Resumo:

A proposta do presente artigo foca-se no vácuo lógico e legal que permite que as construtoras/incorporadoras dominem a Convenção Condominial por longo período de tempo, o que lhes permite estabelecer normas que acabam ferindo a Constituição Federal, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor.

Cada vez mais constante o abuso das construtoras/incorporadoras na relação com seus antigos consumidores, cujo exemplo mais presente é a imputação aos consumidores da sua obrigação de pagar sua parte das despesas condominiais.

Cabe trazer à reflexão o tratamento jurídico concedido à questão da relação jurídica entre construtoras/incorporadoras e consumidores após o fim da relação de consumo quando, teoricamente, a Lei permitiria o abuso da força econômica de uma parte sobre a outra, contrariando a Constituição Federal, que determina a proteção do consumidor.

Com isto será possível analisar a complexidade das decisões dos Tribunais que vem permitindo o afastamento deste abuso, no que incide simplesmente as regras imobiliárias, nas quais todos são juridicamente iguais.

           

Palavras-chaves: Construtoras/incorporadoras. Convenção condominial. Cláusulas. Exoneração. Redução. Rateio de despesas condominiais. Princípio constitucional da isonomia. Inobservância a boa-fé objetiva e a probidade negocial. A vedação do enriquecimento ilícito. Vedação das cláusulas abusivas.

Sumário: Introdução. 1. A visão dos Tribunais sobre cláusula convencional que privilegia construtoras e incorporadoras no rateio das despesas condominiais. Conclusão.

Introdução:

A relação entre construtoras/incorporadoras, bancos e consumidores é uma das mais complexas do Direito, vez que forma uma gama de relações jurídicas que envolvem os interesses particular e público.

É inegável a força econômica que construtoras/incorporadoras possuem, já que seus empreendimentos envolvem investimentos de alto valor. Sua força vem sendo sentida em todo país nos recentes escândalos de corrupção.

Diante de tamanha força, o consumidor é obviamente o lado mais fraco na relação de consumo decorrente da aquisição imobiliária.

Neste contexto, cumpre examinar o vácuo lógico e legal que permite que as construtoras/incorporadoras dominem a Convenção Condominial por longo período de tempo, o que lhes permite estabelecer normas que acabam ferindo a Constituição Federal, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor.

Uma das hipóteses mais presentes nos Tribunais é a que decorre da cláusula convencional que permite a construtora/incorporadora pagar apenas metade da cota condominial ou até ficar isenta da cota.

Ora, a taxa condominial é simplesmente o rateio das despesas do condomínio. Se não forem pagas, seus serviços não podem ser prestados. Ou seja, a parte que a construtora/incorporadora não paga terá que ser paga pelos demais condôminos.

Ocorre que, os demais condôminos são justamente os antigos consumidores desta mesma construtora/incorporadora e estão sendo prejudicados pela cláusula convencional.

Uma vez que compete à construtora/incorporadora estabelecer a primeira Convenção de Condomínio, cabe indagar: pode esta estabelecer este tipo de cláusula? Os demais condôminos terão que suportar este abuso até que a construtora/incorporadora venda unidades suficientes para os demais condôminos terem o quórum necessário para alterar esta cláusula convencional?

1. A visão dos Tribunais sobre cláusula convencional que privilegia construtoras/incorporadoras no rateio das despesas condominiais

Muitas construtoras/incorporadoras vêm estipulado em convenção condominial, substancialmente subscrita pelas próprias, que quase sempre detém a maioria das unidades autônomas, cláusulas que as exoneram ou reduzem significantemente sua participação no rateio das despesas condominiais, com base no que dispõe o art. 1.336, inc. I do Código Civil, ex vi:

Art. 1.336. São deveres do condômino:

I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; (grifo nosso)

 

Observa-se que, sendo omissa a convenção condominial, aplica-se a regra geral legalmente prevista, no sentido de que os condôminos devem contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais.

Entretanto, o dispositivo legal supramencionado autoriza que a convenção preveja de forma diversa, dando azo à inserção de cláusula que beneficia construtora/incorporadora no que tange ao rateio das despesas condominiais.

Ou seja, construtoras/incorporadoras, aproveitando a autorização legal, inserem cláusula convencional prevendo sua exoneração ou redução da sua parcela de contribuição para as despesas comuns do Condomínio.

