O presente propõe-se analisar as características do namoro qualificado de modo que fique claro sua distinção em relação ao namoro simples e principalmente quanto a União Estável. A justificativa para o desenvolvimento de que muitos casos são levados ao judiciário, pois as próprias partes de uma relação não entendem qual forma segue, se é o caso de união estável ou namoro qualificado, pois a linha entre um e outro é muito tênue. Sendo assim, o objetivo principal do presente artigo é discorrer sobre os pontos que difere o namoro qualificado das demais relações, como a possibilidade da presença do affectio maritalis de acordo com cada caso concreto. Diante disso, os materiais utilizados foram doutrinas e artigos, além da legislação que trata sobre o tema. Assim, foram analisados e por meio da revisão de literatura desenvolveu-se uma pesquisa de natureza qualitativa, objetivando esclarecer o processo evolutivo do conceito de família. Logo, verifica-se que o namoro qualificado possuem características próprias quando comparado aos outros institutos, já mencionados. Bem como, o contrato de namoro que garante a incomunicabilidade material entre o casal de namorados, sendo sua validade condicionada ao formato da relação como namoro qualificado. Caso aconteça alterações fáticas, esse contrato perde a validade. Por isso é necessário fazer uma cláusula de evolução. Portanto, com os avanços da sociedade, as relações tornaram-se mais íntimas e levando a dúvida qual a verdadeira relação existente entre duas pessoas. Logo, cabe ao Poder Judiciário analisar de acordo com cada caso concreto e dentro dos parâmetros indicados ao longo do artigo.

INTRODUÇÃO

O estudo da família compreende-se por um processo descontínuo e marcado por rupturas. Sendo assim, entende-se que a construção da estrutura familiar não é algo linear, pois sempre foi influenciada por dogmas, religião, costumes e passou por várias concepções até chegar no patamar que se encontra. O principal fator estruturante da família foi no sentido de atender as necessidades dos indivíduos, até mesmo do Estado, ao longo do tempo.

A sociedade passa por recorrentes mudanças e cabe ao Direito normatizar e acompanhar as novas situações que surgem em decorrência dessas evoluções. Assim como em todas as áreas, o avanço social influenciou no âmbito familiar. O casamento como única forma legítima de união entre duas pessoas foi superado, ampliando-se os horizontes para as mais diversas composições familiares, independente de gênero, consanguinidade ou quaisquer outros fatores.

Não obstante, o tabu da virgindade foi superado, sendo outro favor preponderante na evolução das relações entre as pessoas. Anteriormente, a conjunção carnal entre duas pessoas acontecia apenas depois do casamento, porém passou a ser algo comum que os namorados ou noivos tivessem relação sexual antes mesmo do casamento. Além disso, a coabitação entre o casal, antes mesmo do matrimônio, foi se tornando cada vez mais recorrente, alterando os moldes da relação e, até mesmo, confundindo-se quanto ao tipo de relação que o casal vive.

Por isso, tem tornado-se cada vez mais comum levar essas demandas ao judiciário, principalmente, àquelas que envolvem namoro qualificado ou união estável, pois a linha que separa esses dois institutos é tênue. Dada essa importância que envolve o tema, será abordado no presente artigo sobre o namoro qualificado e suas características. Primeiramente, o que há de mais importante ao iniciar a construção do namoro qualificado é saber diferenciá-lo do namoro simples, o que não é complexo, pois são institutos bem diferentes, como será abordado a seguir. Em segundo lugar, serão tratados os aspectos do affectio maritalis como um dos principais fatores que interferem na classificação quanto ao tipo de relação que o casal vivencia.

Para integralizar o raciocínio em relação ao namoro qualificado, serão abordados as questões mais relevantes do contrato de namoro, instrumento esse que veio para resguardar economicamente as partes das relações. No entanto, há uma grande discussão que envolve a validade desse contrato, uma vez que as relações amorosas podem, facilmente, evoluírem de namoro qualificado para união estável.

Os materiais utilizados foram doutrinas e artigos, além da legislação que trata sobre o tema, assim, foram analisados e por meio da revisão de literatura desenvolveu-se uma pesquisa de natureza qualitativa, objetivando esclarecer o que é o namoro qualificado e suas características.

 

1 O NAMORO QUALIFICADO E SUAS CARACTERÍSTICAS

A origem da palavra namoro deriva do latim in amore que significa uma relação amorosa, séria, com cumplicidade, respeito, objetivos em comum. Essa relação é de conhecimento de familiares, amigos e da sociedade, ou seja, um laço público. Os termos da relação no contexto atual, difere-se daquele argumentado outrora, pois a sociedade evoluiu, com isso os casais começam a vida sexual cada vez mais cedo e a convivência de enamorados também é um marco da atualidade, visto que não era permitido (HORÁCIO, 2017, p. 36).

Sendo assim, em razão da dinamicidade da sociedade, passou-se a admitir novas formas de relacionamento com o intuito de atender às necessidades pessoais dos seres humanos. Com base nisso surgiram as ficadas, as amizades coloridas, o namoro, relacionamentos esses que podem ou não evoluir para algo mais sério que envolva o compromisso, como união estável, noivado ou esponsais como preparação para o casamento (FERNANDES; CARDIN, 2017, s.p.).

Numa ordem cronológica das relações, tem-se o namoro, noivado e casamento, na primeira etapa, o casal busca a construção de um objetivo comum, sendo um costume incutido na sociedade brasileira sem a comunicação de bens e/ou econômica. O namoro vai além de duas pessoas que se encontram casualmente, pois envolve fidelidade, publicidade e os planos de uma vida em comum, seja em união estável ou casamento (HORÁCIO, 2017, p. 36-37).

Ocorre que, na atual conjuntura, nem sempre a ordem cronológica é seguida da forma que fora apresentada anteriormente e, principalmente, com o advento do rompimento, essas relações acabam por acarretar consequências jurídicas. Por isso a importância em se delimitar qual tipo de relação há ou havia entre duas pessoas, pois é uma linha muito tênue que separa o namoro qualificado da união estável. Importante dizer que as consequências jurídicas desses dois institutos são totalmente diferentes (FERNANDES; CADIN, 2017, s.p.).

Atualmente, os casais possuem uma intimidade extrema e a sociedade encara de maneira normal, sem rejeição como anteriormente, os casais modernos praticam relação sexual antes mesmo do matrimônio sendo algo comum, reafirmando o argumento de que houve modificação no instituto do namoro. Assim como, as relações sem fidelidade, compromisso e vínculo, as relações casuais, entre outras consideradas comuns no seio social (RIPARDO; CAMINHA; BARREIRA FILHO, 2018, p. 3).

