RESUMO

Nos últimos anos houve muita especulação imobiliária, trazendo uma série de prejuízos, tanto para o consumidor quanto para as construtoras, em decorrência dos inúmeros pedidos de distrato motivados pela crise econômica. Sancionada em 27 de dezembro de 2018, a Lei nº 13.786, também conhecida como “Lei dos Distratos”, surgiu, com o objetivo de, no ano de 2019, servir como um marco legal para os contratos de alienação de imóveis “na planta”. A nova lei inseriu artigos na Lei de Incorporação Imobiliária (Lei nº 4.591/64) e na Lei de Loteamentos (Lei nº 6.766/76), estabelecendo, assim, regras para o inadimplemento desses contratos. Pela nova lei, o cliente que desistir da compra de um imóvel negociado na planta deixará 50% do valor pago à construtora como multa, caso o regime seja de afetação – no qual os valores pagos pelos compradores de um empreendimento são destinados somente para a sua construção dele e não se misturam com o patrimônio da construtora. Assim, o presente estudo, teve por escopo analisar as alterações trazidas pela recente Lei do Distrato, em relação à quebra dos contratos imobiliários.

Palavras-chave: Lei do Distrato. Aquisição de Imóveis. Desfazimento de Contratos.

ABSTRACT

In recent years there has been a lot of real estate speculation, causing a lot of damage to both the consumer and the builders, due to numerous requests for cancellation motivated by the economic crisis. Sanctioned on December 27, 2018, Law No. 13,786, also known as the “Terminations Law”, was created in 2019 to serve as a legal framework for “on-site” real estate sale contracts. The new law inserted articles in the Real Estate Development Law (Law No. 4,591 / 64) and the Allotment Law (Law No. 6,766 / 76), thus establishing rules for the default of these contracts. Under the new law, customers who give up buying a property negotiated in the plant will leave 50% of the amount paid to the builder as a fine, if the scheme is affectation - in which the amounts paid by buyers of a project are intended only for their his construction and do not mix with the builders heritage. Thus, the present study aimed to analyze the changes brought by the recent Law of the Cancellation, regarding the breach of real estate contracts.

Keywords: Terminations Law. Real Estate Acquisition. Termination of Contracts.

 

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, inúmeros consumidores, após assinarem contratos de aquisição de imóveis “na planta”, com financiamentos parcelados a perder vista, caíram em inadimplência ou resiliram, unilateralmente, o contrato, motivados pelos mais variados motivos, que incluem desde o desemprego, ao custeio de doenças, descontrole financeiro, mudança de cidade ou desinteresse posterior pelo bem.

A crise imobiliária agravou, ainda mais, o quadro, num cenário onde o valor contratado no momento da venda do imóvel na “planta” se tornava muito maior do que o valor de mercado do imóvel no momento da entrega das chaves. Vários foram os casos em que o saldo devedor a ser pago pelo consumidor no momento da entrega das chaves excedia vertiginosamente o valor de mercado do bem, o que conduzia o consumidor a desfazer o contrato unilateralmente (resilição unilateral) e a reclamar judicialmente a devolução dos valores pagos com deduções não abusivas.

A quantidade de ações judiciais pleiteando os direitos do consumidor nesses casos foi colossal, levando a jurisprudência a delinear esses direitos com base em princípios e cláusulas abertas, diante da falta de dispositivo legal específico para várias dessas questões.

No intuito de preencher essa lacuna legislativa, foi sancionada a Lei nº 13.786, em 27 de dezembro de 2018, passando a figurar como lei regulamentar das relações de distrato dos contratos imobiliários que, até então, dependiam de decisão judicial para eventual resolução.

Uma importante regulamentação que a nova lei do distrato trouxe foi para a questão do “direito de arrependimento”, um instituto do Direito do Consumidor que garante à pessoa que ela possa desistir de uma compra, sem ser penalizada por isso. Com a nova legislação, o prazo passou a ser de sete dias após a assinatura do contrato, prevendo, ainda, a devolução de todos os valores eventualmente antecipados, inclusive aqueles pertinentes à comissão de corretagem.

Assim, a nova lei surgiu como uma esperança tanto para o setor da construção civil quanto para o consumidor. Se até a chegada da nova lei, um comprador podia receber de volta até 90% do valor pago na compra de um imóvel, esse percentual passou a ser de 75% de restituição ou, 50%, para os casos nos quais há o chamado “patrimônio de afetação”, onde o valor pago por um comprador será destinado à construção do empreendimento em si. A ideia geral é, portanto, a de garantir que a incorporadora não perca a capacidade financeira de dar andamento à obra, protegendo a empresa de um lado e os demais compradores do outro.