Ocorre, no entanto, que embora o texto legal autorize a livre estipulação da forma de rateio, isso não significa que a cláusula convencional possa ser editada em desconformidade com o direito posto, notadamente no que tange ao princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput da Constituição Federal), a inobservância a boa-fé objetiva e a probidade negocial (art. 422 do Código Civil), a vedação do enriquecimento ilícito (art. 884 do Código Civil) e a vedação das cláusulas abusivas (art. 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor), como se verá a seguir.

Segundo o art. 422 do Código Civil, as partes devem guardar a boa-fé e a probidade nos períodos pré-contratual, contratual e pós-contratual, sob pena de nulidade da estipulação ou ato praticado em razão do contrato:

Boa-fé objetiva. Responsabilidade pré e pós-contratual. As partes devem guardar a boa-fé, tanto na fase pré-contratual, das tratativas preliminares, como durante a execução do contrato e, ainda, depois da executado o contrato (pós-eficácia das obrigações). Isso decorre da cláusula geral da boa-fé objetiva, adotada expressamente pelo CC 422. (....) Portanto, estão compreendidas no CC 422 as tratativas preliminares, antecedentes do contrato, como também as obrigações derivadas do contrato, ainda que já executado (v. CC 462). Com isso os entabulantes - ainda não contratantes – podem responder por fatos que tenham ocorrido antes da celebração e da formação do contrato (responsabilidade pré-contratual) e os ex-contratantes – o contrato já se findou pela sua execução – também respondem por fatos que decorram do contrato findo (pós-eficácia das obrigações contratuais).[1]

Nesse sentido, tem-se que as cláusulas estabelecidas unilateralmente em convenção condominial pelas construtoras/incorporadoras atribuindo a si mesma a redução ou total exoneração do pagamento das taxas condominiais devidas pelos demais condôminos são nulas, em razão da inobservância da boa fé e probidade negocial.

Não se pode perder de vista que referidas cláusulas são feitas em prejuízo dos adquirentes, uma vez que estes que serão responsabilizados pelo pagamento da parte da taxa condominial que a construtora/incorporadora se auto isentou.

As construtoras/incorporadoras afirmam que existe discriminem razoável, vez que não seria isonômico que pagassem a mesma taxa condominial que os condôminos que efetivamente utilizam a unidade.

Ocorre que, somente seria razoável se o discriminem favorecesse todos os condôminos que, como a como a construtora/incorporadora, demonstrassem que, embora sejam titulares da unidade, esta se encontra desocupada. Contudo, as normas instituídas pelas construtoras/incorporadoras apenas lhe favorecem, sendo que os demais condôminos, tenham ou não a sua unidade ocupada, respondem na integralidade pelas taxas condominiais.

Convém mencionar que o próprio Código Civil, em seu artigo 1315, veda qualquer tratamento desigual aos condôminos, face ao custeio das despesas originárias da relação condominial, ex vi:

Art. 1315. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão de coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita.

Parágrafo único. Presumem-se iguais às partes ideais dos condôminos. (grifo nosso)

Logo, ausente discriminem razoável, sendo estas cláusulas absolutamente nulas por ofender o art. 1315 do Código Civil, bem como o Princípio Constitucional da Isonomia, vez que traz, sem justificativa plausível, favorecimento de pessoas em iguais condições, qual seja, a propriedade sobre uma unidade de um edifício que compõe um condomínio edilício, dando privilégio irrazoável para um em detrimento dos demais.

A esse respeito, cita-se o seguinte precedente do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

DIREITO CIVIL. DESPESAS CONDOMINIAIS. CRITÉRIO DE RATEIO NA FORMA IGUALITÁRIA ESTABELECIDO EM CONVENÇÃO CONDOMINIAL. ADMISSIBILIDADE.

A assembleia dos condôminos é livre para estipular a forma adequada de fixação da quota dos condôminos, desde que obedecidos os requisitos formais, preservada a isonomia e descaracterizado o enriquecimento ilícito de alguns condôminos. O rateio igualitário das despesas condominiais não implica, por si só, enriquecimento sem causa dos proprietários de maior fração ideal. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 541.317/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 09/09/2003, DJ 28/10/2003, p. 294) (grifo nosso)

Nota-se, pois, que em todo caso deve ser preservada a isonomia e descaracterizado o enriquecimento ilícito de alguns condôminos em prejuízo de outros.

Portanto, conquanto o legislador tenha dado certa liberdade na forma de rateio das despesas condominiais, tal estipulação deve ser feita com olhos postos no princípio constitucional da isonomia, na vedação do enriquecimento ilícito, na probidade negocial e na boa-fé objetiva.

Sendo assim, qualquer privilégio que beneficie um ou mais condôminos em detrimento dos demais, deve ser veementemente reprovada.

