Há muito tempo já se consagrou no meio jurídico a possibilidade de responsabilização civil do empregador pela ocorrência de acidente ou doença do trabalho, com o conseqüente pagamento de indenização ao obreiro vitimado pelo infortúnio.

No entanto, as inovações recentes no ordenamento jurídico trouxeram uma nova perspectiva à matéria, tratando-a de forma inovadora comparativamente ao regramento anterior.

As principais mudanças havidas sobrevieram com o advento do novo Código Civil (Lei 10.406/2002) e da Emenda Constitucional nº 45 de 2004.

Diante do novo panorama, várias dúvidas subsistem aos aplicadores do Direito, sejam eles juristas ou não.

Dessa forma, pretendemos aqui, sem a intenção de esgotar o assunto, explicitar a natureza do tema e examinar os pontos mais polêmicos que ainda existem.

1.       Responsabilidade da empresa e da Previdência Social no infortúnio no trabalho - Distinções

Por primeiro, não se deve confundir a responsabilidade do empregador em indenizar o obreiro (responsabilidade civil), com a obrigação previdenciária a cargo do Estado (responsabilidade acidentária-previdenciária), representado aqui pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Com efeito, ocorrido o acidente, três hipóteses poderão existir, conforme o caso concreto: 1) ambos (empregador e INSS) estarão obrigados a reparar os danos sofridos pelo trabalhador, cada qual a sua forma; 2) apenas o INSS terá responsabilidade pelo fato; 3) não haverá obrigação de qualquer deles. A primeira hipótese será factível quando houver culpa do empregador. A segunda, quando inexistir negligência patronal. A terceira, quando além de não haver culpa, também não for devida a prestação de benefício (p.ex.: ato fraudulento do empregado).

Referidas responsabilidades, portanto, são autônomas e estanques, não havendo influência ou compensação de quantias pagas. Assim, não é lícito ao empregador abater da indenização que deve ao empregado pelo infortúnio ocorrido o montante recebido por este último dos órgãos de Previdência.

Em outras palavras: a indenização por responsabilidade civil a cargo da pessoa jurídica ou empresa individual é cumulável com o recebimento de benefício(s) previdenciário(s) pagos ao obreiro.

Nesse sentido a jurisprudência é pacífica:

Superior Tribunal de Justiça

 “Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Indenização. Acidente do trabalho. 1. O Acórdão recorrido está devidamente fundamentado, no sentido de que a culpa no trágico acidente foi exclusivamente da ora recorrente, estando, também, caracterizados os danos, inclusive morais, sofridos pela vítima, sendo o valor da pensão fixado com base nos elementos de prova constantes dos autos. Não há como ultrapassar os fundamentos do Acórdão sem adentrar o exame de matéria probatória, o que não se admite em sede de recurso especial. Inevitável a aplicação da Súmula nº 07/STJ. 2. Cabível é a cumulação da indenização do direito comum com o benefício previdenciário, sendo o pagamento da indenização devido desde a data do evento danoso. 3. A indenização por dano moral não exige a ocorrência de dolo no evento danoso. 4. Dissídio jurisprudencial afastado, em face da incidência da Súmula nº 83/STJ. 5. Agravo regimental improvido.” RELATOR: MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO FONTE: DJ DATA: 31/05/1999 PG: 00148 ACÓRDÃO: AGA 213226/PR (199800868291) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO DATA DA DECISÃO: 20/04/1999 ORGÃO JULGADOR: - TERCEIRA TURMA

Analisemos, pois, as diferenças entre as responsabilidades respectivas.

A pessoa jurídica ou empresa individual, como veremos melhor a seguir, somente estará obrigada a reparar o obreiro em relação ao dano derivado de acidente do trabalho se restar evidenciada sua negligência no cumprimento das disposições de proteção ao trabalho. O mesmo, entretanto, não ocorre com o a responsabilidade estatal a cargo do INSS, que estará obrigado à prestação do benefício cabível na espécie, ainda que o acidente não decorra de culpa de qualquer pessoa, ou mesmo que decorra de culpa exclusiva do trabalhador segurado.

Em outros termos: a responsabilidade do empregador é de natureza subjetiva (dependente de prova de culpa), enquanto a responsabilidade do INSS é de natureza objetiva (independente de prova de culpa).

Além disso, a responsabilidade do empregador abrange a indenização por aquilo que o trabalhador perdeu com o acidente (dano emergente), bem como por aquilo que deixou de ganhar (lucro cessante), além de outras verbas (danos morais, estéticos, etc), não havendo qualquer teto ou limite para seu valor, salvo o montante do dano sofrido.

Já o INSS não presta ao obreiro uma reparação de danos, mas sim um benefício acidentário (auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez, etc) que não visa à manutenção do padrão remuneratório percebido pelo trabalhador, mas sim a garantir-lhe um mínimo para que possa sobreviver dignamente, tendo seu valor limitado a patamares definidos na legislação.

A indenização devida pela empresa não pressupõe incapacidade do obreiro, mas sim a comprovação do dano, o que é conceitualmente distinto[1]. Já o pagamento de benefício previdenciário pressupõe a incapacitação do trabalhador.

Há ainda diferenças de menor monta, como a existência de ações distintas para que o trabalhador pleiteie seu direito em juízo (ação de indenização contra a empresa e ação acidentária contra o INSS).

