A Defensoria Pública na forma do art.1º da Lei Complementar nº 80/94:

 “é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal”.

Dadas as características da permanência (cláusula pétrea) e essencialidade à função jurisdicional do Estado (indispensabilidade) não seria aceitável do ponto de vista político-social-jurídico que o Estado-defensor mantivesse a sua atuação somente limitada à tutela de direitos individuais, na medida em que as ações coletivas promovem o acesso à justiça de forma mais ampla, com redução do volume de demandas individuais (facilitador ao cumprimento da celeridade jurisdicional) com tutela, ainda, do direito de pessoas que por seu estado de vulnerabilidade desconhecem a existência do próprio direito.

CAPELLETTI, no ponto, em sua clássica obra “Acesso à Justiça”, já consignou que a titularidade de direitos é destituída de sentido, se não existem mecanismos efetivos para a sua reinvindicação.

No âmbito da legislação infraconstitucional, pode-se concluir, mediante análise do art. 4º VII, VIII, X e XI da Lei Complementar nº 80/94, que é função da Defensoria Pública (mecanismo), dentre outras:

a) promover ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos quando o resultado da demanda puder beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes. 

b) exercer a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.

c) promover a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.

d) exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado.

Sob outro foco legislativo, a Lei nº 11.448/2007 conferiu expressamente legitimidade à Defensoria Pública para a propositura da ação principal e da ação cautelar no campo temático das ações civis públicas, ampliando, deste feita, o rol de legitimados do art. 5º da Lei nº 7.347/85.

De registro que, antes mesmo do arcabouço legislativo apresentado, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestava pela legitimidade da Defensoria Pública (STJ, REsp 555.111, Rel. Min, Castro Meira, DJ 18/12/2006, p. 363) para propor a ação principal e a ação cautelar em ações civis coletivas que buscam auferir responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

A Constituição da República determina que o Estado preste assistência jurídica aos necessitados (art. 134), de modo que, por missão constitucional, estaria configurada uma atribuição mínima, típica e compulsória desse órgão público. A Constituição não se valeu do termo “exclusivamente”, a fim de impor limitação às atribuições da Defensoria Pública no plano infraconstitucional.

Na promoção do amplo acesso à justiça e na busca do aprimoramento da República, com objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária,  erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art.3º da Constituição), não se mostra razoável que a Defensoria Pública não pudesse exercer atividades atípicas ou, até mesmo, sob outro enfoque argumentativo, que o conceito de necessitado não fosse revisitado para o aprimoramento dos mecanismos de defesa dos direitos sempre que o interesse social justifique esse subsídio estatal.

Atualmente, a Defensoria Pública atua na curadoria especial (art.9, do Código de Processo Civil e art. 4º, XVI, da Lei Complementar nº 80/94) e na defesa penal, sempre que não há constituição de advogado (art.263, do Código de Processo Penal e art.3-A, IV, da Lei Complementar nº80/94), por exemplo.

Nestes casos, a necessidade apontada é jurídica, pouco importando a comprovação da carência econômica na representação da parte.

Trata-se, como cediço, de atribuição atípica da Defensoria Pública ou estabelecimento pontual do sentido de “necessitado” por via infralegal, sem qualquer pecha de inconstitucionalidade.

A Constituição da República não prevê exclusividade para o Ministério Público no que tange à propositura da ação civil pública (art.129, §1º), não impedindo o exercício por outros interessados desde que referendados pela legislação em vigor, razão pela qual a ADIN n° 3943, Relatora Ministra Carmen Lúcia, proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público-CONAMP, oportunamente deverá ser rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal.

A legislação atual permite, simplesmente, que a Defensoria Pública venha somar esforços na conquista dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos da sociedade, podendo inclusive agir em litisconsórcio com o Ministério Público e outros legitimados.

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça no enfrentamento do tema tem promovido a revisitação do termo “necessitado”, no sentido de romper com a matriz tradicional (necessitado econômico).

Surge-se, pois, o conceito de necessitado sob o ponto de vista organizacional (socialmente vulneráveis).

As expressões “hipossuficientes”, “necessitados” ou “insuficiência de recursos”, encontradas na Constituição, têm seu alcance semântico revisitado, igualmente, pelo Superior Tribunal de Justiça, a fim de que possam desaguar no conceito de carentes organizacionais.

Nesse sentido, relevante colacionar trecho do voto do Ministro Herman Benjamin (REsp 1264116/RS. Em 13/04/2012):

“(...) Por espelhar e traduzir exemplarmente as marcas identificadoras do Welfare State, que está baseado nos princípios da solidariedade , da dignidade da pessoa humana e da efetiva igualdade de oportunidades , inclusive de acesso à Justiça, a Defensoria Pública – instituição altruísta por excelência – é essencial à função jurisdicional do Estado, nos termos do art. 134, caput, da Constituição Federal.

