1. INTRODUÇÃO

O Brasil vive um momento de transição política, econômica e social de grandes proporções, e que pode ser observado tomando como parâmetro o curto período em que deixou de ser uma ditadura militar e passou a Estado Democrático de Direito, com uma Constituição, nossa norma fundamental, elaborada por uma Assembléia Nacional Constituinte formada por representantes do povo brasileiro, eleitos através do voto direto e secreto, expoente do modelo da Democracia Representativa.

No campo econômico, vive-se uma abertura de mercado sem precedentes na história brasileira, com os produtos do setor de agro-negócios encabeçando as exportações e gerando superávit da balança comercial, e, apesar de possuir uma das maiores dívidas externas do mundo, vem cumprindo com suas obrigações, o que faz com que a confiança dos investidores externos aumente dia-a-dia.

As questões sociais estão em evidência, e diversos organismos nacionais e internacionais cobram do governo uma política de investimentos com ênfase nas seguintes ações de implementação de projetos de reforma agrária, através, dentre outras medidas, da desapropriação de terras improdutivas para assentamento de famílias de “sem terras”, combate a fome e a miséria, criação e implantação de projetos habitacionais para a população de baixa renda, distribuição de renda, que estão sendo executadas através dos programas de bolsa escola, bolsa família, micro-créditos, etc, de maneira a diminuir as diferenças sociais, bem como, programas de desenvolvimento sustentável para garantir às gerações futuras uma vida digna e com qualidade.

A efetiva implantação da Democracia Participativa brasileira deve ocorrer através dos meios previstos na Constituição Federal, com a cada vez mais necessária participação popular como forma de combater a inércia política que favorece a uns em detrimento da coletividade.

Esse modelo que se apresenta em como uma grande interrogação devido a falta de interesse político, a interferência individualista dos seguimentos econômicos e, principalmente, a conjuntura de fatores sociais que afastam o povo das decisões de interesse coletivo, observado principalmente na massificação de opiniões através dos meios de comunicação que são utilizados para influenciar o cidadão, torna-o – ao cidadão - um objeto de manobra política das elites dominantes, dissociando vontade e soberania popular.

Seguindo a linha majoritária, a democracia é enfocada neste trabalho por dois prismas diferentes: o primeiro é quanto à liberdade política em que o cidadão, com plenos poderes eleitorais, participa dos rumos do país escolhendo seus representantes através do voto direto, secreto e com peso igual para cada cidadão, independente de cor, crença ou condição financeira; o segundo é o da igualdade social, quando todos os cidadãos são iguais, não só na condição de eleitores, mas na própria dignidade da pessoa humana, o que fica difícil de se entender em um país em que uma grande parte da população vive ou na miséria ou abaixo da linha de pobreza.

Entende-se que a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática tem início com um processo abrangente, lento e contínuo de educação, essência da liberdade e da igualdade, direito de todos e obrigação do Estado.

2. DEMOCRACIA

A palavra Democracia tanto pode servir para indicar a realização de valores essenciais da convivência humana, valores de igualdade e de liberdade, como para indicar a participação direta dos cidadãos nas decisões políticas do Estado.

A palavra ‘Democracia’ possui uma carga valorativa muito grande, sendo utilizada como sinônimo de ‘bem estar coletivo’, um ‘mundo ideal’ construído com a participação de todos, é o ‘respeito e a aplicação de valores’ para uma harmoniosa ‘justiça social’.

Entendendo-se a Democracia como um instrumento da classe dominante para manipular e controlar as demais classes, ela vem para legitimar a manutenção do status quo, e serve para justificar as promessas não cumpridas da modernidade, a mesma modernidade que está em mutação para uma pós-modernidade.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto identifica e distingue o problema relacionado com a iniciativa de participação popular, de acordo com a seguinte definição: Apatia Política – falta de estímulo para ação de cidadania; Abulia Política – não desejar participar de ação de cidadania, recusar participar; Acracia Política – não poder participar da ação de cidadania.