Nesse contexto, é possível ter um namoro sem, ao menos, possuir a intenção de constituir família posteriormente, sequer noivar ou casar. Isso justifica-se com base no pensamento de Bauman (2000 apud RIPARDO; CAMINHA; BARREIRA FILHO, 2018, p. 3), sociólogo que estuda a sociedade sob as mutações sociais, afirmando existir uma sociedade líquida e relacionamentos fluídos. Dessa forma, o mencionado autor classifica as relações pós-modernas como fluídas, líquidas, leves, precárias, incertas e com rapidez de movimento, dada as alterações constantes nas maneiras como o ser humano tem se relacionado. Ficando de lado as crises ideológicas pesadas, sólidas, típicas da modernidade.

Ante essa mudança no seio social e evolução dos costumes, foi ultrapassado o tabu da virgindade, as relações passaram a estabelecer o vínculo afetivo de forma ainda mais rápida. Sendo assim, não é possível enxergar com clareza se o relacionamento é um namoro ou união estável. Como visto, essa missão é sempre delegada ao Poder Judiciário, o qual “se vê na contingência de proceder a um estudo para lá de particular e minucioso” (DIAS, 2016, p. 433).

Como já mencionado, o namoro não possui uma definição precisa e clara no ordenamento jurídico, ficando algo vago e facilmente confundível com outros institutos, principalmente, a união estável. Com o intuito de trazer uma maior elucidação aos institutos, surgiu a figura do namoro qualificado, relação desprovida de interferências jurídicas (DIAS, 2016, p. 433).

O namoro qualificado traz características muito semelhantes da união estável, mas não deve ser confundido com essa. Tal similitude acontece, pois tratam-se de relações com maior tempo de duração da relação, marcado por relações sexuais habituais e, caso o casal venha a ter um filho, sem planejamento, não entra nos requisitos da união estável (SÉRGIO, 2019, s.p.).

Todavia, toda relação conjugal, independentemente de sua caracterização, obrigatoriamente deve “existir por parte dos dois inequívocos interesses pela comunhão total de vida” (SÉRGIO, 2019, s.p.). Caso ocorra alguma lide a ser levada à apreciação do Poder Judiciário, caberá o magistrado declarar se há indícios para a conversão de namoro qualificado em união estável. O requisito do tempo, apresentado de forma isolada, não é suficiente para essa modificação no modelo da relação, por mais longa que seja (SÉRGIO, 2019, s.p.).

A verificação do namoro qualificado pode ser feita a partir do relacionamento público e duradouro sem o anseio de formar família de pronto. Sendo assim, o interesse em constituir família está nos planos futuros de uma das partes envolvidas, daí, fala-se em namoro qualificado. Diante da semelhança entre o instituto da união estável e namoro qualificado, é dada a importância ao contrato de namoro, a ser explanado em tópico específico do presente trabalho (SÉRGIO, 2019, s.p.).

[…] o namoro qualificado é a relação que não tem o propósito de constituir família, com ou sem filho, mesmo que haja coabitação. Nesta relação, os parceiros não assumem a condição de companheiros, são livres e preservam sua liberdade, são desimpedidos, não tem a intenção de viver como se casados fossem. […] É conviverem com as famílias, amigos, participarem de festas, viagens, expor fotos em redes sociais, pernoitarem na casa um do outro com frequência, há entre si a consciência de que é apenas uma relação amorosa, percebida também no âmbito social, sem objetivo de constituir família.

É permitido que esses casais namorem, sem um vínculo jurídico, sem o receio de serem responsabilizados juridicamente, caso essa relação chegue ao fim, pois caso contrário poderá ser vistas como relações negociais e não apenas como uma relação amorosa (FERNANDES; REIS; ROSA, 2017, s.p.).

 

Como já expresso, o namoro tem possuído contornos cada vez mais leves, o que leva a dificuldade na caracterização da relação (ALMEIDA, 2015, p. 12). A concepção anterior de namoro era revestida pelo tempo em que o casal dispunha para planejar o casamento, marcado por breves encontros supervisionados pela família (RIPARDO; CAMINHA; BARREIRA FILHO, 2018, p. 4). No namoro qualificado estão presentes todos os requisitos da união estável, exceto o affectio maritalis que é a apresentação do casal como se casados fossem e não apenas namorados (ALMEIDA, 2015, p. 12), o qual será melhor explicado posteriormente.

Nesse sentido, Fernandes, Reis e Rosa (2017, s.p.) afirmam que no namoro qualificado há intenção de permanecer solteiro e, consequentemente, os efeitos jurídicos serão distintos da união estável. Devido a linha tênue que sapara os institutos, deve-se confeccionar um contrato de namoro pelo qual os direitos ficarão resguardados. Porém, nada impede que um namoro qualificado seja convertido em união estável, pois a autonomia da vontade dos envolvidos vigora, desde que respeitados a dignidade da pessoa humana e resolvido qualquer conflito de direitos fundamentais (RIPARDO; CAMINHA; BARREIRA FILHO, 2018, p. 4).

O namoro, por sua vez, é a fase preliminar à constituição de entidade familiar em que há envolvimento de duas pessoas, afetivamente. O ordenamento jurídico brasileiro não traz nenhuma disposição conceitual de namoro, como já mencionado, bem como não possui pré-requisitos para sua formação, a não ser aqueles de natureza moral e costumeira, consequentemente, não produz efeitos juridicamente entre os parceiros (ALMEIDA, 2018, p. 26).

Assim sendo, há uma margem para deduzir o que seja o namoro, uma vez que a legislação não afirma quais são seus requisitos. Com o intuito de diferenciar o namoro e a união estável, verifica-se o namoro qualificado como uma forma de dar maior segurança jurídica aos envolvidos. Considerando que a união estável é equiparada ao casamento, o namoro na sua forma qualificada surge para resguardar o casal que deseja apenas ter a companhia um do outro ou se conhecerem melhor, sem recair sobre eles as consequências jurídicas referentes a união estável (MORAIS, 2018, p. 290).

Resumidamente, pode-se dizer que o namoro qualificado é uma relação em que há o conhecimento comum, a estabilidade, a continuidade, porém os participantes não possuem o interesse de constituir família no tempo presente, sendo algo planejado para o futuro (MORAIS, 2018, p. 290). Sendo assim, o namoro qualificado é facilmente confundido com outras formas de se relacionar, pois a diferenciação é subjetiva. Trata-se de uma relação informal, em que ambas as partes demonstram para as pessoas do seu meio social ou profissional que há uma afetividade, um relacionamento amoroso (VELOSO, 2016, p. 3).

