O artigo se propõe a reunir informações relevantes acerca da gestão de conflitos, especialmente da mediação privada como via adequada a ser considerada pelo advogado.

Antes de adentrarmos propriamente no assunto a ser trabalhado, discutiremos alguns pontos que nos parecem relevantes.

Inicialmente há que se destacar que o conflito perpassa as nossas vidas a todo instante, desde conflitos internos até conflitos entre pessoas e grupos, por exemplo. A primeira questão importante a ser observada é que a mediação se ocupa dos conflitos interpessoais e intergrupais, de forma que em caso de conflitos internos é necessário que o interessado procure auxílio de outros profissionais, como psicólogos, terapeutas, dentre outros.

O conflito é inevitável, porém, “Ao invés de condenar os conflitos deveríamos fazê-los trabalhar para nós", nos orienta Mary Parker Follet.

Tradicionalmente, temos uma tendência natural a procurar o Poder Judiciário para resolver nossos conflitos. O fato é que depositamos todos nossos anseios ao crivo do Poder Judiciário. Esse comportamento se deve a uma questão cultural, afinal, não fomos estimulados a resolver nossos conflitos, bem como se deve ao ensino jurídico do Brasil que durante muito tempo se baseou no sistema adversarial, ou seja, no modelo ganha-perde.

Se fizermos uma reflexão podemos notar que os estudantes de Direito passam cinco anos no curso sendo estimulados ao litígio, ao embate. Apenas recentemente disciplinas como mediação e conciliação foram incorporadas à grade curricular. Pois bem, os estudantes são treinados para litigar e essa cultura estimula a famigerada cultura de sentença em que o juiz, representando o Estado decide a lide. O próprio conceito de jurisdição tem um elemento que é a susbtitutividade, o juiz, ao aplicar a lei substitui a vontade das partes.

Assim, o juiz, ao proferir uma sentença, está adstrito à lei, ao que consta nos autos, o que chamamos de lide processual. Porém, essa cultura é temerária pois muitas vezes o resultado não é satisfatório sequer para a parte que procurou o Poder Judiciário. Além disso, a cultura de litígio fez com que o Poder Judiciário se agigantasse posto que este não consegue dar vazão ao contingente de demandadas submetidos ao mesmo, tornando o Judiciário deficiente e inoperante.

Diante desse contexto, Frank Sander, na década de 1970 nos Estados Unidos, criou o programa “multidoorcourthouse”. Surgiu daí o chamado sistema multiportas, em que o usuário do sistema de justiça tem “várias portas ou vias” à sua disposição. Funcionava da seguinte forma se uma pessoa tivesse um conflito deveria se dirigir ao centro onde seria feito uma espécie de triagem para indicar qual seria a porta mais adequada aquele caso concreto. Através desse Sistema Mutiportas os cidadãos passaram a participar ativamente do processo de tomada de decisões.

Inicialmente a ideia era que toda essa estrutura se daria no âmbito do Poder Judiciário, entretanto, hoje esse conceito foi alargado para além dos muros dos Tribunais.

No Brasil, destacamos a Resolução nº 125 do CNJ a qual instituiu a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos conflitos de interesses. Essa Resolução levou em consideração a eficiência operacional, a ideia de acesso à justiça não somente em sentido formal, mero ingresso ao sistema de justiça, mas também o acesso à justiça no sentido material, ou seja, levando em consideração à efetividade sobretudo aos interesses e necessidades dos usuário.

A Resolução n º 125 do CNJ contempla várias formas de resolução e conflitos desde a negociação, sem participação de terceiro, passando pela conciliação e mediação em que há terceiros. A referida Resolução também estimula o aperfeiçoamento dos mediadores e conciliadores através de formação continuada. Ainda, segundo a referida Resolução, é possível a mediação extrajudicial ou privada, fora do Poder judiciário.

A mediação é um procedimento voluntário em que uma terceira pessoa imparcial, o mediador, auxilia as partes a restabelecerem o diálogo, ajudando-as a resolverem seus próprios conflitos. O mediador apenas conduz o procedimento, de forma que a solução é construída pelas próprias partes.