Especificamente em relação às construtoras/incorporadoras, os Tribunais pátrios vêm rechaçando essa prática, veja-se:

Despesas condominiais. Ação declaratória de nulidade de cláusula de convenção condominial. Cláusula abusiva, que ofende a isonomia entre a ré e os demais condôminos, e a equidade ao permitir que a construtora pague apenas 30% da taxa condominial das unidades autônomas não comercializadas. Prevalência do interesse coletivo sobre o individual. Sentença mantida. Recurso improvido (TJ/SP, Apelação 0028797-29.2013.8.26.0196, Rel. Des. Nestor Duarte, j. 14/03/2016).

 

 

Apelação cível. Ação de cobrança.

Condomínio edilício. Pretensão de condenação da construtora ao pagamento das despesas condominiais de unidade de sua propriedade. Sentença de procedência. Apelo da ré. Alegação de que cláusula prevista em convenção de condomínio limita a quantia a ser paga pela construtora a 30% do valor da taxa condominial paga pelos demais condôminos. Abusividade da disposição, que institui verdadeiro privilégio em favor da construtora, em prejuízo dos adquirentes das unidades. Violação ao princípio da isonomia que não pode prevalecer. Reconhecimento de obrigação de pagamento do valor integral da taxa condominial. Precedente deste Tribunal. Inexistência de notícia de venda do imóvel ou de entrega das chaves a adquirente. Responsabilidade tão somente da construtora pelo pagamento das despesas condominiais. Sentença mantida. Negado provimento ao recurso (TJ/SP, Apelação 0015816-02.2010.8.26.0348, Rela. Desa. Viviani Nicolau, j. 02/07/2015).

 

Ação de cobrança. Encargos condominiais. Artigo 31º da convenção condominial prevendo que a construtora pagará somente o percentual de 50% das taxas condominiais. Previsão manifestamente ilegal, portanto, afastada, no caso concreto, por ofensa ao princípio da isonomia entre os condôminos. R. sentença de procedência do pedido que merece ser prestigiada. Recurso da construtora requerida que não comporta provimento (TJ/SP, Apelação 0134001-64.2010.8.26.0100, Rel. Des. Alexandre Bucci, j. 23/01/2014).

 

Constata-se, que a estipulação de cláusula contratual que privilegia a construtora/incorporadora em detrimento dos demais condôminos é nula de pleno direito.

A jurisprudência também já se consolidou no sentido de ser absolutamente exigível a boa-fé das partes no período pós-contratual.

No julgamento da Apelação 408.640-4/0, o voto vencedor do eminente Desembargador Francisco Loureiro da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é particularmente esclarecedor quanto à necessidade de manter-se a boa-fé no período pós-contratual:

Isso porque, no direito contemporâneo, a obrigação é vista como um processo, vale dizer, como uma relação complexa, como "um conjunto de atividades necessárias à satisfação do interesse do credor" (Clóvis do Couto e Silva, A Obrigação como Processo, José Bushasty Editor, p. 10).

Essas múltiplas prestações anexas e deveres laterais de conduta decorrem da boa-fé objetiva e se espraiam desde as negociações preliminares até depois de extinto o contrato, gerando responsabilidade pré e pós contratual. No dizer de Antunes Varela, tais deveres são aqueles "que, não interessando diretamente à prestação principal, são todavia essenciais ao correto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra." (apud Fernando Noronha, "Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais", Saraiva, p. 161).

Alguns desses deveres persistem até mesmo após a cessação do contrato, integrando o campo da responsabilidade pós-contratual, como no presente caso. A razão disso é simples. Não são prestações reguladas explicitamente pelas partes, mas sim deveres de conduta que têm causa no contrato e se projetam no tempo, após a sua extinção (cfr. Rogério Ferraz Donnini Responsabilidade pós-contratual no novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, Saraiva, p. 128 e seguintes)(grifo nosso)

É nítido que as construtoras/incorporadoras ao estipular cláusulas em convenção condominial que as privilegiam agem com má-fé na relação pós contratual, por força do art. 422 do Código Civil, no que referidas disposições são nulas, o que deve ser acolhido até mesmo de ofício pelo juízo, vez que a inobservância do boa-fé objetiva desvia o contrato de sua função social, conforme art. 421 do mesmo diploma legal. Neste sentido, pode-se citar:

“Natureza da norma. Ordem pública. A norma ora comentada é de ordem pública e de interesse social (CC 2035 par. ún.). Constitui-se como cláusula limitadora da autonomia privada. Como é de ordem pública, o juiz deve aplicá-la de ofício (sua aplicação não exige a iniciativa da parte), a qualquer tempo e grau de jurisdição (não está sujeita à preclusão). Como consequência, quanto à cláusula geral de função social do contrato não incide a regra da congruência entre pedido e sentença (CPC 128 e 460), de modo que é imune ao vício da decisão extra ou ultra petita. Tem função instrumentalizadora, propiciando ao juiz transformar a expressão abstrata e estática da lei em situação e normatização concreta: o juiz integra o (faz parta do) contrato.”[2]

Além disso, a parte favorecida é o fornecedor das unidades e as partes prejudicadas são os consumidores dos mesmos imóveis.