Além disso, com os aspectos modernos, abertos e liberais, principalmente, entre casais adultos e maduros que, por vezes, vêm de relacionamentos anteriores com eventual presença de filhos das relações pretéritas. Todos esses fatores influenciam na convivência do casal e faz com que seja uma relação mais íntima, inclusive sexual, o que pode envolver a coabitação ou frequentar um a casa do outro, sempre estão juntos em eventos, viagens e nas redes sociais demonstrando a existência de um laço amoroso (VELOSO, 2016, p. 3).

Sendo assim, o namoro qualificado e seus requisitos objetivos, sua aparência externa, pode causar confusão quanto ao que realmente representa a relação. Com isso, há apenas um elemento de natureza subjetiva que difere o namoro qualificado de outros institutos, principalmente, da união estável. Esse elemento é  essencialmente constitutivo da entidade familiar, interior e anímico que é o affectio maritalis (VELOSO, 2016, p. 3).

 

[…] ainda que o relacionamento seja prolongado, consolidado, e por isso tem sido chamado de "namoro qualificado", os namorados por mais profundo que seja o envolvimento deles, não desejam e não querem - ou ainda não querem - constituir uma família, estabelecer uma entidade familiar, conviver numa comunhão de vida, no nível do que os antigos chamavam de affectio maritalis. Ao contrário da união estável, tratando-se de namoro - mesmo do tal namoro qualificado -, não há direitos e deveres jurídicos, mormente de ordem patrimonial entre os namorados. Não há, então, que falar-se de regime de bens, alimentos, pensão, partilhas, direitos sucessórios, por exemplo (VELOSO, 2016, p. 3).

Fica evidente que o instituto do namoro qualificado é uma forma de se relacionar amorosamente com outrem que mais se assemelha à união estável. Por ser uma linha tênue que separa esses institutos, os operadores do Direito, doutrinadores e julgadores possuem grande dificuldade ao separar ambos, uma vez que é dificultoso explicitar os pressupostos do namoro qualificado e da união estável. Assim, é possível verificar no plano da constituição de família, se faz presente na vida do casal ou é parte do plano futuro (FERRAZ, 2019, p. 538).

Caso estejam presentes todos os requisitos da união estável numa relação, mas os participantes ainda não vivenciam a situação familiar, ou seja, com a presença de affectio maritalis, a relação não passa de namoro qualificado e não produz os mesmos efeitos jurídicos que a união estável produziria, pois, esse último instituto é equiparado ao casamento (FERRAZ, 2019, p. 538).

 

 

2 DIFERENÇA ENTRE O NAMORO QUALIFICADO E O NAMORO SIMPLES

Antigamente, o namoro era uma relação iniciada com cortejo, os pais tinham que aprovar para que o relacionamento vigorasse e com tempo determinado entre as partes para o noivado e casamento. Dessa forma, o namoro é um período que são formados os laços afetivos e conhecimento entre os participantes (FERNANDES; REIS; ROSA, 2017, s.p.).

Assim como todo o mundo sofreu com a globalização, impulsionada pelos avanços tecnológicos, científicos e culturais, as barreiras físicas e naturais foram minimizadas e aproximaram os continentes, países, nações, povos e culturas. Isso fez com que o mundo vivesse de maneira interdependente, marcado pela troca intensa de informação, misturando costumes, ideias e estilo de vida. Todo esse processo também influenciou no modo como as pessoas se enxergam e se relacionam com as outras (ALMEIDA, 2018, p. 35).

Com a evolução da sociedade, as famílias passaram a se estruturar de forma diferente até chegar a atual composição. A sociedade contemporânea tem como característica a flexibilidade e a dinamicidade, gerando vários tipos de relacionamentos amorosos, numa forma diferenciada daqueles que se constituíam nas décadas passadas. Isso porque o próprio conceito de moralidade foi mudando paralelamente a evolução da sociedade, na contemporaneidade, funda-se na busca da felicidade (ALMEIDA, 2018, p. 35).

O próprio modelo capitalista de vida visa relações que tenham como base a liberdade e o individualismo, diferentemente do que ocorria nas décadas anteriores. A reprodução mesmo é um exemplo de que as relações mudaram, pois não é mais o foco do casal obrigatoriamente, podendo ser constituída na satisfação pessoal e sexual dos parceiros. O modelo contemporâneo de se relacionar baseia-se na cultura da imagem, da satisfação instantânea, valorização dos bens de consumo e na comodidade, sendo voláteis. Assim, “a rapidez e a dinamicidade do mundo atual contrastam com o processo longo e muitas vezes trabalhoso de estabelecer e construir um relacionamento” (SCHMITT; IMBELLONI, 2011, p. 3-5), o que influenciou o surgimento de outros tipos de relação.

Diante essa mudança de concepção da sociedade em relação aos valores, as relações passam a confundir-se, pois não há aquela barreira, como o tabu da virgindade. Principalmente, o surgimento do namoro qualificado traz muitos questionamentos (ALMEIDA, 2018, p. 34). A terminologia “namoro” não possui uma definição no ordenamento jurídico pátrio e não é possível classificá-lo como entidade familiar, pois deve ser entendido como um envolvimento afetivo com expectativa futura de constituir família (RIPARDO; CAMINHA; BARREIRA FILHO, 2018, p. 4).

Sendo assim, o namoro pode ser entendido como uma fase que antecede ao casamento, previamente a constituição da entidade familiar, sendo apenas uma ligação afetiva entre duas pessoas. Ocorre que, para iniciar o namoro, não há requisitos ou qualquer outra coisa que venha o caracterizar, deixando bem vago e facilmente confundível, segundo Almeida (2018, p. 36). 

Mais sério do que o simples encontro casual, o namoro não se notabiliza simplesmente pelo envolvimento sexual, mas também pelo comprometimento afetivo. Tal aspecto, no entanto, não serve para conferir-lhe roupagem jurídica familiar, dada a sua tessitura instável, mais pertinente à Moral do que propriamente ao Direito (GAGLIANO, 2014, p. 109 apud FERNANDES; REIS; ROSA, 2017, s.p.).