A rigor, mormente em países de grande desigualdade social, em que a largas parcelas da população – aos pobres sobretudo – se nega acesso genuíno ao Judiciário, como ocorre infelizmente no Brasil, seria impróprio falar em verdadeiro Estado de Direito sem a existência de uma Defensoria Pública nacionalmente organizada, conhecida de todos e por todos respeitada, capaz de atender aos necessitados da maneira mais profissional e eficaz possível.

A expressão "necessitados" (art. 134, caput, da Constituição), que qualifica, orienta e enobrece a atuação da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo da Ação Civil Pública, em sentido amplo, de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros – os miseráveis e pobres –, os hipervulneráveis (isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras), enfim todos aqueles que, como indivíduo ou classe, por conta de sua real debilidade perante abusos ou arbítrio dos detentores de poder econômico ou político, "necessitem" da mão benevolente e solidarista do Estado para sua proteção, mesmo que contra o próprio Estado. Vê-se, então, que a partir da ideia tradicional da instituição forma-se, no Welfare State, um novo e mais abrangente círculo de sujeitos salvaguardados processualmente, isto é, adota-se uma compreensão de minus habentes impregnada de significado social, organizacional e de dignificação da pessoa humana.

Ao se analisar a legitimação ad causam da Defensoria Pública para a propositura de Ação Civil Pública referente a interesses e direitos difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos, não se há de contar nos dedos o número de sujeitos necessitados concretamente beneficiados. Basta um juízo abstrato, em tese, acerca da extensão subjetiva da prestação jurisdicional, isto é, da sua capacidade de favorecer, mesmo que não exclusivamente, os mais carentes, os hipossuficientes, os desamparados, os hipervulneráveis.

A ser diferente, bastaria ao universo dos sujeitos beneficiados incluir, direta ou reflexamente, um só abonado ou ricaço para a tutela solidarista ser negada a centenas ou milhares de necessitados, deixando-os à mingua diante de graves lesões de natureza supraindividual.

Nesse sentido, já decidiu o STJ que a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro "tem legitimidade ativa para propor ação civil pública objetivando a defesa dos interesses da coletividade de consumidores que assumiram contratos de arrendamento mercantil, para aquisição de veículos automotores, com cláusula de indexação monetária atrelada à variação cambial" (REsp 555.111/RJ, Rel. Min. Castro Filho, Terceira Turma, DJe 18.12.2006).

Objeto da presente demanda, o direito à Educação é considerado questão da mais alta relevância, capaz de justificar a propositura da Ação Civil Pública, até mesmo pela Defensoria Pública, cuja intervenção, na esfera dos interesses e direitos individuais homogêneos, não se limita às relações de consumo ou à salvaguarda da criança e do idoso.