Convive-se com esta apatia que é justificada pelo modelo de vida capitalista ocidental, em que não sobra tempo para o envolvimento em questões de políticas públicas, mesmo que venham a interferir na nossa rotina.

O povo, primeiro, tem que se preocupar em sobreviver mais um dia, sem que morra de fome, sem que seja assaltado ou que fique desempregado; assim, como vai sobrar tempo ou ter condições de se preocupar com o bem comum quando a própria existência encontra-se ameaçada?

Como se pode falar desse princípio democrático para renovação da elite, se não são dadas oportunidades iguais para todos que integram a sociedade, se para a elite é interessante manter a maioria na apatia, na abulia ou na acracia política, como forma de se perpetuar no poder?

É preciso responder urgentemente à seguinte pergunta: qual é o modelo de democracia que verdadeiramente queremos?

2.1 BASES HISTÓRICAS

Mister se faz localizar a matriz histórica da Democracia, que teve origem na Grécia antiga e chegou aos dias atuais com uma nova interpretação, porém, mantendo sempre a sua essência, vê-se, com essa abordagem histórica, que a palavra Democracia representava a participação popular nas decisões da polis, e com o passar dos anos tornou-se sinônimo de forma de governo, passando a ser usada como adjetivo, para apresentar esse governo como aberto à participação popular.

2.2 CONCEITO

Democracia, como podemos perceber, é um conceito histórico, e dependendo do grau de participação do povo e do objetivo do Estado, este terá uma denominação e a Democracia será exercida em maior ou menor grau.

Ora, vê-se que a Democracia é um processo contínuo de conquistas de garantias e direitos fundamentais; mais ainda, é um instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, dentre eles a liberdade, a igualdade e a vontade da maioria.

Ainda, vê-se também que na base da Democracia existem dois princípios: o princípio da soberania popular, segundo o qual a única fonte do poder vem do povo, conforme preceitua a Carta de 1988, em seu parágrafo único, do Art. 1º, expresso como princípio fundamental; “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição“.

Podemos notar no dispositivo transcrito a existência de duas formas de exercer esse poder, quais sejam, pela representação, que traduz o primeiro princípio, e pela participação direta, traduzindo o segundo princípio, qual seja, o da vontade popular.

Resumindo, pode-se afirmar que a Democracia constitui-se em um valor subjetivo, usado como adjetivo por uma minoria, para agradar a maioria.

2.3 TIPOS DE DEMOCRACIA

Não existe uma unanimidade entre os autores sobre os tipos de democracia, sendo que os mais utilizados na doutrina e que se apresentam com uma forma mais clara e didática, são os seguintes: Democracia Direta, Democracia Representativa e Democracia Participativa.

2.3.1 Democracia direta

A Democracia Direta era o tipo de democracia adotado na Grécia antiga, onde os cidadãos se reuniam na ágora para decidir os rumos do governo, decisões que eram tomadas por um número restrito da população que detinha a condição de cidadão, excluindo os demais, dentre eles os escravos, os estrangeiros, as mulheres e os que não tinham posses. Apesar de ser denominada democracia, era uma situação de extrema exclusão social.

Ainda hoje, contudo, é observada em alguns Cantões da Confederação Helvética, (Suíça) que, em razão da existência de pequenas comunidades, é possibilitado que o exercício do poder político seja exercido diretamente pelo povo, que se reúne anualmente em Assembléias em praças públicas para tratar de assuntos da coletividade, criando leis, administrando e resolvendo as questões incidentes.

2.3.2 Democracia representativa

A Democracia Indireta, ou Representativa, é aquela em que o povo, através de eleições periódicas, escolhe as pessoas que irão representá-lo, para em seu nome tomar as decisões políticas de seu interesse; assim, o povo é a fonte primária do poder que será exercido por representação.

2.3.3 Democracia participativa

Finalmente, a tal Democracia Participativa, ou Semi-direta, é aquela que, partindo de uma Democracia Representativa, utiliza-se de mecanismos que proporcionam ao povo um engajamento nas questões políticas, legitimando questões de relevância para a comunidade como um todo, através de uma participação direta, seja pelo plebiscito, referendo, iniciativa popular, audiência pública, consultas ou qualquer outra forma de manifestação popular.