O quadro sinótico a seguir facilitará o entendimento das distinções:

Espécie de responsabilidade pelo infortúnio do trabalho

Pressupostos

Verbas devidas

Limitação de valor

Incapacidade

Responsabilidade civil da pessoa jurídica ou empresa individual

Necessita de prova de culpa (responsabilidade subjetiva)

Inclui o que o empregado perdeu (dano emergente) e o que deixou de ganhar (lucro cessante), além de outras verbas

Não há limite para a indenização, ressalvado o valor do dano ocasionado

Não se exige prova de incapacidade, mas sim prova do dano

Responsabilidade do INSS

Não necessita de prova de culpa (responsabilidade objetiva)

Benefícios acidentários (auxílio-doença, auxílio acidente, aposentadoria por invalidez, pensão por morte)

Há limite legal para a o valor do benefício

Exige-se prova da incapacidade

Vejamos um exemplo concreto para que possamos fixar a responsabilidade por determinado acidente: imaginemos um empregado que após sair de seu local de trabalho na direção de seu automóvel venha a se acidentar no trânsito, no trajeto do trabalho para sua casa, daí resultando lesão corporal incapacitante.

Trata-se de claro acidente de trabalho (acidente de trajeto ou in itinere). Responderá por ele o INSS?  E o empregador?

Claramente, o órgão previdenciário (INSS) estará obrigado à prestação de benefícios ou serviços, uma vez que sua responsabilidade independe da perquirição de culpa. Dessa forma, ainda que a culpa pelo acidente referido seja atribuível ao trabalhador (culpa exclusiva da vítima) haverá a obrigação mencionada.

No entanto, o empregador não contribuiu culposamente para o acontecimento mencionado, uma vez que não influiu mediante negligência, imprudência ou imperícia no resultado ocorrido. Diante disso, não será responsabilizada pelo evento.

Nesse sentido:

Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo

RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DO TRABALHO - INDENIZAÇÃO - DIREITO COMUM - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA - DIFERENÇAS - PROVA QUANTO À CULPA - AUSÊNCIA - DESCABIMENTO

As ações de indenização por ato ilícito propostas em face das empregadoras não se confundem com aquelas propostas em face do INSS; nestas últimas, sendo o réu segurador obrigatório, basta a comprovação do mal e do nexo; nas primeiras, além do mal e do nexo, deve ficar sobejamente comprovada a culpa.

Ap. c/ Rev. 603.743-00/6 - 12ª Câm. - Rel. Juiz ROMEU RICUPERO - J. 19.4.2001 (quanto a acidente-tipo) ANOTAÇÃO No mesmo sentido: - quanto a acidente-tipo: Ap. c/ Rev. 608.523-00/8 - 8ª Câm. - Rel. Juiz ORLANDO PISTORESI - J. 31.5.2001 - quanto a acidente: AI 715.900-00/6 - 5ª Câm. - Rel. Juiz LUIZ DE CARVALHO - J. 29.8.2001 - quanto a doença profissional: Ap. c/ Rev. 482.838-00/0 - JTA (LEX) 168/425 Ap. c/ Rev. 510.097-00/5 - 3ª Câm. - Rel. Juiz ACLIBES BURGARELLI - J. 17.3.98 Ap. c/ Rev. 517.824-00/0 - 3ª Câm. - Rel. Juiz ACLIBES BURGARELLI - J. 2.6.98 Ap. c/ Rev. 588.454-00/0 - 2ª Câm. - Rel. Juiz FELIPE FERREIRA - J. 9.10.2000 Ap. c/ Rev. 596.215-00/9 - 3ª Câm. - Rel. Juiz FERRAZ FELISARDO - J. 5.2.2002 - quanto a acidente "in itinere": AI 693.042-00/0 - 5ª Câm. - Rel. Juiz LUÍS DE CARVALHO - J. 29.8.2001

Feitas as distinções iniciais, passemos as questões mais polêmicas a respeito do tema.

2.       A competência para exame da matéria

Com o advento na Emenda Constitucional 45/2004, reinou alguma controvérsia na jurisprudência do pretório Excelso quanto à definição da Justiça competente para o processo e julgamento das ações por responsabilidade civil derivadas de acidentes ou doenças ocupacionais, discutindo-se então se tocariam à Justiça do Trabalho ou à Justiça Comum.

Historicamente, a matéria sempre esteve submetida ao crivo da Justiça Comum. Seguindo essa linha, pouco antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional 45/2004, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu a questão, declarando a competência deste último ramo do Poder Judiciário, conforme decisão que transcrevemos a seguir.

Supremo Tribunal Federal

RE 349160 / BA - BAHIA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE

Órgão Julgador:  Primeira Turma

Publicação: DJ DATA-19-03-2003 PP-00040 EMENT VOL-02102-04 PP-00864  

Ementa

EMENTA: I. Recurso extraordinário: prequestionamento: Súmula 356. O que, a teor da Súm. 356, se reputa carente de prequestionamento é o ponto que, indevidamente omitido pelo acórdão, não foi objeto de embargos de declaração; mas, opostos esses, se, não obstante, se recusa o Tribunal a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte, permitindo-se-lhe, de logo, interpor recurso extraordinário sobre a matéria dos embargos de declaração e não sobre a recusa, no julgamento deles, de manifestação sobre ela. II. Competência: Justiça comum: ação de indenização fundada em acidente de trabalho, ainda quando movida contra o empregador. 1. É da jurisprudência do STF que, em geral, compete à Justiça do Trabalho conhecer de ação indenizatória por danos decorrentes da relação de emprego, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do direito comum e não do Direito do Trabalho. 2. Da regra geral são de excluir-se, porém, por força do art. 109, I, da Constituição, as ações fundadas em acidente de trabalho, sejam as movidas contra a autarquia seguradora, sejam as propostas contra o empregador. 

