Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar as relações jurídicas que estão envolvidas no contexto das interações humanas através das redes sociais. Dentre estas relações, destaca-se a proteção e a violação de Direitos da Personalidade humana. Os Direitos da Personalidade são aqueles direitos básicos e fundamentais para a realização do indivíduo enquanto pessoa humana e para o exercício de seus direitos e deveres enquanto cidadão. Assim, os Direitos de Personalidade protegem direitos subjetivos como a integridade, privacidade, honra, intimidade, dentre outros. Nas redes sociais, a personalidade humana encontra um ambiente propício para sua ampla manifestação, mas também corre constantes riscos de violações. Por tal motivo, faz-se importante analisar a influência das redes sociais no ordenamento jurídico e como as leis podem ser utilizadas para a proteção da Personalidade como um bem jurídico tutelado pelo estado. Através de uma pesquisa qualitativa, de caráter indutiva e analítica, baseada na revisão de artigos acadêmicos e literatura de doutrinadores jurídicos que tratam do assunto proposto, foi possível desenvolver um artigo teórico abordando a tutela dos direitos de personalidade no ordenamento jurídico brasileiro, as inovações jurídicas advindas das redes sociais e a influência destas redes na tutela destes direitos de personalidade. Como resultado, este artigo pode observar o complexo cenário de aplicação do direito nas redes sociais, pois é um ambiente de difícil regulação e controle pelo Estado e, por outro lado, a lei precisa encontrar limites de atuação para no intuito de criar proteções não acabar violando outros direitos fundamentais, como o direito a Liberdade, por exemplo.

Palavras-chave: Direitos de Personalidade; Redes Sociais; Privacidade.

Abstract: This paper aims to analyze the legal relationships that are involved in the context of human interactions through social networks. Among these relationships, the protection and violation of Human Personality Rights stands out. The Rights of the Personality are those basic and fundamental rights for the realization of the individual as a human person and for the exercise of his rights and duties as a citizen. Thus, Personality Rights protect subjective rights such as integrity, privacy, honor, intimacy, among others. In social networks, the human personality finds an environment conducive to its broad manifestation, but also runs constant risks of violations. For this reason, it is important to analyze the influence of social networks in the legal order and how the laws can be used for the protection of the Personality as a legal asset protected by the state. Through a qualitative research, of an inductive and analytical character, based on the review of academic articles and literature of juridical doctrinators that deal with the proposed subject, it was possible to develop a theoretical article addressing the protection of the personality rights in the Brazilian legal system, the juridical innovations social networks and the influence of these networks in the protection of these personality rights. As a result, this article can observe the complex scenario of law enforcement in social networks, since it is an environment of difficult regulation and control by the State and, on the other hand, the law must find limits of action in order to create protections do not end violating other fundamental rights, such as the right to Freedom, for example.

Keywords: Personality Rights; Social networks; Privacy

 

1 INTRODUÇÃO

O fenômeno das Redes Sociais virtuais se tornou universal, dificilmente se encontra alguém que tenha escapado do seu raio de influência. Estes novos espaços de interação humana cresceram e crescem como instrumentos de comunicação, informação e também de socialização, reproduzindo no meio virtual interações que, até então, eram mais restritas às interações humanas interpessoais de forma física. A expansão destas redes levanta uma série de considerações éticas, morais e legais, pois, na carona das postagens, curtidas e comentários, vão também uma série de informações pessoais dos indivíduos que utilizam estas ferramentas. Estas informações, dados, possuem significativo valor, não apenas para a contínua expansão das redes, mas também valor de mercado. Vão também significativa carga de projeção do que pensamos sobre o outro, sobre grupos sociais, política, estilo de vida, dentre outras formas de materialização do pensamento humano. Há uma lógica de mercantilização das relações humanas e dos dados pessoais dos indivíduos com objetivos que vão desde o aspecto económico até aos aspectos políticos (COSTA, 2012).

