É sabido que a regra geral da responsabilidade civil do empregador por acidentes de trabalho é a responsabilidade baseada na culpa (subjetiva).

Isso porque, conforme dispõe o art. 7º, XXVIII, da CF/88, o empregador será responsável pelo pagamento de indenização decorrente de acidentes de trabalho quando incorrer em dolo ou culpa.

Assim, só haverá obrigação de indenizar se o acidente tiver se originado de ato do empregador, seja doloso, seja culposo, exatamente porque é o ato ilícito (doloso ou culposo) que impõe ao empregador a obrigação de indenizar.

Desse modo, não basta evidenciar a existência do dano e da relação de causalidade com o trabalho executado.

Necessário aferir se houve dolo (intenção de produzir o resultado) ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia) do empregador, sendo certo que a culpa patronal é aferida pelo descumprimento das normas de segurança e saúde ocupacional ou pela adoção de proceder incompatível com o dever geral de cautela.

A esse respeito, a doutrina:

"Na investigação da possível culpa do reclamado, relacionada com o acidente do trabalho ou doença ocupacional, o primeiro passo é verificar se houve descumprimento das normas legais ou regulamentares que estabelecem os deveres do empregador quanto à segurança, higiene ou saúde ocupacional. A simples violação de alguma dessas normas, havendo dano e nexo causal, cria a presunção de culpa do empregador pelo acidente do trabalho ocorrido, uma vez que o descumprimento da conduta normativa prescrita já é a confirmação da sua negligência, a ilicitude objetiva ou culpa contra a legalidade.

(...)

O acidente do trabalho pode também surgir, por culpa do empregador, sem que tenha ocorrido violação legal ou regulamentar de forma direta, como mencionamos no item precedente. Isso porque as normas de segurança e saúde do trabalhador, ainda que bastante minuciosas, não alcançam todas as inumeráveis possibilidades de condutas do empregado e do empregador na execução do contrato de trabalho.

Assim, como não é possível a norma estabelecer regras de comportamento para todas as etapas da prestação dos serviços, abrangendo cada passo, gesto, variável, atitude, forma de execução ou manuseio dos equipamentos, exige-se um dever fundamental do empregador de observar uma regra genérica de diligência, uma postura de cuidado permanente, a obrigação de adotar todas as precauções para não lesar o empregado.

(...)

A constatação da culpa resultará de um processo comparativo do comportamento do empregador que acarretou o infortúnio, com a conduta esperada de uma empresa que zela adequadamente pela segurança e saúde do trabalhador. Assevera o Desembargador paulista Carlos Roberto Gonçalves que agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer a censura ou reprovação do Direito. E o agente só pode ser pessoalmente censurado, ou reprovado na sua conduta, quando, em face das circunstâncias concretas da situação, caiba afirmar que ele podia e devia ter agido de outro modo.

A culpa, portanto, será aferida no caso concreto, avaliando-se se o empregador poderia e deveria ter adotado outra conduta que teria evitado a doença ou o acidente. Formula-se a seguinte indagação: um empregador diligente, cuidadoso, teria agido de forma diferente? Se a resposta for sim estará caracterizada a culpa patronal, porque de alguma forma pode ser apontada determinada ação ou omissão da empresa, que se enquadra no conceito de imprudência, imperícia ou negligência" (Sebastião Geraldo de Oliveira. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. 4ª ed., rev., ampl. São Paulo : LTr, 2008, p. 161-177).

Parece pacífico o entendimento acerca da responsabilidade subjetiva do empregador, em caso de acidente de trabalho, mas não é.

Isso porque o TST vem adotando, em diversos acórdãos, o entendimento de que, na hipótese de acidente de trabalho, quando o infortúnio tenha relação direta com o risco acentuado inerente à atividade empresarial ou à função exercida pelo trabalhador, pode ser reconhecida a responsabilidade objetiva da empregadora.

No caso de infortúnio ter relação com risco acentuado inerente à atividade da empregadora e à função exercida pelo trabalhador, parece a primeira vista irrelevante para o dever de indenizar o elemento culpa, face a possibilidade de aplicação, no caso, da teoria da responsabilidade objetiva plasmada no parágrafo único do artigo 927 do /2002.