Apesar da orientação do STF, vários acórdãos da Justiça do Trabalho haviam se posicionado em sentido diverso afirmando a competência do Judiciário Trabalhista para resolver a questão, mantendo intensa controvérsia.

A matéria, entretanto, veio a se pacificar no Supremo Tribunal Federal após certo período de indecisão, confirmando finalmente o Pretório Excelso que as causas referentes à responsabilização civil ainda não julgadas serão de competência da Justiça do Trabalho, enquanto aquelas que já possuírem sentença permanecerão na Justiça Comum.

Essa foi a decisão tomada no CC 7204/MG (*acórdão publicado no DJU de 9.12.2005), cujo teor de um dos votos transcrevemos a seguir:

Supremo Tribunal Federal

EMENTA: CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE EM RAZÃO DA MATÉRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO, PROPOSTA PELO EMPREGADO EM FACE DE SEU (EX-)EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114 DA MAGNA CARTA. REDAÇÃO ANTERIOR E POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA COMUM DOS ESTADOS. IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA.

 Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-)empregador, eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros.

2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores.

3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária — haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa —, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço.

4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC 45/04, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação.

5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto.

6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete.

7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho.

Relatório: Trata-se de conflito negativo de competência, suscitado pelo Tribunal Superior do Trabalho em face do recentemente extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais.

2. Por meio dele, conflito, discute-se a competência para processar e julgar ação indenizatória por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, quando tal ação é proposta por empregado contra o seu empregador. Donde a controvérsia: competente é a Justiça comum estadual, ou a Justiça especializada do trabalho?

3. Pois bem, o fato é que Vicente Giacomini Peron ajuizou, na Justiça do Trabalho e contra o então Banco do Estado de Minas Gerais/BEMGE, ação de indenização por motivo  de doença profissional. O que levou a Junta de Conciliação e Julgamento de Ubá/MG a se dar por incompetente e determinar a remessa dos autos a uma das Varas Cíveis daquela mesma Comarca. Pelo que a Justiça estadual julgou o pedido parcialmente procedente, resultando daí a interposição de recurso de apelação pelo Banco demandado.

4. Acontece que, ao apreciar o apelatório, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais declinou de sua competência e determinou a devolução dos autos à Junta de Conciliação e Julgamento de Ubá/MG. Esta última, agora sim, aceitou o processamento da ação e, também ela, julgou parcialmente procedente o pedido do autor. Fato que ensejou a interposição de recurso ordinário — apenas parcialmente provido pelo TRT/3ª Região — e, posteriormente, recurso de revista.

5. Foi quando, na análise desta última impugnação, a 5a Turma do egrégio Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a incompetência da Justiça especial, de maneira a suscitar o presente conflito negativo de competência (tendo em vista a recusa anteriormente externada pelo Tribunal de Alçada de Minas Gerais).

6. Prossigo neste relato para consignar que o Ministério Público Federal opinou pela procedência da suscitação, em parecer assim ementado:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. QUINTA TURMA DO TST E TRIBUNAL DE ALÇADA DE MINAS GERAIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO. ART. 109, INCISO I, DA CF, E ART. 114, DA CF, COM A NOVA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. REMANESCE A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA JULGAR AÇÃO INDENIZATÓRIA FUNDADA EM ACIDENTE DE TRABALHO. PRECEDENTES. PARECER PELO CONHECIMENTO DO CONFLITO, PARA QUE SE DECLARE COMPETENTE A JUSTIÇA COMUM ESTADUAL”.

7. É o relatório, que submeto ao egrégio Plenário desta Casa (RI/STF, art. 6º, inciso I, “d”).

Voto: Conforme visto, a questão que se põe neste conflito consiste em saber a quem compete processar e julgar as ações de reparação de danos morais e patrimoniais advindos do acidente do trabalho. Ações propostas pelo empregado em face de seu empregador, de sorte a provocar o seguinte questionamento: a competência é da Justiça comum estadual, segundo concluiu o órgão suscitante (TST), ou é da Justiça Obreira, como entendeu o suscitado (antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais)?

9. Começo por responder que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal proclama a competência da Justiça trabalhista para o conhecimento das ações indenizatórias por danos morais decorrentes da relação de emprego. Pouco importando se a controvérsia comporta resolução à luz do Direito Comum, e não do Direito do Trabalho. Todavia, desse entendimento o STF vem excluindo as ações reparadoras de danos morais, fundadas em acidente do trabalho (ainda que movidas pelo empregado contra seu empregador), para incluí-las na competência da Justiça comum dos Estados. Isso por conta do inciso I do art. 109 da Constituição Republicana. Foi o que o Tribunal Pleno decidiu, por maioria de votos, quando do julgamento do RE 438.639, sessão do dia 09/03/2005, na qual fiquei vencido, como Relator, na companhia do eminente Ministro Marco Aurélio.