3 A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA BRASILEIRA

É a partir da Constituição Federal de 1988 que se efetivou uma combinação do modelo da Democracia Representativa mitigado pelo modelo da Democracia Participativa, expresso principalmente nos seguintes dispositivos:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

[...]

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I – plebiscito;

II – referendo;

III – iniciativa popular.

[...]

Analisando os dispositivos acima, extraídos da Carta Magna, observa-se a intenção do legislador constituinte de efetivar o exercício da soberania popular para uma situação além da simples atividade de votar, ampliando a atuação do cidadão que, de posse desses instrumentos, poderá decidir, fiscalizar e modificar a atuação dos seus governantes.

Contudo, vê-se que esses instrumentos são subutilizados provavelmente essa subutilização decorre em razão da característica do próprio povo brasileiro, em regra pacato e apático em relação às questões políticas, salvo em casos extremos, ou, no muito, quando praticamente induzidos pela Administração estatal, perdendo a característica fundamental de serem de iniciativa propriamente popular, e perigosamente tornando-se instrumento de manobra, aos quais são aplicados conteúdos valorativos através dos meios de comunicação em massa, que servem para induzir a aceitação popular, fazendo com que o povo se sinta importante em estar ‘participando’ de decisões que afetam toda a sociedade.

Não sendo totalmente pessimista, tem-se exemplos que estão despontando como formas viáveis de participação democrática nos rumos da Administração Pública, e que já estão sendo implantadas em alguns estados; são experiências com o ‘planejamento-cidadão’, ‘o orçamento participativo’, programas como ‘amigos da escola’, e outros, que buscam um engajamento da população em questões que afetam diretamente a sociedade, razão pela qual deve ser dever de todos efetuar ações em prol da coletividade, ações estas que irão se reverter em melhoria das condições de vida, esculpido no princípio basilar da Dignidade da Pessoa Humana.

4 MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO

A Constituição da Republica Federativa do Brasil, como já visto anteriormente, possui instrumentos para a efetivação da participação popular nas decisões políticas, seja através do sufrágio universal (democracia representativa) ou através do referendo, do plebiscito e da iniciativa popular (democracia participativa). Esses instrumentos servem para submeter o administrador ao controle e à aprovação dos administrados.

Contudo, existe uma crítica ao legislador constituinte, em relação aos mecanismos de participação popular no controle de constitucionalidade, quando não incluiu o povo como parte legitima para propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN, para fiscalizar, pela via direta, o legislador, como é executado em questões que envolvem a Administração Pública em que é usada a Ação Popular como forma de controle pela população.

Existem outros instrumentos que estão inseridos na legislação ordinária, e dentre eles destacam-se as audiências públicas relacionadas com as leis de ordenamento e uso do solo (Direito Urbanístico), ou as relacionadas com o meio-ambiente (Direito Ambiental), a consulta pública que se refere o inciso VI do artigo 10, da lei 11.079/04 (Parcerias Público-Privada), as referentes ao processo licitatório da Lei nº 8.666/93, dentre eles, os expressos no artigo 7º, § 8º e no § 1º do artigo 113.

4.1 SUFRÁGIO UNIVERSAL

O Sufrágio Universal é o direito previsto no artigo 14 da Lei Maior, exercido através do voto direto e secreto, de igual valor para todos os cidadãos, os quais escolhem seus representantes na circunscrição eleitoral onde estão eleitoralmente domiciliados, para atuarem em nome da coletividade, através de mandatos com períodos determinados em razão do cargo eletivo a ocupar.

Eleitor, por sua vez, é o cidadão que preenche os requisitos materiais da nacionalidade, idade e capacidade, além dos requisitos formais do alistamento eleitoral, filiação partidária e gozo dos direitos políticos.

No Brasil existem eleições a cada dois anos, alternadamente, para os cargos de Presidente e Vice-presidente da República, Senador, Governador Estadual e Vice, Governador Distrital e Vice, Deputados Federais, Deputados Estaduais e Deputados do Distrito Federal, que terão mandato de quatro anos, exceto para Senador que é de oito anos, e, transcorridos dois anos, realizar-se-á eleições simultâneas para Prefeito e Vice-prefeito e para Vereadores, com mandato de quatro anos.