 

2. DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA: CONCEITO, CICLO ECONÔMICO E CONSEQUÊNCIAS DOS “DISTRATOS”

Incorporação imobiliária é a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas. É desenvolvida por um incorporador (pessoa física ou jurídica) o qual se compromete ou efetiva a venda de unidades isoladas em lotes específicos ou de frações ideais de terreno, objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega. (CBIC, 2019)

O ciclo econômico de uma incorporação imobiliária pode durar entre 3 a 6 anos e, na maioria dos casos, o incorporador sujeita-se a financiamento bancário para concluir as obras ofertadas. No entanto, para que o financiamento seja efetivado, os bancos exigem do incorporador diversas garantias e, dentre elas, um percentual de venda de unidades, até a data da assinatura do contrato de financiamento, que pode variar entre 20% a 50%. Nesse sentido, caso haja desistências dos contratos de promessa de compra e venda, que por lei são irretratáveis, esse contra fluxo poderia provocar o descumprimento das exigências bancárias, a suspensão do financiamento e, por conseguinte, o atraso da obra ou, até mesmo, a sua paralisação, prejudicando, assim, os demais adquirentes do empreendimento. (CBIC, 2019)

Com essas ameaças e incertezas, várias empresas fecharam suas portas e milhares entraram em recuperação judicial. Só no ano de 2016, 3.972 empresas da construção civil fecharam suas portas, segundo dados do IBGE (2017), influenciando, diretamente, na relação de emprego e na geração de renda.

 

2.1 CONSEQUÊNCIAS DO DESFAZIMENTO DOS CONTRATOS IMOBILIÁRIOS NO CENÁRIO JURÍDICO

A Lei nº 4.591 de 1964 há muito tempo já previa, em seu artigo 63, que a falta de pagamento por parte do adquirente ensejaria o desfazimento do contrato face a inadimplência. No entanto, as consequências desse desfazimento dependeriam das disposições contratuais previstas, o que não poderia ser diferente, pois ainda naquela época, o princípio que vigorava sobre as relações privadas era o pacta sunt servanda.

Com a nova ordem constitucional implementada no ano de 1988, surgiu, no Brasil, o que o professor Luís Roberto Barroso denominou de neoconstitucionalismo, ou seja, a Constituição Federal passou a ser o centro do ordenamento jurídico brasileiro, de forma que sua força normativa e sua supremacia se propagaria sobre todos os demais direitos e normas, elevando ao cargo de superprincípio, a dignidade da pessoa humana, bem como foram concretizados na Carta Política diversos direitos e garantias constitucionais.

Dentre as garantias fundamentais trazidas pela Carta Magna de 1988, surgiu o direito do consumidor, previsto em seu art. 5º, inciso XXXII: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;” (BRASIL, 1988). Em decorrência desse postulado constitucional, em 1990, sobreveio o Código de Defesa do Consumidor (CDC), dispondo normas protetivas àquele considerado como vulnerável nas relações de consumo.

Quanto ao objeto de estudo deste trabalho, o CDC previa, no parágrafo 1º de seu art. 53, algumas consequências jurídicas para a resolução dos contratos imobiliários. Nele, constava que “o devedor inadimplente terá direito a compensação ou à restituição das parcelas quitadas à data da resolução contratual, monetariamente atualizada, descontada a vantagem econômica auferida com a fruição”. No entanto, esse parágrafo foi vetado pelo Presidente da República pois, segundo ele, seria necessário “dar disciplina mais adequada à resolução dos contratos de compra e venda, por inadimplência do comprador”.

Em 2002, foi publicado o novo Código Civil Brasileiro (CC), para sacramentar, de uma vez, o preceito constitucional da dignidade da pessoa humana e, sobretudo, aos direitos e garantias sufragados na Constituição da República. A horizontalidade dos direitos fundamentais passou a ser o norte para o legislador de 2002, o que o levou a adequar o princípio do pacta sunt servanda (autonomia das partes) para o que fora denominado de autonomia privada, uma autonomia consentânea ao ordenamento jurídico com observância obrigatória aos princípios constitucionais, boa-fé objetiva e função social dos contratos. Seguindo essa lógica, o Código Civil propôs algumas regras para as resoluções contratuais nas relações civis (quando as partes ocupam posição de igualdade), os quais foram previstos nos artigos 389 a 420.