10. Nada obstante, valendo-me do art. 6º do Regimento Interno da Casa, trago o presente conflito ao conhecimento deste colendo Plenário para rediscutir a matéria. É que, a meu sentir, a norma que se colhe do inciso I do art. 109 da Lei das Leis não autoriza concluir que a Justiça comum estadual detém competência para apreciar as ações que o empregado propõe contra o seu empregador, pleiteando reparação por danos morais ou patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho. É dizer: quanto mais reflito sobre a questão, mais me convenço de que a primeira parte do dispositivo constitucional determina mesmo que compete aos juízes federais processar e julgar “as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes...”. Mas esta é apenas a regra geral, plasmada segundo o critério de distribuição de competência em razão da pessoa. Impõe-se atentar para a segunda parte do inciso, assim vocalizada: “...exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”. E esta segunda parte, como exceção que é, deve ser compreendida no contexto significante daquela primeira, consubstanciadora de regra geral. Em discurso quiçá mais elucidativo: à luz da segunda parte do inciso I do art. 109 da Constituição Federal, tem-se que as causas de acidente do trabalho em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas, na condição de autora, ré, assistente ou oponente, não são da competência dos juízes federais.

11. Remarque-se, então, que as causas de acidente do trabalho, excepcionalmente excluídas da competência dos juízes federais, só podem ser as chamadas ações acidentárias. Ações, como sabido, movidas pelo segurado contra o INSS, a fim de discutir questão atinente a benefício previdenciário. Logo, feitos em que se faz presente interesse de uma autarquia federal, é certo, mas que, por exceção, se deslocam para a competência da Justiça comum dos Estados. Por que não repetir? Tais ações, expressamente excluídas da competência dos juízes federais, passam a caber à Justiça comum dos Estados, segundo o critério residual de distribuição de competência. Tudo conforme serena jurisprudência desta nossa Corte de Justiça, cristalizada no enunciado da Súmula 501.

12. Outra, porém, é a hipótese das ações reparadoras de danos oriundos de acidente do trabalho, quando ajuizadas pelo empregado contra o seu empregador. Não contra o INSS. É que, agora, não há interesse da União, nem de entidade autárquica ou de empresa pública federal, a menos, claro, que uma delas esteja na condição de empregadora. O interesse, reitere-se, apenas diz respeito ao empregado e seu empregador. Sendo desses dois únicos protagonistas a legitimidade processual para figurar nos pólos ativo e passivo da ação, respectivamente. Razão bastante para se perceber que a regra geral veiculada pela primeira parte do inciso I do art. 109 da Lei Maior — definidora de competência em razão da pessoa que integre a lide — não tem como ser erigida a norma de incidência, visto que ela não trata de relação jurídica entre empregados e empregadores. Já a parte final do inciso I do art. 109 da Magna Carta, segundo demonstrado, cuida é de outra coisa: excepcionar as hipóteses em que a competência seria da própria Justiça Federal.

13. Deveras, se a vontade objetiva do Magno Texto fosse excluir da competência da Justiça do Trabalho matéria ontologicamente afeita a ela, Justiça Obreira, certamente que o faria no próprio âmbito do art. 114. Jamais no contexto do art. 109, versante, este último, sobre competência de uma outra categoria de juízes.

14. Noutro modo de dizer as coisas, não se encaixando em nenhuma das duas partes do inciso I do art. 109 as ações reparadoras de danos resultantes de acidente do trabalho, em que locus da Constituição elas encontrariam sua específica norma de regência? Justamente no art. 114, que proclama a competência da Justiça especial aqui tantas vezes encarecida. Competência que de pronto se define pelo exclusivo fato de o litígio eclodir entre trabalhadores e empregadores, como figura logo no início do texto normativo em foco. E já me antecipando, ajuízo que a nova redação que a EC nº 45/04 conferiu a esse dispositivo, para abrir significativamente o leque das competências da Justiça Laboral em razão da matéria, só veio robustecer o entendimento aqui esposado.

15. Com efeito, estabelecia o caput do art. 114, em sua redação anterior, que era da Justiça do Trabalho a competência para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, além de outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho. Ora, um acidente de trabalho é fato ínsito à interação trabalhador/empregador. A causa e seu efeito. Porque sem o vínculo trabalhista o infortúnio não se configuraria; ou seja, o acidente só é acidente de trabalho se ocorre no próprio âmago da relação laboral. A possibilitar a deflagração de efeitos morais e patrimoniais imputáveis à responsabilidade do empregador, em regra, ora por conduta comissiva, ora por comportamento omissivo.

16. Como de fácil percepção, para se aferir os próprios elementos do ilícito, sobretudo a culpa e o nexo causal, é imprescindível que se esteja mais próximo do dia-a-dia da complexa realidade laboral. Aspecto em que avulta a especialização mesma de que se revestem os órgãos judicantes de índole trabalhista. É como dizer: órgãos que se debruçam cotidianamente sobre os fatos atinentes à relação de emprego (muitas vezes quanto à própria existência dela) e que por isso mesmo detêm melhores condições para apreciar toda a trama dos delicados aspectos objetivos e subjetivos que permeiam a relação de emprego. Daí o conteúdo semântico da Súmula 736, deste Excelso Pretório, assim didaticamente legendada: “Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores”.

17. Em resumo, a relação de trabalho é a invariável matriz das controvérsias que se instauram entre trabalhadores e empregadores. Já a matéria genuinamente acidentária, voltada para o benefício previdenciário correspondente, é de ser discutida com o INSS, perante a Justiça comum dos Estados, por aplicação da norma residual que se extrai do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro.

