Muitos optam em adquirir veículos usados diretamente do proprietário na tentativa de fechar contrato de compra e venda mais em conta do que perante as concessionárias de veículo. O barato, entretanto, pode sair caro caso não sejam observadas regras básicas pelo comprador.

O primeiro ponto a ser observado é que o Código de Defesa do Consumidor não será aplicado ao caso quando o vendedor não faz da venda de veículos a sua atividade principal, assumindo a figura de vendedor apenas de forma esporádica.

Não sendo aplicado o CDC, o comprador não terá o conhecido prazo de 90 dias concedido ao consumidor para reclamação e nem receberá proteção especial como a inversão do ônus da prova caso intente ação judicial, já que tal somente resta cabível nos casos envolvendo direitos consumeristas.

A compra e venda, portanto, será regida pelo Código Civil, que terá regras específicas para o caso, não estando o comprador ou vendedor desamparado legalmente.

Segundo ponto a ser observado é em relação à análise do bem e as condições do mesmo na data da venda. Caberá ao comprador especial atenção na verificação da existência de vícios, sob pena de arcar com os mesmos, caso sejam de fácil constatação.

Ou seja, havendo vício aparente no bem e tendo o comprador realizado o negócio, ainda que não tenha percebido a existência do mesmo, responderá este pelo conserto do vício e não o vendedor, já que cabia ao comprador certificar-se corretamente acerca da situação do bem na data da compra.

Recomenda-se, desta forma, que, antes da celebração do contrato de compra e venda, o comprador leve o veículo a um mecânico de confiança para análise do estado geral do bem, certificando-se da inexistência de vícios.

Por outro lado, é possível, que o vício não seja de fácil constatação, conhecido como vício oculto, que somente se apresenta após utilização do bem. Manifestando-se o vício e impossibilitando este o uso do veículo ou diminuindo o seu valor, o comprador poderá solicitar a diminuição proporcional do preço ou o desfazimento do negócio, com entrega do veículo e devolução do dinheiro gasto (Art. 441 do CC/02).

Vale apontar que deve estar devidamente comprovado que o vício oculto existia antes da celebração do contrato de compra e venda e que o adquirente desconhecia os mesmos. Ou seja, constando no contrato termos como “no estado em que se encontra” não poderá o comprador reclamar, pois existindo a referida cláusula há presunção de que o adquirente sabia que o bem não se encontrava em perfeito estado.

Uma vez ciente do vício oculto, o comprador possui o prazo de 30 (trinta) dias para solicitar o desfazimento do contrato ou abatimento do preço (Art. 445 do CC/02). Não observado este prazo, o comprador não terá mais direito. Vale aqui apontar que como forma de impedir a responsabilidade ad eternum (para sempre) do vendedor pelos vícios ocultos, o Código Civil estabeleceu um limite de 180 dias para constatação do vício oculto.

Em outras palavras, somente aparecendo o vício oculto dentro deste prazo – 180 dias – o vendedor terá direito à rescisão do contrato ou abatimento do preço se reclamar dentre do 30 dias da data da ciência do vício.

Comprovando que o vendedor estava ciente da existência do vício oculto este poderá ser responsabilizado não só pela devolução integral dos valores recebidos como por perdas e danos ocasionado ao comprador (art. 443 do CC/02), que, em evidente má-fé do vendedor, adquiriu bem defeituoso e sequer pôde utilizar-se do mesmo.

Vejamos alguns entendimentos jurisprudenciais acerca do assunto:

APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINARES. PRETENSÃO DE REFORMA DO JULGADO POR MEIO DAS CONTRARRAZÕES. IMPOSSIBILIDADE. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. (...) Os vícios redibitórios são vícios ou defeitos ocultos existentes em determinada coisa que tenha sido adquirida em virtude de contrato comutativo, ou de doação com encargo, que a tornem imprestável para o uso a que se destina, ou então diminua consideravelmente seu valor. É uma garantia da Lei, disciplinada pelo Código Civil, que protege o adquirente independentemente de previsão contratual. Como requisito primordial para a caracterização do vício redibitório, deve ser demonstrado no processo que o defeito da coisa já existia no momento da celebração do contrato (...) (TJPB; AC 200.2009.043063-4/001; Segunda Câmara Especializada Cível; Rel. Juiz Conv. Ricardo Vital de Almeida; DJPB 04/02/2014; Pág. 15)

 

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COMPRA E VENDA DE AUTOMÓVEL USADO. REPAROS MECÂNICOS. VÍCIOS REDIBITÓRIOS INEXISTENTES. DESGASTE DE PEÇAS. AUSÊNCIA DE ILICITUDE. REPAROS NO PRAZO DE GARANTIA. RESSARCIMENTO. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. O negócio jurídico de compra e venda se deu em relação a veículo usado, não se podendo pretender que se encontrasse nas mesmas condições mecânicas de um novo, mormente após nove anos de utilização. Hipótese de desgaste natural das peças e componentes, em que o comprador recebeu o automóvel no estado em que se encontrava; acaso não haja sido diligente o bastante na avaliação prévia e se acercado de todas as cautelas indicadas, deverá suportar os ônus de sua conduta, não se cogitando de indenização por danos materiais e morais a partir dos reparos posteriores à tradição do bem, salvo aqueles havidos no prazo de garantia celebrado entre as partes. À unanimidade. Negaram provimento ao recurso. (TJRS; AC 466794-11.2012.8.21.7000; Rio Grande; Nona Câmara Cível; Rel. Des. Tasso Caubi Soares Delabary; Julg. 28/11/2012; DJERS 03/12/2012)

 

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VÍCIOS REDIBITÓRIOS. EXISTÊNCIA. RESSARCIMENTO DEVIDO. DANO MORAL CONFIGURADO. VERBA HONORÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. 1. Comprovado que o veículo adquirido pelo autor/ primeiro apelado possuía vício oculto ou de qualidade, eis que se tratava de veículo “salvado”, o que lhe diminui sensivelmente o valor de mercado, e que tal fato não lhe foi comunicado no momento da aquisição, impõe ao alienante a responsabilidade de ressarcir a quantia despendida no negócio, uma vez que referido vício era de seu conhecimento quando da venda do automóvel. 2. Tendo o segundo apelante (autor) dispensado toda sua confiança em produto defeituoso, o que lhe vem causando intenso transtorno, humilhação e vergonha, muito além do mero dissabor ou contrariedade, imperiosa é sua reparação pela ocorrência do dano moral, e no presente caso fixo em R$ 10.000,00, por ser proporcional aos fins de mister (...) (TJGO; AC 0386276-69.2006.8.09.0051; Goiânia; Primeira Câmara Cível; Relª Desª Maria das Graças Carneiro Requi; DJGO 19/04/2013; Pág. 120)

 

Demonstra-se, pelo exposto, que a compra e venda de veículos entre particulares deve ser feita cautelosamente por ambas as partes e sempre regida pela boa-fé, cabendo especial atenção por parte do comprador que deverá certificar-se do estado do bem antes da compra e ao prazo que possui para reclamar após adquirir o veículo e se deparar com a apresentação de um vício oculto.

 

 

Elaborado em abril/2014

 

Como citar o texto:

PAULSEN, Anna..Compra e Venda de Veículos entre Particulares. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1211. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/3293/compra-venda-veiculos-entre-particulares. Acesso em 19 nov. 2014.

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