INTRODUÇÃO

 

Aprovada pelo Congresso Nacional em julho de 2010, a Emenda Constitucional nº 66 alterou o artigo 226, § 6.º da Constituição Federal, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovada separação de fato por mais de dois anos, seja na forma consensual, seja na litigiosa.

Com isso, surge uma grande questão: a nova emenda incentivará ainda mais os divórcios num país que já tem altos índices de separação?

Agora, pequenas crises conjugais poderão ser motivo para os cônjuges entrarem com um processo de dissolução do casamento, correndo-se o risco de os casamentos durarem menos tempo.

Alguns, podem entender que isso causará a banalização do divórcio, provocando, consequentemente, uma fragilização do casamento.

Outros, podem considerar um importante avanço, se levarmos em conta as vantagens que a emenda traz, entre as quais podemos citar: desafogamento do Poder Judiciário (economia processual), simplificação da formalidade (desburocratização), redução de gastos com custas processuais e honorários advocatícios e abreviação do sofrimento das partes.

Antes e durante a sua implantação, a lei gerou debates entre diversos setores da sociedade, dentre eles a Igreja.

Para a OAB, não há que se falar em questões religiosas. A lei é uma evolução do sistema jurídico brasileiro e o Direito brasileiro é muito dinâmico.

A lei, sem dúvida, é uma evolução, mas é preciso muita cautela.

Para os representantes da Igreja, o aumento no número de divórcios é preocupante, pois o que Deus uniu, o homem não separa e vínculos matrimoniais contínuos devem ser estimulados.

Há Magistrados que também acham que a lei pode banalizar a união e jogar fora a responsabilidade dos cônjuges.

A lei do divórcio rápido pode estimular a banalização do casamento, podendo o fim do casamento afetar os filhos, os noivos e a própria sociedade. O divórcio acaba sendo a frustração de um projeto de vida.

Mas não se pode olvidar que há situações em que a sociedade conjugal faliu e que é impossível manter a vida em comum e, atualmente, percebe-se um expressivo aumento do número de divórcios em todo o mundo, tornando-se algo quase corriqueiro, havendo até denominações como “casamentos relâmpagos“, amparados pelo fútil pensamento: “Se não der certo é só separar”.

Quando se toma essa decisão, é preciso ter absoluta certeza, afinal , trata-se da vida de duas pessoas, que, possivelmente, darão origem a novas vidas, que dependerão do bom entrosamento do casal para uma existência completa e correta de acordo com o que rezam os bons costumes.

Pesquisas demonstram os expressivos números de separações. Segundo o IBGE, no ano de 2007, a taxa de divórcios registrados foi a maior desde o ano de 1984. Tal registro demonstra que a cada quatro casamentos realizados, há um registro de separação.

Outro estudo, realizado pela Universidade de Chicago, relata que o divórcio ocasiona um efeito nocivo e duradouro na saúde dos envolvidos e que, mesmo com um novo casamento, não se consegue reparar os danos causados. Esse estudo revela que entre os divorciados a incidência de doenças crônicas é 20% maior do que nas pessoas que nunca se casaram. Além desses dados, foram constatados outros efeitos, dentre eles, a depressão e a rebeldia dos filhos, o que faz com que algumas pessoas não consigam seguir normalmente suas vidas após uma separação.

1. A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL NO TEMPO

A emenda constitucional nº 66, de 13 de julho de 2010, que versa sobre o divórcio está em plena vigência. Mas há diversas reflexões sobre o tema que variam entre o objetivo, a moral, a cultura etc.

É imprescindível fazer um brevíssimo histórico do casamento e da família e, obviamente, não há ponto definitivo, uma vez que há vários ângulos de visão sobre esses assuntos.

Como é cediço, em tempos remotíssimos, no Direito Romano, a família era constituída sob a figura do pater familias, que detinha plenos e ilimitados poderes sobre os filhos, sobre a esposa, sobre as mulheres casadas com seus descendentes. Enfim, o pater representava todos os órgãos e unidades da família.

Com o tempo, as regras foram abrandadas, e, numa fase posterior, com o Imperador Constantino, a concepção cristã da família começou a ganhar espaço.

O casamento era baseado na convivência e na afeição, sendo a falta delas o motivo para o divórcio. Em sentido contrário, canonistas não eram favoráveis à dissolução do vínculo matrimonial, visto que o homem não podia e não devia intervir na união realizada por Deus.