            Costa (2012), destaca o potencial manipulador das redes sociais. Nela s sec riam uma cultura de espetáculo e se transformaram em mais um meio de manipulação e controle de massas. A lógica de mercado no mundo virtual insere-se em ambientes antes mais individualizados, como a cultura do corpo e da imagem individual e a utilização das informações pessoais para fins publicitários, além da constante cultura de vigilância do outro e dos modelos apresentados e representados pelo outro. Os usuários das redes sociais têm a necessidade de serem vistos, lidos, emitir opiniões, comentados, debatidos, ou seja, expondo-se constantemente, em relação aos seus gostos, preferências, relacionamentos e, assim, traçando um perfil de comportamento e personalidade.

Tal volume de informações e interações tem provocado significativas transformações no modo de vida contemporâneo, alterando padrões e referências sociais, financeiros, urbanísticos, de comunicação, de produção, psicológicos, dentre outras alterações. A vida conectada a aparelhos como computadores e smartphones transforma estes instrumentos em verdadeiras carteiras de armazenamento digital de identidade do usuário, criando o contínuo fluxo de informações que não ficam restritas apenas aos donos destes equipamentos e usuários das redes sociais.

Mas as chamadas redes sociais são redes especialmente criadas para a sociabilidade, para a interação entre pessoas nelas conectadas. De maneira geral, são programas de comunicação por computadores em que cada usuário se conecta a partir de um convite pessoal, preenchendo cadastro individual pelo qual traça um perfil de gostos, tendências, hábitos e informações pessoais; imagens, parentescos, participação institucional e interesses, que vão de relacionamentos afetivos a jogos e entretenimento (COSTA, 2012, p. 97).

Diante do contexto apresentado sobre as redes sociais, é possível ter uma melhor ideia de como este fenômeno pode influenciar e se relacionar com o direito. Assim como as redes sociais, o direito é algo criativo e que se desenvolve com os processos culturais e históricos das sociedades, deste modo, não poderia ficar de fora desta inovação nas relações humanas. Vale destacar que, recentemente, diversos movimentos políticos surgiram de movimentos organizados através das redes sociais e transformaram a política em diversas regiões do mundo, consequentemente, modificaram o curso da vida de inúmeras pessoas. Neste sentido e conforme muito bem abordado por Soares e Gênova (2016), “ O direito enfrenta diversos desafios e se vê na função de preencher as lacunas que surgem. Deve o direito entender e acompanhar as novas tecnologias, de forma a manter a paz social e o Estado Democrático de Direito”.

A necessidade de o Direito entender e lidar com as transformações sociais é extremamente relevante para o cenário das redes sociais, um ambiente em que tende a virtualizar as personalidades, vontades e pensamentos humanos. Estas redes se transformaram em uma extensão da cognição e dos simbolismos humanos. E, apesar das facilidades trazidas, elas podem funcionar como uma faca de dois gumes. Elas aproximam pessoas, mas também as expõem e as separam. Elas facilitam o compartilhamento de ideias, tanto construtivas como destrutivas, elas favorecem o lazer, mas também reforça uma cultura do supérfluo, da imagem e de vigilância, aprisionando. E, com tudo isso junto, ela alimenta e retroalimenta um gigantesco conglomerado de informações personalizadas sobre cada indivíduo que nelas circulam.

Apesar de ser uma extensão virtual da vida e do pensamento humano, as redes sociais representam um desafio ao direito justamente no que compete à manutenção do Estado Democrático de Direito, garantia dos Direitos Fundamentais e da dignidade da pessoa humana. Trata-se de um ambiente que não reflete exatamente as relações jurídicas até então travadas e é um local onde a lei e o Estado têm maiores dificuldade de regulamentar e controlar. Neste ponto, insere-se ainda outra questão relevante: até aonde vai o poder de controle e regulamentação do Estado na internet, como um todo, e especificamente nas redes sociais, sem que ele esteja interferindo nos direitos e liberdades individuais e coletivos, como a livre expressão e manifestação de pensamento, livre exercício de profissões, dentre outros? Para Soares e Gênova (2016) este ambiente virtual também deve ser um espaço que se faz cumprir garantias constitucionais, como a vedação do anonimato e a tutela contra a violação de direitos básicos relativos à privacidade e intimidade da pessoa.

