RESUMO

Esta pesquisa teve por objetivo entender a relação existente entre os requisitos de validade exigidos pela legislação brasileira, especificamente no que tange ao artigo 595 do Código Civil, e a condição de hipervulnerabilidade do consumidor idoso analfabeto. Para tal, utilizou-se de uma pesquisa aplicada, qualitativa, descritiva, bibliográfica e documental, com de análise de conteúdo. Logo, possuiu como ponto de partida a interpretação de julgados de tribunais estaduais, explicitando qual o posicionamento de cada órgão julgador, referente a requisitos exigidos para a validação do negócio jurídico demonstrando assim, a existência de divergências de entendimentos e, a necessidade de instauração de IRDR, de modo a conferir a toda sociedade segurança jurídica.

Palavras-chaves: Consumidor. Idoso e Analfabeto. Mútuo. Validade.

ABSTRACT

The purpose of this research was to understand the relationship between the validity requirements required by Brazilian legislation, specifically with regard to Article 595 of the Civil Code, and the hypervulnerability of illiterate elderly consumers. For that, an applied, qualitative, descriptive, bibliographical and documentary research was used, with content analysis. Therefore, it had as its starting point the interpretation of state court judgments, explaining the position of each judicial body, referring to the requirements required for the validation of the legal business, thus demonstrating the existence of divergent understandings and the need to establish IRDR, in order to confer legal certainty on society as a whole.

INTRODUÇÃO

A quantidade de demandas judiciais versando sobre plano de existência e/ou nulidade dos contratos de mútuo bancário celebrado diretamente com idoso analfabeto, aliado à constatação de fraude na celebração dos instrumentos contratuais, se tornam cada vez mais constantes, e ainda, com a agravante de ter como contraente, o consumidor idoso analfabeto. Ademais, a peculiaridade do caso é de extrema delicadeza, em razão dos descontos das parcelas do empréstimo adquirido ou não, incidirem diretamente no benefício previdenciário.

No momento em que o idoso se dirige a uma agência bancária, ou, é procurado por um dos funcionários das instituições financeiras, com a intenção de celebração de um empréstimo consignado, cria-se uma confiança na probidade dos atos e ofertas da parte contrária. O Código de Defesa do Consumidor possui como um dos deveres primordiais dos fornecedores e prestadores de serviço, a informação de todos os dados relevantes para a celebração da avença, ademais, o artigo 595 do Código Civil prevê a necessidade de duas testemunhas e assinatura a rogo, tudo no fito de resguardar os direitos do consumidor que se encontra nesses casos, em uma situação de hipervulnerabilidade.

O cerne da questão gira em torno da exigência de outros requisitos de validade que não são previstos pelo ordenamento jurídico, mais precisamente no que tange a escritura pública do instrumento contratual, cuja ausência conduzirá a anulação do contrato, com a conseqüente restituição dos valores, de forma dobrada, se o magistrado reconhecer a má-fé das instituições bancárias, ou até mesmo, a declaração de inexistência da relação jurídica, a depender da tese narrada na exordial.

De certa maneira, o consumidor, idoso analfabeto, pode, de fato ter contraído o empréstimo, e aferido vantagem econômica do valor mutuado, ingressando com uma demanda judicial com evidente má-fé, seja dele, ou de seu patrono, com a finalidade de que todo aquele negócio seja anulado ou reconhecido como inexistente e venha então a ser beneficiado indevidamente com os efeitos de determinada decisão. Em contrapartida, pode ocorrer de o consumidor não ter contraído tal empréstimo e estar assumindo o ônus com reflexo direto em sua subsistência e de sua família, por mera falha na prestação de serviço ou má-fé das instituições financeiras ou de seus agentes.

Logo, a constância de decisões divergentes em torno da aplicabilidade dos requisitos de validade previstos pelo ordenamento jurídico, aos contratos de mútuo bancário com idoso analfabeto, no estado do Tocantins, tem gerado insegurança jurídica, bem como possíveis violações a garantias asseguradas ao consumidor.

Nesse sentido, como forma de solucionar o impasse, na primeira seção será realizada uma interpretação dos requisitos de validade exigidos pela legislação brasileira. Em segundo momento, uma consequente violação aos direitos do consumidor idoso analfabeto, levando-se em consideração todo o aparato de resguardo de seus interesses. Por fim, será apresentada uma possibilidade de cabimento da instauração de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) sobre o tema, com a finalidade de conferir maior segurança aos consumidores aqui abordados, além de evitar que haja brechas jurídicas para qualquer dúvida quanto à validade ou não do empréstimo celebrado.

1 VULNERABILIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA

O termo vulnerabilidade significa no âmbito jurídico: “Ponto fraco de uma questão, que é passível de sofrer uma agressão física ou moral” (Dicionário jurídico direito virtual, s/p).

Inicialmente, imprescindível se faz, a conceituação de consumidor. Para o Código de Defesa do Consumidor, é todo agente que esteja na condição de receptor final da cadeia de consumo. Nesse sentido: “Art. 2º da Lei 8.078/90: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” (BRASIL, 1990, p. 744).

O consumidor alvo desta pesquisa é o idoso analfabeto, o qual goza do status e “Hipervulnerabilidade”, ou seja, a sua vulnerabilidade por estar na posição de consumidor é ainda agravada em razão de sua condição social, qual seja a idade avançada e a ausência de alfabetização, existindo para isso proteção especial conferida pelo Estatuto do Idoso, e legislações esparsas.