Na Idade Média, o direito canônico regia todas as relações familiares e o único casamento reconhecido era o religioso. Nada obstante, o direito romano continuava a influenciar no pátrio poder (figura já expurgada do direito brasileiro, substituída pelo poder familiar) e nas relações patrimoniais.

Pode-se dizer, então, que a família e o casamento no Brasil sofreram forte influência do direito romano, do direito canônico e do direito germânico. Por isso, tanta divergência de opiniões a respeito do tema.

No momento, é imprescindível registrar que o Brasil é um país que não segue nenhuma religião e segue todas ao mesmo tempo e, ainda, que não é estático. Desse modo, tem a obrigação de levar em consideração os discursos racionais, bem como a cultura e a sociedade como um todo, nas diferentes épocas da evolução.

O divórcio foi instituído no Brasil, com a Emenda Constitucional 09, de 28 de junho de 1977, e regulamentado com a Lei n. 6515, de 26 de dezembro daquele mesmo ano. Já antes, em 1901, o instituto do divórcio foi discutido excepcionalmente em Assembléia. Na pauta, havia questões sobre moral costumes e educação na organização das famílias.

Em 1885, ano de instituição do divórcio na França, eram 4700 casais divorciados; em 1911, o número subiu para 6374. Os dados foram apresentados na obra do jurista Clovis Bevilaqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado .

Nessa obra, o autor também se posiciona contrário à institucionalização do divórcio no Brasil. Justificou o seu posicionamento, alegando que as uniões ilícitas dão causa tanto ao desquite, quanto ao divórcio, e, nem por isso, são institutos eficazes para evitá-las. Além disso, afirma ser, a indissolução do casamento, um poderoso freio para moderar o calor das emoções diante das querelas do casal e consolida a amizade entre os cônjuges (p.266).

A pertinência do seu posicionamento fica evidente nesse trecho:

"(...) o divórcio é um mal de proporções funestíssimas para a sociedade: perturba o desenvolvimento moral de muitos seres, prejudica o surto natural dos afetos, que tem na família o seu meio próprio, e prepara gerações inaptas para a vida normal, na família e na sociedade.

(...)

E, se a progressão continua, chegar-se-á, dentro de alguns anos, a um estado não distante das uniões passageiras, e da promiscuidade."(p. 267)

Em Portugal, o divórcio pode ser por mútuo consentimento ou sem consentimento de um dos cônjuges. No primeiro caso, "O divórcio por mútuo consentimento pode ser instaurado a todo tempo na conservatória do registo civil, mediante requerimento assinado pelos cônjuges ou seus procuradores,...". No segundo caso, se o casal não tiver conseguido um acordo, o divórcio será instaurado perante o Tribunal, conforme as disposições dos artigos 1773º e 1775º do Código Civil, com a nova redação que lhes deu a Lei nº 61/2008, de 31 de outubro.

O Código Civil alemão (BGB) prevê o divórcio para os que vivem juntos há um ano e a continuação do casamento representa para o cônjuge demandante um grave prejuízo (§ 1565-2). Se os cônjuges vivem separados há um ano, ambos podem solicitar o divórcio ou o demandado concorda com o pedido (§ 1566-1). Presume-se de maneira incontestável o fracasso do casamento se os cônjuges vivem separados há três anos (§ 1566-2).

A sociedade conjugal é todo o conjunto de direitos e deveres que condiciona marido e mulher numa vida em comum alicerçada voluntariamente pelos elos de afeto. Pode vir a abranger as relações paterno-filiais, quando se torna uma sociedade doméstica. No entender de Limongi França , a dissolução da sociedade conjugal significa "O desfazimento da vida em comum, entre marido e mulher, por alguma das causas legais, de modo a extinguir ou modificar o respectivo complexo de direitos e obrigações, bem assim as relações paterno-materno-filiais."

É sabido que toda família apresenta um ciclo não linear de constituição, desenvolvimento e fragmentação. José Renato Nalini apresentou em seu artigo intitulado, A Família brasileira no século XXI, a descrição deste ciclo elaborada por Luiz Carlos Osório, assim resumida: constituição com o casamento; expansão com uma geração de filhos; dispersão ou quebra quando os filhos saem do lar; extinção com o falecimento dos pais; e substituição com a formação de novas famílias pela geração dos filhos.

