Para que se possa exigir de uma pessoa honestidade, primeiramente é necessário ser honesto e pontual com suas obrigações. Infelizmente este brocardo não tem sido utilizado pela administração pública brasileira, pois esta além de cobrar inúmeros impostos e taxas do povo brasileiro, não efetua corretamente o pagamento de suas dívidas para com a população. É justamente neste tema que se focará o presente artigo, pois este se desenvolve em uma área delicada, abordando a questão dos precatórios, muitas vezes impagáveis. Deve ao discutir o tema ter-se muita cautela, pois este assunto incomoda muitas entidades importantes, ou que pelo menos assim se consideram. Infelizmente o recebimento de precatório encontra-se em crise, pois nossos administradores resistem em cumprir com as suas obrigações que foram determinadas pela justiça.

Este tema é bastante complexo, tendo em vista que o Poder Executivo ao não pagar os precatórios não apenas aplica “calote no povão”, mas também afeta o contrapeso dos poderes tripartidos, haja vista que descumpre o determinado pelo Poder Judiciário de uma forma tão escancarada que irrita até mesmo quem não tem precatórios para receber. Serão abordadas então todas as questões que rodeiam o pagamento de precatório, tentando apresentar uma solução plausível para resolver este problema que assola a sociedade brasileira, jurídica ou não.

Todos os pagamentos são feitos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, decorrente de sentenças judiciais que devem ser efetuados mediante precatório em consonância com o disposto no art. 100 da Constituição da República. Tal procedimento tem a finalidade pautar que pela moralidade da administração pública, sendo considerado como crime de responsabilidade política qualquer inobservância ao dispositivo legal.

Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

Depois do trânsito em julgado da sentença condenatória da fazenda pública ao pagamento da dívida judicialmente reconhecida. É necessário que faça a parte vencedora um requerimento solicitando que seja expedido precatório para que possa apresentá-lo a autoridade competente. Pode entender então, que o precatório trata-se de uma forma de requisição de pagamento, precedida de requerimento dirigido ao Presidente do Tribunal cuja sentença foi preferida para que este determine que seja efetuado o pagamento da dívida a qual foi condenada a fazenda pública.

Importante se faz ressaltar que os créditos que cunho alimentar, frutos de condenação judicial contra a fazenda pública, tem seu pagamento efetuado tão logo saia condenação, sem que seja necessário ingressar na lista de precatórios, conforme dispõe o artigo 100, caput, Constituição da República. Salvo a exceção acima citada os precatórios decorrentes dos débitos públicos apresentados até o dia 1° de julho (nesta data em que serão autorizados valores), devem ser incluídos obrigatoriamente no orçamento público, para pagamento até o final do exercício conseguinte, conforme disposto no § 1° do art. 100, in verbis:

§ 1º. É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

 

Dessa forma, aquele precatório que for inserido no dia 2 de julho, não terá sua verba incluída no orçamento no ano seguinte, sendo inserido apenas no ano subseqüente a este, ou seja, passado o próximo exercício, somente no ulterior. Com a denominada PEC, foi criado um teto de pagamento limitado em 3% referente ao ano da receita anterior no âmbito estatal para o pagamento de precatórios. No que tange a esfera municipal, este limite é menor, cerca de 1,5 %.  Houve através dela a criação de leilões entre os credores, destes os que oferecerem maior deságio seriam pagos primeiramente, sem levar em consideração a ordem cronológica estabelecida na tabela de precatórios, que irrefutavelmente deve ser seguida e o princípio da moralidade administrativa.  Não vão para precatório as dívidas de pequeno monte, no âmbito municipal em até 30 salários mínimos, e no âmbito da União e dos Estados em até 40 salários mínimos.

Cumpre ressaltar que, a prima facie, o precatório representa uma forma justa de pagamento, pois trata todos os credores de forma igualitária, sendo estes pagos conforme ordem de preferência determinada pela data da sentença judicial, salvo as exceções previstas em lei. Contudo, infelizmente o cumprimento do que é determinado pela legislação brasileira não é cumprido conforme deveria ser, pois nossos membros do executivo, não gozam da probidade a qual defendem e fingem ser dotados nas eleições, deixando evidentemente de cumprir com as suas obrigações.

Todavia, a falta de cumprimento do determinado em lei não significa que não seja justa a forma de pagamento, pois se a lei fosse cumprida não seria enfrentada pelos cidadãos tamanha decepção no que tange receber os créditos reconhecidos pela justiça que se tem para com o Poder Público. Tamanha é a justiça que o pagamento representa que, data vênia, tem-se legalmente a preferência garantida a todos aqueles que tenham créditos de cunho alimentar, não se sujeitando a mora do precatório.