No Brasil, a condição de vulnerabilidade do consumidor é presumida, diante da responsabilidade objetiva assumida pelos fornecedores de serviço através da Teoria do Risco surgindo a necessidade de proteção mais robusta àquele. Nas relações jurídicas, o lado mais fraco tende a ceder às imposições do outro de maneira facilitada, fazendo-se necessário a intervenção de Estado, que será representado pela figura do Juiz, caso uma das partes, mais especificamente o consumidor, sinta-se lesado e com direitos feridos pela prática de ato ilícito da parte adversa.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXIII prevê expressamente que o Estado promoverá os direitos do consumidor. Logo, a condição de vulnerabilidade do consumidor é algo que foi reconhecida desde os tempos mais remotos e manteve-se firme até então.

O artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor estabeleceu hipóteses de nulidade de cláusulas contratuais que colocarem o consumidor em condição manifestamente desigual e prejudicial. Além do mais, o Código Civil/2002, em seu art. 595, definiu os requisitos necessários de validade de contratos celebrados pelo consumidor idoso analfabeto.

O sentido de vulnerabilidade nos remete à ideia de fraqueza, lado da relação jurídica que tende a se romper mais facilmente. Nesse sentido, importante ressaltar a diferença entre risco e vulnerabilidade, porém, estão inter-relacionadas, de modo que, a segunda somente existirá quando houver um risco para o consumidor. Assim como existem mais de uma espécie de analfabetismo, também há mais de uma vulnerabilidade.

A vulnerabilidade técnica ou fática decorre do fato de o consumidor não possuir conhecimentos específicos sobre os produtos ou serviços adquiridos, ficando sujeito à presunção de boa-fé do fornecedor. Esta deficiência do consumidor confere direitos a prazos para arrependimentos do negócio celebrado, bem como garantias estendidas. Nesse sentido:

PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. FORNECIMENTO DE UNIFORMES. DEFEITO DE FABRICAÇÃO. VULNERABILIDADE TÉCNICA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REGRA DE INSTRUÇÃO. EFEITOS. (Processo 20160111119963 DF 0032183-93.2016.8.07.0001, Rel:MARIA DE LOURDES ABREU, julgado em 20.06.2018, 3ª Turma Cível TJDF, Dje: 29.06.2018).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SERVIÇO DE TELEFONIA. RELAÇÃO DE CONSUMO INTERMEDIÁRIA. V U L N E R A B I L I D A D E T É C N I C A. APLICABILIDADE DO CDC. - Mesmo quando a contratação do serviço de telefonia ocorre para o incremento de atividade produtiva, caracterizando consumo intermediário, a demonstração de vulnerabilidade técnica do contratante em face do fornecedor impõe a aplicação das regras protetivas do Código de Defesa do Consumidor. - Provada a 162 SCIENTIA IURIS, Londrina, v.21, n.1, p.155-188, Mar.2017 DOI: 110.5433/2178-8189.2017v21n1p155 VULNERABILIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA NO CONTRATO EXISTENCIAL DE CONSUMO cobrança indevida e não sendo ela decorrente de engano justificável, posto que, abusiva e eivada de má-fé, a repetição do indébito deve ocorrer por valor igual ao dobro daquele que foi pago (BRASIL, 1990, p. 9).                          

A jurídica está relacionada à dificuldade que o analfabeto possui em tutelar seus direitos, frente a exigências técnicas e formais que fogem a sua realidade ou seu conhecimento, além da falta de malícia, que facilitam indução a erro. Por fim, ainda existe a econômica e social, reflexo da disparidade entre o consumidor analfabeto e os fornecedores, onde suas vontades ficam limitadas a cláusulas unilateralmente estabelecidas nos contratos de adesão.

O analfabetismo não é circunstância que torna o sujeito civilmente incapaz para a celebração de contratos decorrentes de mútuo bancário, mas que exige, no entanto, a adoção de cautelas especiais, notadamente no fito de dar cumprimento ao direito básico de informação sobre o serviço prestado, por incidir à situação o Código Consumerista (art. 6º, III, da Lei n.º 8.078/1990).

Nos contratos de mútuo bancário, há a prevalência da vulnerabilidade fática e técnica, em razão da ausência de conhecimento dos termos que estão sendo compactuados, fato que contribui para serem colocados prejudicados sem grandes complicações.

Diante desta vulnerabilidade do analfabeto, incumbe aos fornecedores de serviços, em respeito aos princípios da boa-fé e lealdade contratual suprirem a quantidade de fatores que venham a conferir informações suficientes, uma vez que, aquele consumidor em análise além de idoso, é analfabeto, logo hipervulnerável.

A hipossuficiência está relacionada com a situação econômica da parte, com os recursos financeiros que possui, dependendo de comprovação inequívoca. Já a vulnerabilidade, diz respeito à fraqueza presumida dos consumidores nas relações de consumo, logo sua presunção é absoluta.

[...] Claro que essa vulnerabilidade se reflete em hipossuficiência no sentido original do termo — incapacidade ou fraqueza econômica. Mas o relevante na hipossuficiência é exatamente essa ausência de informações a respeito dos produtos e serviços que adquire (NUNES, 2012, p. 676).

Logo, a condição de hipervulnerabilidade do consumidor idoso analfabeto, o coloca em uma relação de desvantagem dentro das relações contratuais, fazendo jus a cautelas de proteção específicas. Porém, a ausência de entendimento pacífico quanto à aplicabilidade ou não do artigo 595 do Código Civil, agravam essa situação e as decisões conflitantes levam a constante insegurança jurídica.