Ora, quando se fala exposição da vida individual, utilização e comercialização de imagens e dados pessoais dos indivíduos, há necessariamente que se falar em estruturas que esbarram no Direito de Personalidade das pessoas. Estes direitos não podem e não devem ser tolhidos pelo Estado (como o próprio direito de fazer parte de uma rede social e nela se manifestar), mas também não podem ser violados livremente por terceiros (como a utilização dos dados das informações criadas por estes usuários nestas redes, ou usar-se da liberdade para agredir e atacar outras pessoas no meio virtual). A situação mostra-se mais complexa do que se pode imaginar.

            Mas afinal, o que seriam os Direitos da Personalidade e porque eles estariam intrinsecamente relacionados com a realidade das Redes Sociais virtuais? Os Direitos da Personalidade são extraídos da Dignidade da Pessoa Humana como valor fundamental no ordenamento jurídico brasileiro e expressamente previsto na Constituição Federal do Brasil. Deste meio, extrai-se os Direitos de Personalidade, que são frutos da influência do direito francês e germânico do Pós-Segunda Guerra Mundial, por conta das repercussões negativas do nazismo contra a individualidade das pessoas e contra a humanidade em geral. Para Farias e Rosenvald (2017), “considerando que a personalidade é um conjunto de características pessoais, os direitos da personalidade constituem verdadeiros direitos subjetivos, atinentes à própria condição da pessoa”. Os autores destacam que estes direitos são atinentes à defesa e livre disposição de diferentes aspectos da pessoa, seja físico, psíquico, intelectual, sexual, ou outros quaisquer. “Os direitos da personalidade estão, inexoravelmente, unidos ao desenvolvimento da pessoa humana, caracterizando-se como garantia para a preservação de sua dignidade. (FARIAS; ROSENVALD, 2017, p. 183-184).

Farias e Rosenvald (2017), destacam que os direitos de personalidade estão diretamente correlacionados com as liberdades públicas; liberdade de impressa; liberdade de expressão; direitos autorais e de imagem; proteção da imagem da pessoa morta; direito à vida; direito à integridade física, psíquica e intelectual; dentre outros que, em suma, contribuem para o sentimento de realização pessoal do indivíduo e para o exercício de sua vida em sociedade. Por si só este parágrafo é suficiente para explicar a correlação entre os Direitos da Personalidade e o universo das Redes Sociais. Tendo estes direitos como a tutela do estado sobre as condições e capacidades individuais de realização da pessoa humana na vida em sociedade, estende-se o ambiente de relacionamento humano para as redes sociais e a elas também se estende a abordagem sobre os direitos de Personalidade.

Neste contexto, este trabalho tem por objetivo melhor abordar a correlação do direito contemporâneo com a realidade, cada vez mais presente e influente das redes sociais no cotidiano da vida das pessoas, sem pretensão de exaustão do assunto, vista a sua abrangência e complexidade. Através de uma pesquisa qualitativa, de caráter indutiva e analítica, baseada na revisão de artigos acadêmicos e literatura de doutrinadores jurídicos que tratam do assunto proposto, foi possível desenvolver um artigo teórico abordando a tutela dos direitos de personalidade no ordenamento jurídico brasileiro, as inovações jurídicas advindas das redes sociais e a influência destas redes na tutela destes direitos de personalidade.

 

2 A TUTELA DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

            A existência da pessoa humana é tratada como um Objeto de Direito, tutelado pelo Estado brasileiro. O indivíduo deve ser respeitado de maneira incondicional, em suas particularidades biológicas, físicas, culturais, sociais, psicológicas. A personalidade não é encarada no ordenamento jurídico pátrio como um mero direito e dever de obrigação.  Trindade (2009, p. 88), aborda em seu livro que a personalidade “é um conceito sobre o qual se apoiam os direitos a ela inerentes”, que o indivíduo detém desde o momento da expectativa de vida, com a concepção. Os Direitos da personalidade podem ser extraídos de um direito mais abrangente, que é a dignidade da pessoa humana, mas também servem de influência à uma serie de outros direitos no exercício da vida civil, como o direito à vida, ao nome, à honra, à imagem, integridade. E, quando se positiva ou se interpreta tais direitos, não significa que suas finalidades são limitadas, pelo contrário. A existência destes direitos não diz respeito apenas à sua garantia, mas refere-se, principalmente, à sua real utilidade e aplicabilidade. Deste modo, o Estado é responsável por regular relações sociais que, além de manter a vida, garantir o nome e a honra, por exemplo, tenha condições também de garantir uma vida com dignidade, um nome condizente com as condições do indivíduo, a proteção de sua honra e de sua imagem contra ataques de terceiros e assim por diante. 

