A permanência ou não de crucifixos em repartições públicas, como nos orgãos do poder judiciário é uma questão que envolve liberdade de crença e princípios da administração pública, pois ainda há divergência jurisprudencial para solucionar esse impasse como se observa em algumas decisões, embora o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) seja favorável à permanência de crucifixos em Plenários e salas do judiciário.

Para solucionar essa questão é necessário compreender que o Estado brasileiro é laico, portanto deve manter-se inteiramente separado das Igrejas e neutro diante de qualquer religião professada pelo seu povo, assim, se por um lado o Estado precisa salvaguardar a prática das diversas religiões, por outro há de atuar como entidade neutra, distante de qualquer influência religiosa.

O Estado laico, de modo geral, é aquele que protege a liberdade de crença, vale dizer, de o cidadão ter direito de seguir ou não determinada religião e que mantenha o Estado distante de uma relação de dependência religiosa que interfira na administração pública e suas decisões.

Portanto, ainda que o preâmbulo da CF disponha da locução “sob a proteção de Deus”, isso não vincula as normas jurídicas como entendeu o STF no julgamento da ADIN 2076-5 ao defender que o preâmbulo tem irrelevância jurídica e não é dotado de força normativa, razão pela qual não cria direitos e nem obrigações.

Ocorre que alguns tribunais pátrios não permitem a afixação de crucifixos nas repartições do Judiciário estadual, o que diverge da decisão do CNJ em resposta aos Pedidos de Providências 1344, 1345, 1346 e 1362 ao entender que a exposição de tal símbolo em orgãos públicos não ofende a sociedade, ao contrário, preserva a garantia de interesses individuais culturalmente solidificados e amparados na ordem constitucional e que não há no ordenamento jurídico pátrio proibições para o uso do símbolo religioso em ambientes de orgão do Poder Judiciário.

 Assim, para justificar a manutenção de crucifixos nos orgãos do judiciário, o CNJ defende que se trata de um símbolo cultural e não a adoção de uma religião pelo Estado, entretanto, alguns tribunais como o do Rio de Janeiro e o do Rio Grande do Sul entendem que o crucifixo não consiste apenas num símbolo cultural, mas que representa um símbolo religioso específico do Cristianismo e por se exigir que o Estado brasileiro seja laico ou não confessional, esse ente deve afastar a exposição de símbolos religiosos em repartições públicas como forma de garantir a sua neutralidade.

Entendemos que o cristão não concebe o crucifixo como simples símbolo cultural, pensar dessa forma seria até uma ofensa para grande parte dos adeptos do cristianismo, afinal concebe-se que o crucifixo é uma manifestação de fé e que irradia os fundamentos dessa religião, portanto é algo que transcende uma manifestação cultural.

Não obstante, o Estado brasileiro também é formado não cristãos e que não deixam de ser detentores de direitos nem desamparados do princípio da isonomia, pois como destaca o art. 3º da CRFB/88, a República Federativa do Brasil tem por objetivo assegurar o bem de todos, independentemente de raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Portanto, os ateus e aqueles que são adeptos de religiões que não adotam o crucifixo como símbolo religioso têm o direito de não sentirem-se discriminados pelo uso expressivo do símbolo de outra religião nas repartições públicas, mesmo que o crucifixo revele a manifestação de religião majoritária no Brasil.

Destaque-se que somos favoráveis à adoção de crucifixos nas repartições públicas,  desde que o servidor não exponha em locais visíveis ao público, para que a manifestação de uma crença não venha a violar o direito dos demais, do contrário, poderá afrontar princípios da administração pública como os da impessoalidade, legalidade e isonomia (já analisado acima) destacados pelo Des. Cláudio Maciel do TJRS que julgou procedente o pedido de reconsideração apresentado por algumas entidades da sociedade civil postulando a retirada de crucifixos e outros símbolos religiosos expostos nos espaços públicos do Poder Judiciário (Proc. 0139-11/000348-0).

Haverá violação ao princípio da legalidade porque a administração pública só pode levar a efeito o que está previsto em lei e não há disposição normativa permitindo a presença de símbolos religiosos em repartições públicas, como os orgãos do judiciário. Já a ofensa ao princípio da impessoalidade, ocorre a partir da concepção de que o crucifixo não consiste em símbolo oficial da nação brasileira, como dispõe o art. 13, §1º da CF, esses símbolos são a bandeira, o hino, as armas e os selos nacionais.

Tal situação torna-se mais complexa quando o poder judiciário é invocado para julgar casos de união homoafetiva, aborto de anencéfalo e outros que de alguma forma envolvem valores religiosos, de modo que a presença do crucifixo pode estimular o entendimento por parte da sociedade de que o Poder Judiciário não atua com imparcialidade nos seus julgamentos.

Considerando todos esses fatores e que a própria CRFB/88 irradia fundamentos do Estado brasileiro laico, mantemos o entendimento de que os crucifixos e qualquer outro símbolo referente à uma religião específica, não devem ser afixados em locais visíveis nas repartições públicas, inclusive nos órgãos do Poder Judiciário para que seja assegurado o respeito ao direito fundamental à liberdade de crença previsto no seu art. 5º, VI.

 

 

Elaborado em maio/2012

 

Como citar o texto:

SANTANA, Anina Di Fernando..A liberdade de crença e a fixação de crucifixos em repartições públicas de acordo com o posicionamento da jurisprudência pátria. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1115. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/2790/a-liberdade-crenca-fixacao-crucifixos-reparticoes-publicas-acordo-com-posicionamento-jurisprudencia-patria. Acesso em 30 out. 2013.

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