No entanto, até novembro de 2018, quase vinte anos após o veto do parágrafo primeiro do art. 53 do CDC, as consequências jurídicas dos desfazimentos dos contratos, sobretudo quando uma das partes era consumidor, eram inexistentes e dependiam de resolução pelo Poder Judiciário. Desde então, os tribunais vinham definindo uma gama enorme de soluções jurídicas diversas o que trouxe incertezas e insegurança jurídica para o setor econômico.

Sendo assim, com o fim de dar cabo a toda essa incerteza e insegurança é que o legislador resolveu editar um marco legal para as resoluções dos contratos imobiliários, culminando com a publicação da Lei nº 13.786/2018, a denominada Lei dos Distratos Imobiliários.

 

3. LEI DO DISTRATO

A Lei nº 13.786/2018, também chamada popularmente de Lei dos Distratos, foi sancionada em 27 de dezembro de 2018 e trouxe consigo disposições acerca da resolução do contrato por inadimplemento do incorporador e do adquirente de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e em parcelamento de solo urbano.

Em síntese, a Lei nº 13.786/2018 acrescentou três novos artigos à Lei nº 4.591/64, onde o primeiro artigo acrescentado trata do quadro-resumo; o segundo, das consequências do atraso da obra com possibilidade de resolução do contrato por culpa do incorporador e o terceiro, da resolução por culpa do adquirente.

 

3.1 Do Quadro-Resumo

O quadro-resumo, de acordo com a Lei dos Distratos, é a parte inicial dos contratos imobiliários (promessa de compra e venda, cessão de unidade autônoma etc.) no qual haverá uma síntese contendo os dados principais do ajuste.

A finalidade principal desse quadro resumo é trazer maior clareza e transparência aos negócios jurídicos envolvendo aquisição de imóveis, observando-se, portanto, os princípios da informação adequada e da boa-fé objetiva.

Sobre o quadro-resumo, a Lei dos Distratos traz a seguinte previsão:

Art. 35-A. Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária serão iniciados por quadro-resumo, que deverá conter:

I - o preço total a ser pago pelo imóvel;

II - o valor da parcela do preço a ser tratada como entrada, a sua forma de pagamento, com destaque para o valor pago à vista, e os seus percentuais sobre o valor total do contrato;

III - o valor referente à corretagem, suas condições de pagamento e a identificação precisa de seu beneficiário;

IV - a forma de pagamento do preço, com indicação clara dos valores e vencimentos das parcelas;

V - os índices de correção monetária aplicáveis ao contrato e, quando houver pluralidade de índices, o período de aplicação de cada um;

VI - as consequências do desfazimento do contrato, seja por meio de distrato, seja por meio de resolução contratual motivada por inadimplemento de obrigação do adquirente ou do incorporador, com destaque negritado para as penalidades aplicáveis e para os prazos para devolução de valores ao adquirente; (BRASIL, 2018)

Além disso, o quadro-resumo deverá conter, ainda:

VII - as taxas de juros eventualmente aplicadas, se mensais ou anuais, se nominais ou efetivas, o seu período de incidência e o sistema de amortização;

VIII - as informações acerca da possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC, em todos os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial;

IX - o prazo para quitação das obrigações pelo adquirente após a obtenção do auto de conclusão da obra pelo incorporador;

X - as informações acerca dos ônus que recaiam sobre o imóvel, em especial quando o vinculem como garantia real do financiamento destinado à construção do investimento;

XI - o número do registro do memorial de incorporação, a matrícula do imóvel e a identificação do cartório de registro de imóveis competente; XII - o termo final para obtenção do auto de conclusão da obra (habite-se) e os efeitos contratuais da intempestividade prevista no art. 43-A da Lei nº 4.591/64. (BRASIL, 2018)

Havendo qualquer omissão acerca das informações previstas na referida lei, deverá ser concedido prazo de 30 dias para que a empresa faça o aditamento do contrato com o saneamento da omissão. Se, após esse prazo, a ausência não for corrigida, o adquirente poderá rescindir o contrato por justa causa (CAVALCANTE, 2019).