                                     

2 REQUISITOS DE VALIDADE PARA O CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO CELEBRADO COM CONSUMIDOR IDOSO ANALFABETO

Primeiramente importante ressaltar que, para melhor compreensão de quais sejam os requisitos específicos para validar o contrato de mútuo bancário contraído por idoso analfabeto, imprescindível uma abordagem inicial a respeito dos elementos de validade exigidos pelo Código Civil para os negócios jurídicos em gerais.

Negócio jurídico pode ser conceituado como a união de duas ou mais pessoas, com manifestação de vontade válida e interesses a serem satisfeitos, valendo-se de sua liberdade de posicionamento. Essa volição deve ser tanto para a prática do ato, quanto em relação à produção de seu resultado e efeitos para o mundo jurídico.

Com a atualização do Código de Processo Civil, surgiu também a figura dos negócios jurídicos processuais. Segundo o nobre doutrinador Fredie Didier Jr., o negócio jurídico possui força de lei, dotado de característica erga omnes, é a parte que regula todo o ordenamento jurídico. 

Negócio processual é o fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático se confere ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais ou alterar o procedimento. Sob esse ponto de vista, o negócio jurídico é fonte de norma jurídica processual e, assim, vincula o órgão julgador, que, em um Estado de Direito, deve observar e fazer cumprir as normas jurídicas válidas, inclusive as convencionais.  O estudo das fontes da norma jurídica processual não será completo, caso ignore o negócio jurídico processual (DIDIER, 2016, p. 02).

Deste modo, o requisito volitivo é, conforme entendimento doutrinário predominante, indispensável para que o campo de validade seja alcançado. O legislador teve a preocupação de estabelecer as formas que o negócio jurídico deve se revestir, prevendo hipóteses de inexistência de efeitos diante da inobservância das determinações legais.

Para que um negócio jurídico em todas as relações, inclusive consumerista, exista, os agentes celebrantes devem se atentar a uma série de pressupostos mínimos, determinados pelo artigo 104 do Código Civil (BRASIL, 2002, p. 140).

Na redação deste dispositivo legal, no que tange a existência do negócio jurídico, são estabelecidos apenas substantivos, sem qualquer qualificação, sendo eles: partes, vontade, objeto e forma.

Analisando a seara da validade, aprofunda-se nos requisitos do artigo 104 do Código Civil, mais precisamente no que tange à capacidade do agente, validade da manifestação de vontade, objeto deve ser lícito, possível, determinado ou ao menos determinável e a forma prescrita por lei.

Para o código civil, considera-se absolutamente incapaz os menores de 16 (dezesseis) anos, e relativamente os que tiverem idade maior de 16 (dezesseis) anos e inferior a 18 (dezoito) anos, com fulcro no art. 3º e 4º, inciso I.

De acordo com Fredie Didier Jr. (2016, p.7): O juridicamente incapaz presume-se vulnerável. Mas há quem seja juridicamente capaz e vulnerável. As posições jurídicas de consumidor e de trabalhador costumam ser apontadas como posições vulneráveis, nada obstante envolvam sujeitos capazes, hipótese específica de incapacidade processual é conferida pela situação de vulnerabilidade, diante da ausência de assessoramento técnico-jurídico, porém não deve ser presumida.

[...] Nesses casos, a vulnerabilidade precisa ser constatada in concreto: será preciso demonstrar que a vulnerabilidade atingiu a formação do negócio jurídico, desequilibrando-o. Não por acaso o parágrafo único do art. 190 do CPC/2015 diz que o órgão jurisdicional somente reputará nulo o negócio quando se constatar a "manifesta situação de vulnerabilidade". Um indício de vulnerabilidade é o fato de a parte não estar acompanhada de assessoramento técnico-jurídico.  Assim, nada impede, em tese, a celebração de negócios processuais no contexto do processo consumerista ou trabalhista. Caberá ao órgão jurisdicional, em tais situações, verificar se a negociação foi feita em condições de igualdade (DIDIER, 2016, p. 7).

A manifestação volitiva válida é o elemento crucial para a celebração, existência e validade de um negócio jurídico. A verdadeira intenção das partes deve ser priorizada quando entrar em conflito com o texto literal é o que dispõe o artigo 112 do Código Civil. Para Marques (2005, p. 62): “Por trás da teoria da autonomia da vontade, está à ideia de superioridade da vontade sobre a lei. O direito deve moldar-se à vontade, deve protegê-la, interpretá-la e reconhecer a sua força criadora.”

O consentimento expresso poderá ser escrito ou verbal, que estará consubstanciado em um documento público ou particular. O tácito se configura quando as partes praticam atos que levam a conclusão de anuência, porém esta não é a regra, mas sim a exceção.

Quando o negócio não for revestido nas formalidades necessárias para o caso concreto, será declarado nulo de pleno direito (artigo 166, incisos IV, V do CC) (BRASIL, 2002, p. 143).

Deve ser dada uma interpretação de boa-fé aos negócios jurídicos, em alguns casos diante das condições, o magistrado adotará sempre a compreensão dos dispositivos legais que sejam mais benéficos ao aderente, é o caso das relações consumeristas (art. 423, do Código Civil e 47 do Código de Defesa do Consumidor), é o raciocínio de Tartuce (2017, p. 243).