Em suma, sem embargos aos posicionamentos em contrário, somos pela justiça efetiva que representa o precatório, apenas sentimos pela falta de probidade de nossos administradores que infelizmente, resistem em cumprir o que determina a lei. O único problema se situa na necessidade desse pedido ser feito pelo Presidente do Tribunal, não permitindo ao juiz de primeiro grau determina-lo de ofício, pois tal medida proporcionaria mais efetividade ao precatório, o transformado em título sentencial.

Crê-se que uma devida elaboração do orçamento público, fazendo cálculos, sensatos, aplicando o dinheiro público para o fim que realmente é destinado já constitui um avanço no que tange ao cumprimento dos precatórios. Isto porque um dos maiores problemas enfrentados atualmente pelo Poder Executivo, é a má administração voltada para a barganha de votos e politicagem, não cumprindo as leis em benefício da sociedade. No mesmo sentido, tem-se o seguinte parecer do ilustre doutrinador Kioshi Harada com relação aos precatórios nos seguintes termos:

Estamos absolutamente convencidos de que essa situação de ‘precatórios impagáveis’, que não existe paralelo em qualquer outro País do Planeta, é fruto unicamente da má vontade dos governantes e da complacência dos Poderes Legislativo e Judiciário, que não vêm prestigiando o princípio da separação dos Poderes, permitindo que a Lei Orçamentária Anual seja uma peça de ficção.1

 

É de se reconhecer que de fato cumprir o que determina a lei não é fácil com relação aos precatórios, porém, não é justo que um terceiro arque com prejuízos em conta da abstinência estatal nos pagamentos de seus débitos.

Uma segunda hipótese é a intervenção federal para que se efetue o pagamento dos credores, tendo em vista que a mora no pagamento geralmente origina-se de uma irregularidade. Todos os créditos apresentados até 1° de julho devem inevitavelmente serem pagos até o encerramento do próximo exercício. No mesmo sentido têm-se os seguintes pareceres jurisprudenciais do STJ:

EMENTA: Constitucional. Intervenção Federal. Art. 34, VI da CF.- Demonstrada a relutância do Poder Executivo Estadual em cumprir decisão emanada do Poder Judiciário, impõe-se o deferimento da intervenção federal." (STF. IF 14/PR. Rel.: Min. Américo Luz. Corte Especial. Decisão: 1º/08/94. DJ 1 de 10/10/94, p. 27.054.)

EMENTA: Constitucional. Intervenção federal. [...]. 3 - Comprovada a manifesta e reiterada situação de insubordinação à determinação judicial, carente de cumprimento por injustificável recusa do Sr. Governador do Estado em fornecer meios para tanto necessários, mister se faz deferir o pedido de intervenção federal." (STJ. IF 13/PR. Rel.: Min. Bueno de Souza. Corte Especial. Decisão: 09/06/94. RSTJ, v. 63, p. 75. DJ 1 de 08/08/94, p. 19.544.). (Grifei).

Em contrapartida ao argumento utilizado tem-se amparado que a intervenção federal implicaria em violação da autonomia da pessoa jurídica estatal. Contudo, tal argumento cai por terra, pois a própria Constituição da República determina em seu art. 34 que é possível a intervenção federal em casos de extrema necessidade, estando dentre eles a desobediência de determinação judicial. É imprescindível mencionar que a intervenção não visa ofender o Município nem mesmo o Estado, mas sim o seu relutante administrador que se recusa a efetuar o pagamento conforme determinado pela justiça.

Assim, mesmo se efetivada a intervenção, em nada será afetado o princípio da autonomia, pois este tem seus efeitos apenas momentaneamente mitigado em virtude de um bem maior, evitando-se um mal que pode gerar um desequilíbrio da relação entre os poderes tripartidos. Resta patente que a Constituição da República teve como principal objetivo defender os interesses dos cidadãos em frente ao poder absoluto do Estado, para que não prospere a insegurança social. No mesmo sentido:

Só se permite à União transpor os lindes da competência estadual, nos casos excepcionais e taxativamente previstos na Constituição Federal, que justificam, pela sua gravidade, que, ao aspecto federativo, se superponha a dimensão unitária do Estado Federal.2

Uma forma de se evitar o “calote” dado pelo poder público nos cidadãos trata-se da substituição de precatório por um título sentencial, conforme já salientado, para que os créditos das ações sejam pagos devidamente, ou seja, não mais ser necessário que o Presidente do Tribunal/Juiz de Segundo Grau autorize e determine que seja feito o pagamento, mas sim, o próprio juiz de primeiro grau decida de ofício.