Eis o entendimento jurisprudencial do TST:

“PROCESSO Nº TST-RR-9951300-85.2006.5.09.0016

PROCESSO Nº TST-RR-9951300-85.2006.5.09.0016

ACÓRDÃO

5ª Turma

RECURSO DE REVISTA. ACIDENTE DE TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Esta Corte Superior adota o entendimento de que, na hipótese de acidente de trabalho, quando o infortúnio tenha relação com o risco acentuado inerente à atividade empresarial ou à função exercida pelo trabalhador, pode ser reconhecida a responsabilidade objetiva da empresa. No caso concreto, do contexto fático-probatório específico, depreende-se que o infortúnio teve relação com risco acentuado inerente à função exercida pelo trabalhador (carpinteiro que manuseava serra elétrica), sendo irrelevante para o dever de indenizar o elemento culpa. Por conseguinte, constatado o dano advindo da ocorrência do acidente do trabalho, e, por sua vez, o nexo de causalidade, tendo em vista o risco acentuado oriundo do manejo da serra elétrica, risco esse inerente à função exercida pelo reclamante, impõe-se o dever de repará-lo. Precedentes da Corte. Recurso de revista a que se dá provimento parcial.”

Logo se vê que a atual posição do TST, em alguns casos, é no sentido de aplicabilidade da teoria objetiva em caso de atividade que guarde risco acentuado.

Assim, constatado o dano advindo da ocorrência do acidente do trabalho, e, por sua vez, o nexo de causalidade, tendo em vista o risco acentuado oriundo do risco da função do trabalhador, risco esse inerente à referida função, tem sido aplicado, em alguns casos, a obrigação e o dever em razão da teoria objetiva, que prescinde do elemento culpa, com a imposição de condenação ao empregador.

Resta saber qual teoria deve prevalecer: a teoria subjetiva prevista na CF/88, ou a teoria objetiva prevista no CC/02?

Entendo que a condenação de qualquer empregador ao pagamento de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho não pode violar o art. 7º, XXVIII, da CF/88.

 

Desse modo, o art. 927, parágrafo único, do Código Civil não pode violar a norma plasmada no artigo 7º, XXVIII, da CF/88, exatamente diante da existência de norma civil específica e de índole constitucional a regular a responsabilidade do empregador, estipulando como pressuposto necessário o dolo ou a culpa para que este venha a ser obrigado a indenizar em caso de acidente de trabalho.

Ademais, diante de eventual existência de dois dispositivos conflitantes, há de prevalecer a norma constitucional por conta da hierarquia superior e também pela especificidade, pois o art. 7º, XXVIII, da Constituição da República é de conteúdo exclusivamente trabalhista e o outro dispositivo legal, o parágrafo único do artigo 927 do CC/2002 é do direito comum.

Inegável que o art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, ao assentar que, quando da ocorrência de acidente de trabalho, a percepção de indenização está condicionada a demonstração do nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo empregado e o ato culposo ou doloso do empregador, excluiu a possibilidade de responsabilização objetiva pelo risco do negócio.

Parece mesmo inaplicável o disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, diante da existência de norma trabalhista específica e de índole constitucional a regular a responsabilidade do empregador, estipulando como pressuposto necessário o dolo ou a culpa para que este venha a ser obrigado a indenizar em caso de acidente de trabalho.

A lição que fica plasmada das jurisprudências trabalhistas é que os Tribunais, inclusive o próprio TST, precisarão se debruçar atentamente em vários aspectos para definir como aplicar a teoria objetiva na ocorrência de acidente de trabalho, bem como a aplicação da teoria do RISCO ACENTUADO e especialmente definir adequadamente e a luz da Carta da Nação, acerca da aplicabilidade ou não da teoria objetiva plasmada no parágrafo único do artigo 927 do CC/2002, frente a regra geral, que é a da responsabilidade subjetiva, contida no artigo 7°, XXVIII da CF/88.

* Hélio Apoliano Cardoso é advogado em Fortaleza-CE, parecerista e escritor jurídico.