Quanto ao objeto, este deve ser lícito, isto é, permitido pela legislação; Possível, dentro do plano jurídico e fático, uma vez que, se a prestação não puder ser cumprida pela parte aderente, o negócio não se consumará. Determinado ou ao menos determinável, para que não haja dúvida sobre qual seja o interesse das partes e não resulte em consequente inadimplemento contratual.

Assim, somente é possível negociar comportamentos lícitos. São nulos, por exemplo, o negócio processual em que uma parte aceite ser torturada no depoimento pessoal e o negócio em que as partes aceitem ser julgadas com base em provas de fé (carta psicografada, por exemplo) (DIDIE, 2016, p. 8,9).

Logo, a inobservância de qualquer um dos requisitos impostos pelo art. 104 do Código Civil, acarretará a nulidade do negócio jurídico, absoluta ou relativa também chamada de anulabilidade, em razão de vícios, que segundo Tartuce (2017, p. 261) atingem a vontade do agente, gerando uma repercussão social. O Código civil, em seu artigo 171, prevê hipóteses de anulabilidade do negócio jurídico: “Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico por: I- por incapacidade do agente; II- por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores”.

O erro trata-se de situação em que o sujeito da relação jurídica é colocado em uma falsa percepção da realidade, acreditando estar celebrando negócio totalmente diverso do verdadeiro, que para grande corrente doutrinária, deve ser escusável, justificável e de fácil percepção por pessoa que seja cautelosa. 

Por outro lado, Tartuce (2017, p. 262) fundamenta que o erro não precisa mais ser justificável, uma vez que, ainda que uma das partes esteja em erro da situação, caso a outra tenha conhecimento efetivo e permaneça em silêncio, ainda que o seja grosseiro, caberá anulação do negócio jurídico. Para este doutrinador, o instituto do erro é equiparado ao da ignorância, pois o sujeito engana-se sem a participação de qualquer outra pessoa.

Vale ressaltar que, o erro acidental, aquele onde as partes do negócio possuem conhecimento sobre a sua existência e o consumam, não é capaz de invadir o plano de validade.

A segunda hipótese de anulabilidade do negócio jurídico é pelo dolo, que é quando uma das partes do negócio jurídico emprega meio ou artifício ardiloso para induzir a outra à prática de ato que não praticaria espontaneamente, com objetivo de obter vantagem indevida em detrimento do prejuízo da outra. Esse dolo deve ser necessário para a formação do negócio, caso contrário, não será causa de anulabilidade, mas apenas em uma hipótese de responsabilidade civil.

Dolo na responsabilidade civil, não está relacionado com um negócio jurídico, não gerando qualquer anulabilidade. Se eventualmente atingir um negócio jurídico, gera somente o dever de pagar perdas e danos, devendo ser tratado como dolo acidental- art. 146 do CC. Dolo no vício do negócio é considerado o motivo para a celebração da avença- art. 171, inciso II, do CC. (TARTUCE, 2017, p. 267).

A coação é a atitude de forçar a outra parte, seja física ou moralmente, compelindo-a a realizar o negócio jurídico, assumindo uma obrigação que não lhe traga benefícios. Conforme o artigo 151 do Código Civil, para que a coação seja apta a ensejar a anulação do negócio, é necessário que tenha relevância, e cause temor ao negociante, à sua própria vida, de sua família e de seus bens (BRASIL, 2002, p. 142).

Conforme artigo 156 do Código Civil será considerado estado de perigo como causa de anulabilidade do negócio jurídico, quando a vida do contratante, ou de pessoa próxima a ele esteja exposta a risco, e seja essa situação o fundamento para a realização do negócio. (BRASIL, 2002, p. 142).

Imprescindível se faz, o conhecimento do vício pela outra parte, e então passa a agir de modo a beneficiar-se da situação, vindo a alcançar a consumação da avença contratual.

Incorrerá a lesão quando, decorrente de urgente necessidade ou inexperiência, o sujeito acabar assumindo uma prestação excessivamente onerosa em relação à outra parte, não se confundindo com o emprego de artifício como ocorre no dolo, artigo 157, caput do Código Civil. (BRASIL, 2002, p. 142).

Uma vez verificado a ocorrência de qualquer um dos dois elementos subjetivos, e visualizado como fator determinante para a conclusão do negócio, restará configurado hipótese de anulabilidade.

Na fraude contra credores, encontra-se um devedor insolvente ou na iminência de tornar-se, atuando maliciosamente a fim de dilapidar todo o seu patrimônio, com objetivo de não se responsabilizar pela satisfação de seus credores.

O Código de Processo Civil prevê em seu artigo 792,§1º, que a alienação de bem litigioso não produzirá efeitos, sendo considerada fraude à execução, proteção conferida aos credores em face de má-fé dos devedores com intenção de esquivar-se do cumprimento da obrigação. (BRASIL, 2015, p. 371).

O contrato de mútuo por sua vez, pode ser conceituado de acordo com o artigo 587 do Código Civil, como um empréstimo de coisa fungível- bens móveis substituíveis por outro de mesma espécie, qualidade e quantidade- art. 85, do CC, que transfere o domínio do bem no ato da entrega, por se tratar de bem móvel, ao mutuário, que fica obrigado a restituir a coisa posteriormente.

Para ser mutuante, é necessário ter a propriedade da coisa, que pode ser definida como o exercício de todos os direitos inerentes ao bem, quais sejam usar, gozar, dispor e usufruir, não bastando ser tão somente possuidor ou mero detentor.