O Novo Código de Processo Civil também contempla a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, implementada pela já citada Resolução nº 125/ 2010, do Conselho Nacional de Justiça.

A regulamentação da mediação no Brasil se deu com a edição da Lei nº 13.140/2015, a qual dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública.

Quando a mediação é aplicada fora do Poder Judiciário é denominada mediação extrajudicial. A mediação extrajudicial é realizada por um terceiro imparcial, o mediador. A Lei 13.140 de 2015, estabelece que poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se.

Na mediação privada, o medidor é escolhido pelas partes. Sobre ele recaem as mesmas hipóteses de impedimento ou suspeição que incidem sobre os magistrados. No caso, a parte interessada procura uma câmara privada e esta entrará em contato com o segundo interessado por qualquer meio de comunicação e deverá estipular o escopo da negociação, a data e o local da primeira reunião. Se o convidado não responder dentro do prazo de trinta dias do recebimento da comunicação entende-se que foi rejeitado. É possível, ainda, nomear um mediador “ad hoc”.

As câmaras privadas geralmente possuem regulamento fazendo constar informações como lista de mediadores, critérios de escolha do mediador e realização da primeira reunião.

A Lei de Mediação dispõe que, não havendo previsão contratual completa, deverão ser observados critérios para a realização da primeira reunião de mediação, tais como prazo mínimo de dez dias úteis e prazo máximo de três meses, contados a partir do recebimento do convite; local adequado a uma reunião que possa envolver informações confidenciais; lista de cinco nomes, informações de contato e referências profissionais de mediadores capacitados; a parte convidada poderá escolher, expressamente, qualquer um dos cinco mediadores e, caso a parte convidada não se manifeste, considerar-se-á aceito o primeiro nome da lista; o não comparecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação acarretará a assunção por parte desta de cinquenta por cento das custas e honorários sucumbenciais caso venha a ser vencedora em procedimento arbitral ou judicial posterior, que envolva o escopo da mediação para a qual foi convidada.

Geralmente, as câmaras privadas cobram um taxa simbólica de ingresso, essa taxa serve para custear as despesas de administração da câmara. No regulamento também deve ter previsão da cobrança dos honorários em caso de acordo, geralmente de acordo com o proveito econômico obtido pelas partes.

Uma das grandes vantagens da mediação privada sem dúvidas é a escolha do mediador. As partes podem escolher quem irá mediar seus conflitos, considerando fatores como a expertise do mediador, suas afinidades, dentre outros. Ainda, podemos constatar que na mediação privada o princípio da autonomia da vontade das partes tem um alcance maior, sobretudo pelo fato de que a dinâmica do processo é menos engessada, menos burocrática, o próprio ambiente é diferenciado, as partes juntamente com os mediadores negociam o tempo de duração das reuniões.

A mediação privada concede aos mediandos uma maior responsabilidade na gestão de seus conflitos, sobretudo pela co-relação com o princípio da voluntariedade, o qual dispõe que as partes necessitam aderir ao procedimento de forma voluntária, sem qualquer imposição. Ademais, a mediação tem inúmeras vantagens como a confidencialidade, baixo custo, celeridade e preservação do relacionamento.

É importante pontuar que nos termos do art. 46 da Lei nº 13.140 de 2015, a mediação poderá ser feita pela internet ou qualquer outro meio de comunicação que permita a transação à distância, desde que haja a anuência das partes. Assim sendo, a referida lei permite a possibilidade de mediação on-line.

Na mediação extrajudicial, assim como na mediação judicial, deve ser observado o princípio da decisão informada. Em outras palavras, isto significa que as partes devem estar cientes daquilo que está sendo discutido durante o procedimento, das implicações legais oriundas de um possível acordo entre elas. O princípio da decisão informada destina-se, antes de tudo, às partes e seus procuradores.