            Neste cenário, a própria norma expressa no Direito Constitucional brasileiro e as interpretações extensivas de direito, através de um árduo processo hermenêutico concretista, possibilitam compreender o caráter de fundamentalidade e importância existente na proteção aos direitos da personalidade no Ordenamento jurídico brasileiro. Como fundamentação desta afirmação, basta a observação da letra crua da norma constitucional positivada em diversos Artigos da Constituição. Tais como a proteção da cidadania e da dignidade da pessoa humana presente já no Artigo 1º, incisos II e III, respectivamente. Também podem ser citados os incisos IV e V, com garantias à livre iniciativa e ao pluralismo político, como fundamentação à proteção da personalidade.

A construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos ou qualquer forma de discriminação, promovendo o bem a todos, são objetivos fundamentais da República, expressamente previstos no Artigo 3º da Carta Magna. O extenso rol, e não exaustivo, dos direitos e garantias fundamentais previstos no Título II da Constituição Federal, ressaltando a proteção aos direitos e deveres individuais e coletivos, como a igualdade, liberdade, segurança, propriedade, crença, imagem, comunicação, associação civil, honra, dignidade, dentre vários outros. Também são protegidos os direitos sociais, dos trabalhados, famílias, instituições, cargos, dentre uma série de outras proteções em diversos locais da Constituição que reforçam o entendimento de um conceito maior que o próprio direito ali expresso: a personalidade. Todos estes direitos (e muitos outros), são condições básicas e necessárias para o exercício da cidadania e a realização pessoal dos indivíduos e se relacionam diretamente com o conceito de personalidade.

  O atual código Civil Brasileiro reconhece os Direitos da Personalidade, expressamente, em seu Capítulo II, entre os Artigos 11 a 21, em que regula aspectos como a natureza jurídica destes direitos, a proteção civil, a responsabilização civil, as disposições dos direitos de personalidade, a proteção da vida privada e outros aspectos relativos à personalidade humana. As personalidades e capacidades jurídica dos indivíduos são precipuamente reguladas entre os Artigos 1º e 10º da mesma Lei. (BRASIL, 2002).

A Lei Civil traz proteções e garantias para a proposição de ações judiciais no caso de violação destes direitos de personalidade, mesmo que seja apenas ameaça de violação. A norma inclusive preserva os direitos de personalidade post mortem, em honra da imagem do de cujus e de sua família. Através da leitura da Lei é possível perceber que os direitos de personalidade são intransmissíveis, irrenunciáveis pelo indivíduo e insuscetíveis de limitação voluntária, com as exceções apenas aos casos previstos em leis, como o da exploração da imagem, da propriedade, propriedade autoral e outros. O indivíduo é protegido contra disposição voluntária do corpo para atos que coloquem em risco sua integridade física, salvo em casos de necessidade médica ou para os casos de pesquisas científica autorizados pela lei (BRASIL, 2002).

Para o tema em debate, é de significativa relevância a redação dos Artigos 17 ao 21 do Códex Civil, que prevê a proteção à utilização indevida do nome da pessoa para promover desprezo público; utilização sem autorização para propagandas de cunho comercial; publicação, exposição e utilização indevidas da imagem da pessoa que possam atingir sua honra e integridade ou para fins comerciais e a proteção da vida privada (BRASIL, 2002).