Em verdade, cabe à Defensoria Pública a tutela de qualquer interesse individual homogêneo, coletivo stricto sensu ou difuso, sobretudo aqueles associados aos direitos fundamentais, pois sua legitimidade ad causam não se guia, no essencial, pelas características ou perfil do objeto de tutela (= critério objetivo), mas pela natureza ou status dos sujeitos protegidos, concreta ou abstratamente defendidos, os necessitados (= critério subjetivo), perspectiva essa que fez com que precedente do STJ ampliasse essa legitimidade para o ancho campo da dignidade humana: "a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais" (REsp 1.106.515/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 2.2.2011, grifei).  3. Jurisprudência do STJ. É vasta a jurisprudência desta Corte, que outorga aos legitimados pela Lei 7.347/85 a propositura de Ação Civil Pública para a proteção de interesse individual homogêneo: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COBRANÇA DA COFINS E DO PIS AOS CONSUMIDORES DOS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NATUREZA DA AÇÃO CONSUMERISTA. 1. Cinge-se a controvérsia à legitimidade ativa do Ministério Público Federal para ajuizar ação civil pública questionando a legalidade do repasse do custo de PIS e COFINS aos usuários de serviços de telecomunicações. 2. O Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública ou coletiva, não apenas em defesa de direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também de seus direitos individuais homogêneos. Precedentes: REsp 769.326/RN, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 15.9.2009, DJe 24.9.2009 ; REsp 700.206/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 9.3.2010, DJe 19.3.2010. Agravos regimentais improvidos. (AgRg no AgRg no REsp 1167377/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 03/05/2011). PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COBRANÇA POR SERVIÇOS NÃO SOLICITADOS. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS. SÚMULA 7/STJ. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS HOMOGÊNEOS DOS CONSUMIDORES. INTERVENÇÃO DA ANATEL COMO LITISCONSORTE PASSIVO. DESNECESSIDADE. (...) 4. O Ministério Público possui legitimidade ativa para promover a defesa dos direitos difusos ou coletivos dos consumidores, e de seus interesses ou direitos individuais homogêneos, inclusive no que se refere à  prestação de serviços públicos, haja vista a presunção de relevância da questão para a coletividade. Precedentes do STJ. (...) 6. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1150965/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 25/4/2011). Destaco ainda que o tema da Educação , mote da presente discussão, é considerado de máxima relevância e interesse social, capaz, por si só, de justificar a propositura de Ação Civil Pública: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VESTIBULAR. LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE CONCESSÕES DE ISENÇÃO DE TAXAS PARA EXAME EM UNIVERSIDADES FEDERAIS. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. A jurisprudência desta Corte vem se sedimentando em favor da legitimidade ministerial para promover ação civil pública visando a defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando na presença de relevância social objetiva do bem jurídico tutelado (a dignidade da pessoa humana, a qualidade ambiental, a saúde, a educação, apenas para citar alguns exemplos) ou diante da massificação do conflito em si considerado. Precedentes. 2. Oportuno notar que é evidente que a Constituição da República não poderia aludir, no art. 129, inc. II, à categoria dos interesses individuais homogêneos, que só foi criada pela lei consumerista. Contudo, o Supremo Tribunal Federal já enfrentou o tema e, adotando a dicção constitucional em sentido mais amplo, posicionou-se a favor da legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública para proteção dos mencionados direitos. 3. No presente caso, pelo objeto litigioso deduzido pelo Ministério Público (causa de pedir e pedido), o que se tem é pretensão de tutela de um bem divisível de um grupo: a suposta invalidade da limitação do número de concessões de isenção de taxas para exame vestibular de universidades federais em Pernambuco. Assim, atua o Ministério Público em defesa de típico direito individual homogêneo, por meio da ação civil pública, em contraposição à técnica tradicional de solução atomizada, a qual se justifica não só por dizer respeito à educação, interesse social relevante, mas sobretudo para evitar as inumeráveis demandas judiciais (economia processual), que sobrecarregam o Judiciário, e evitar decisões incongruentes sobre idênticas questões jurídicas. 4. Nesse sentido, é patente a legitimidade ministerial, seja em razão da proteção contra eventual lesão ao interesse social relevante de um grupo de consumidores ou da massificação do conflito. 5. Recurso especial provido. (REsp 1225010/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 15/3/2011).

Anoto ainda que o caso dos autos não diz respeito ao pagamento de taxa, tal como exposto no acórdão recorrido (o que ainda assim justificaria a utilização da via, nos termos do precedente acima mencionado), mas sim à participação em processo seletivo de transferência voluntária de universidade, o que acirra a relevância do interesse em debate.

Superados os óbices em relação à via utilizada, não há limitação imposta à Defensoria Pública para a tutela de interesse individual homogêneo, por meio de Ação Civil Pública, relacionado com a educação. A jurisprudência desta Corte vem se consolidando no sentido de que a inclusão da entidade como legitimada ativa para a propositura da Ação Civil Pública faz parte de mudanças no arcabouço jurídico-processual com o objetivo de, ampliando o acesso à tutela jurisdicional e tornando-a efetiva, concretizar o direito fundamental disposto no art. 5º, XXXV, da CF.  Cito trechos de acórdão pertinente, acima referido:  PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 134 DA CF. ACESSO À JUSTIÇA. DIREITO FUNDAMENTAL. ART. 5º, XXXV, DA CF. ARTS. 21 DA LEI 7.347/85 E 90 DO CDC. MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSTRUMENTO POR EXCELÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA RECONHECIDA ANTES MESMO DO ADVENTO DA LEI 11.448/07. RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICA DO DIREITO QUE SE PRETENDE TUTELAR. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A Constituição Federal estabelece no art. 134 que "A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV". Estabelece, ademais, como garantia fundamental, o acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF), que se materializa por meio da devida prestação jurisdicional quando assegurado ao litigante, em tempo razoável (art. 5º, LXXVIII, da CF), mudança efetiva na situação material do direito a ser tutelado (princípio do acesso à ordem jurídica justa). 2. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, com o qual se comunicam outras normas, como os Estatutos do Idoso e da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados para "propiciar sua adequada e efetiva tutela" (art. 83 do CDC). 3. Apesar do reconhecimento jurisprudencial e doutrinário de que "A nova ordem constitucional erigiu um autêntico -concurso de ações- entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais" (REsp 700.206/MG, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 19/3/10), a ação civil pública é o instrumento processual por excelência para a sua defesa. 4. A Lei 11.448/07 alterou o art. 5º da Lei 7.347/85 para incluir a Defensoria Pública como legitimada ativa para a propositura da ação civil pública. Essa e outras alterações processuais fazem parte de uma série de mudanças no arcabouço jurídico-adjetivo com o objetivo de, ampliando o acesso à tutela jurisdicional e tornando-a efetiva, concretizar o direito fundamental disposto no art. 5º, XXXV, da CF. 5. In casu, para afirmar a legitimidade da Defensoria Pública bastaria o comando constitucional estatuído no art. 5º, XXXV, da CF. 6. É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais. 7. Recurso especial não provido. (REsp 1106515/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 2/2/2011).