Ao mutuário, pessoa que se beneficia com o objeto do empréstimo, é conferida a obrigação de zelar da coisa como se fosse sua, e de restituí-la em mesma espécie da que foi outorgada (art. 586, do CC).

É um contrato real, que somente se aperfeiçoará com a entrega do bem ao mutuário, e unilateral, pois a obrigação do negócio é assumida somente por aquele que recebe a coisa, qual seja, a de devolvê-la, de modo que, seja evitado o enriquecimento ilícito.

Unilateral, porque, entregue a coisa emprestada, nada mais cabe ao mutuante, recaindo as obrigações somente sobre o mutuário. “O mútuo é o único contrato unilateral oneroso, quando feneratício”. Destarte, não se lhe aplicam as regras sobre os contratos sinalagmáticos, por exemplo, a exceptio non adimpleticontractus. (GONÇALVES, 2016, p. 749).                                                                    

Ademais, relevante salientar a necessidade de capacidade das partes mutuante e mutuário, no momento da celebração da avença, e caso o beneficiário seja menor de idade e não haja a autorização de seu responsável, o mútuo efetuado não poderá ser reavido, ou seja, ao mutuante incumbirá o ônus de suportar os prejuízos, é o que se extrai do artigo 588 do Código Civil. (BRASIL, 2002, p. 161).

Ainda no tocante à capacidade civil, em análise a diversos julgados, foi possível constatar-se a existência de contrato que foi declarado anulável, com fundamento na incapacidade do idoso analfabeto para celebração de mútuo bancário, isto porque, reputou-se como necessário para validar o negócio jurídico, a existência de escritura pública, requisito este que vai além dos exigidos pela legislação brasileira, mais precisamente no art. 595 do Código Civil que, não possui como viés, a finalidade de considerar o idoso analfabeto incapaz para a prática dos atos da vida civil, mas tão somente, reforçar sua proteção ante sua hipervulnerabilidade reconhecida.

3 CLÁUSULAS ABUSIVAS DOS CONTRATOS DE ADESÃO E CONSEQUENTE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS RESGUARDADOS PELO CDC

O analfabetismo possui diversas classificações, de acordo com o grau de instrução. O analfabeto total é aquele que não sabe ler, nem escrever. Algumas pessoas no máximo conseguem desenhar o próprio nome.

O funcional pode ser conceituado como aquele que, é de difícil mensuração quantitativa, pois, sabe ler e escrever, porém, não conseguem interpretar um simples texto.

Nas relações de consumo, aqueles analfabetos que desconhecem a escrita ou a leitura, merecem atenção mais reforçada, diante do seu grau de vulnerabilidade mais elevado, em relação a outros consumidores que conseguem assimilar palavras. Quanto menor for o nível de instrução de uma pessoa, mais fácil será ludibriada no mercado de consumo, enganando-se facilmente com aquilo que lhes é apresentado.

A Legislação Consumerista prevê um rol exemplificativo de hipóteses em que as cláusulas contratuais serão consideradas abusivas, em seu artigo 51 Lei 8.078/90.

A palavra abusiva é sinônima de excessivo, exorbitância, autoritário. Predominantemente nos contratos chamados de adesão, onde todos os termos e condições são redigidos por somente uma das partes e impostas ao consumidor. Conforme Marques (2005, p. 159): “As cláusulas contratuais assim elaboradas não têm, portanto, como objetivo realizar o justo equilíbrio nas obrigações das partes- ao contrário, destinam-se a reforçar a posição econômica e jurídica do fornecedor (...).”

Dentro deste campo de prevalência do interesse dos fornecedores/prestadores de serviços sobre o consumidor idoso analfabeto, hipervulnerável, há a possibilidade de revisão destas cláusulas abusivas e até mesmo alteração, de modo que as relações sejam equilibradas e o princípio constitucional da isonomia seja efetivado (art. 5, caput da Constituição Federal). Esclarece Nunes (2018, p. 679): “Não se trata de cláusula rebus sic stantibus, mas sim de revisão pura, decorrente de fatos posteriores ao pacto, independentemente de ter havido ou não previsão dos acontecimentos.”

O artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor considera nula de pleno direito, todas as situações que colocarem o aderente hipervulnerável em condição desvantajosa e/ ou excessiva onerosidade que impeça o cumprimento da avença. Mister ressaltar que, a decretação de nulidade de algum dispositivo não invalidará o instrumento contratual, salvo se acarretar ônus demasiado a um dos contratantes (Parágrafo 2º do dispositivo tratado). Para Nunes (2018, p. 741): “Não há que se falar em cláusula abusiva que se possa validar, ela sempre nasce nula, ou, melhor dizendo, foi escrita e posta no contrato, mas é nula desde sempre”.

A legislação Civil exige como requisitos de validade para contratos que envolvam pessoa que não sabe ler, nem escrever, assinatura a rogo e a subscrição por duas testemunhas, com o fito de conferir proteção robusta ao idoso analfabeto diante de previsões contratuais manifestamente abusivas. É o que dispõe o artigo 595: “No contrato de prestação de serviços, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas”. (BRASIL, 2002, p. 162).

Logo, a exorbitância das cláusulas será presumida em casos de ofensa aos princípios fundamentais, restrição dos direitos e garantias inerentes e essenciais ao contrato, previstos no artigo 5º da Constituição Federal, bem como quando o conteúdo ou interesse do consumidor não puderem ser executados, art. 51, §1º, inciso I a III do Código de Defesa do Consumidor. (BRASIL, 1988, s/p).