É justamente entre estas proteções que podem ser encontradas as maiores relevâncias do direito para a vivência da realidade nas redes sociais, onde nomes, imagens, opiniões, e intimidade são publicados compartilhados, armazenados para diversos fins que vão muito além da autonomia da vontade do indivíduo. Muitas vezes são utilizados, até mesmo sem qualquer conhecimento da pessoa, justamente para os casos em que a lei busca proteção: propaganda indevida, finalidade comercial, desonra, desrespeito e outras. Toda e qualquer violação destes direitos, mesmo que no meio virtual, são passíveis de ações civis reparatórias em conformidade com a previsão do Artigo 12 da Lei Civil, sem prejuízo a outras sanções aplicáveis em conformidade com a lei.

A proteção ao direito da personalidade não está presente apenas no âmbito da vida civil, também há uma série de previsões penais que tipificam crimes ou infrações penais que possam ferir bens jurídicos atrelados ao conceito de personalidade do indivíduo. Para este estudo, merecem destaque os Crimes contra a honra (calúnia, difamação, injúria - do Artigo 138  ao 145); crimes contra a liberdade individual como o Crime de Divulgação de segredo (Artigo 153); Crimes contra a propriedade imaterial, através dos Crimes contra a propriedade intelectual (Artigo 184); Crimes contra o sentimento religioso (Artigo 208), sem contar outros dispositivos da Lei Penal, bem como possíveis de encontrar em leis especiais que também têm como objeto a proteção de um bem jurídico ligado à personalidade do indivíduo.

Conforme visto acima, os crimes mencionados são crimes passíveis de serem cometidos em redes sociais, especialmente os crimes contra a honra. São crimes tipificados com a finalidade de proteger o indivíduo de lesões contra situações que afetem à sua realização pessoal no convívio em sociedade. Pois, conforme bem abordado por Gomes (2010), a personalidade é um atributo intrínseco ao ser humano e não pode ser violado, merecendo especiais proteções por parte do Estado.

Uma questão, porém, merece destaque. Gomes (2010), chama atenção para o exercício destes direitos de personalidade. Ser sujeito de direitos de personalidade, todos os indivíduos são, entretanto, não significa que o exercício destes direitos possa ser praticado indiscriminadamente. O Estado, enquanto ente regulador das relações sociais, tem por dever regulamentar as condições e limites destes exercícios, justamente para que não sejam estes direitos invocados de forma inequívoca. Aqui vale a observância de dois jargões, ou mesmo princípios muito utilizados no meio jurídico: “o direito de um termina quando começa o direito do outro” e, “tudo é lícito desde que a lei não proíba”.

Em consonância com análises feitas por Roselvald (2017) e Gomes (2010), o Estado precisa regulamentar as atividades humanas para que um indivíduo não exceda seus direitos sobre outro indivíduo, suportando-se sobre o argumento de que estaria agindo sobre a proteção de seus valores, interesses, honra, crenças e outros.  O Direito não pode ser lesivo e nem servir de base para a vingança privada. A proteção jurídica dos direitos da personalidade refere-se à garantia de seu exercício e, ao mesmo tempo, à proteção contra a lesão, ensejando responsabilidade sobre o ofensor, seja civil ou criminalmente falando.

Apesar de os direitos da personalidade serem, em regra, ligados a aspectos subjetivos, a sua materialização e, principalmente, a sua violação podem ter reflexos objetivos, mais precisamente em bases patrimoniais. A responsabilização pode cair sobre o patrimônio (Direitos Reais) do ofensor, como a responsabilização civil em indenizar por danos morais ou nos casos de crimes contra a honra previstos no direito penal, por exemplo. Nos casos de violações criminais, a repercussão da violação de um direito de personalidade pode ser ainda mais gravoso, ensejando em penas restritivas de direitos ou até mesmo privativas de liberdade.