Essa relação de envolvimento afetivo recíproco, o namoro simples, pode ser conceituado também como a “aproximação física e psíquica entre duas pessoas em um relacionamento, fundamentado na atração recíproca, que aspira continuidade para o futuro” (HOUAISS, 1999, p. 1993 apud RIPARDO; CAMINHA; BARREIRA FILHO, 2018, p. 5). Argumenta-se que as relações pessoais são vividas em etapas e o namoro é uma delas em que há o aprendizado mútuo, as partes se conhecerão de modo a perceber se as diferenças fortalecerão o casal ou colocará fim na relação (RIPARDO; CAMINHA; BARREIRA FILHO, 2018, p. 6).

Juridicamente, o namoro é uma relação de afeto entre duas pessoas em comum acordo. Os participantes possuem a intenção de ficarem juntos e relacionarem-se afetivamente e compartilharem intimidades, não possuindo qualquer efeito jurídico, como direito patrimonial ou indenizatório (FERRAZ, 2019, p. 537). No intuito de atender as formas de relacionamentos surgidas com a evolução da sociedade, doutrinariamente, o namoro foi dividido em namoro simples e namoro qualificado (ALMEIDA, 2018, p. 37).

Tendo como parâmetro o grau de envolvimento e afetividade do casal, o namoro qualificado é o que fica mais próximo da união estável, pois o nível de comprometimento do casal é alto, ao ponto de preencher alguns requisitos da união estável, mas não se verifica o elemento subjetivo chamado affectio maritalis (ALMEIDA, 2018, p. 37). Por outro lado, o namoro simples não é facilmente confundível com a união estável, pois não há presença dos requisitos da união estável e o envolvimento do casal é mais superficial, com objetivo de constituir família futuramente (ORTEGA, 2017, s.p.).

No namoro simples, o casal tem um perfil mais leve, estão se conhecendo e “se curtindo”, por vezes, nem possuem essa nomenclatura e, por ser superficial, são chamados de ficar ou namorico (ORTEGA, 2017, s.p.). Totalmente o inverso dessa ideia, o namoro qualificado equivale a uma relação entre pessoas maduras, que apreciam a companhia uma da outra, mas não possuem a intenção de constituir família no presente, por mais que fiquem um na casa do outro ou coabitam (ALMEIDA, 2018, p. 37).

A ausência do affectio maritalis, assim, é o que define quando um relacionamento, independente de ser pautado por encontros amorosos constantes, relações sexuais regulares, viagens e eventos sociais conjuntos, entre outros, é namoro qualificado. Isso porque, para a efetiva configuração da união estável todos os outros requisitos são dispensáveis, desde que exista a constituição de família (ALMEIDA, 2018, p. 37-38).

Sendo assim, o namoro é uma fase de comprometimento recíproco antes de estabelecer o vínculo de entidade familiar. Por mais que esse relacionamento dure anos, com amadurecimento das partes, compartilhamento de experiências, entre outros aspectos, namorar apenas não basta para a produção de efeitos jurídicos, seja o namoro simples ou qualificado (CABRAL, s.d., s.p.).

Um namoro qualificado apresenta fatores como publicidade, continuidade e a durabilidade, mas não pode ser confundido com a união estável devido à ausência do affectio maritalis. Somente na hipótese de mistura de patrimônios comprovadamente demonstrada que o namoro pode gerar efeitos jurídicos, mas é uma exceção que deve ser analisada minunciosamente caso a caso (CABRAL, s.d., s.p.).

Quanto a mistura de patrimônios, Ripardo, Caminha e Barreira Filho (2018, p.6) esclarecem que incidirão as regras do direito das obrigações, trazendo o exemplo de que se o casal de namorados comprarem um carro em parceria, a eles incidirão os efeitos obrigacionais, caso não exista algum documento (contrato) escrito. Com isso, percebe-se que pode haver uma sociedade de fato dentro de um namoro sem as características de entidade familiar.

Fernandes, Reis e Rosa (2017, s.p.) afirmam que pode haver uma sociedade de fato dentro do namoro, mas isso não significa nada para o instituto da união estável. Mesmo se o namoro perdure por um longo prazo, com envolvimento sexual, filhos, publicidade e eventual coabitação, o término dessa relação não movimentará a máquina jurídica, pois não há dano alheio.

Nos tribunais, entre o namoro simples e o qualificado, essa última forma é a que acarreta mais dificuldade ao ser analisada, pois é um relacionamento muito parecido com a união estável, sendo diferenciado apenas por um elemento que é subjetivo, ou seja, não perceptível externamente e de fácil verificação. Um equívoco nessa análise pelo julgador pode trazer danos a uma das partes. Assim, o namoro qualificado permite que o casal se relacione sem a responsabilidade jurídica com o possível término e, caso há alguma pendência de cunho patrimonial, como bens adquiridos em comum, essa lide deve ser resolvida de acordo com as regras do direito das obrigações. A relação poderá ser vista como algo negocial, não apenas como relação amorosa (FERNANDES; REIS; ROSA, 2017, s.p.).

Reforçando a distinção entre o namoro simples e o namoro qualificado, bem como a aproximação desse último ao instituto da união estável, Eduarda Marcon Horácio traz que 

O namoro simples não se confunde com a união estável, uma vez que não possui nenhum dos requisitos estipulados em lei, bem como não se confunde com o chamado namoro qualificado, pois aquele se trata apenas de uma relação sem compromisso; já o namoro qualificado tem como característica a convivência continua, perdurando por longo período, sendo público, confundindo-se com a união estável referente aos requisitos em comum, exceto pelo intuito de constituir família (HORÁCIO, 2017, p. 37).

Assim, percebe-se que a linha é muito tênue entre o namoro qualificado e a união estável, ficando mais afastado dessa discussão o namoro simples. Isso porque o namoro qualificado traz muitos elementos, pode-se dizer todos, da união estável, exceto o affectio maritalis, de cunho subjetivo e será melhor analisado no próximo tópico.

 

3 A CONCEITUAÇÃO E PECULIARIDADES DO AFFECTIO MARITALIS

O affectio maritalis é um traço marcante na distinção da união estável em relação ao namoro qualificado. Pois nesse último relacionamento, a família é algo planejado para o futuro, enquanto no primeiro tipo, o casal apresenta-se como família fosse. Sendo assim, no namoro qualificado estão presentes todos os requisitos da união estável, exceto o affectio maritalis que é a apresentação do casal como se fosse marido e mulher e não apenas namorados (ALMEIDA, 2015, p. 12).