Para a incidência da legislação consumerista, mister se faz a identificação de uma parte como sendo destinatário final do produto ou serviço prestado por outra, no caso fornecedor, seja pessoa física ou jurídica, conforme se extrai dos artigos 2º e 3º da lei em análise.

A política consumerista, visa assegurar condições mais favoráveis aos consumidores, em razão do status de vulnerabilidade presumida, de forma que sua dignidade e interesse econômico sejam priorizados quando em conflito com os da parte adversa.

Nesse sentido, o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor trata de todos os direitos dos consumidores a serem observados nas relações jurídicas com eles celebrados, dentre eles destaca-se o da informação adequada e clara sobre o objeto da contratação e o de modificação unilateral de cláusulas que se mostrem abusivas.

Nos termos da CF, o direito de acesso à informação encontra-se consagrado no art. 5º, XXXIII, que preceitua que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade do Estado. Além disso, o art. 37, caput, da CF estabelece ser publicidade princípio que informa a administração pública e o cartório de protesto que exercem serviço público. (TARTUCE, 2016, p. 390).

No artigo 12º, inicia-se o capítulo que trata da responsabilidade civil dos fornecedores de serviços ou fabricantes pelos danos causados. Nesta seara consumerista, aplica-se o dever objetivo, ou seja, uma vez comprovados o fato, nexo e o dano, o consumidor fará jus a indenizações e reparações pelos eventuais prejuízos sofridos, independentemente de culpa. As figuras dos fornecedores e fabricantes, via de regra, responderão solidariamente, assegurado eventual direito de regresso.

A obrigação de informação é desdobrada pelo art. 31 do CDC, em quatro categorias principais, imbricadas entre si: a) informação-conteúdo (=características intrínsecas do produto e serviço), b) informação- utilização (=como se usa o produto ou serviço), c) informação-preço (= custo, for, mas e condições de pagamento), e d) informação- advertência (= riscos do produto ou serviço). (TARTUCE, 2016, p. 233-321).

Portanto, a previsão de prerrogativas especiais ao idoso, não significa hipótese discriminatória, tampouco tratamento desigual em relação aos demais membros da sociedade, na verdade o que ocorre é a aplicação do princípio da equidade, que determina o dever de tratar os iguais com igualdade e os desiguais, desigualmente, na medida em que se desigualam, reduzindo assim, os impactos naturais suportados com a chegada de determinada faixa etária, bem como resguardando todos os direitos dentro das relações contratuais, em que irá figurar como aderente a cláusulas pré-estabelecidas, estando resguardados todos os direitos de informação e menor onerosidade.

4 INSTAURAÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, também conhecido como IRDR, é um mecanismo previsto nos artigos 976 a 987 da Lei 13.105/2015, como sendo julgamento de casos repetitivos, que deverá ser instaurado quando em diversas demandas, houver controvérsia sobre questão unicamente de direito, ofendendo a isonomia e a segurança jurídica. 

Conforme Cunha (2016, p. 212-214), o objetivo do IRDR e dos recursos repetitivos, é conferir tratamento prioritário às questões repetitivas, gerindo-as e solucionando-as, com a escolha de pelo menos, dois processos para serem discutidos e decididos, onde tal decisão deverá ser aplicada pelos magistrados aos demais casos que estavam paralisados aguardando julgamento, por integrarem o chamado microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios.

A instauração do incidente pressupõe a existência de ao menos uma causa tramitando no tribunal, assim como a instauração do incidente para julgamento de recurso extraordinário e especial repetitivo necessita da existência de um deles na seara do tribunal superior.

Sempre que houver a multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento, onde serão selecionados dois ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao STJ ou STF para fins de afetação, determinando a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou região (art. 1.036, §1º, CPC). Neste mesmo sentido, ocorre com o incidente, o relator, suspenderá todos os processos em andamento, aplicando a tese de julgamento a todos os demais (art. 982, inciso I e 985, do CPC).

Os processos afetados deverão ser julgados dentro do lapso temporal de 01 (um) ano, conforme artigo 1.037,§4º do CPC. Caso a afetação não tenha procedência, o relator do tribunal superior deverá comunicar ao presidente ou vice-presidente do tribunal que houver suscitado o incidente, para que seja revogada a decisão de suspensão dos processos afetados, evitando-se assim, prejuízo às partes (art. 1.037, §1º, CPC).

4.1 Análise de Jurisprudências dos Tribunais Estaduais

 A legislação brasileira deixou explícito em seu art. 595 do Código Civil que, nos contratos celebrados com pessoa idosa analfabeta, são imprescindíveis, a assinatura de duas testemunhas e de uma terceira, a rogo, de modo que, seja assegurado cumprimento ao princípio/dever de informação ao consumidor. In verbis: “Art. 595: No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas (BRASIL, 2002).”

Porém, na prática, diversos tribunais tem se manifestado em seus julgados, no sentido de entender como requisito de validade desses negócios jurídicos, a escritura pública, exigência esta, sem qualquer respaldo jurídico, uma vez que, não está em nenhum dispositivo legal do ordenamento.