 

3 A INFLUÊNCIA DAS REDES SOCIAIS NA TUTELA DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE

Como pode ser observado na seção anterior, os direitos de Personalidade se ramificam em diferentes formas de proteção da lei civil, penal, além da constitucional. As redes sociais, nesse sentindo, funcionam como espaço de interação social, abrangendo as possibilidades de manifestação, bem como de violação aos direitos de Personalidade. Nem só de interações intencionais vivem as redes sociais. Elas funcionam como um gigantesco sistema de coleta e armazenamento de dados que podem ser compilados com o objetivo de traçar perfis pessoais, de grupos sociais e favorecer campanhas publicitárias, movimentos sociais e políticos. Tudo isso em uma velocidade e precisão jamais vistas antes e, na grande maioria das vezes, sem qualquer consentimento ou autorização por parte dos usuários. Neste caso, em específico, existe uma notável violação à proteção da intimidade e da vida privada, positivada no Artigo 21 do Código Civil.

O recente caso do escândalo de comercialização de dados envolvendo o Facebook é um exemplo do que acima foi exposto. Uma empresa parceira da rede social Facebook, obteve dados pessoais de mais de cinquenta milhões de usuários e utilizou para o direcionamento personalizado de mensagens e propagandas políticas nas ultimas eleições dos Estados Unidos da América. O objetivo da empresa ela “compilar perfis psicométricos que classificam as pessoas por tipo de personalidade, de modo a que pudesse encaminhar a elas mensagens políticas com maior probabilidade de influenciar suas decisões” (HUCHLER, 2018). O caso é preocupante e gerou um escândalo global na rede social citada, pois, a mesma empresa pode estar envolvida com repercussões políticas em outros países e, havia inclusive a suspeita de que poderia ser aplicada ferramenta simular durante as próximas eleições no Brasil.

De acordo com a reportagem do Jornal Folha de São Paulo, de 25 de março de 2018, editada por Hannah Huchler, que veiculou estas informações, o modelo de funcionamento do Facebbok é baseado em um modelo de negócios voltado para a publicidade direcionada aos seus usuários, com pouca atenção à proteção da privacidade das pessoas. Ora, como já mencionado neste estudo, a privacidade é uma das manifestações dos Direitos de Personalidade. Este modelo não é exclusividade do Facebook, o Google também utiliza, com ostensiva vigilância sobre o comportamento dos usuários na internet, como a observação sobre o que se pesquisa na rede, localização da pessoa, compras, comentários, relacionamentos, dentre outras inúmeros possibilidades de armazenamento de dados que possam melhor estruturar a formação de um perfil sobre a personalidade do indivíduo. 

Outra questão que afeta a vida nas redes sociais e que tem impactos legais penais, além de civil, são crimes praticados contra a honra individual, por exemplo. Devido à facilidade de informações e imagens de terceiros, é fácil a utilização de dados de outras pessoas para se fazer perfis falsos, com objetivos diversos como, vasculhar a vida alheia, ou cometimento de injúrias, difamação e calúnias. Outro problema muito identificado são atentados ao Direito ao Esquecimento, não só de fatos já ocorridos com a pessoa, mas também em relação ao não armazenamento de dados pessoais do indivíduo pelas redes sociais após este excluir sua conta. (VERÍSSIMO, 2012). Este autor chama a atenção para a proteção da privacidade e da honra individual nas redes sociais, contra aos administradores destas redes e também contra outros usuários. A liberdade de expressão não pode ser livremente invocada para permitir que os usuários denigram a imagem um do outro, ou se utilizem de imagens e dados pessoais sem autorização.

No Brasil, a Lei 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet ou Constituição da Internet, é um reflexo desta influência do mundo digital no mundo jurídico. Esta lei tem por objetivo trazer e disciplinar as responsabilidades quanto a utilização da internet, dos prestadores de serviços de internet e pelas empresas de conexão de usuários, como é o caso das redes sociais.

[...] foi imperativo que o Poder Legislativo e a sociedade civil se movimentassem para a aprovação de um instrumento regulatório que pudesse contribuir para o livre exercício da cidadania e do direito à manifestação e informação na rede, sem descuidar de resguardar as mais diversas garantias e direitos fundamentais constitucionalizados. O Marco Civil da Internet surgiu, portanto, mais do que como legislação regulatória, também como instrumento de cidadania e de desenvolvimento da personalidade (TAVEIRA, 2017, s.p.).