Com a separação ou o divórcio há o fenômeno da desagregação familiar. O autor Antônio Chaves, em Tratado de Direito Civil4 , citando Henri, Leon e Jean Mazeaud, afirma ser a cessação do casamento, responsável pela dissolução familiar, desde que hajam rompido os cônjuges sem terem deixado filhos. Fala-se no fenômeno da desagregação familiar quando, da cessação, surgem duas famílias constituídas entre filhos e pais, antigos cônjuges.

Dessa forma, segundo Antônio Chaves (p. 123) a família tende à dissociação ou à desagregação basicamente por duas causas, uma natural e outra dita artificial. A primeira revela-se com a morte, ou a sua presunção, de um dos cônjuges; a segunda, com o rompimento pronunciado pelo juiz a pedido de um dos cônjuges, ou de ambos.

Os romanos já consideravam o casamento um consortium omnis vitae muito embora respeitassem a dissolução dos casais. A indissolução não advém de qualquer testamento religioso, mas sim da compreensão cultural romana que percebia, no casamento, um contrato de natureza individual e social.

Compreendia-se, já a essa época, o respeito à vontade dos contraentes (cônjuges), porém a sociedade os submetia a preceitos que garantiam a sua segurança e tranqüilidade. O objetivo auferido era o de harmonizar a falta de limites gerada pelo exercício da liberdade individual e as necessidades sociais, ao impor-lhes limites em favor da manutenção do status quo gerado pela união matrimonial.

O Código Civil de 2002 trouxe basicamente o que a Lei do Divórcio , já trazia: a morte, a anulação ou nulidade do casamento, a separação judicial e o divórcio eram as quatro formas terminativas do casamento. Apenas duas delas eram dissolutivas: a morte e o divórcio. Ou seja, apenas a morte e o divórcio colocavam fim à sociedade e ao vínculo conjugal, trazendo consigo a possibilidade de as partes convolarem novas núpcias. Finalmente, em 2007, a Lei n. 11.441/07 passou a possibilitar, através de escritura pública, a separação e o divórcio extrajudiciais.

2.O DIVÓRCIO BRASILEIRO ANTERIOR

Para melhor compreendermos a mudança, vejamos abaixo como era a redação do art. 226, § 6º da Constituição Federal de 1988, antes da Emenda Constitucional nº 66/2010, in verbis:

§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

Vejamos agora a nova redação, após a aprovação da Emenda Constitucional nº 66/2010 em 13 de julho de 2010, grifo nosso:

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

É fácil perceber que o objetivo maior da mudança legislativa se deu na questão dos prazos para o divórcio e da questão que envolve a extinção da separação judicial, ou seja, com a nova redação do § 6º não há mais nenhuma referência à antiga separação judicial e nem aos prazos para o divórcio.

Para que se entenda a decisão tomada pelos nobres legisladores, faz-se necessário entender o processo de divórcio anterior.

Acontecia da seguinte forma:

I- CONVERSÃO EM DIVÓRCIO

o casal, que estivesse casado por mais de um ano e concordasse sobre a pensão, a guarda dos filhos e a partilha de bens, poderia pedir a separação consensual (facultada a petição em cartório, mediante escritura pública, desde que não houvesse filhos menores ou incapazes e que os interessados fossem capazes e concordassem com o ajuste), um ano após a separação ser concedida, poderia demandar a conversão em divórcio.

O Divórcio pode ser decretado como conversão de separação judicial ou como divórcio direto.

Qualquer dos cônjuges separados judicialmente, há mais de um ano, poderá, individualmente, postular em juízo a conversão de Separação Judicial em Divórcio. Quando o Divórcio for requerido na mesma comarca onde tenha ocorrido a Separação Judicial o processo do Divórcio será apensado ao processo da Separação.

Lei 6.515/77

Art. 35. A conversão da separação judicial em divórcio será feita mediante pedido de qualquer dos cônjuges.

Parágrafo único. 0 pedido será apensado aos autos da separação judicial.

Sempre houve uma preocupação do legislador em não deixar constar do registro civil qualquer alusão à causa do divórcio. O objetivo é evitar a invasão da privacidade do casal. O processo de separação e divórcio também tramitam sob segredo de justiça, portanto, será lógico que este sigilo deva permanecer quando da averbação do divórcio no Cartório do Registro Civil.

Lei 6.515/77

Art. 25. A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges, existente há mais de um ano, contada da data da decisão ou da que concedeu a medida cautelar correspondente (art. 8º), será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou.

