reflexão, ou seja, ao concentrar-se o espírito sobre si próprio, diante de suas representações, ideais e sentimentos em relação a família, pode-se dizer que essa palavra, atinge profundamente o envolvimento sentimental do ser humano.

         Por outro lado, ter o reconhecimento como filho, é sentir-se integralizado, amado e cuidado por uma família. Ter o reconhecimento do vínculo por meio do afeto, é a demonstração de amor mais puro que um ser humano pode ter pelo outro. A possibilidade de receber do outro o respeito, zelo, carinho, experiências, valores é o que vai influenciar diretamente na formação da personalidade do indivíduo, gerando um reconhecimento pessoal por meio de sua identidade. 

        Ainda que o vínculo afetivo independa de qualquer reconhecimento, para que ele surta efeitos jurídicos é necessário que seja documento e atualmente a forma mais ágil e prática para que tal relação seja garantida, é a forma extrajudicial. Uma vez reconhecida a relação perante o cartório, proporciona o seu reconhecimento social, elemento característicos da dignidade humana.

     Em 2012, o Conselho Nacional de Justiça com objetivo de facilitar o reconhecimento da filiação, publicou o Provimento 16/2012 permitindo que o pai compareça ao cartório de registro civil, independentemente onde o filho esteja registrado, e declare sua paternidade.

     Em 2013, tendo como exemplo cinco estados brasileiros sendo eles; Amazonas, Ceará, Pernambuco, Maranhão e Santa Catarina que viabilizaram o reconhecimento da relação socioafetiva pela via cartorária.

     Nesse viés, em 14 de novembro de 2017, o CNJ no âmbito de sua competência republicou o Provimento 63, admitindo o reconhecimento voluntário e a declaração de paternidade e maternidade socioafetiva sobre o registro de nascimento.

“Institui modelos únicos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, a serem adotadas pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais, e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A” e sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida”. (Resolução nº 63 CNJ. DF: Brasília, 2017)                                                                                                       

  Em decorrência desse grande avanço, surge no Brasil, oficialmente, a multiparentalidade ou pluriparentalidade, que antes só era aceita por via judicial. Agora o reconhecimento voluntário da paternidade/maternidade socioafetiva será concretizada, diante aos oficiais de registro civil de pessoas naturais, sendo o ato irrevogável, salvo em disposição em contrário, em casos de vícios, fraudes ou simulação que poderá ser realizada a desconstituição por meio da esfera judicial.

     Além do mais, a admissibilidade jurídica do reconhecimento espontâneo da relação socioafetiva não impedirá a discussão a respeito da paternidade biológica, já que as relações têm características distintas. E bloquear a paternidade biológica violaria o direito da personalidade, logo o princípio da dignidade da pessoa humana.

    Alguns critérios devem ser analisados no ato da averbação, já que os mesmos não podem ser irmãos e nem podem ser ascendentes e ainda o pretenso pai ou mãe devem ter no mínimo 18 anos de idade e ser ao menos dezesseis anos mais velho do que o filho reconhecido e nada obsta em relação ao estado civil de nenhuma das partes.

    Ao final, nos casos em que o filho reconhecido tenha a idade igual ou maior a doze anos de idade, o mesmo deverá prestar o consentimento do reconhecimento e nos casos em que o filho tenha a idade menor do que doze anos deverá a mãe (originária) dar a anuência.

CONCLUSÃO

    Os diretos individuais são direitos básicos que garantem igualdade a todos os cidadãos, tais como, direito à vida, à segurança, igualdade entre homens e mulheres. Já os direitos sociais são os direitos relacionados ao bem-estar do cidadão, assim como, direito á educação, saúde, moradia, direito à maternidade e proteção as crianças.

     Nesse sentido, é claro que o Estado como representante e garantidor dos direitos humanos e fundamentais do cidadão, deve se adaptar a atual conjuntura da sociedade, resguardando os direitos relacionado a família no que concerne ao reconhecimento da relação socioafetiva e da multiparentalidade, respeitando o princípio da afetividade e sobretudo o princípio da dignidade da pessoa humana.

    Nesse liame, o presente artigo visou corroborar para o grande avanço do mundo jurídico frente ao quesito inovador em todos os seus desdobramentos, tendo por objetivo contribuir para o reconhecimento e sua regulamentação de fato diante dos dispositivos legais quanto aos reflexos e efeitos nas obrigações civis.

REFERÊNCIAS

_______. BRASIL. Constituição Federal. DF: Planalto Central, Brasília. 1988. Disponível em: Acesso 19 fev. 2019.

_______. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. STF – Recurso Extraordinário 898.060. Relator Luiz Fux, Brasília, 21 de setembro de 2016. Disponível em: .

Acesso em: 20 fev. 2019.

_______. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. STJ - Súmula 301. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 17 ago. 2007. Disponível em:

=1>. Acesso em: 20 mar. 2019.

_______. Enunciado nº 09 IBDFAM. BH: Minas Gerais, 2015, Disponível em: . Acesso em 22 fev. 2019.

_______. Enunciado nº 108 CJF. DF: Brasília, 2002, Ministro Ruy Rosado de Aguiar Disponível em: . Acesso em 15 mar. 2019.

_______. Enunciado nº 339 CJF. DF: Brasília, 2002, Ministro Ruy Rosado de Aguiar Disponível em: . Acesso em 15 mar. 2019.