Nesse particular, convém destacar a importância do advogado no procedimento de mediação. Recentemente o Conselho Nacional de Justiça se manifestou no sentido de que não é obrigatória a presença do advogado nas sessões de mediação ocorridas nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs). Igualmente, nas mediações extrajudiciais não é obrigatória a presença do advogado.

Muito embora não haja a obrigatoriedade é desejável que um advogado acompanhe a parte durante a mediação. Isso porque, ainda que o mediador tenha conhecimento na área jurídica, este não pode esclarecer dúvidas jurídicas, dado o princípio da exclusão da profissão de origem, cabendo ao advogado prestar essas informações, sobretudo pelo fato do advogado proporcionar uma maior segurança às partes no que diz respeito, inclusive ao princípio da decisão informada.

O advogado tem papel importante antes, durante e após o procedimento. Não raramente é o advogado que indicará qual o meio de solução de conflito mais adequado ao caso concreto.

Atualmente, cada vez mais, o advogado deve ser um gestor de conflitos, escutando ativamente os anseios das partes, identificando quais os aspectos mais importantes, quais as necessidades mais prementes.

Assim, o advogado, muitas vezes, vai fazer uma espécie de triagem, encaminhando as partes para o método mais adequado. Se o cliente tem um conflito mais complexo, em que há relacionamento entre as partes ou que deseja-se perdurar um relacionamento, se o cliente deseja uma solução mais criativa, certamente o advogado deve orientar a utilização da mediação.

O advogado pode, inclusive, sugerir um pacto de não litigância, em que as partes comprometem-se a solucionar os conflitos fora do Poder Judiciário. Alguns advogados, inclusive, já colocam em seus contratos cláusulas anti baixaria, por exemplo, em que as partes se comprometem a não fazerem uso de palavras de baixo calão, assim como se comprometem a não alegar determinados fatos e revelar certas provas a fim de preservar a intimidade dos envolvidos num processo de divórcio, por exemplo.

Nesse sentido é que podemos dizer que o advogado atual deve ser um gestor de conflitos e não mais um mero peticionador, reproduzindo tão somente o texto de lei, ao contrário, o advogado deve procurar enxergar as reais necessidades dos seus clientes.

No caso da mediação extrajudicial ou privada o advogado auxilia as partes na escolha do mediador e a partir dessa escolha deve saber como explorar o mediador, conforme suas habilidades e suas experiências.

O advogado também deve se preparar para a sessão de mediação, bem como preparar o cliente. Essa preparação muitas vezes é relegada pelo advogado. Porém é importante que o advogado estude quais as estratégias que irá utilizar, explicando para seu cliente como funciona o procedimento da mediação para que não ocorra surpresas.

O advogado terá o papel também de esclarecer as dúvidas jurídicas sobretudo nas implicações legais de um acordo, inclusive quanto à exequibilidade deste. Após o procedimento, o advogado deverá também acompanhar o cumprimento ou não do que foi pactuado pelas partes.

Outro ponto importante diz respeito à segurança jurídica do acordo celebrado na mediação privada. O acordo oriundo de uma mediação privada tem segurança jurídica, tem amparo legal e tem força de título extrajudicial. Se as partes assim desejarem podem levar esse acordo para o Poder Judiciário para ser homologado e daí passar a ser título executivo judicial. Porém, há que se esclarecer que não há essa obrigatoriedade.

Por todo o exposto, depreende-se que o Advogado ao realizar o diagnóstico do conflito pode e deve verificar a possibilidade de encaminhar o caso do seu cliente para a mediação privada, sobretudo quanto tratar-se de conflito multidimensional e que haja relação de continuidade, bem assim a mediação é indicada quando as partes desejam um solução criativa, customizada, considerando as particularidades dos indivíduos envolvidos na contenda.

Data da conclusão/última revisão: 07/04/2020

 

Como citar o texto:

LEAL, Macela Nunes..Por que devo considerar encaminhar meu cliente para a mediação privada?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 18, nº 974. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/10096/por-devo-considerar-encaminhar-meu-cliente-mediacao-privada-. Acesso em 14 abr. 2020.

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