Conforme abordado por Taveira (2017), o desafio da lei consiste justamente em criar um ambiente legalmente regulado para evitar excessos e abusos, sem interferir nas liberdades individuais dos usuários, como a liberdade de expressão. Neste sentido, merecem destaque algumas considerações trazidas pela lei ao que se refere aos conteúdos postados na internet:

a)    O provedor de aplicações de internet não pode ser responsabilizado por conteúdos postados por terceiros e também não podem promover censura prévia de conteúdo. Mas, podem ser responsabilizados em caso de descumprimento de ordem judicial para retirada de conteúdo, cabendo inclusive ações de tutela antecipada para tentar acelerar a retirada de conteúdo danoso. Ou ainda, nos casos que envolvam exposição de nudez ou sexo, sem autorização dos envolvidos, deverão retirar o conteúdo do ar mediante a provocação do ofendido, não necessitando de ordem judicial para tal fato.

b)    Os provedores de aplicações poderão remover conteúdos que entenderem violadores de seus termos de serviços e políticas de privacidade.

Para Taveira (2017), o Marco Civil da Internet não trouxe grandes inovações na regulamentação das atividades postadas nas redes, notadamente nas redes sociais, não deixando clara a participação ou o papel de responsabilização das empresas prestadoras de serviços.

De acordo com dados obtidos no sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça, em 2017 cerca de 58% da população brasileira tinha alguma conta em rede social, sendo mais de 100 milhões de brasileiros inseridos nesta realidade de interações humanas virtuais, em um ambiente onde questões ligadas à legitimidade de informações, anonimato, privacidade, liberdade de expressão, dentre outros aspectos, tomam proporções e capacidades gigantescas.

 

4 CONCLUSÃO

A discussão em torno dos direitos de Personalidade é de extrema importância quando o debate envolve novos contextos sociais, como ocorre com a utilização das redes sociais. Estas ferramentas da internet se tornaram mais que um meio de interação social virtual, mas uma verdadeira extensão do pensar e do padrão de vida das pessoas. Assim, a cada clique, a cada informação, imagem, curtida, texto postado nas redes sociais as pessoas estão deixando uma série de informações pessoais, padrões de comportamento, que favorecem a compilação de dados para o mapeamento de perfis pessoais e perfis de grupos sociais. Estes dados podem ser usados, sem o consentimento de seus donos e fomentadores, para interesses comerciais, políticos e institucionais diversos. As redes sociais propiciam também um ambiente que facilita a prática de violações civis e penais entre os próprios usuários, através da emissão de opiniões, utilização de imagem, veiculação de informações, que possam afetar a vida íntima, a honra e a integridade de terceiros.

Assim, as redes sociais tornaram-se um ambiente de desafio para a manutenção e proteção de direitos relacionados com os direitos de personalidade de seus usuários, necessitando de maior esforço estatal na tutela destes direitos. Entretanto, o esforço regulatório do Estado sobre estas atividades na internet esbarra em questões delicadas, como a própria violação à outros direitos fundamentais, como a liberdade de expressão.

Contudo, deve existir ponderação nos esforços legislativos e na interpretação das normas pelo judiciário para manter um ambiente em que se respeite a liberdade de expressão sem ferir os direitos de personalidade de terceiros, pois, um direito não pode ser invocado como justificativa para subjugar outros direitos. A regulamentação de atividades na internet deve traçar os limites legais e os critérios de responsabilização, tanto aos usuários infratores quanto às empresas infratoras, sem significar censura, ou qualquer outra cessação de direitos. Mais uma vez pode se dizer que o Direito encontra-se em constante evolução, de acordo com a própria evolução das relações sociais.

 

REFERÊNCIAS

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TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia jurídica para operadores de Direito. Ed. Livraria do Advogado. 3ª Ed. Porto Alegre, 2009. P. 88 – 93.

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Data da conclusão/última revisão: 23/4/2018

 

Como citar o texto:

RIDOLPHI, ,Alencar Cordeiro; RANGEL, Tauã Lima Verdan..Novos contextos, novos direitos: redes sociais e os direitos de personalidade. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1524. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/4015/novos-contextos-novos-direitos-redes-sociais-os-direitos-personalidade. Acesso em 25 abr. 2018.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.