_______. Enunciado nº 341 CJF. DF: Brasília, 2002, Ministro Ruy Rosado de Aguiar Disponível em: . Acesso em 15 mar. 2019.

_______. Estatuto da Criança e do Adolescente. DF: Planalto Central, Brasília, 1990. Disponível em:  Acesso em 20 fev. 2019.

_______. Lei 10 de janeiro de 2002. DF: Planalto Central, Brasília, 2002. Disponível em: Acesso em: 12 de outubro de 2018.

_______. Provimento nº 16 CNJ. DF: Brasília, 2010, Ministra Eliana Calmon. Disponível em . Acesso em 10 abr. 2019.

_______. Resolução nº 63 CNJ. DF: Brasília, 2017. Disponível em:   Acesso em: 06 abr. 2019.

_______. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n° 898.060/SC, Rel. Min. Luiz Fux, Brasília, 21 set. 2016. Íntegra do voto do relator. p. 4. Disponível em:

< http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE898060.pdf>. Acesso em 21 abr. 2019.

_______. TJSP. APELAÇÃO CÍVEL: APL: 64222620118260286 SP 0006422-26.2011.8.26.0286, Relator: Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Data de Julgamento: 14/08/2012, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 14/08/2012. Disponível em: < https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22130032/apelacao-apl-64222620118260286-sp-0006422-2620118260286-tjsp/inteiro-teor-110551735?ref=juris-tabs> acesso em 20 fev. 2019.

_______. TJRS. APELAÇÃO CÍVEL: Apelação Cível Nº 70064909864, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 16/07/2015. Disponível em: acesso em 20 fev. 2019.

AFETO. Dicionário Online de Português do Aurélio. 02 nov. 2018. Disponível em . acesso em 02 mar. 2019.

BARBOZA, Heloísa Helena. Novas relações de filiação e paternidade. In. PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Repensando o direito de família. I CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Anais... Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 140.

BUNAZAR, Maurício. Pelas portas de Villella: um ensaio sobre a pluriparentalidade como realidade sociojurídica. Revista IOB de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese. v. 12, n. 59, p. 63-73, Abr./Maio 2010. p. 65.

CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos / Christiano Cassettari. – 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2015. Disponível em;

< https://forumdeconcursos.com/wp-content/uploads/wpforo/attachments/3967/10-Multiparentalidade-e-Parentalidade-Socioafetiva-Christiano-Cassettari-2015.pdf> acesso em 15 fev. 2019

CASSETTARI, Christiano. Artigo do desembargador do TJPE Jones Figueiredo Alves. Disponível em: < profcassettari.wordpress.com/>. Acesso em 20 de fev. de 2019.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 40.

DIAS, Maria Berenice; OPPERMANN, Marta Cauduro. Multiparentalidade: uma realidade que a justiça começou a admitir. Revista Juris Plenum, Caxias do Sul (RS), v. 11, n. 65, p. 7, set./out. 2015. Disponível em:

Manager /arq/ (cod2_13075) MULTIPARENTALIDADE__Berenice_e_Marta. pdf>. Acesso em 20 mar. 2019.

FACHIN, Luiz Edson Fachin. Elementos críticos do direito de família: curso de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 202.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. Cit., p. 593.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Op. Cit., p. 588-589

GOMES, Orlando. Direito de Família. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 324.

HIRONAKA, Giselda. Direito Civil: estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 22. 19 OLIVEIRA, Euclides de. A escalada do afeto no Direito de família: ficar, namorar, conviver, casar. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Família e dignidade humana. V CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Anais... São Paulo: IOB Thomson, 2006. p. 315. 20 LÔBO, Paulo Luiz Netto. In: AZEVEDO, Álvaro Villaça (Coord.). Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2003. v. XXVI, p. 42.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. A paternidade socioafetiva e a verdade real. Revista CEJ n. 34. Brasília: 2006, p.15. Disponível em: . Acesso em 01 mar. 2019.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. In: AZEVEDO, Álvaro Villaça (Coord.). Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2003. v. XXVI, p. 42.

LÔBO, Paulo. Direito Civil: São Paulo: Saraiva, 2007, p.37.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao Estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Revista CEJ, Brasília, v.8, n.27, p. 47-56, out./dez. 2004, p. 49.        

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. II. ed, 2008. 78 p.

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 242.

SCHIMITT, Marisa; AUGUSTO, Yuri. A tripla filiação e o direito civil: Alimento, a guarda e sucessão. Disponível em: 10 abr. 2019.

VELOSO, Zeno. Direito da filiação e paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 32-33.

VILLELA, João Batista. Família Hoje. Entrevista a Leonardo de Andrade Mattietto. In: BARRETO, Vicente (Org.) A nova família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 85.

VILLELA, João Baptista. Desbiologização da Paternidade. 1979. Disponível em . Acesso em 20 fev. 2019.

Data da conclusão/última revisão: 1/5/2019

 

Como citar o texto:

BRAGA, Lara Oliveira Braga; SANTOS, Guilherme Augusto Martins..Multiparentalidade: reconhecimento e seus principais efeitos jurídicos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1619. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/4435/multiparentalidade-reconhecimento-seus-principais-efeitos-juridicos. Acesso em 9 mai. 2019.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.