Nessa hipótese de rescisão por vício formal do contrato, o consumidor fará jus a receber de volta a integralidade do que houver pago ao incorporador, corrigido monetariamente e sem nenhuma espécie de retenção, mas aqui não haverá incidência de pena convencional em desfavor da incorporadora, já que a lei não prevê penalidade para essa hipótese.

Todavia, caso alegue prejuízo decorrente, por exemplo, da indisponibilidade dos valores pagos à vendedora e consequente perda da chance de realizar outro negócio no mesmo período, o consumidor poderá reclamar indenização por perdas e danos.

O parágrafo 2º do Artigo 35-A exige, ainda, que o consumidor adquirente do imóvel firme sua assinatura junto a cada uma das cláusulas que trate das consequências do desfazimento do contrato, bem como que essas cláusulas em específico sejam redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão, conforme disposto no § 4º do artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor (6). Eventual desatendimento dessas exigências igualmente autoriza rescisão contratual por justa causa.

Vale ressaltar, ainda, que que todas as informações previstas no artigo 35-A, além de estarem previstas no quadro-resumo, deverão, obrigatoriamente, estar previstas, também, no conteúdo do contrato, de modo mais detalhado e específico.

 

3.2 Cláusula De Tolerância

O artigo 43-A procura regulamentar a questão do prazo de tolerância em relação à “data prevista para conclusão do empreendimento”. Embora a redação do caput do artigo seja imprecisa a respeito, deve-se entender “data prevista para conclusão do empreendimento” como data prevista para conclusão do empreendimento e efetiva disponibilização das unidades aos respectivos adquirentes adimplentes.

Afinal, a mera finalização da obra sem a efetiva disponibilização da unidade não interessa ao consumidor que nutre legítima expectativa de receber o imóvel. Tanto assim, segundo jurisprudência dominante, que somente após a entrega das chaves do imóvel é que o consumidor passa a ser responsável pelo pagamento de taxas condominiais – independentemente da data de instituição do condomínio (CC 108; 1.332) – e IPTU do imóvel.

Vale ressaltar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mesmo antes do advento da Lei nº 13.786/2018, já considerava a cláusula de tolerância como válida. Para o tribunal, “não é abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção que prevê prorrogação do prazo inicial para a entrega da obra pelo lapso máximo de 180 (cento e oitenta) dias”. (STJ, 2017)

Nessa linha de entendimento, o § 2º do novel artigo 67-A também faz expressa referência à efetiva disponibilidade da unidade imobiliária ao tratar de pagamento de condomínio e impostos reais, de modo que a redação do caput do artigo 43-A deve realmente ser interpretada como “como data prevista para conclusão do empreendimento e efetiva disponibilização das unidades aos respectivos adquirentes adimplentes”. Assim, na esteira, da jurisprudência do STJ, o legislador decidiu por positivar a cláusula de tolerância inserindo-a expressamente na Lei nº 13.786/2018:

“Art. 43-A. A entrega do imóvel em até 180 (cento e oitenta) dias corridos da data estipulada contratualmente como data prevista para conclusão do empreendimento, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada, não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador”. (BRASIL, 2018)

Todavia, o STJ tem ressaltado que esse prazo de tolerância deveria ser de, no máximo, 180 dias, visto que, por analogia, é o prazo de validade do registro da incorporação e da carência para desistir do empreendimento e é o prazo máximo para que o fornecedor sane vício do produto. Assim, a cláusula de tolerância que estipulasse prazo de prorrogação superior a 180 (cento e oitenta) dias era considerada abusiva, devendo ser desconsiderados os dias excedentes. (CBIC, 2019)

A lei dá ao adquirente duas possibilidades de solução na hipótese de se ultrapassar o prazo-limite de atraso de 180 dias da entrega do imóvel:

a)    Não mais havendo interesse na unidade imobiliária, o adquirente poderá optar por pedir cumulativamente a resolução do contrato com a devolução de todo o valor pago e o pagamento da multa contratualmente estabelecida. Neste caso, a incorporadora deverá fazer o pagamento em até 60 dias corridos, contados da resolução, acrescidos de correção monetária.

b)    b) Havendo interesse na compra da unidade, o adquirente pode decidir por não promover a resolução do contrato, ainda que se tenha ultrapassado o prazo de tolerância de 180 dias. Nesse caso, este adquirente, quando receber o imóvel, terá direito à indenização de 1% do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, acrescida de correção monetária.