18. Nesse rumo de idéias, renove-se a proposição de que a nova redação do art. 114 da Lex Maxima só veio aclarar, expletivamente, a interpretação aqui perfilhada. Pois a Justiça do Trabalho, que já era competente para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, além de outras controvérsias decorrentes da relação trabalhista, agora é confirmativamente competente para processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho (inciso VI do art. 114).

19. Acresce que a norma fundamental do inciso IV do art. 1o da Constituição Republicana ganha especificação trabalhista em vários dispositivos do art. 7o, como o que prevê a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (inciso XXII), e o que impõe a obrigação do seguro contra acidente do trabalho, sem prejuízo, note-se, da indenização por motivo de conduta dolosa ou culposa do empregador (inciso XXVIII). Vale dizer, o direito à indenização em caso de acidente de trabalho, quando o empregador incorrer em dolo ou culpa, vem enumerado no art. 7o da Lei Maior como autêntico direito trabalhista. E como todo direito trabalhista, é de ser tutelado pela Justiça especial, até porque desfrutável às custas do empregador (nos expressos dizeres da Constituição).

20. Tudo comprova, portanto, que a longa enunciação dos direitos trabalhistas veiculados pelo art. 7o da Constituição parte de um pressuposto lógico: a hipossuficiência do trabalhador perante seu empregador. A exigir, assim, interpretação extensiva ou ampliativa, de sorte a autorizar o juízo de que, ante duas defensáveis exegeses do texto constitucional (art. 114, como penso, ou art. 109, I, como tem entendido esta Casa), deve-se optar pela que prestigia a competência especializada da Justiça do Trabalho.

21. Por todo o exposto, e forte no art. 114 da Lei Maior (redações anterior e posterior à EC 45/04), concluo que não se pode excluir da competência da Justiça Laboral as ações de reparação de danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho, propostas pelo empregado contra o empregador. Menos ainda para incluí-las na competência da Justiça comum estadual, com base no art. 109, inciso I, da Carta de Outubro.

22. No caso, pois, julgo improcedente este conflito de competência e determino o retorno dos autos ao egrégio Tribunal Superior do Trabalho, para que proceda ao julgamento do recurso de revista manejado pelo empregador.

É o meu voto.

Essa linha, aliás, já vinha sendo adotada pelo STF quando da elaboração da Súmula 736, publicada no DJ de 09/12/2003, com o seguinte texto: “Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores”, que dizia respeito particularmente ao ajuizamento de ações civis públicas para obrigar os empregadores ao cumprimento de normas de segurança e saúde ocupacional.

O Superior Tribunal de Justiça acabou também por acolher o entendimento supracitado, afirmando competir à Justiça do Trabalho processar e julgar ações de indenização por dano moral decorrentes de acidente de trabalho, desde que ainda não prolatada sentença na Justiça comum (art. 114 da CF/1988 com nova redação a partir da EC n. 45/2004) no julgamento do AgRg no CC 53.744-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/11/2005.

Diante disso, podemos dizer que a competência para julgamento das ações de responsabilidade civil movidas pelo empregado em face do empregador tendo como causa de pedir a ocorrência de acidente ou doença do trabalho está praticamente pacificada. Restará à Justiça do Trabalho formar novos entendimentos sobre a matéria (ou acompanhar aqueles anteriormente fixados pela Justiça Estadual).

3.       Responsabilidade civil. É ainda necessária a existência de culpa do empregador?

A responsabilidade civil se consubstancia na obrigação de reparar o dano, por todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, imprudência, negligência ou imperícia, violar direito ou causar prejuízo a outrem.

Doutrinariamente, até sob o ponto de vista histórico e ressalvadas algumas exceções pontuais, sempre se reconheceu no ordenamento jurídico pátrio que seria necessária à responsabilização civil em geral a presença dos seguintes pressupostos:

1.       Ação ou omissão do empregador ou responsável técnico;

2.       Existência de dolo (intenção) ou culpa (não observância de um dever de cuidado imposto em norma) na ação ou omissão supracitadas;

3.       Resultado lesivo ao empregado (dano);

4.       Nexo de causalidade entre a ação ou omissão do empregador ou responsável técnico e o resultado lesivo ocorrido;

Porém, o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002) inovou a matéria, suscitando dúvidas sobre a necessidade da culpa para a indenização em matéria de infortúnio do trabalho, havendo alguns intérpretes favoráveis à adoção da responsabilidade objetiva (sem culpa) para tais casos.

A polêmica foi inaugurada com a redação de referido diploma legal, que em seu art. 927 e parágrafo único, dispõe:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Nos termos do dispositivo supracitado, considerando que a atividade empresarial causa riscos ao empregado, argumentam alguns que a responsabilidade no caso seria objetiva (independente de culpa), ou mesmo que haveria uma presunção de culpa do empregador no infortúnio, consubstanciando uma inversão do ônus probatório. [2]

É o caso do ilustre doutrinador Sebastião Geraldo de Oliveira, em recente obra, na qual, visualizando as futuras tendências da questão ora abordada e citando a doutrina anterior, argumenta: “[...] Conforme se depreende do exposto, entendemos perfeitamente aplicável a teoria do risco na reparação civil por acidente do trabalho [...] Se um autônomo ou um empreiteiro sofrer acidente, o tomador dos serviços responde pela indenização, independente da culpa, com apoio na teoria do risco; no entanto, o trabalhador permanente, com os devidos registros formalizados, não tem assegurada essa reparação! Se um bem ou equipamento de terceiros for danificado pela atividade empresarial, haverá indenização, considerando os pressupostos da responsabilidade objetiva, mas o trabalhador, exatamente aquele que executa a atividade, ficará excluído[...]”. [3]

Muito embora enalteçamos o ilustre doutrinador, ousamos divergir de referido posicionamento.