Embora as cláusulas estabelecidas unilateralmente em convenção condominial pelas construtoras/incorporadoras atribuindo a si mesma a redução ou total exoneração do pagamento das taxas condominiais não componha diretamente os contratos de compra e venda, evidentemente que os atinge, uma vez que disciplina relação entre então fornecedor e consumidores, decorrente daqueles contratos. Logo, por força do art. 422 do Código Civil, a Convenção de Condomínio, uma vez estabelecida pelo fornecedor, está limitada às disposições da Lei 8.078/90.

Dentre elas, o art. 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor está sendo visceralmente atingido por estas referidas cláusulas, vez que nitidamente estabelecem vantagem injustificada para o fornecedor, em detrimento do consumidor, no que é nula de pleno direito:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

Seguindo brilhante voto do então ministro Ruy Rosado Aguiar, o Superior Tribunal de Justiça seguiu exatamente o entendimento supra exposto, considerando absolutamente nulas referidas cláusulas convencionais que favorecem a construtora/incorporadora no rateio das despesas condominiais:

Condomínio. Despesas. Exoneração da construtora. Invalidade da clausula. Código de defesa do consumidor. E inválida a cláusula que estabelece, em favor da construtora e incorporadora, o privilegio da exoneração da obrigação de contribuir para as despesas do condomínio, imposta na escritura de convenção por ela outorgada. Possibilidade do exame da validade de clausula contratual a luz dos critérios objetivos fixados pelo "Codecon". Recurso conhecido e provido em parte. (STJ, REsp 151.758/MG, 4ª Turma, Min. Rel. Ruy Rosado Aguiar, j. 05.03.1998) (grifo nosso)

Em seu voto, o Douto jurista expressou:

Parece bem evidente que a cláusula que dispôs sobre a exoneração da estipulante pelas despesas condominiais criou em seu favor benefício que não se estendeu aos demais: ao contrário, fez recair sobre os outros ônus que a rigor seriam seus, gerando grave desigualdade entre eles. Nos termos da lei especial, ‘cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio’ (art. 12 da Lei n° 4. 591, de 16.12.64). Essa a regra que já estava no Código Civil: ‘O condômino é obrigado a concorrer, na proporção de sua parte, para as despesas de conservação ou divisão da coisa e suportar na mesma razão os ônus a que estiver sujeita’ (art. 624)

É certo que os condôminos podem dispor sobre o critério para a fixação do rateio entre eles (§ 1º do art. 12, da Lei n° 4. 591/64), mas isso não significa que a todos seja importa total e definitiva isenção em favor do instituir do condomínio, contra a vontade deles, dando tratamento abusivamente desigual em favor da incorporadora.

 Ademais, ainda que não houvesse relação de consumo entre a construtora/incorporadora e os demais condôminos, vale lembrar que a Convenção de Condomínio não tem natureza contratual, mas estatutária. Afinal, não é por outra razão que os condôminos supervenientes ficam totalmente submetidos às disposições da convenção no exato instante em que se tornam co-proprietários da coisa comum.

Sendo assim, diferentemente dos contratos em que as partes, uma vez que atuam sob liberdade plena de suas vontades, podem estabelecer as regras que lhe forem mais convenientes, os estatutos, por se sobreporem à vontade das partes, devem seguir estritamente as disposições da Lei.

Portanto, as referidas cláusulas convencionais que favorecem a construtora/incorporadora no rateio das despesas condominiais contrariam o art. 1.336, inciso I do Código Civil, uma vez que não existe motivo razoável para o privilégio da mesma.

Não é outra a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, da qual se pode citar:

Convenção de condomínio - Natureza jurídica de estatuto, subordinado à Lei 4.591/64, que não pode contrariar - Previsão de multa, por atraso, superior à de 20% prevista na lei - Nulidade – Sentença mantida. (TJ/SP, Apelação n° 105.039-4/8-00, 4ª Câm. de Dir. Privado, Rel. Des. Narciso Orlandi, j. 03.08.2000).