Sobre o autor

Advogado com mais de vinte e cinco anos de experiência, tendo mais de uma centena de artigos científicos e doutrinárias publicados em revistas especializadas, como colaborador, particularmente no Repertório IOB de Jurisprudência, in Consulex, Revista da OAB-Ceará, Revista da Associação Cearense de Magistrados, Revista do IMC, Revista do Instituto dos Magistrados do Ceará, IOB Comenta, Adcoas, Revista Jurídica Consulex, Revista Bonijuris, Insigne, e Revista Cearense Independente do Ministério Público, onde integrou o Conselho

Editorial, em Saites Jurídicos tem publicações, como participante, na Revista Jurídica Júris síntese, Tributário.Expresso Jurídico, Direito Fácil, Direito NET, Index Jurídico, Jus Vigilantibus, Revista Internauta de Pratica Jurídica, volume 13, Consultor Jurídico, Data veni@, O Neófito, Espaço Vital, TexPro, SaraivaJur, Revista Forense, Revista Forense Eletrônica, volumes 358 e 361, Suplemento da Revista Forense Eletrônica, FiscoLex, Fórum online, Meio Jurídico, Mundo Jurídico, Apriori, Advogado.adv.Br, Argumentum Jurídico, Jornal Jurídico Digital, Brasil Jurídico, MCT, Loveira, Prolegis, Thêmis e trabalhos divulgados em CD-ROM Doutrina Jurídica Brasileira, da Editora Plenum, além de diversos trabalhos publicados nos Jornais Diário do Nordeste, O Povo, Tribuna do Ceará e Estado, de Fortaleza, Jornal da Fenacon, Jornal da ASMETO (Associação dos Magistrados do Estado do Tocantins) e outros periódicos.Colaborador da Rádio Justiça.

Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-Ceará período 2001 a 2003 e com aperfeiçoamento em Direitos Humanos e Direitos dos Cidadãos pela PUC/MINAS.

Parecerista e Escritor Jurídico com várias obras publicadas, dentre elas, “Os Embargos à Execução Fiscal e a Jurisprudência” , “O Mandado de Segurança nos Tribunais”, “Da União Estável. Teoria e Jurisprudência”, “O Advogado em Movimento – Coletânea de petições, contestações, recursos e defesas administrativas – II Volumes e “Sociedades Comerciais nos Tribunais breve doutrina” - IGLU Editora.. Pela LED Editora de Direito tem publicado “Manual das Controvérsias Trabalhistas Frente à Jurisprudência”, “Dos Embargos do Devedor. Teoria, Prática e Jurisprudência” – II Volumes, “Direito Doutrinário Atual” e “Renegociação de dívidas e Novação”. Na Editora Booksseler tem publicado “Controvérsias Jurisprudenciais Trabalhistas” – Volumes I, II e III, “Petições Trabalhistas e Jurisprudência”, “Das CPIS. Doutrina e Jurisprudência” ,“Do Sigilo. Doutrina e Jurisprudência” e “História Dinâmica da Responsabilidade Civil”, Publicou pela Servanda Editora o compêndio “Do Meio Ambiente. Breve Doutrina, Jurisprudência e Legislação pertinente”.Na ME Editora e Distribuidora publicou a segunda Edição do livro “Execução. Renegociação e Novação de Dividas” e “Responsabilidade Civil no novo Código Civil. Doutrina, Jurisprudência e Pratica”. Pela Editora JH Mizuno publicou “Dos Embargos de Terceiro na Jurisprudência e na Pratica.” e O Novo Agravo. Teoria e Pratica, 1ª edição e 2ª tiragem.

Devotado à atividade postulatória, mais precisamente com destacada atuação profissional na advocacia empresarial, especialmente em responsabilidade civil, direito de empresas, contratos (revisão e rescisão), advocacia preventiva e notadamente em defesas de empresas em dificuldades financeiras, embargos do executado, exceção de pré-executividade e direito do entretenimento.

Apresentou junto a OAB-CE vários Projetos de Lei para alteração de artigos do Código de Processo Civil, Código de Processo Penal e Código de Defesa do Consumidor, todos aprovados pelo Conselho Seccional e enviados ao Conselho Federal.

Proferiu várias palestras em diversos seminários e ciclos de debates promovidos pelo (a) Academia de Letras Municipais do Estado do Ceará-ALMECE e conferências no curso de pós-graduação da Universidade de Fortaleza-UNIFOR.

 

Data de elaboração: novembro/2010

 

Como citar o texto:

CARDOSO, Hélio Apoliano..Controversias e particularidades acerca da responsabilidade subjetiva ou objetiva do empregador pelo acidente de trabalho. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-responsabilidade-civil/2183/controversias-particularidades-acerca-responsabilidade-subjetiva-ou-objetiva-empregador-pelo-acidente-trabalho. Acesso em 21 fev. 2011.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.