Biologicamente falando, o corpo da mulher evolui e é preparado para conceber um bebê. Portanto, caso seja de sua vontade, será mãe e a lei lhe conferira proteção jurídica.

Ocorre que, existem circunstâncias, muitas vezes fatores externos ou alheios a vontade da mulher que a gestação natural não será possível, situações nas quais a medicina ganha relevante papel a fim de empregar as técnicas existentes e permitir a procriação.

Um desses métodos científicos é a barriga de substituição vulgarmente similar a chamada barriga de aluguel. Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf define a barriga de substituição como

(...) A cessão do útero para a gestação de filho concebido pelo material genético de terceiro – contratante – a quem a criança gerada deverá ser entregue logo após o nascimento, assumindo a fornecedora a condição de mãe, possibilitando assim à mãe de conceber um filho biológico fora de seu ventre.1

Desta feita, a mulher que cede o seu ventre para que a criança seja gerada não é considerada a mãe biológica, de modo que nas palavras de Maria Berenice Dias "A gestação por substituição seria um negócio jurídico de comportamento, compreendendo para a “mãe de aluguel” obrigações de fazer e não fazer, culminada com a obrigação de dar, consistente na entrega do filho."2

Nota-se que a civilista confere natureza jurídica contratual à gestação por substituição. Contudo, há quem defenda que contratualizar essa relação estabelecida entre a doadora e a mãe de aluguel, constitui uma ameaça a dignidade da criança, pois se mesmo em fase intrauterina ela já é ressalvados os seus direitos de personalidade a fim de que tenha o seu pleno desenvolvimento, não poderia, portanto, ser objeto de um contrato, devendo ter os seus direitos respeitados.3 

Assim, Maria Berenice Dias reconhece que "como a criança não pode ser objeto de contrato, a avença seria nula por ilicitude de seu objeto (104, III). Também (...) ilícito penal que pune dar parto alheio como próprio e registrar como filho de outrem (CP 242) (grifo original)".4  

Cumpre observar que a resolução nº 2.121/2015, no inciso VII do Conselho Federal de Medicina autoriza  a prática da barriga de substituição, desde que a doadora do útero seja integrante da família da doadora genética ou de seu parceiro até o quarto grau. Vejamos: 

1- As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima). Demais casos estão sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.  

2- A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.5 

Nesse compasso, a técnica é permitida, desde que comprovada a existência de algum diagnóstico médico que impeça ou contraindique a gestação da doadora genética, de forma que o procedimento jamais poderá ser realizado para atender fins lucrativo ou comercial. 

Sendo assim, para evitar futuros conflitos, importante que a mulher cedente do útero esteja consciente de que a concessão não lhe trará qualquer benefício financeiro ou lucrativo, bem como vínculo maternal com a criança, ou seja, a parturiente deve estar livre do animus maternal, de modo que assim que o bebê nascer, o vínculo é quebrado e quem passa assumir a maternidade de fato é a doadora do material genético. 

Nesse sentido, a resolução supramencionada no inciso VII, 3, item 3.3. dispõe que deverá constar no prontuário do paciente, Termo de Compromisso entre os pacientes e a doadora temporária do útero (que receberá o embrião em seu útero), estabelecendo claramente a questão da filiação da criança, bem como a garantia do registro civil da criança pelos pacientes (pais genéticos), devendo esta documentação ser providenciada durante a gravidez conforme dispõe o item 3.5 da resolução.6  

Assim, com relação à proteção jurídica sobre o tema em estudo, poucos elementos concretos há no ordenamento jurídico, haja vista que atualmente a possibilidade de utilizar a técnica de gestação por substituição encontra previsão apenas na Resolução n° 2.121/2015, do Conselho Federal de Medicina, servindo o mencionado dispositivo de respaldo aos magistrados, já que não há lei que regulamente o assunto.

Nesse compasso, o Projeto de Lei nº 1184/2003 que Câmara dos deputados tem por escopo definir normas para realização de inseminação artificial e fertilização "in vitro"; proibindo a gestação de substituição (barriga de aluguel) e os experimentos de clonagem radical.7 

Nota-se que a posição dos congressistas nada contra a maré da ciência, visto que os deputados visam criminalizar a técnica da barriga de substituição independente de ter ou não interesse comercial ou lucrativo. Tal ponto de vista pode ser tido como verdadeiro regresso, haja vista que muito embora pacífica a questão entre médicos e deputados no tocante a inadmissibilidade de empregar o procedimento da reprodução assistida para fins lucrativos, divergem quanto a sua legitimidade para torná-lo instituto jurídico assegurado pelo ordenamento pátrio.  