Mais adiante, o Art. 43, § 3º versa sobre a impossibilidade de cumulação da indenização do § 2º com a multa pela inexecução total do contrato (§ 1º), de modo que no caso de inadimplemento total, caberá, em regra, o desfazimento do contrato com a cominação de multa compensatória prevista no contrato (§ 1º); enquanto que no caso de mora ou atraso na entrega da obrigação, poderá o adquirente exigir o cumprimento do objeto contratual, além da indenização fixada no patamar de 1% sobre o valor pago, por mês de atraso, devidamente corrigida.

Ao estabelecer que atraso de até 180 (cento e oitenta) dias em relação à data prevista para conclusão do empreendimento e efetiva disponibilização das unidades aos respectivos adquirentes adimplentes, desde que expressamente pactuado, de forma clara e destacada (CDC 54, § 4º C/C Artigo 35-A, inciso XII), “não dará causa à resolução do contrato por parte do adquirente nem ensejará o pagamento de qualquer penalidade pelo incorporador”, o legislador, também aqui, foi ao encontro do entendimento jurisprudencial a respeito da validade do prazo de tolerância (8).

Portanto, durante o prazo legal de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias, o promitente comprador só poderá desistir do negócio mediante pagamento de multa que poderá ser de 25% a 50% (cinquenta por cento) do total que houver pago ao incorporador no curso do contrato, além de arcar com outras retenções, conforme previsto pelo artigo 67-A, analisado mais à frente.

 

3.3 Do Desfazimento do Contrato

Existem algumas espécies (formas) de extinção do contrato. Para os fins de apreciação da Lei nº 13.786/2018, faz-se necessário explicar duas delas:

a)    RESILIÇÃO: Ocorre quando o contrato é desfeito por vontade das partes. A resilição pode ser unilateral (quando só uma das partes quis a extinção) ou bilateral ou distrato (quando as partes, de comum acordo, optarem por essa solução).

b)    RESOLUÇÃO: Ocorre quando o contrato é extinto em razão do descumprimento daquilo que havia sido combinado ou por inadimplemento contratual.

O artigo 67-A da Lei dos Distratos cuida apenas das hipóteses de distrato (resilição bilateral) e da resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente. Isto porque a lei das incorporações imobiliárias já previa a irretratabilidade e irrevogabilidade dos contratos, não permitindo o desfazimento unilateral desses instrumentos.

A razão de ser da irretratabilidade dos contratos imobiliários é evitar que, tanto o incorporador quanto o adquirente desistam imotivadamente do negócio, caso contrário, o fluxo de caixa para o pagamento das despesas com a execução da obra e o direito de moradia dos compradores restariam afetados.

A falta de pagamento pelos adquirentes, acrescido da devolução imediata dos valores pagos, como vinham decidindo os tribunais, provoca o desarranjo do caixa do empreendimento e, consequentemente, do fluxo da obra, gerando o atraso na entrega e, a depender da quantidade de desfazimentos contratuais, até a sua paralisação.

Assim, conforme disposto no art. 67-A, poderá o incorporador reter, em regra, a integralidade da comissão de corretagem e a pena convencional, que não poderá exceder a 25% da quantia paga ou 50% se a incorporação estiver submetida ao patrimônio de afetação:

“Art. 67-A Em caso de desfazimento do contrato celebrado exclusivamente com o incorporador, mediante distrato ou resolução por inadimplemento absoluto de obrigação do adquirente, este fará jus à restituição das quantias que houver pago diretamente ao incorporador, atualizadas com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, delas deduzidas, cumulativamente:

I - a integralidade da comissão de corretagem;

II - a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga. (BRASIL, 2018)

Caso o desfazimento do contrato venha a ocorrer após a disponibilização do bem, poderá o incorporador reter, ainda, as quantias correspondentes aos impostos reais incidentes sobre o imóvel; cotas de condomínio e contribuições devidas a associações de moradores, demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas no contrato.

Dessa forma, na hipótese do consumidor dar causa ao desfazimento do vínculo e caso a unidade imobiliária já lhe tenha sido disponibilizada (entrega das chaves), a incorporadora também poderá reter do montante a ser restituído ao comprador, além da comissão de corretagem e do valor da multa convencional, valor do IPTU e cotas condominiais do período, valor equivalente a 0,5% (cinco décimos por cento) do valor atualizado do contrato pela fruição do imóvel no período correspondente à disponibilização, e, ainda, outros encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas no contrato.