Ao analisar o namoro simples e qualificado, como feito anteriormente, verifica-se que, quando colocados numa escala, a segunda forma está mais próxima a uma união estável, sendo diferenciada por apenas um aspecto subjetivo, o affectio maritalis. Enquanto o namoro simples é fácil distinguir da união estável, pois não há semelhança quando comparado a esse instituto (ALMEIDA, 2018, p. 37).

Dessa maneira, o affectio maritalis é visto como a comunhão de vidas com a devida assistência material e moral irrestrita, em que as forças se unem para realizar sonhos em comum. Ainda nessa linha de raciocínio, o affectio maritalis envolve a participação no problema do companheiro como se fosse seu, bem como nos momentos de alegrias e desejos existe a participação. Sendo assim, ao verificar a presença desse requisito deixa claro a existência de uma união estável (ALMEIDA, 2018, p. 41).

Por outro lado, a ausência do affectio maritalis representa o namoro qualificado, sendo uma projeção a formação de família, em que “os indivíduos ainda mantêm vidas pessoais separadas, não confundindo seus interesses particulares e não sendo irrestrita a assistência moral e material” (ALMEIDA, 2018, p. 41). Por isso, cabe ao julgador ter a sensibilidade de enxergar a essência do relacionamento para caracterização do namoro qualificado ou união estável, o que está sendo respeitada é a autonomia da vontade daqueles que se relacionam (ALMEIDA, 2015, p. 13). 

Deve ser sempre preservada a dignidade da pessoa humana, pois é o fundamento do Estado Democrático de Direito. E traz, ainda, a solução da lide que envolve direitos fundamentais. Diante a interpretação correta do caso, evita-se o enriquecimento sem causa, além da proteção aos direitos fundamentais e a dignidade, previstos na Constituição Federal (ALMEIDA, 2015, p. 13).

A ausência do affectio maritalis, assim, é o que define quando um relacionamento, independente de ser pautado por encontros amorosos constantes, relações sexuais regulares, viagens e eventos sociais conjuntos, entre outros, é namoro qualificado. Isso porque, para a efetiva configuração da união estável todos os outros requisitos são dispensáveis, desde que exista a constituição de família (ALMEIDA, 2018, p. 37-38).

Nesse passo, a verificação da essência do relacionamento, ou seja, analisar a possível existência do affectio maritalis, é importantíssima a fim de evitar a vulgarização da união estável. As lides processuais dessa natureza devem-se pautar em todos os meios de provas possíveis, documentais e testemunhais principalmente para declarar com precisão a existência ou não de união estável. Isso porque muitas pessoas veem uma oportunidade de enriquecerem às custas do ex-namorado, alegando união estável (ALMEIDA, 2018, p. 42).

A possibilidade de banalização do instituto da união estável é uma das preocupações que cerceiam o Poder Judiciário, vez que esse instituto é equiparado ao casamento, ou seja, gera direitos e deveres. Por outro lado, uma flexibilização a esse instituto seria prejudicial àqueles que assumiram compromisso como se casados fossem. A confusão entre a união estável e o namoro qualificado geram efeitos na esfera jurídica, como a obrigação de alimentar, repercussões patrimoniais e sucessórias, entre outros direitos da área econômica (RIPARDO; CAMINHA; BARREIRA FILHO2018, p. 8-9).

Ademais, o instituto da união estável em confronto ao namoro, verifica-se um melhor amparo jurídico por parte da União Estável, proporcionando ao casal uma segurança legal. Do mesmo modo, poderá acarretar sequelas da interposição do status de união estável a um relacionamento no qual não houve uma declaração consistente em tratar o compromisso em um grau mais elevado que um namoro, gerando lesões em diversas esferas (RIPARDO; CAMINHA; BARREIRA FILHO, 2018, p. 10).

Segundo Ripardo, Caminha e Barreira Filho (2018, p. 10) é possível exemplificar que, no caso em que o casal que more sob o mesmo teto por anos e possuem uma conta conjunta, aparentemente verifica-se uma união estável. Por outro lado, se o casal possui a conta conjunta com a finalidade de acumular recurso para planos futuros, como aquisição de imóvel ou qualquer investimento ao futuro casamento, tem-se o namoro qualificado. Sendo assim, um simples fato de conta conjunta pode representar os dois institutos a depender da interpretação. Não há dúvidas que o julgador deve ser cauteloso em analisar as circunstâncias de fato sob o entendimento do affectio maritalis para proferir uma decisão justa.

Dessa forma, o affectio maritalis é primordial para a configuração da união estável, o que leva essa união e o casamento a um status de proteção no ordenamento jurídico brasileiro, mas não abrange o namoro qualificado por não ser uma entidade familiar, dada a ausência do affectio maritalis. Diante disso, o namoro qualificado gera efeitos apenas de ordem pessoal, mesmo tendo esse compromisso mais “sério”, as partes são livres, com objetivos autônomos, sem prestar assistência moral, financeira, entre outras, não há essa obrigatoriedade (MORAIS, 2018, p. 291).

O affectio maritalis é o elemento indispensável para a configuração da união estável, pois é nesse elemento que se concentra a aparência de casamento. Apesar desse elemento não estar descrito na legislação brasileira, exige-se para a configuração da união estável essa aparência de casamento como pré-requisito objetivo, pois é o sinal exterior, a fachada, a demonstração inequívoca de constituição de família. O elemento sob análise é mais importante que a coabitação, inclusive. Apesar de a coabitação representar alto indício para a caracterização da união estável, quando analisada isoladamente, não possui o efeito de tipificá-la (FERRAZ, 2019, p. 532).

Quando homem e mulher passam a compartilhar o mesmo teto, é normalmente indicação de que têm a intenção de constituir família. Veja que a união estável pode-se configurar ainda que não exista coabitação. Há conviventes que preferem manter suas respectivas casas porque consideram essa independência salutar ao relacionamento; e há também aqueles que precisam morar separados, por força do trabalho ou outra razão. A falta de moradia comum não descaracteriza, portanto, necessariamente a união estável. A presença desse ingrediente no relacionamento, contudo, é forte indício do affectio maritalis. Mas não basta a prova da coabitação para se caracterizar a união estável, se outros elementos demonstram que ela se relaciona a objetivos diversos dos de constituição de família (FERRAZ, 2019, p. 532).

Ferraz (2019, p. 532-533) ainda exemplifica quanto a coabitação no sentido de que um casal, duas pessoas de sexo diferentes, ao morar num apartamento que é próximo a universidade no intuito de dividir as despesas, não tem fundamento como união estável. Podendo ter ou não relação sexual entre eles, eventualmente, pois o que motivou a coabitação foi a redução do ônus financeiro com moradia e não a constituição de família, situação pela qual não há como sustentar a tese de união estável.