Houve uma tentativa de evoluir com o tema de acordo com o Projeto de Lei de 115/2015 que institui o Estatuto da Reprodução Assistida, para regular a aplicação e utilização das técnicas de reprodução humana assistida e seus efeitos no âmbito das relações civis sociais.

Mais uma vez a questão da vedação quanto à oferta de compensações ou benefícios em torno da gestação por substituição consta tanto no art. 25 quanto no parágrafo único do at. 103, ou seja, o projeto reitera que o procedimento não poderia ter caráter lucrativo ou comercial.

Ademais, segundo o art. 24 do projeto, a cessão temporária de útero deve ser formalizada por pacto de gestação de substituição, inclusive antes de se dar início ao procedimento, o qual precisaria ser judicialmente homologado, sob pena de nulidade.

Acrescenta-se que o referido pacto de substituição homologado deveria ser levado ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, juntamente com a comprovação do nascimento emitida pelo hospital, declaração do médico responsável pelo tratamento descrevendo a técnica empregada e o termo de consentimento médico informado. Ocorre que, houve o arquivamento do Projeto em discussão.

Ora, é cristalina que a inércia do Poder Legislativo faz com que as demandas decorrentes de gestação por substituição fique a cargo da jurisprudência, a qual vem fundamentando a sua decisão na Resolução n° 2.121/2015.

Com efeito, vejamos o seguinte acórdão que ilustra exatamente a linha em que a jurisprudência caminha:

DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS. DIREITO DE EXTENSÃO DO SALÁRIO-MATERNIDADE AO PAI SOLTEIRO CUJA PROLE FOI CONCEBIDA POR MEIO DE TÉCNICA DE FERTILIZAÇÃO IN VITRO E GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO. 1 - A inexistência de disposições legais expressas não impede que o magistrado supra lacunas por meio da analogia. 2 - Tendência do direito moderno de proteger as variadas formas de famílias e os interesses das crianças e adolescentes. Princípios com sede constitucional. Estatuto da Criança e do Adolescente. Estatuto da Primeira Infância. 3 - Ao pai solteiro, cuja prole foi concebida por meio de técnicas modernas de fertilização in vitro e gestação por substituição, deve ser estendido o direito ao salário-maternidade. 4 - A presença do genitor na primeira infância é essencial ao desenvolvimento do recém-nascido. Negar a este o direito da presença de seu pai neste crucial momento da vida é violar o princípio da isonomia material, tendo em vista que outras crianças, concebidas pelos meios naturais, tê-lo-ão. 5 - A finalidade dos institutos das licenças parentais é privilegiar o desenvolvimento do infante, tendo prevalecente tez extrapatrimonial. 6 - A jurisprudência caminha no sentido de favorecer os interesses da família e da criança ao interpretar a aplicação, na prática, dos referidos institutos. Precedentes. 7 - Atendimento dos princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia material e da vedação à proteção deficiente. 8 - Apelação improvida.( TRF-3ª Região. Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2276213 / SP. 0015901-31.2014.4.03.6100. 2ª Turma. Data do Julgamento: 07/05/2019).

Nota-se que, embora o acórdão não verse no objeto principal sobre a gestação por substituição e sim sobre o direito a extensão do direito ao gozo de licença maternidade, é possível observar que a proteção da entidade familiar advinda da gestação por substituição e os princípios da dignidade humana, bem como da isonomia foram utilizados como argumentos a concessão do direito laborativo afastando o recuso imposto pela empresa.

Por tudo isso denota-se que, embora a legislação caminhe a passos largos, o judiciário primando pelo espírito da Constituição Federal no que toca a proteção a toda e qualquer forma de entidade familiar tem suprido a lacuna usando a interpretação sistemática do próprio ordenamento e a orientação do Conselho Federal de Medicina.

REFERÊNCIAS  

BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves. Direito ao Patrimônio Genético. Coimbra: Almedina, 2006. 

BRASIL. Projeto de Lei nº 1184/2003. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=118275. Acesso em 05/06/2019. 

________. Projeto de Lei de 115/2015. Disponível em:

https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=945504. Acesso em: 05/06/2019.

________. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Disponível em: . Acesso em: 01/06/2019

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2009. 

________. Manual de direito das famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.  

MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de bioética e biodireito. São Paulo: Atlas, 2010. 

CFM, Resolução CFM nº 2.121/2015. Disponível em: , acesso em 24/09/2015. 

Data da conclusão/última revisão: 1/7/2019

 

Como citar o texto:

PRADO, Monique Rodrigues do..Barriga de substituição. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1636. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/4456/barriga-substituicao. Acesso em 17 jul. 2019.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.