II - SEPARAÇÃO SANÇÃO

o casal que imputasse ao outro grave violação dos deveres do casamento e que demonstrasse ser insuportável a vida em comum, poderia pedir a separação judicial a qualquer tempo (separação-sanção), demandaria a conversão em divórcio após um ano de concedida;

III - SEPARAÇÃO FALÊNCIA

os cônjuges, que provassem a ruptura da vida em comum por mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição, poderiam pedir a separação judicial (separação-falência), demandaria a conversão em divórcio após um ano de concedida;

IV - SEPARAÇÃO REMÉDIO

O cônjuge casado com pessoa acometida de doença mental grave, manifestada após o casamento e que tornasse insuportável a vida em comum, desde que a enfermidade tivesse sido rotulada de incurável, após uma duração de dois anos, poderia pedir a separação judicial (separação-remédio), demandaria a conversão em divórcio após um ano de concedida;

V - DIVÓRCIO DIRETO

o casal, separado de fato há 2 anos, poderia pedir o divórcio direto, consensual ou litigioso.

A realidade fria era que os critérios registrados - supramencionados (sem entrar em detalhes sobre nenhum deles) - tornavam excessivamente trabalhosa e cara a vida de duas pessoas que já não tinham motivos para permanecerem unidas. E, não é ilusão afirmar que muitos casais conseguiam testemunhas para prestar um testemunho mentiroso sobre o lapso temporal de separação dos cônjuges para conseguir o divórcio.

Agora, com a emenda constitucional nº 66, o casamento pode ser desfeito sem passar pelo crivo de tanta burocracia e, após 24 horas, o sujeito está apto a casar-se novamente.

Parece claro que o legislador realmente teve a intenção de abolir a separação judicial de nosso sistema. Em verdade, a intenção da Emenda foi permitir que os casais pudessem se divorciar a qualquer momento, sem precisar obedecer prazos ou outro requisito, como comprovar a culpa pelo fim do casamento.

De fato, obrigar os casais que já não se amam a aguardar dois anos para ingressar com divórcio direto, ou mesmo um ano após a separação judicial para requerer o divórcio por conversão, é algo inconcebível. Nesse sentido, veio tarde a mudança constitucional. Hoje, portanto, os casais estão livres para romper o vínculo conjugal a qualquer momento. Não precisam mais ficar presos, desgastando-se com prazos sem finalidade.

Da mesma forma, estabelecer pré-requisito sem o qual não é possível a dissolução do vínculo conjugal é um absurdo tão grande nos dias de hoje, que até mesmo a jurisprudência e as melhores doutrinas já vinham relativizando as regras anteriormente vigentes. Assim, bastava que o amor não estivesse mais presente para que o vínculo pudesse ser dissolvido. Afinal, para que provar a insuportabilidade da vida em comum? Ora, se um dos cônjuges está pedindo a separação, não parece óbvio que a vida a dois entre o casal se tornou insuportável? Não há sentido algum em levar a vida íntima do casal ao Judiciário, apenas para poder se divorciar.

Dessa forma, derrogados estão os artigos 1.572, 1.573 e 1.574 do Código Civil, bem como todos aqueles que tratam da separação judicial e não puderem ser aproveitados ao divórcio.

Cumpre destacar que vários autores entendem ainda estar presente a separação judicial em nosso sistema, pois os referidos artigos não foram revogados expressamente. Para alguns destes autores, a separação judicial poderia ser opcional. Dessa forma, caso o casal quisesse apenas um tempo para pensar, poderia utilizar o recurso da separação judicial, e, caso decidissem voltar, bastaria restabelecer a sociedade conjugal, nos termos do artigo 1.577 do Código Civil.

Com respeito às opiniões nesse sentido, não se vislumbra uma finalidade prática para a manutenção da separação judicial, ainda que de forma opcional. Basta o casal separar-se de fato, caso queira um tempo para pensar, antes de decidir pelo divórcio. Ademais, nada impede que após o divórcio o mesmo casal se case novamente.

 

3. A MUDANÇA DOS PROCESSOS DE SEPARAÇÃO E DE DIVÓRCIO APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010

Como delineado anteriormente, a alteração constitucional promovida pela Emenda Constitucional nº 66/2010 instituiu o divórcio como único modo de dissolver o casamento, seja ele de forma consensual ou litigiosa, abolindo do mundo jurídico o instituto da separação judicial.