Sendo assim, o fator da coabitação pode ser usado apenas para auxiliar uma tese, pois não é unânime sua sustentação para configuração de união estável. Na atual conjuntura é plenamente possível que haja conviventes com a intenção de formar família que não residam sob o mesmo teto, como afirma a maior parte da doutrina e jurisprudência (FERRAZ, 2019, p. 533).

É importante esclarecer que o elemento subjetivo em formar família deve ser de ambas as partes. Caso isso ocorra por apenas uma das partes, é inviável a configuração do affectio maritalis, uma vez que esse elemento não é de cunho unilateral. Mas é um “pressuposto interno, anímico, psicológico, é de verificação tormentosa, intrincada, e de dificílima comprovação” (VELOSO, 2016, p. 3).

Em complemento, Maria Berenice Dias (2016, p. 261) traz em sua doutrina que não é uma missão fácil distinguir o namoro qualificado da união estável, os quais são estabelecidos pelo nível de comprometimento do casal e, ainda, mostra-se um desafio aos operadores do Direito. Sendo assim, os magistrados veem recorrendo a técnica da ponderação para decidir nesse sentido, uma vez que o Enunciado nº 17 do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), aprovado em outubro de 2015 afirma que o Código Civil de 2015, no art. 489, §2º prevê que a técnica da ponderação é o meio adequado para a solução de problemas práticos advindos do Direito das Famílias e Sucessões (IBDFAM, 2015, s.p.).

Assim, o “affectio maritalis tem atuação sine qua nonnessa caracterização” (CABRAL, s.d., s.p.). Diante disso, o namoro qualificado é desprovido desse elemento em discussão e, por isso, não tem repercussões jurídicas como se fosse entidade familiar. Por outro lado, o namoro qualificado representa uma forma de duas pessoas relacionarem-se que surgiu diante da complexidade nas relações interpessoais da pós-modernidade (CABRAL, s.d., s.p.).

Outro fator que foi marcante na configuração da união estável é a autonomia da vontade, o que era sempre observado pelos julgadores. Mas, assim como a coabitação, hoje deve ser analisada sistemicamente, junto a diversos outros fatores e, especialmente, sob o entendimento do affectio maritalis, o principal elemento (CABRAL, s.d., s.p.). “O objetivo de constituição de uma família é o mais importante dos requisitos” (ALVES, 2018, s.p.).

A affectio Maritalis é considerada como uma união:

- continuidade das relações sexuais, desde que presentes, entre outros aspectos a estabilidade, ligação permanente para fins essenciais à vida social, ou seja, aparência de casamento;

- ausência de matrimônio civil válido entre os parceiros;

- notoriedade das afeições recíprocas, afirmando não se ter concubinato se os encontros forem furtivos ou secretos, embora haja prática reiterada de relações sexuais;

-honorabilidade, reclamando uma união respeitável entre os parceiros

- fidelidade da mulher ao amásio, que revela a intenção de vida em comum;

- coabitação, uma vez que o concubinato deve ter a aparência de casamento, com a ressalva à Súmula 382." Por essa razão, não cabe falar em equiparação do namoro ou do romance eventual com a união estável. Apenas o acordo de vontades no sentido de uma convivência "duradoura, pública e continua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família (ALVES, 2018, s.p.).

Percebe-se que Alves (2018, s.p.) traz diversos quesitos que devem ser observados em conjunto para a configuração do affectio maritalis, reafirmando o quão complexo é o entendimento e caracterização desse elemento de ordem subjetiva. Por isso, Cabral (s.d., s.p.) defende que o elemento em análise tem seu protagonismo ao tratar da distinção entre união estável e namoro qualificado com o objetivo de afastar essa discussão, diante das grandes demandas levadas para apreciação do Poder Judiciário.

O reconhecimento de uma união através do affectio maritalis é de extrema importância, pois em caráter formal, a presença desse elemento constitui a união estável que é equiparada ao casamento. Decorrente dessa equiparação há uma série de consequências jurídicas como em relação ao regime de bens, alimentos, direitos sucessórios, direito real de habitação e o direito de aderir ao sobrenome do(a) companheiro(a) (CABRAL, s.d., s.p.).

Caso fique comprovado que a relação era, de fato, um namoro qualificado, as repercussões jurídicas ficam adstritas às questões patrimoniais descritas previamente. A exemplo, “o caso de partilha de bens em caso de patrimônio oneroso e danos materiais e morais por possíveis situações em que o rompimento se dê de forma injustificada ou vexatória” (CABRAL, s.d., s.p.). Nessa mesma situação encaixa-se aquele que ocasionou prejuízos matérias e/ou morais a alguma das partes (CABRAL, s.d., s.p.).

Ripardo, Caminha e Barreira Filho (2018, p. 10) trazem apenas um exemplo com desfechos distintos, a saber: um casal pode morar no mesmo apartamento há um tempo e possuir uma conta conjunta, assim, configurando uma união estável. Por outro lado, nessas mesmas circunstâncias, se o casal detém a conta conjunta no intuito de acumular recursos para um futuro casamento, projetando a formação de família para um momento posterior, fala-se em namoro qualificado. Assim, percebe-se o quanto é sensível a linha de separação entre os institutos mencionados e o quão difícil é detectar o elemento caracterizador, o affectio maritalis.

 

4 A VALIDADE DO CONTRATO DE NAMORO

Com a regulamentação da união estável no ordenamento jurídico brasileiro, os companheiros passaram a possuir direitos patrimoniais, assim, argumentos de que simples namoro e relacionamentos fugazes poderiam ter essa mesma consequência jurídica provocaram pânico generalizado, principalmente, dentre o público masculino (DIAS, 2016, p. 432).

Ante essa situação, ficou demonstrada a necessidade do casal de namorados firmarem um documento, em formato de contrato, onde eram expressas a ausência de comprometimento recíproco e a incomunicabilidade patrimonial, presente e futuro. Dessa forma, o intuito é prevenir possíveis responsabilidades no futuro, mas não é dotado de valor algum, a não ser monetarizar a relação afetiva (DIAS, 2016, p. 432).