Esse entendimento, de um lado, impõe ônus demasiado às instituições financeiras, e de outro, confere uma possibilidade maior de anulação de tais contratos e enriquecimento ilícito ao idoso analfabeto, que, pode ter sido beneficiado com o objeto do mútuo. A escritura pública por si só, não tem o condão de afastar a efetividade dos requisitos do art. 595 do Código Civil para fins de conferir ciência ao idoso de que está celebrando tal empréstimo, uma vez que, o analfabetismo não retira a capacidade para a prática dos atos da vida civil. Essa tese vem sendo aplicada pelos tribunais de justiças dos estados do Tocantins, Minas Gerais e Acre. Nesse sentido:

RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO CONTRAÍDO POR IDOSO ANALFABETO. HIPERVULNERABILIDADE RECLAMA A PRESENÇA DE REQUISITOS ESPECÍFICOS, DEVENDO SER CONSIDERADO, POR ANALOGIA, OS DO ARTIGO 595 DO CÓDIGO CIVIL. NULIDADE QUE NÃO SE SUBMETE A PRAZO PRESCRICIONAL, NÃO SE CONVALECE PELO DECURSO DO TEMPO E NEM É SUSCETÍVEL DE CONFIRMAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 169 DO CÓDIGO CIVIL. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS. DANO MORAL CARACTERIZADO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. Precedentes: APELAÇÃO Nº 0009649-40.2015.827.0000, Relatora: Desembargadora ANGELA PRUDENTE; APELAÇÃO N.º 0002911-36.2015.827.0000, Relator Desembargador HELVÉCIO DE BRITO MAIA NETO; APELAÇÃO N.º 0002911-36.2015.827.0000, Relatora: Desembargadora JACQUELINE ADORNO; APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002642-94.2015.827.0000, Relator: Desembargador MOURA FILHO e APELAÇÃO N.º 0020649-03.2016.827.0000, Relator: HELVÉCIO DE BRITO MAIA NETO. (TJ-TO - RI: 00261718520188279200, Relator: ARIOSTENIS GUIMARÃES VIEIRA).

APELAÇÃO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE NULIDADE DE CONTRATOS DE EMPRÉSTIMOS BANCÁRIOS C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E DANO MORAL. EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONTRATO CELEBRADO POR PESSOA IDOSA E ANALFABETA. INOBSERVÂNCIA DE FORMA PRESCRITA EM LEI. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. ANULAÇÃO DO INSTRUMENTO CONTRATUAL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. FORMA SIMPLES. DANO MORAL CONFIGURADO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-AC - APL: 07014881720158010002 AC 0701488-17.2015.8.01.0002, Relator: Desª. Regina Ferrari. Data de Julgamento: 04/08/2017, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 04/08/2017).

Analisando esses dois julgados acima, percebe-se que em ambos houve entendimento de falha na prestação de serviço, pela inobservância de requisitos entendidos como imprescindíveis para validade do negócio jurídico, ensejando assim em sua anulação. Porém, ainda que tenham seguido o mesmo raciocínio, houve divergência quanto à espécie de restituição dos valores descontados do benefício previdenciário do aposentado, de um lado o TJTO determinou a incidência da forma dobrada, a teor do parágrafo único do art. 42 do CDC e, de outro, o TJAC determinou restituição simples.

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E DANO MORAL - NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO - DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO - SEGURADA ANALFABETA - SUPOSTA PACTUAÇÃO DE EMPRÉSTIMO INVÁLIDA - RESSARCIMENTO DOS VALORES EM DOBRO - CABIMENTO - PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO - CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA SOBRE O MONTANTE A RESTITUIR - TERMOS INICIAIS - DANOS MORAIS - VERIFICAÇÃO - VALOR DO RESPECTIVO QUANTUM - CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO. (TJ-MG - AC: 10671140021476001 MG, Relator: Roberto Vasconcellos. Data de Julgamento: 10/08/2017, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 22/08/2017).

O tribunal de justiça de Minas Gerais assim como o TJTO, determina a restituição do dobrada dos valores cobrados considerados indevidos, aliando-se à necessidade de escritura pública para a pactuação da avença.

Um segundo entendimento aplicado em alguns tribunais estaduais, está à tese de compensação dos valores, efetivamente disponibilizados pela instituição financeira, e recebidos pelo consumidor. Ou seja, nesses casos, caso haja a comprovação da relação jurídica, mediante juntada de instrumento contratual com descumprimento de algum dos requisitos do art. 595 do CC, porém, com comprovante de liberação para conta de titularidade do autor, e este, por sua vez, não fizer prova de não recebimento, terá direito de que todos os valores descontados indevidamente sejam restituídos, mas, terá que desembolsar o que recebeu, visto que, quando aplicada tal tese, o autor não afirmava desconhecimento da contratação, mas sim, sua nulidade, logo, não negava o aferimento de vantagem econômica, é o que verificamos em julgado do TJMS.

E M E N T A - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E DANOS MORAIS - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO – INDÍGENA, IDOSA E ANALFABETA - CONTRATO INVÁLIDO - RECEBIMENTO DO VALOR COMPROVADO - COMPENSAÇÃO DE VALORES - POSSIBILIDADE - HONORÁRIOS MANTIDOS - RECURSO DESPROVIDO. (TJ-MS - APL: 08009749020168120015 MS 0800974-90.2016.8.12.0015, Relator: Des. Amaury da Silva Kuklinski, Data de Julgamento: 23/01/2019, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 27/01/2019).