Primordialmente, há aqui uma questão relativa à hierarquia das normas, uma vez que o art. 7o, XXVIII, da Constituição, preceitua serem direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; (grifos nossos).

Assim, entendemos que se a Constituição da República exige a existência de culpa para a responsabilização, não poderá a legislação ordinária dispensá-la, pena de se tornar inconstitucional.

Ao depois, não concordamos que a teoria do risco venha a se aplicar a autônomos ou a empreiteiros, pois será também exigível em tais casos, por similaridade de circunstâncias, a existência de culpa para fundamentar a responsabilização.

Por fim, entendemos que a mera ocorrência de risco na atividade não é suficiente e nem constitui o princípio basilar por trás da responsabilização objetiva.

Como ressalta Fábio Ulhoa Coelho, o fundamento primeiro da existência da responsabilização sem culpa (responsabilidade objetiva) não é meramente a existência de risco ou a vontade de praticar determinada atividade à qual o risco seja inerente, mas sim a possibilidade de que o custo de determinada atividade venha a ser repassado à sociedade como um todo.

Segundo este último, ”A doutrina costuma apontar o risco, inerente ao exercício de determina atividade, como o fundamento da responsabilidade objetiva (Savatier, 1945; Lima, 1960; Dias, 1979: passim). O fabricante de fármacos assume forçosamente um risco, inerente à exploração de qualquer atividade econômica, que é o de produzir e comercializar algumas unidades com defeitos. Pois bem, seria tal risco o fundamento valorativo para as normas jurídicas estabelecedoras da responsabilidade objetiva: da opção de o assumir decorreria, segundo tal formulação, a justeza da imputação do dever de indenizar. No final, não se livram os partidários dessa doutrina de algum apego à noção clássica da vontade do devedor como fonte da obrigação. De fato, ao se tomar o risco de determinada atividade por fundamento da responsabilidade objetiva, considera-se o demandado responsável pelo dano, em última análise, em razão de ter ele querido dedicar-se à atividade [...] Não é esse, contudo, o melhor enfoque a ser emprestado à matéria. Na verdade, o fundamento axiológico e racional para a responsabilidade objetiva não são propriamente os riscos da atividade, mas a possibilidade de se absorverem as repercussões econômicas ligadas ao evento danoso, por meio da distribuição do correspondente custo entre as pessoas expostas ao mesmo dano ou, de algum modo, beneficiárias do evento. É o mecanismo da socialização da das repercussões econômicas do dano, que torna justa a imputação da responsabilidade aos agentes em condições de o acionar. Note-se que o Estado pode responder objetivamente pelos danos causados por seus funcionários, porque tem meios para distribuir entre os contribuintes – mediante criação e cobrança de tributos – os encargos derivados de sua responsabilização. Por outro lado, o fornecedor pode ter responsabilidade objetiva por acidentes de consumo, na medida em que consegue incluir na composição de seus preços um elemento de custo correspondente às indenizações por aqueles acidentes[...]” [4]

Verifica-se, porém, que, para o Direito do Trabalho o conceito de empregador abrange não só aquele que exerce a atividade empresarial, mas também aqueles que se equiparam a empregador (art. 2º, §1º, da CLT), sendo enquadrados nesta última categoria os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

A situação econômica e financeira dessas últimas categorias é muito diferente daquela inerente aos empregadores praticantes de atividade empresarial em sentido estrito.

Poderá, por exemplo, o profissional liberal, acionado por seu empregado em virtude de uma doença do trabalho adquirida no ambiente laboral e sendo obrigado a repará-lo (embora não tenha a ele dado causa culposamente), repassar tais custos à coletividade?

Sabe-se bem que dificilmente se conseguirá essa proeza. Se até mesmo as grandes empresas nos dias de hoje têm enormes dificuldades em repassar seus custos aos preços diante de condições maiores ou menores de elasticidade de demanda, mais ainda terão as instituições sem fins lucrativos, as associações e os profissionais liberais.

Ademais, dizer que a responsabilidade da pessoa jurídica ou empresa individual é objetiva, independendo da prova de culpa, além de afrontar diretamente o texto constitucional, torna a empresa obrigada a reparar eventos infortunísticos em que facilmente se constata a injustiça da responsabilização. Basta para tanto verificarmos três tipos de infortúnios do trabalho que ocorrem com razoável freqüência na prática, sem qualquer concurso culposo do empregador:

§         Acidente de trajeto ou in itinere: como vimos anteriormente, o acidente ocorrido com o empregado quando no trajeto casa-trabalho, trabalho-casa é conceituado como acidente do trabalho pela Lei 8.213/91, fato este que ocorre em regra sem qualquer intervenção do empregador. Não obstante, caso aplicada a teoria da responsabilidade civil objetiva, a empresa estará obrigada a indenizar o empregado ou a família deste por fato ocorrido sem sua intervenção culposa (mas sim por culpa de terceiro ou do próprio empregado, p.ex.: abuso de velocidade, embriaguez, etc). Será justo  responsabilizar o empregador por tal fato, fazendo-o desembolsar quantias que podem superar vultosa quantia?