Quanto à medida judicial adequada para anular referidas cláusulas convencionais eivadas de tais vícios, vale a pena transcrever o voto do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior no bojo do REsp 151.758/MG:

o lesado por disposição abusiva inserida em convenção a que aderiram os adquirentes das unidades pode propor ação para declaração de nulidade da cláusula, independentemente de assembleia de condôminos, mesmo porque a própria obtenção da maioria necessária poderia estar inviabilizada se a construtora detiver, como se alegou, número de quotas suficiente para impedir a pretendida modificação.

Logo, seja pela ofensa ao princípio constitucional da isonomia, pela inobservância da probidade negocial e da boa-fé objetiva, pela vedação do enriquecimento sem causa, seja pela ilegalidade, vez que contraposta ao art. 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor e ao art. 1315 do Código Civil, cujos ditames visam a ordem pública, são nulas de pleno direito as cláusulas convencionais impostas unilateralmente pelas construtoras/incorporadoras no rateio das despesas condominiais. Em consequência, devem as mesmas arcarem com o pagamento integral das taxas condominiais como os demais condôminos.

Conclusão:

Cada vez mais constante o abuso das construtoras/incorporadoras na relação com seus antigos consumidores, uma vez que dominam a Convenção Condominial por longo período de tempo, o que lhes permite estabelecer normas que lhes privilegiam em detrimento dos demais condôminos, se aproveitando do que dispõe o art. 1.336, inc. I do Código Civil.

De acordo com o referido artigo, os condôminos devem contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção.

Observa-se que o dispositivo legal supramencionado autoriza que a convenção preveja de forma diversa.

Diante disso, muitas construtoras/incorporadoras vêm estipulado em convenção condominial, substancialmente subscrita pelas próprias, que quase sempre detém a maioria das unidades autônomas, cláusulas que as exoneram ou reduzem significantemente sua participação no rateio das despesas condominiais.

Ocorre que, a parte que a construtora/incorporadora não pagar terá que ser paga pelos demais condôminos.

Portanto, as normas instituídas pelas construtoras/incorporadoras nas convenções condominiais apenas lhe favorecem, sendo que os demais condôminos, tenham ou não a sua unidade ocupada, respondem na integralidade pelas taxas condominiais.

Ora, somente seria razoável se o discriminem favorecesse todos os condôminos que, como a como a construtora/incorporadora, demonstrassem que, embora sejam titulares da unidade, esta se encontra desocupada.

Os Tribunais pátrios vêm rechaçando essa prática, sob o fundamento que embora o texto legal autorize a livre estipulação da forma de rateio, isso não significa que a cláusula convencional possa ser editada em desconformidade com o direito posto, notadamente no que tange ao princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput da Constituição Federal), a inobservância a boa-fé objetiva e a probidade negocial (art. 422 do Código Civil), a vedação do enriquecimento ilícito (art. 884 do Código Civil) e a vedação das cláusulas abusivas (art. 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor).

Conclui-se, pois, que toda e qualquer cláusula convencional que estabeleça forma de rateio que implique privilégios em favor de construtora/incorporadora em detrimento dos demais condôminos é ilegal e inconstitucional, sendo, portanto, nula de pleno direito.

Logo, cabe a construtora/incorporadora concorrer as despesas condominiais na mesma forma que os demais condôminos, ainda que a unidade se encontre desocupada. Além disso, cabe ao condômino que se sentir lesado ajuizar a medida judicial com vistas a obter a declaração judicial da nulidade da cláusula eivada de vício, sem prejuízo de ajuizamento de ação pelo próprio condomínio.

Referências bibliográficas:

 

NERY Junior, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado e legislação extravagante. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

 

___________________________. Condomínio e incorporações. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

 

 

RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imobiliária. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito imobiliário – teoria e prática. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 18.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

  

[1] NERY Junior, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado e legislação extravagante. 3ª ed. 2005. São Paulo: Revista dos Tribunais. P. 381/382.

[2] NERY Junior, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado e legislação extravagante. 3ª ed. 2005. São Paulo: Revista dos Tribunais. P. 378.

Data da conclusão/última revisão: 2017-03-27

 

Como citar o texto:

ITO, Michel, et al..Visão dos Tribunais sobre cláusula convencional que privilegia construtora no rateio condominial. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1461. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/3686/visao-tribunais-clausula-convencional-privilegia-construtora-rateio-condominial. Acesso em 14 ago. 2017.

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