Nelson Naves, ministro do STJ defende esta teoria. Essa medida pode trazer mais efetividade para as decisões judiciais determinando o pagamento de precatório. Tais ineficácias dos precatórios trazem para a prestação jurisdicional um caráter maior de falência, pois a determinação ocorre e não é cumprida, não é exercida pelo Poder Executivo, tornando ineficaz a aplicabilidade da justiça. O que não pode é o Poder Judiciário ficar inerte diante da situação. Logo, é necessário que se criem leis ordinárias para solucionar este quadro.

Por todo o exposto pode-se entender, data máxima vênia, que o problema não se encontra com a lei que regulamenta o pagamento dos precatórios, mas sim com nossos administradores relutantes em efetuar o pagamento de prestações devidas. Sem embargo dos entendimentos diversos, acredita-se que não é necessário extirpar o precatório do direito pátrio, mas tão somente o Judiciário exigir de uma maneira rigorosa que sejam cumpridas suas determinações, pois afinal, existem inúmeros órgãos, inclusive o Ministério Público que na função de custos legis, deve ter o cuidado de exigir que a lei seja cumprida para que sejam atendidas as necessidades da sociedade conforme determina a legislação pátria.

Tem-se ainda uma outra solução que se trata da intervenção federal, tendo em vista que a própria Constituição da República determina tal possibilidade em descumprimento de ordem judicial por parte do Poder Executivo. Assim, é basicamente concreto que existem meios para que se solucione esta problemática, somente falta aplicá-los com rigor para que a lei seja efetivamente cumprida. Simplesmente deve ser autorizado ao Juiz de primeiro grau determinar de ofício o pagamento do precatório, para que se possa trazer mais efetividade ao instrumento, e satisfação do interesse social.

O precatório se trata de um elemento extramente útil para a efetivação do pagamento das dívidas públicas para com os cidadãos. Porém devido a uma falta de caráter da grande maioria de nossos administradores, vemos um instrumento importante como o precatório ser utilizado como pretexto para o não cumprimento pontual de suas obrigações. Resta claro o desrespeito por parte do Poder Executo as determinações emanadas pelo Poder Judiciário, sendo isto uma das piores violações aos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, pois as decisões judiciais se não acatadas perdem sumariamente sua razão de ser, ocasionando o descrédito em meio a sociedade.

Em suma, é entendimento esmagadoramente majoritário entre os juristas que cabe ao Executivo fazer cumprir o que é por lei determinado, para que tenhamos em meio à relação Estado-sociedade, a utilização da ética e moral, além do respeito aos direitos que todos os cidadãos possuem de vislumbrar seus créditos com o Poder Público como pagáveis. Contudo, cabe ao Judiciário fazer valer a lei e em caso de descumprimento da determinação, aplicar-lhe medidas extraordinárias, se necessário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HARADA, Kioshi. Precatórios. Obra de satanás? Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8027. Acesso em: 29 de nov. 2007.

RUSSOMANO, Rosah. Curso de direito constitucional. São Paulo: Freitas Bastos, 15ª ed. 2007, p. 105.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Nilson Naves defende substituição do precatório por título sentencial Disponível em: http://www.direito2.com.br/stj/2003/dez/11/nilson_naves_defende_substituicao_do_precatorio_por_titulo_sentencial. Acesso em: 29 de nov. de 2007.

 

1 HARADA, Kioshi. Precatórios. Obra de satanás? Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8027. acesso em: 29 de nov. 2007.

2 RUSSOMANO, Rosah. Curso de direito constitucional. São Paulo: Freitas Bastos, 15ª ed. 2007, p. 105.

3 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Nilson Naves defende substituição do precatório por título sentencial Disponível em: http://www.direito2.com.br/stj/2003/dez/11/nilson_naves_defende_substituicao_do_precatorio_por_titulo_sentencial. Acesso em: 29 de nov. de 2007

 

Data de elaboração: novembro/2007

 

Como citar o texto:

LAGO, Juliano Silva do..Descumprimento de ordem judicial pelo Executivo no pagamento de Precatórios: problematização. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 257. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/1883/descumprimento-ordem-judicial-pelo-executivo-pagamento-precatorios-problematizacao. Acesso em 20 fev. 2008.

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