A relação do homem com a propriedade, frente ao cenário social da classe dominante revela que a história do Direito fortalece a luta pelos direitos inerentes do homem. Com o advento da Revolução Francesa, juntamente com o dilema, igualdade, liberdade e fraternidade, o princípio do numerus clausus se tornou alvo de disputas sociais.

Em síntese, o objetivo do feudalismo, caracterizado pela autonomia privada, a classe dominante buscava riquezas pelo domínio do trabalho, através da função da propriedade. A exploração patrimonialista da propriedade, conforme o conceito do mencionado princípio, não abarcava o interesse da comunidade, mas somente a vontade do senhor feudal, então se entende que, o princípio do numerus clausus se fundamentava como instrumento de garantia econômica privada.

 O interesse da Revolução Francesa garantiu o surgimento da nova ordem social, o que priorizou como nascedouro os direitos sociais. Diante da exploração inadequada da propriedade, já no início do capitalismo, o trabalho da sociedade feudal limitava a função da propriedade, porque a finalidade proporcionava o pleno exercício da coisa, sendo privativo ou público. Sob a perspectiva dos direitos fundamentais, a propriedade deverá alcançar a função social de acordo com a forma de Estado. É o princípio, no Estado democrático, limitador da função da propriedade conforme o interesse coletivo.

 Os Direitos Reais e os Direitos Obrigacionais pertencem ao ramo dos direitos patrimoniais. A relação jurídica no direito obrigacional se caracteriza na prestação contraída entre as partes, como por exemplo, no contrato de locação, em que locador e locatário são partes vinculadas. Já os Direitos Reais se determina pela coisa. Então, no Direito Obrigacional, a relação jurídica é inter partes, somente os sujeitos do contrato é que deverão cumprir as cláusulas contratuais.

Nos Direitos Reais, a sociedade se torna parte da relação jurídica, o proprietário deverá respeitar a função social, os efeitos da relação jurídica são erga omnes. Sendo assim, a natureza jurídica dos Direitos Reais é influenciada pela Teoria Clássica da Relação Jurídica entre pessoas, que sustenta a impossibilidade de contrair negócio jurídico com bem imóvel e móvel. Por sua vez, conclui-se que, nos Direitos reais a composição do vínculo jurídico será entre proprietário e a sociedade.

O Código Civil de 2002 insere a proteção da pessoa e a limitação do poder estatal. Um dos direitos fundamentais tipificados no texto constitucional é a propriedade, que durante a luta de classes sociais, ela se tornou alvo de exploração privada, que reduziram o surgimento de novas classes sociais.

O Código Civil de 1946 considerava o patrimônio mais importante que a própria pessoa, diante desse fato, frente à evolução constitucionalista democrática, o Estado passou a valorizar o interesse coletivo e a garantir a função social da propriedade.

O princípio do numerus clausus, teve influência direta da Revolução Francesa, nota-se que a função desse princípio se concretizou na luta pelo direito social da comunidade, ou seja, a historicidade desse princípio vai até os dias de hoje, porque a todos incumbe a exigir do proprietário a função social econômica, ambiental e administrativa da propriedade. Também, cabe destacar que, os direitos conquistados não podem perecer em face da autonomia da vontade, sendo necessário à coletividade transportar da raiz patrimonialista para uma sociedade pluralista e fundada nos direitos mínimos e inerentes à qualquer sujeito de direito.

Os fatores históricos das classes sociais levaram a conquista do direito de propriedade, que teve limitações no exercício da autonomia da vontade. Diante dessa ordem estatal, o proprietário não pode usufruir de sua propriedade, como os senhores feudais à utilizavam, trata-se, então, de uma imposição do legislador ao que tipificou como numerus clausus os direitos reais. Então, a sociedade não pode criar outros direitos reais, ou seja, havendo esse princípio taxativo, o indivíduo deverá alcançar a função social de determinada propriedade.

Sendo assim, o legislador constituinte originário garantiu no texto constitucional que a propriedade atenderá a função social, mesmo diante dessa segurança constitucional, observar-se-á que a vontade de ser proprietário foi limitada e flexibilizada por esse princípio taxativo.

 Logo a nomenclatura do Código Civil de 2002, estabelece que os direitos reais, além de serem numerus clausus, devem fazer uma síntese lógica com o preceito constitucional.

Assim, salienta Rosenvald e Farias (2010, p.11):

A fórmula numerus clausus foi elaborada, em princípio, como modo de preservar o absolutismo do direito de propriedade, os legisladores do século XX definiram uma lista de direitos reais complementares à propriedade. Assim, o proprietário teria a segurança jurídica de manter intocado o poder sobre a coisa, apenas sofrendo restrições pelas hipóteses previstas em lei e sempre decorrentes de um ato emanado de sua autonomia de vontade.

 

Com isso, o legislador tipificou os direitos reais para direcioná-los aos objetivos constitucionais, restringindo assim, a função da propriedade ao interesse coletivo. Havendo essa limitação constitucional, a propriedade não fica flexível frente à autonomia da vontade, nessa perceptiva, com a inclusão do princípio do numerus clausus, o proprietário passou a exercer função estruturante do direito de propriedade. Em síntese, a relação da propriedade com a sociedade é extremamente coletiva, voltada na plenitude da função social enquanto direito fundamental.

Por se tratar de fundamentos da República Federativa, se entende que a dignidade, além de encaminhar o Direito à luz da constituição, de fato fortalece o ordenamento jurídico, pois a dignidade é um direito natural que desenvolve a ideia de direito.

Vale destacar que, os direitos fundamentais já nascem com as pessoas, pois os direitos são naturais, o que será necessário é apenas promovê-los.

 Ao tratar sobre dignidade humana, é indispensável buscar os fatos históricos que levaram a sociedade a conquistar esse rol de direitos fundamentais. Sendo o direito de propriedade o instrumento da função social, toda relação civil deverá ser interpretada sob o prisma dos ditames constitucionais.

Por fim, a Constituição assegura como cláusula pétrea, os direitos e garantias fundamentais, com isso, a propriedade tendo que exercer a função social, sabendo que se trata de direito indispensável, então, sem sobra de dúvidas, ela é um direito inerente, não pelo formalismo, mas por se tratar de interesse coletivo e mínimo.

Diante do exposto, ao extrair a fundamentação dos direitos reais, tipificados no Código Civil de 2002, cabe ao intérprete interpretar a propriedade como direito fonte e coletivo, que dá origem a outros direitos, como a moradia, a coletividade e todos os direitos indisponíveis do entorno social, tendo como escopo as garantias mínimas da dignidade humana.

 

REFERÊNCIAS

Chaves de Farias Cristiano, Rosenvald Nelson, Curso de Direito Civil. Direitos Reais, Lumen Juris, 6° ed, 2010.

 

 

Elaborado em novembro/2012

 

Como citar o texto:

MARQUES, Fernando Cristian..Os Princípios Da Autonomia Privada X Numerus Clausus: Abordagem Dos Direitos Reais A Partir Do Novo Contexto Constitucional. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1164. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/3065/os-principios-autonomia-privada-x-numerus-clausus-abordagem-direitos-reais-partir-novo-contexto-constitucional. Acesso em 14 mai. 2014.

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