§         Hipersuscetibilidade individual do empregado: há casos práticos de empregados que são hipersuscetíveis a determinados agentes existentes no ambiente de trabalho, ou mesmo a materiais que não representam risco algum. Verifique-se, por exemplo, o caso de empregado que adquire dermatose ocupacional de natureza alérgica pelo uso de equipamentos de proteção individual (luvas, máscara ou bota), ou mesmo daquele empregado que por sua excepcional suscetibilidade vem a contrair perda auditiva, mesmo em ambiente de trabalho cujos níveis de ruído foram mantidos abaixo do nível de ação (metade da dose - norma NR-9). Seria justo que o empregador respondesse pela hipersuscetibilidade do empregado? Cremos que não

§         Culpa exclusiva do empregado no acidente: Suponhamos o caso do empregado que, mesmo treinado e advertido pelo empregador, vem a retirar as proteções de uma determinada máquina para dar-lhe maior produtividade, vindo posteriormente a se acidentar em referido equipamento. E nem se argumente que a culpa exclusiva exclui o nexo causal, como querem alguns doutrinadores, pois que em tal caso é indiscutível a presença de tal vínculo com o trabalho, tanto assim que é indubitável a obrigação de reparar o infortúnio a cargo do INSS (cuja responsabilização é de natureza objetiva) pelo pagamento de benefício acidentário em caso de culpa exclusiva da vítima. Seria justo responsabilizar o empregador pelo fato? Mais uma vez entendemos pela negativa

Daí porque concordamos com RUI STOCO no que preceitua: “Há intérpretes que visualizaram, a partir da vigência do Código Civil de 2002, a possibilidade de os acidentes do trabalho serem enquadrados como intercorrências que ensejam responsabilidade objetiva ou independente de culpa do empregador, com supedâneo no referido art. 927, parágrafo único, quando o empregador exerça atividade perigosa ou que exponha a riscos, como, por exemplo, Henrique Gomes Batista (Código Civil altera indenizações. Valor Econômico – Caderno de Legislação, 19.02.2002). Não vemos essa possibilidade, pois a responsabilidade civil, nas hipóteses de acidente do trabalho com suporte na culpa (lato sensu) do patrão está expressamente prevista na Constituição Federal”.[5]

Argumentam ainda alguns que a responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva (art. 14, §1º, da Lei 6.938/81) e que assim também deveria ser o regime de responsabilização pelos acidentes e doenças do trabalho.

Também não chegam a convencer os argumentos citados. Com efeito, quando a legislação impõe a responsabilidade objetiva do poluidor ambiental está visando prioritariamente àquele que exerce atividade industrial em larga escala e cuja atividade prejudica a coletividade como um todo (p.ex.: atividades extrativas, mineração, etc). Tem ele, em regra, a estruturação empresarial e poderá repassar seus riscos ao consumidor por intermédio de seus preços.

Não ocorre a mesma situação com os acidentes e doenças do trabalho, que, além de não ocorrerem somente em atividades de maior porte, são individualizados por trabalhador ou pequenos grupos de trabalhadores, não afetando a coletividade como um todo, salvo se considerarmos os efeitos indiretos de tais eventos.

Assim sendo, para que haja responsabilidade civil do empregador é preciso que este, por si ou por intermédio de seus representantes, atue ou se omita dolosa(intencionalmente) ou culposamente(sem intenção, mas deixando de observar, por negligência, imprudência ou imperícia, um dever de cuidado imposto em norma).

Caso inexistam tais pressupostos (dolo ou culpa), nem por isso o infortúnio restará não de alguma forma reparado, pois que ficará a cargo dos órgãos estatais previdenciários a prestação de benefícios ao obreiro. No entanto, não haverá indenização a ser paga por parte do empregador.

Cabe salientar, por fim, que a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, após o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, parece se manter firme na linha ora defendida, qual seja, a necessidade, mesmo após a superveniência do Código Civil, da existência de culpa do empregador, para a existência da responsabilidade civil por acidente ou doença do trabalho.

Nesse sentido:

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

DOENÇA  PROFISSIONAL  - Indenização por danos materiais e morais - Requisitos:   prática   de  ato  ilícito  (por  ação  ou  omissão, decorrente  de  dolo  ou  culpa),   verificação de prejuízo e nexo causal  entre ação e dano - Trata-se de responsabilidade subjetiva do  empregador,  dependente  de  aferição  de  culpa  ou  dolo - A responsabilidade  objetiva  restringe-se  ao órgão previdenciário, cuja obrigação nasce  da mera constatação do infortúnio. TRT/SP - 01187200204802008 - RO - Ac. 7ªT 20050595177 - Rel. CATIA LUNGOV - DOE 09/09/2005

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

ACÓRDÃO Nº: 20060136957 Nº de Pauta:025                             

PROCESSO TRT/SP Nº: 01321200307802003

RECURSO ORDINÁRIO - 78 VT de São Paulo

RECORRENTE: CARLOS ROBERTO OLIVEIRA

RECORRIDO: INSTITUTO CRIANÇA CIDADÃ

EMENTA

A indenização por acidente do trabalho só é devida na hipótese de culpa do empregador, nos termos do art. 186 e 927 do Código Civil.