Com isso, vale dizer que o contrato de namoro é um documento o qual expressa que a relação não passa de um simples namoro, em que não há interesse presente em constituir família, mas sim definir os objetivos dos parceiros na relação. Visa também a negatória de comunicação patrimonial, sendo que, no caso de término da relação, não há o que reivindicar (FERNANDES; REIS; ROSA, 2017, s.p.).

Sendo assim, o contrato de namoro pré-exclui a possibilidade de interpretar a relação como uma união estável ou concubinato e no caso de rompimento, não há qualquer consequência jurídica indenizatória, mesmo mediante constrangimento (FERNANDES; REIS; ROSA, 2017, s.p.). Nesse mesmo sentido, Eduarda Marcon Horácio (2017, p. 37) afirma que o mencionado contrato extingue a possível briga jurídica que possa vir no futuro com o término da relação.

A essência do contrato de namoro é dispor que não há comunicabilidade de patrimônio, visando proporcionar uma maior segurança jurídica ao casal. O que veio a calhar, pois é dificultosa a análise quando os bens foram adquiridos com esforços em comum, ou seja, em que ambas as partes da relação contribuíram (HORÁCIO, 2017, p. 37).

Maria Berenice Dias (2016, p. 433) destaca a dificuldade em verificar se o vínculo do casal constitui união estável ou namoro, o que pode ser percebido de acordo com o grau de comprometimento do casal. Mas diante todas as mudanças sociais, não é possível obter com clareza o que se entende um por outro. Isso acontece, principalmente, com a quebra do tabu da virgindade, os vínculos afetivos têm se estabelecido de forma, cada vez mais, rápidas. Consequentemente, segregar o namoro da união estável, passou a ser uma missão dificultosa, pois é uma linha muito tênue que separa esses institutos, especialmente, ao tratar do namoro qualificado.

As próprias partes, dentro de uma relação, por vezes encaram de forma diferente, ou seja, enquanto um acredita estar vivendo um namoro, a outra parte entende essa mesma relação como união estável. Por essas e outras particularidades que o Judiciário “se vê na contingência de proceder a um estudo para lá de particular e minucioso” (DIAS, 2016, p. 433).

Tendo em vista, a dificuldade de diferenciar na sociedade o namoro e a união estável e em virtude dos efeitos patrimoniais, alimentares e sucessórios que a união estável possui, atualmente, muitos casais de namorados têm pactuado contratos de namoro para definir a relação como um namoro e para não gerar efeitos jurídicos ao relacionamento (SILVEIRA, 2018, p. 11-12)

Ferraz (2019, p. 537) define o contrato de namoro como sendo um contrato formal celebrado entre duas pessoas, de caráter personalíssimo, sinalagmático e de boa-fé, como uma via de afastar qualquer consequência jurídica, obrigação ou responsabilidade, da união estável. Isso porque o namoro é composto por duas pessoas com intenção de ficarem juntos e relacionarem-se de forma afetiva.

Dessa forma, o contrato de namoro surgiu para resguardar aquelas pessoas que possuem um namoro para que não incida os efeitos da união estável. Porém, no ordenamento jurídico brasileiro, não há lei que prevê esse tipo de contrato, o que provocou os doutrinadores a questionarem-se “se é ou não uma relação jurídica ou apenas uma relação afetiva e ainda se o mesmo possui por si só a possibilidade de afastar a aplicabilidade das responsabilidades e obrigações da união estável” (FERRAZ, 2019, p. 537).

A discussão doutrinária referente a validade do contrato de namoro é vasta, em que alguns estudiosos entendem que não possui validade jurídica, pois verificado os requisitos da união estável haverá sua constituição, características como publicidade, continuidade, ausência de impedimentos e animus de constituir família. Sempre destacando a dificuldade que é enxergar com clareza a essência da relação (FERRAZ, 2019, p. 537).

Se os que vivem, conscientemente, nessa entidade familiar, já se sentem sufocados com a minuciosa normatização de suas vidas, imaginem as preocupações, a aflição e o medo dos que assumem um relacionamento afetivo de simples namoro, e têm o justo receio de que essa situação possa ser confundida com a da união estável (VELOSO, 2016, p. 4).

Por isso, o contrato de namoro é classificado por Ferraz (2019, p. 537) como uma “válvula de escape” para a sociedade contemporânea que pretende afastar a obrigatoriedade e responsabilidade não estipuladas em contrato civil. Isso acontece devido à insegurança que envolve o instituto do namoro qualificado e da união estável, uma vez que podem haver riscos de prejuízos com o advento de ação com pedidos de ordem patrimonial ou indenizatória (VELOSO, 2016, p. 4).

Veloso (2016, p. 4) considera a terminologia “contrato” um tanto quanto equivocada quando analisado seu fim, pois pende mais para uma declaração bilateral realizada por pessoas maiores, capazes, de boa-fé, com liberdade, sem pressões, coações ou induzimento, admitem expressamente o envolvimento num relacionamento amoroso e apenas isso, sem o intuito de constituir família, sem comunhão de vidas, sem o objetivo de constituir uma entidade familiar. Além disso, que essa relação não possui nenhum efeito patrimonial ou econômico.

Todavia, o contrato de namoro não obsta o reconhecimento de união estável, caso seja comprovada que a vida do casal representa esse instituto e não o namoro. Sendo assim, será julgada uma demanda declaratória procedente para reconhecer a união estável. O contrato de namoro é comumente utilizado por pessoas que possuem independência financeira e relacionamentos anteriores, a fim de que não seja misturado o patrimônio já amealhado (SILVEIRA, 2018, p. 12).

Assim, o contrato de namoro é a única via que os namorados possuem para declarar a situação de ordem patrimonial presente e pretérita. No entanto, é muito difícil instituir a incomunicabilidade futura, ainda mais, quando a relação é duradoura e foram amealhados bens. “Nessa circunstância, emprestar eficácia a contrato firmado no início do relacionamento pode ser fonte de enriquecimento sem causa” (DIAS, 2016, p. 433).

Com a dificuldade apresentada, de preservar a incomunicabilidade patrimonial em relações de longos anos de vida em comum, a doutrina aponta como alternativa uma “cláusula de evolução”. Nesse caso, fica ressalvado no contrato de namoro que, se a relação evoluir e passar a ter fortes indícios de união estável, configurando-a, que passe a vigorar entre as partes o regime de separação total de bens, entendendo esse como o mais adequado ao futuro (DIAS, 2016, p. 433-434).