Em julgado do TJ-PI, encontra-se meio termo destas duas posições acima expostas, onde, entendeu-se como devida a necessidade de escritura pública para validade do negócio jurídico,cuja ausência enseja restituição dobrada, porém, ante a comprovação de depósito do valor em conta do autor, este deve também ser condenado a restituir o que recebeu, logo, aplicando-se a tese de compensação.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CONSUMIDOR ANALFABETO E IDOSO. HIPERVULNERABILIDADE. NECESSIDADE DE CELEBRAÇÃO POR ESCRITURA PÚBLICA OU POR PROCURADOR CONSTITUÍDO PARA ESSE FIM. NULIDADE DECLARADA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO BANCO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS. DEVOLUÇÃO DO VALOR DEPOSITADO NA CONTA DO APELANTE. COMPENSAÇÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. (TJPI | Apelação Cível Nº 2014.0001.004006-9 | Relator: Des. Ricardo Gentil Eulálio Dantas | 3ª Câmara Especializada Cível | Data de Julgamento: 13/04/2016) [copiar texto]. (TJ-PI - AC: 201400010040069 PI 201400010040069, Relator: Des. Ricardo Gentil Eulálio Dantas, Data de Julgamento: 13/04/2016, 3ª Câmara Especializada Cível).

Apesar da existência de controvérsias, nenhum tribunal suscitou manifestação ao plenário do Superior Tribunal de Justiça. Em análise a jurisprudências do respectivo colegiado, verifica-se que somente existem decisões monocráticas isoladas.

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.371.162 - MS (2018/0255939-6) RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE AGRAVANTE : DELZINHO GONCALVES ADVOGADOS : LUIZ FERNANDO CARDOSO RAMOS - MS014572 JOSIANE ALVARENGA NOGUEIRA - MS017288 ALEX FERNANDES DA SILVA - MS017429 AGRAVADO : BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA ADVOGADO : FELIPE GAZOLA VIEIRA MARQUES E OUTRO (S) - MS017213A INTERES. : ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL PROCURADOR : SIBELE CRISTINA BOGER FEITOSA E OUTRO (S) - MS013669B AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 7/STJ. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA NÃO CONHECER DO RECURSO ESPECIAL. (STJ - AREsp: 1371162 MS 2018/0255939-6, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 17/10/2018).

Neste primeiro caso concreto, houve interposição de agravo interno visando o não conhecimento de recurso especial. O relator ministro Marco Aurélio Bellizze entendeu que, a existência de relação jurídica restou satisfatoriamente comprovada, mediante a juntada de instrumento contratual aos autos pela instituição financeira e, então, determinou a distribuição estática do ônus da prova, onde, seria de incumbência do autor/aposentado comprovar a existência de algum vício capaz de anular a contratação.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.671.455 - MS (2017/0118397-6) RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI RECORRENTE : BV FINANCEIRA SA CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO ADVOGADOS : JULIANO FRANCISCO DA ROSA - MS018601 RODRIGO SCOPEL - AM018640 RECORRIDO : ELIZIO ORTIZ ADVOGADOS : LUIZ FERNANDO CARDOSO RAMOS - MS014572 JOSIANE ALVARENGA NOGUEIRA - MS017288 ALEX FERNANDES DA SILVA - MS017429 (STJ - REsp: 1671455 MS 2017/0118397-6, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Publicação: DJ 01/12/2017).

Conforme segundo julgado monocrático acima exposto, o relator ministro Marco Buzzi, entendeu que não houve por parte da instituição financeira prova inequívoca de que o contrato tenha sido celebrado com o requerente, tampouco prova de proveito econômico deste e, ainda, afirmou que a exigência do consumidor de irregularidade na contratação é exigir deste prova negativa, incompatível com o tratamento exigido pela legislação consumerista, ante sua vulnerabilidade.

Neste ínterim, com a simples análise destas duas decisões monocráticas, extrai-se diante de uma mesma situação, posicionamentos diversos, sobre os requisitos exigidos para a regularidade dos contratos de mútuo bancário celebrados com idoso analfabeto. Do mesmo modo, é o que se vislumbra em sede de tribunais estaduais conforme os julgados analisados, logo, resta comprovada a ofensa à isonomia e a segurança jurídica, requisitos que autorizam a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, para que então haja de maneira definitiva a padronização de entendimentos pelo STJ e, conseqüente aplicação pelos tribunais estaduais.

5 CONCLUSÃO

O desenvolvimento do presente artigo possibilitou a comprovação da existência de decisões divergentes em torno dos requisitos de validade exigidos para os contratos de mútuo bancário celebrado com idoso analfabeto. Ademais, evidenciou-se as conseqüências práticas desses reiterados julgados conflitantes, refletindo de maneira negativa na sociedade e meio jurídico.

Nesse sentido, ficou clara a necessidade de ser conferida uma importância maior no que tange a solução deste impasse, principalmente por estar figurando como uma das partes do negócio jurídico aqui abordado, um consumidor em situação de hipervulnerabilidade e que, tem seu benefício previdenciário objeto da contratação.

Logo, comprovado o preenchimento dos requisitos para a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, qual seja a existência de controvérsia sobre mesma matéria de direito, mostra-se instrumento imprescindível para, oferecer uma resposta à sociedade e profissionais do direito, bem como, restabelecimento da ordem e segurança jurídica, pilares do nosso ordenamento.

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Data da conclusão/última revisão: 3/5/2019

 

Como citar o texto:

JARDIM, Nicoly Martins; MOTA, Karine Alves Gonçalves..Uma interpretação do artigo 595 do CC para a celebração de mútuo bancário com idoso analfabeto. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1619. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/4439/uma-interpretacao-artigo-595-cc-celebracao-mutuo-bancario-com-idoso-analfabeto. Acesso em 9 mai. 2019.

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