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

Danos materiais e morais. Redução da capacidade auditiva. Culpa da          empresa não evidenciada.  Nexo causal não estabelecido. Pedido           improcedente.  Prova documental e testemunhal que revela ter a           empresa observado, com rigor, as normas de medicina e segurança do           trabalho, especialmente quanto ao fornecimento e fiscalização do           uso do protetor auricular.  Hipótese em que o próprio autor foi           integrante da CIPA, durante dois anos. Prova (confissão) a indicar           que o autor exerceu, antes, atividade que o expunha a níveis excessivos de ruído, sem proteção. Exames médicos que já indicavam trauma acústico no período inicial do contrato de trabalho. Circunstâncias que, somadas, afastam a idéia de culpa do empregador e o próprio nexo etiológico.  Pedido improcedente. Sentença mantida. TRT/SP - 00860200608902001 - RO - Ac. 11ªT 20060286380 - Rel. EDUARDO DE AZEVEDO SILVA - DOE 19/05/2006.

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

ACÓRDÃO NUM: 20050887968  DECISÃO: 06 12 2005TIPO: RO01   NUM: 00714   ANO: 2004 NÚMERO ÚNICO PROC: RO01 - 00714-2003-302-02-00RECURSO ORDINÁRIOTURMA: 10ª ÓRGÃO JULGADOR - DÉCIMA TURMA FONTEDOE SP, PJ, TRT 2ª    Data: 17/01/2006    PG:

RELATOR: EDIVALDO DE JESUS TEIXEIRA

REVISOR(A): RILMA APARECIDA HEMETÉRIO

EMENTA

DANO MATERIAL E MORAL DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO. NECESSIDADE DE PROVA DA CULPA DO EMPREGADOR. A culpa, nessa hipótese, não se presume. Necessária a existência de prova apta a demonstrar que o empregador, por omissão voluntária, negligência ou imprudência, tenha dado causa à eclosão do acidente de trabalho (artigos 7º, XXVIII, CF, 159, CC/1916, 186 e 927 CC/2002). Veja-se que a norma regente relaciona a responsabilidade do agente à prática de ato ilícito, ou seja, contrário à ordem jurídica vigente. Como destaca Caio Mario "a iliceidade da conduta está no procedimento contrário a um dever preexistente". O ato ilícito, segundo a doutrina, pode ser comissivo ou omissivo. O primeiro, se materializa quando o agente orienta sua ação num sentido contraveniente à lei; o segundo eclode quando o agente se abstém de atuar e, com sua inércia, viola um direito predeterminado. Inexistente prova de que a empresa tenha agido em desconformidade com o ordenamento jurídico, evidente a inexistência do dever de indenizar.

4.      Conclusões

1.       Diferem as responsabilidades do empregador e do órgão previdenciário estatal (INSS) na ocorrência de infortúnios laborais. Ao primeiro, caberá a indenização do obreiro em caso de procedimento negligente patronal. Ao segundo, incumbirá, independentemente da prova de culpa, a prestação do benefício cabível na espécie;

2.       Pacificou-se na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a competência da Justiça do Trabalho para o processo e julgamento das ações envolvendo responsabilidade civil de empregador decorrente de acidente do trabalho ou doença ocupacional;

3.       Com o advento do novo Código Civil (Lei 10.406/2002) alguns doutrinadores entendem que a responsabilidade do empregador por acidentes ou doenças do trabalho passou a ser objetiva (sem a exigência de prova de culpa), posição com a qual não concordamos pelos seguintes motivos: 1) diante da redação do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, subsiste a necessidade de culpa; 2) em face da impossibilidade de distribuição das perdas à coletividade de todos os empregadores sujeitos a tal regime; 3) referida disciplina poderá levar a sérias injustiças nos casos concretos.

Notas:

 

 

[1] Pode parecer estranha a afirmação, pois se afigura difícil conceber que um empregado que tenha sofrido um prejuízo (dano) que  não gere incapacidade para o trabalho venha a pleitear uma indenização da empregadora. No entanto, a hipótese já ocorreu na prática com sucesso. Em tema relativo ao ruído, a jurisprudência já teve oportunidade de indenizar o mero estresse (sem lesão auditiva) causado por tal agente nocivo, ainda que o conceito de incapacidade, no caso analisado, fosse muito relativo. Ademais, poderíamos indagar em defesa do argumento expendido no texto: suponhamos que um trabalhador sofra um acidente do qual resulte lesão não incapacitante, mas que lhe provoque danos estéticos ou lhe obrigue a realizar despesas médicas; caso não provada a incapacidade ficaria o obreiro privado da indenização?!

[2] Defendendo a presunção de culpa do empregador escreve JOSÉ CAIRO JÚNIOR em sua obra O Acidente do trabalho e a responsabilidade civil do empregador. Editora LTr, 2003.

[3] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. São Paulo: Ltr, 2006.

[4] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2003, v.2.

[5] Tratado de Responsabilidade Civil. RT, 2004.

 

Como citar o texto:

PEREIRA, Alexandre Demetrius..Novos aspectos jurídicos da responsabilidade civil por acidente ou doença do trabalho. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 183. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-responsabilidade-civil/1325/novos-aspectos-juridicos-responsabilidade-civil-acidente-ou-doenca-trabalho. Acesso em 19 jun. 2006.

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