No mais, acolho o entendimento de que, para a atuação da Defensoria Pública na Ação Civil Pública, basta que apenas parte dos beneficiários se enquadre na classe dos necessitados, porque, a se entender diversamente, vale dizer, a exigir-se exclusividade da titularidade destes em relação aos interesses e direitos objeto da demanda coletiva, o resultado seria, de direito e de fato, negar a ampla, imprescindível e efetiva tutela judicial a pretensões legítimas do infelizmente vasto universo de "carentes de justiça" do País. Algo incompatível com a marca da "eficiência" e da "instrumentalidade", que, segundo a lição abalizada de Ada Pellegrini Grinover, norteia nossa processualística civil atual, recheada que está de "esquemas e modelos processuais capazes de reconduzir o processo à necessária aderência à realidade e de resgatar seus princípios e suas finalidades primordiais, em face das novas exigências" (Acesso à Justiça e garantias constitucionais no processo do consumidor , in Sálvio de Figueiredo Teixeira, As Garantias do Cidadão na Justiça , São Paulo, Saraiva, 1993, p. 307). Novas exigências de caráter ético-social, mas precipuamente novas imposições de uma ordem constitucional que não se conforma com a proteção processual retórica dos sujeitos vulneráveis (...)”

Em conclusão, nada há nos artigos 5º, LXXIV e 134 da Constituição que indique que a defesa dos necessitados deve ser exclusivamente individual.

A Defensoria Pública, na modernidade, deve cada vez mais se desprender de um paradigma individual de atuação.

O preenchimento dos conceitos indeterminados de (a) hipossuficiência, (b) insuficiência de recursos e (c) necessitados deve ser realizado pelo intérprete tendo em vista os objetivos (art.3º) e fundamentos (art.1º) da própria Constituição.

Nesta marcha batida, em adesão à necessidade de amplo acesso à justiça, o conceito abarca o hipervulnerável (STJ) ou carente organizacional, sob pena de não se atingir a máxima proteção e efetividade dos preceitos constitucionais.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nesse compasso e em última análise, acertadamente, confere ampla legitimidade à Defensoria Pública para a propositura de ação civil pública.

Referências

BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em: 16 de junho de 2013.

BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em: 16 de junho de 2013.

______. Constituição da Republica Federativa Brasileira de 1988. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em: 16 de junho de 2013.

______. Lei Complementar nº 80/94. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em: 16 de junho de 2013.

_____. Lei nº 11.448/2007. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em: 16 de junho de 2013.

________. Superior Tribunal de Justiça. REsp 555.111, Rel. Min, Castro Meira, DJ 18/12/2006, p. 363. Disponível em www.stj.jus.br. Acesso em: 16 de junho de 2013.

________. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1264116/RS. 13/04/2012. Disponível em www.stj.jus.br. Acesso em: 16 de junho de 2013.

CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988.

GALLIEZ, Paulo. A Defensoria Pública, o Estado e a Cidadania. 3ª. Ed, ver., atual. E amp. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

GRINOVER, ADA PELLEGRINI. Parecer para a ANADEP na ADIN n. 3943, Relatora Ministra Carmen Lúcia. São Paulo. 16 de setembro de 2008.

 

 

Elaborado em junho/2013

 

Como citar o texto:

CORREA, Luiz Henrique de Vasconcelos Quaglietta..Qual é o conceito de necessitado? A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e a legitimidade da Defensoria Pública na propositura das ações civis públicas. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1118. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/2877/qual-conceito-necessitado-jurisprudencia-superior-tribunal-justica-legitimidade-defensoria-publica-propositura-acoes-civis-publicas. Acesso em 13 nov. 2013.

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