Além disso, caso o adquirente tenha residido no imóvel (ou pelo menos teve a possibilidade de morar ou alugar), tendo, portanto, a disponibilidade econômica sobre o bem, será devido valor correspondente à fruição do imóvel, equivalente à 0,5% (cinco décimos por cento) sobre o valor atualizado do contrato, pro rata die.

No entanto, se o consumidor desistente ou inadimplente encontrar terceiro interessado em assumir as obrigações contratuais em seu lugar (artigo 346 do CC), e desde que haja anuência e aprovação do incorporador, o § 9º do Artigo 67-A prevê não incidência da cláusula penal aqui em tela.

Quanto ao valor da multa estabelecida a título de cláusula penal e do prazo para pagamento dos valores a serem restituídos ao consumidor, o artigo 67-A prevê duas situações distintas. De acordo com o § 5º do artigo 67-A, se a incorporação estiver submetida ao regime do “patrimônio por afetação”, a multa devida pelo promitente comprador que der causa ao desfazimento do vínculo, seja por inadimplência, seja por desistência, poderá ser de até 50% (cinquenta por cento) dos valores pagos pelo consumidor ao longo do contrato. Nessa situação, a restituição dos valores devidos ao adquirente, com a retenção do valor da multa, corretagem e outros encargos, deverá ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o “habite-se” ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente.

Vale lembrar que o regime de “patrimônio por afetação” tem previsão legal nos artigos 31-A a 31-F da própria Lei 4.591/64, e ocorre quando “o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes”. Por esse regime, no caso de falência do incorporador, a lei busca assegurar que os próprios adquirentes deem continuidade à obra.

A outra hipótese refere-se à hipótese de o empreendimento não estar submetido ao regime de patrimônio por afetação, caso em que, o inciso II do artigo 67-A estabelece que a multa não poderá ultrapassar 25% (vinte e cinco por cento) do valor pago pelo consumidor ao longo do contrato. Nesse caso, a restituição dos valores devidos ao adquirente, com a retenção do valor da multa, corretagem e, sendo o caso, outros encargos, deverá ser realizada “em parcela única, após o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data do desfazimento do contrato”. Ou seja, antes de 180 (cento e oitenta) dias da data do término do vínculo contratual, o consumidor não poderá exigir a devolução de eventual saldo a seu favor, considerando-se os valores pagos e os valores a serem retidos pelo incorporador.

 

3.4 Irretroatividade da Lei

A nova lei só poderá atingir contratos celebrados posteriormente à entrada em vigor. Não poderá, jamais, atingir contratos anteriores, nem mesmo os efeitos futuros desse contrato, porque a retroatividade – ainda que mínima – é vedada no direito brasileiro para normas que não sejam constitucionais originárias. 

Assim, se, após a entrada em vigor da nova lei, um consumidor incorrer em inadimplência em relação a um contrato antigo, o caso deverá ser disciplinado pela legislação anterior. Não pode a nova lei incidir, sob pena de se chancelar uma retroatividade mínima para a nova lei, o que seria inconstitucional.

 

3.5 Do direito de arrependimento

A Lei nº 13.786/2018 trouxe uma previsão extremamente interessante: o “direito de arrependimento” aos contratos envolvendo incorporação imobiliária, com a finalidade de dar concretude aos preceitos e direitos dos consumidores, foi oportunizado, à semelhança do art. 49 do CDC, um prazo de 7 dias corridos para que o adquirente, avaliando o negócio jurídico entabulado fora da sede do incorporador, exerça o direito de arrependimento, com a devolução de todos os valores eventualmente antecipados, inclusive a comissão de corretagem.

Assim, os §§ 10 e 11 do artigo 67-A tratam do direito de arrependimento assegurado ao consumidor, nos seguintes termos:

§ 11. Caberá ao adquirente demonstrar o exercício tempestivo do direito de arrependimento por meio de carta registrada, com aviso de recebimento, considerada a data da postagem como data inicial da contagem do prazo a que se refere o § 10 deste artigo.

§ 12. Transcorrido o prazo de 7 (sete) dias a que se refere o § 10 deste artigo sem que tenha sido exercido o direito de arrependimento, será observada a irretratabilidade do contrato de incorporação imobiliária, conforme disposto no § 2º do art. 32 da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964. (BRASIL, 2018)

Dessa forma, o consumidor deve exercer esse direito durante o prazo improrrogável de 7 (sete) dias, quando os contratos houverem sido firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador (CDC Artigo 49), contados da data da celebração do contrato, mediante notificação expressa ao incorporador. Após esse prazo, o contrato torna-se irretratável e irrevogável, não podendo ser desfeito unilateralmente por nenhuma das partes.