Consequência principal dessa mudança é o afastamento da possibilidade de discussão da culpa, vez que no divórcio não cabe questionamentos acerca das causas que motivaram o fim da união. Aliás, esse entendimento já vinha sendo prestigiado pela jurisprudência pátria, que reconhecia ser desnecessária a identificação do culpado pela separação, em razão da dificuldade em atribuir a apenas um dos cônjuges a responsabilidade pelo fim do vínculo afetivo.

No entanto, a exclusão da análise da culpa do âmbito do Direito de Família, não impede que o cônjuge que tenha sofrido danos morais, materiais ou estéticos possa demandar o ex-consorte para debater a culpa em ação indenizatória. A matéria, todavia, deverá ser discutida através de ação autônoma perante o Juízo Cível, onde será apurado o nexo de causalidade.

Outra questão relevante é a impossibilidade de reconciliação. Ou seja, se antes, com a separação jurídica, era possível o restabelecimento do casamento, vez que tal instituto não tinha o condão de dissolver o vínculo matrimonial, agora, com o divórcio, havendo reconciliação, o casal só poderá restabelecer a união através de novo casamento.

No que diz respeito à partilha, após a Emenda do Divórcio, permanece a regra já consagrada pelo Código Civil de 2002, que estabelece que o divórcio pode ser levado a efeito sem a prévia partilha dos bens, o que deve ser feito através de ação própria.

Merece destaque, ainda, o impacto da modificação do texto constitucional na seara do direito aos alimentos, vez que a pretensão alimentar do cônjuge não poderá se fundar na conduta desonrosa do outro consorte ou em qualquer ato culposo que implique violação dos deveres conjugais, conforme preceituam os arts. 1.702 e 1.704 do Código Civil Brasileiro. Pois, se não mais subsiste, diante da nova norma constitucional, a aferição do elemento subjetivo da culpa, o pedido de pensão alimentícia deve ser pautado simplesmente no binômio necessidade (credor) e possibilidade econômica (devedor).

Ressalte-se que as questões relacionadas à guarda dos filhos, exercício do direito de visitas e verba alimentar deverão ser discutidas na ação de divórcio, pois segundo ensinamento de Maria Berenice Dias:

“Ainda que nada diga a lei, indispensável que na ação de divórcio – seja consensual, seja litigiosa – reste decidida a guarda dos filhos menores ou incapazes, o valor dos alimentos e o regime de visitas, por aplicação analógica ao que é determinado quanto à separação (CPC 1.121). Mesmo não mais existindo a separação, o procedimento persiste para o divórcio.”

Quanto às novas ações judiciais, estas seguem pelo divórcio sem passar pela separação e as questões como alimentos, guarda e visitação dos filhos e partilha de bens devem ser tratadas na mesma ação, uma vez que, a partir do momento em que se aboliu a separação, tais questões devem ser acordadas e decididas nesse momento, para que não haja prejuízo às partes.

Quanto às ações de separação findas antes da Emenda que não cumpriram o lapso temporal para conversão desta em divórcio, as partes poderão, a qualquer momento, pedir a conversão para o divórcio.

Em relação às ações de separação, que estavam em andamento ou ainda estão desde o advento da Emenda, deverão as partes ser intimadas para emendar a inicial com pedido de divórcio, e assim do mesmo modo para as novas ações que, porventura, tragam a denominação equivocada de Separação Judicial.

Por fim, a ação de separação de corpos não foi prejudicada, uma vez que é uma medida cautelar visando afastar um dos cônjuges do lar, a fim de proteger o outro cônjuge.

Há nessa mudança pontos positivos como: diminuição de demandas judiciais e a economia das partes que não necessitam contratar duas vezes advogados, por outro lado, há danos negativos também, como a banalização dos casamentos e a facilidade do divórcio, o que pode gerar danos a alguma das partes envolvidas.

CONCLUSÃO

A verdade é que não há como esgotar tema tão polêmico, nem tenho pretensão alguma de fazê-lo. A sociedade pediu, o legislador atendeu. O divórcio direto veio para ficar. É um anseio recente, pertinente, mas que, infelizmente, em vez de buscar incentivar a continuidade da família por meio da instituição do casamento, faz justamente o contrário: estimula e facilita sua dissolução, banalizando irrevogavelmente aquele sagrado ritual, permitindo que o famoso jargão “casa-separa” se torne uma fria realidade no Brasil. Só nos resta torcer para que os efeitos sejam os melhores possíveis, os quais, nas sábias palavras de Padre Antonio Vieira, só o tempo será capaz de mostrar.