No regime da separação convencional de bens, vem a jurisprudência reconhecendo a comunicabilidade do patrimônio adquirido durante o período de vida em comum. O regime é relativizado para evitar enriquecimento injustificado de um dos consortes em detrimento de outro. Para prevenir o mesmo mal, cabe idêntico raciocínio no caso de namoro seguido de união estável. Impositivo negar eficácia ao contrato prejudicial a um do par (DIAS, 2016, p. 434).

Devido essa possibilidade de conversão em união estável, pois essa é uma situação de fato, alguns doutrinadores até consideraram que o possível desuso contrato de namoro. Mas na verdade possui uma eficácia relativa que, por mais que pretende a afastabilidade de normas cogentes, de ordem pública, não produzirá efeitos quando as circunstâncias fáticas demonstrarem a existência de uma união estável (HORÁCIO, 2017, p. 38).

Nesse mesmo sentido, Fernandes, Reis e Rosa (2017, s.p.) afirmam que a eficácia do contrato de namoro é relativa, pois não surtirá efeito, caso a realidade mostrada pelas partes sejam outras. O contrato de namoro deriva exatamente do receio de que a relação venha ser classificada como união estável e produza tais efeitos jurídicos. Assim, utilizam esse instrumento para afastar as responsabilidades legais e a incidência das normas do Direito de Família, mas uma simples declaração negocial não é capaz de afastar a união estável, algo que é um fato da vida, nem mesmo afastar o regramento de ordem pública que rege esse tipo de entidade familiar.

Nos casos em que for perceptível a má-fé das partes, pois estão tentando mascarar a realidade de uma união estável para utilizar-se das consequências economicamente vantajosas de um namoro, o contrato de namoro será declarado nulo. Por outro lado, será plenamente eficaz nos casos em que ficarem evidentes os indícios apenas de namoro qualificado, sem a intenção de constituir família, e será válido para que os casais tenham a liberdade de viver suas relações mediante o acordo de suas vontades (FERNANDES; REIS; ROSA, 2017, s.p.).

Silveira (2018, p. 13) afirma que o contrato de namoro é um negócio jurídico e deve atender aos requisitos do plano dos negócios, como existência, validade e eficácia. A existência decorre da vontade livre das partes em pactuar o contrato de namoro, pois a vontade é um elemento indispensável para a existência do pacto. Quanto a eficácia do contrato de namoro está diretamente ligada a validade e todas as peculiaridades já mencionadas (SILVEIRA, 2018, p. 15).

Parte da doutrina encontra dificuldade em conceder validade a esse tipo de contrato (pacto), pois ele impede a incidência de efeitos legais e pode ser interpretado como uma “fraude a lei imperativa”. Diante disso, é bom reforçar a ideia de que o contrato de namoro possui sua validade relativa, pois não impede a constituição de uma união estável se as circunstâncias fáticas apontarem para esse último instituto, a depender de cada caso concreto (SILVEIRA, 2018, p.15).

Reforçando esse entendimento, Ferraz (2019, p. 538) traz que o contrato de namoro não possui nenhuma natureza excludente de reconhecimento de união estável quando verificado o preenchimento de todos os requisitos dessa. Sendo assim, o contrato de namoro tem como papel esclarecer o tipo de relação que o casal possui, ou seja, uma relação afetiva que significa namoro ou namoro qualificado.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se concluir que a família, de fato, passou por grandes mudanças ao longo do tempo e as relações amorosas ficaram cada vez mais confundíveis. Como dito, superado o tabu da virgindade as relações sexuais entre parceiros antes do casamento tornaram-se comuns, bem como, os casais passaram a vivenciar relações mais íntimas, crescentemente.

Antigamente, as fases de namoro, noivado e casamento eram distinguidas facilmente, uma vez que as relações eram iniciadas com cortejo, mediante a aprovação dos pais. No entanto, com a globalização, consoante os avanços tecnológicos, científicos e culturais, as barreiras físicas e naturais foram diminuídas e aproximaram pessoas das mais diversas partes dos continentes, influenciando na forma das pessoas enxergarem e relacionarem-se.

As relações contemporâneas são marcadas pela flexibilidade e a dinamicidade, distinguindo-se daquelas constituídas nas décadas passadas, com base na própria mutação do conceito de moralidade juntamente a evolução da sociedade. Na contemporaneidade, a relação amorosa entre pessoas tem como fundamento a busca da felicidade, independente de qualquer nomenclatura ou rótulo que o tipo de relação que se enquadre. O namoro qualificado, quando comparado ao namoro simples, percebe-se que é clara a distinção entre essas duas formas de relacionamento.

Percebeu-se que o namoro simples é apenas uma ligação afetiva entre duas pessoas, sem qualquer outro requisito ou elemento caracterizador. Nessa relação, as pessoas estão em comum acordo em ficarem juntas e compartilhar intimidades, sem qualquer efeito, como direito patrimonial ou indenizatório. Por outro lado, o namoro qualificado é um instituto mais próximo da união estável, vez que preenche todos os requisitos, que são a publicidade, continuidade e a durabilidade, exceto o  affectio maritalis, como principal elemento caracterizador da união estável e o que distingue do namoro qualificado.

Portanto, o affectio maritalis é o elemento que concentra a aparência de casamento, pois é o sinal exterior, a fachada, a demonstração inequívoca de constituição de família, ou seja, sem esse elemento não existe união estável. Sendo assim, a depender do caso concreto, será detectada a vivência de um namoro qualificado. A fim de resguardar o patrimônio e estabelecer o tipo de relação vivida entre um casal, foi criado o contrato de namoro.

O contrato de namoro permite que fique expressa a incomunicabilidade de bens do casal, porém a sua validade fica condicionada a existência do namoro qualificado, perdendo a validade, caso essa relação evolua e preencha os requisitos de união estável. Por isso, é importante fazer uma cláusula de evolução, caso ocorra. Por fim, conclui-se que o namoro qualificado possui suas particularidades em relação ao namoro simples e principalmente quanto a união estável, cabendo ao judiciário analisar cada caso em particular para verificar a presença do affectio maritalis.

 

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SILVEIRA, Diego Oliveira da. Namoro e união estável: Como diferenciar essas relações? Disponível em . Acesso em 30 mar. 2020.

VELOSO, Zeno. É namoro ou união estável? Disponível em . Acesso em 13 mar. 2020. 

Data da conclusão/última revisão: 05/10/2020

 

Como citar o texto:

MELO, Diomar Aparecida Azevedo; FERREIRA, Oswaldo Moreira..O namoro qualificado e suas características. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1008. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/10752/o-namoro-qualificado-caracteristicas. Acesso em 12 dez. 2020.

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