Uma vez exercido o direito de arrependimento de forma tempestiva e inequívoca mediante postagem de carta registrada ou outra forma prevista no próprio contrato (e-mail, por exemplo), ao adquirente é assegurado o direito de receber a integralidade do valor que houver pago, inclusive comissão de corretagem, sem retenção de qualquer espécie.

Após o prazo de 7 (sete) dias, o contrato torna-se irretratável (§ 2º do Artigo 32 da Lei 4.591/64) e, conforme exposto acima, o adquirente que desistir do negócio ficará sujeito a ver retido em seu desfavor, relativamente aos valores que houver pago, a multa convencional de até 25% (para contratos sem o regime de patrimônio de afetação) ou de até 50% (para contratos com o regimento de patrimônio de afetação) além de comissão de corretagem e, sendo o caso, do valor do IPTU, cotas condominiais e de fruição do imóvel, estes na hipótese de o imóvel já lhe ter sido disponibilizado.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei dos Distratos representa uma conquista há muito esperada pelo setor imobiliário, pois visa priorizar o cumprimento das obrigações contratuais, além de constituir uma proteção tanto para o consumidor quanto para as construtoras, uma vez que a nova lei surgiu para evitar o desfazimentos dos contratos, priorizando, todas as partes envolvidas e, sobretudo, a coletividade.

Além disso, a referida lei passou a regulamentar, objetivamente, os casos de resolução dos contratos, trazendo maior clareza e segurança jurídica, em função da ausência de normas adequadas prevendo as consequências jurídicas dos desfazimentos dos contratos imobiliários.

Nesse sentido, evoluiu o legislador ao perceber a importância da estabilidade regulatória e da garantia de segurança jurídica como elementos essenciais para um bom e saudável ambiente de negócios. Estabilidade e segurança jurídica que irão, certamente, favorecer tanto o setor produtivo, quanto as famílias envolvidas.

Tal segurança regulatória é uma condição absolutamente necessária para o sistema funcionar, pois uma onda de desfazimento de contratos não prevista pode afetar decisivamente a capacidade de produção das incorporadoras e, o pior, pode prejudicar os demais adquirentes adimplentes que sonham em receber seu imóvel no tempo e modo convencionados.

Assim, além da segurança jurídica proporcionada, o maior ganho dessa lei foi exatamente estimular as partes a encontrarem a melhor solução para a extinção do negócio jurídico de compra e venda de imóveis, sem a necessidade de interferência do Poder Judiciário, através do estabelecimento de parâmetros legais específicos para as relações de aquisição e desfazimento de contratos imobiliários.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

________. Constituição Federal de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm. Acesso em ago. 2019.

________. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm. Acesso em 28 ago. 2019.

_______. Lei nº 13.786, de 27 de dezembro de 2018. Altera as Leis n º 4.591, de 16 de dezembro de 1964, e 6.766, de 19 de dezembro de 1979, para disciplinar a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e em parcelamento de solo urbano. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13786.htm. Acesso em 23 set. 2019.

CBIC - Câmara Brasileira da Indústria da Construção. Distratos na Incorporação Imobiliária. Brasília-DF, maio de 2019. Disponível em https://cbic.org.br/wp-content/uploads/2019/05/Cartilha_Distratos_na_Incorporacao_Imobiliarias.pdf. Acesso: 20 set. 2019.

Cavalcante, Márcio André Lopes. Vade mecum de jurisprudência dizer o direito/ Márcio André Lopes Cavalcante- 4. ed. rev. e ampl.-Salvador:JusPodivm, 2019.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.582.318-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 12/9/2017 -Info 612)

Data da conclusão/última revisão: 26/9/2019

 

Como citar o texto:

LIMA, Laís Neiva Fernandes de..O desfazimento dos contratos de aquisição de imóveis em regime de incorporação imobiliária sob a luz da Lei dos Distratos (Lei nº 13.786/2018). Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1655. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/4560/o-desfazimento-contratos-aquisicao-imoveis-regime-incorporacao-imobiliaria-sob-luz-lei-distratos-lei-n-137862018-. Acesso em 1 out. 2019.

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