Da mesma maneira que a nossa Carta Constitucional consagra um direito fundamental ao casamento, a mesma Carta Magna institui claramente um direito a não permanecer casado, um direito à dignidade e à felicidade pessoal por meio da promoção do termo de um projeto afetivo comum que, de certa forma, fracassou. Todavia, o processo existente, até o surgimento da EC 66, para atingir esse "bem" – ou seja, livrar-se da infelicidade e poder buscar novamente a satisfação pessoal – era desnecessariamente dificultado.

Em epítome, entendemos que: a separação judicial deixou de existir, não sobrevivendo nem mesmo como procedimento opcional. Com ela, foram-se os requisitos subjetivos para a obtenção do divórcio (indicação do cônjuge culpado). E outro não foi o destino do requisito objetivo (tempo), com a nova dicção do texto constitucional.

A moral condutora da manutenção deste arcaico sistema, assim como a da não facilitação do divórcio, é a preservação da família. Pensa-se que se o Estado dificultar ou colocar empecilhos, os cônjuges poderão repensar e não se divorciarem; ou, se apenas se separarem, poderão se arrepender e restabelecerem o vínculo conjugal. Em 1977, o argumento usado para se manter na lei o instituto da separação judicial como alternativa ao divórcio era puramente religioso. Tinha-se a esperança de que os católicos não se divorciariam, apenas se separariam judicialmente. A realidade, diferente do que se temia, foi outra: católicos se divorciam, não houve uma "avalanche" de divórcios, e as famílias não se desestruturaram por isso. Ao contrário, as pessoas passaram a ter mais liberdade e conquistaram o direito de não ficarem casadas. Ora, o verdadeiro sustento do laço conjugal não são as fórmulas jurídicas. O que garante a existência dos vínculos conjugais é o DESEJO.

É preciso separar o "joio do trigo", para usar uma linguagem bíblica, isto é, se separarmos as razões jurídicas das razões e motivações religiosas, veremos claramente que não faz sentido a manutenção do instituto de separação judicial em nosso ordenamento jurídico. Ele significa mais gastos financeiros, mais desgastes emocionais e contribui para o emperramento do Judiciário, na medida em que significa mais processos desnecessários. Um dos maiores juristas brasileiros, o alagoano Paulo Luiz Netto Lôbo, mesmo antes da aprovação da referida Emenda Constitucional, já era enfático quanto à insustentabilidade dessa duplicidade de tratamento legal:

(...) A superação do dualismo legal repercute os valores da sociedade brasileira atual, evitando que a intimidade e a vida privada dos cônjuges e de suas famílias sejam reveladas e trazidas ao espaço público dos tribunais, com todo o caudal de constrangimento que provocam, contribuindo para o agravamento de suas crises e dificultando o entendimento necessário para a melhor solução dos problemas decorrentes da separação.

Assim, indiscutíveis os avanços ocorridos com o advento da EC 66/2010, através da qual, sob a ótica do tão mencionado princípio da intervenção mínima e das máximas do direito civil-constitucional, o Estado afasta-se cada vez mais de questões de caráter personalíssimo, como o divórcio, cabendo tal decisão apenas aos cônjuges. A facilitação do divórcio nada mais é do que verdadeiro reflexo da forma como as relações familiares devem ser mantidas: com base em afeto e no respeito à dignidade da pessoa humana, não havendo sentido em se manter pessoas unidas por um vínculo matrimonial que efetivamente não mais existe.

Desta forma, é de se concluir que a PEC do divórcio em boa hora emergiu, expurgando procedimentos desnecessários, acompanhando o real momento vivido pela sociedade, fugindo dos velhos dogmas enraizados e mais: consagrando o princípio da liberdade e da autonomia da vontade que devem estar presentes tanto na constituição como na dissolução das relações conjugais, trazendo para o Direito brasileiro a mais importante modificação positiva deste milênio!

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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VIEIRA, Padre Antônio, Sermão do Mandato (1643)

 

Data de elaboração: junho/2012

 

Como citar o texto:

EBIAS, Luciene Ecar Dutra ..As consequencias sociais advindas da emenda constitucional 66/2010. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1004. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/2558/as-consequencias-sociais-advindas-emenda-constitucional-662010. Acesso em 12 ago. 2012.

Importante:

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