Adota nossa legislação dois tipos de Sistemas de Representação ou Sistemas Eleitorais: o Sistema Majoritário, que pode ser por maioria simples, (para os cargos de Prefeito e Vice-prefeito, em Municípios com menos de 200.000 eleitores e Senador) ou por maioria absoluta (para os cargos de Presidente e Vice-presidente da República, Governador Estadual e Vice, Governador Distrital e Vice, Prefeito e Vice-prefeito, estes em municípios com mais de 200.000 eleitores) e o Sistema de Representação Proporcional, que leva em conta o quociente eleitoral e o quociente partidário (para os cargos de Deputados Federais, Deputados Estaduais e Deputados Distritais e Vereadores).

4.2 PLEBISCITO

Expresso no artigo 14, inciso I, da Constituição Federal/88, é o primeiro dos instrumentos de Democracia Participativa posto à disposição do povo. É uma espécie de consulta popular que se verifica antes de ser tomada uma decisão; assim, o cidadão se manifesta favorável ou contra uma questão política, com reflexo em toda a sociedade, gerando um efeito vinculante para as autoridades, conforme o seu resultado.

A Carta Magna disciplina que o plebiscito dar-se-á “nos termos da lei” (caput do art.14); assim, o legislador constitucional disciplinou que, mediante lei ordinária, será convocado o plebiscito para decidir sobre algum tema; apesar de não ter sido delimitado, a doutrina entende que se refere apenas a temas de relevante interesse nacional, e que será fundamentado pelo Poder Público, não só pela questão do interesse social, como para justificar o custo financeiro elevado para a realização de um plebiscito num país com dimensões continentais como o Brasil.

Em 1993 houve o plebiscito para decidir sobre que forma de governo seria adotada no Brasil: se continuava com a República ou se mudava para a Monarquia, e qual o sistema de governo, se continuava com o Presidencialismo ou se mudava para o sistema Parlamentarista. Tal plebiscito já estava previsto pelo legislador constituinte originário, no artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT.

4.3 REFERENDO

O Referendo é um procedimento formal regulado por lei, conforme determina a Constituição Federal, em que os cidadãos têm o direito de se manifestar sobre decisões governamentais, objetivando confirmar ou recusar tais decisões, mediante o voto pessoal. Assim como o resultado no plebiscito, o do referendo também é vinculante, não podendo ser desrespeitado pela Administração.

Foi realizado no dia 23 de outubro um referendo para saber se o comércio de armas e de munições seria permitido ou proibido no Brasil, e os eleitores, lembrando que o voto é obrigatório para os eleitores entre 18 e 70 anos, tiveram que responder à seguinte pergunta: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?, Foram disponibilizadas as alternativas 1-“não” ou 2 -“sim”, que foram inseridas na urna eletrônica. Perceba-se que foi elaborada uma pergunta complicada para a grande maioria dos eleitores, inclusive em função da propaganda a favor do desarmamento cujo slogan era: diga não para o desarmamento! Ou seja, se o eleitor votasse no “não”, na verdade estaria autorizando a venda de armas e munições, “o tiro saindo pela culatra”. Seria mais lógico e de fácil compreensão se a pergunta fosse: Devem ser permitidas as vendas de armas e munições no Brasil?. Verifique que a pessoa, optando pelo “sim”, estaria aceitando a venda e a que optasse pelo “não”, estaria proibindo a venda; de forma lógica o “não” seria utilizado como negação e o “sim” como confirmação, mas é a situação diversa da que ocorreu no dia do referendo.

Importante salientar que a proibição já constava no Estatuto do Desarmamento, Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003, assim:

Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei.

§ 1º Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005.

§ 2º Em caso de aprovação do referendo popular, o disposto neste artigo entrará em vigor na data de publicação de seu resultado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

4.4 INICIATIVA POPULAR

É o procedimento previsto no artigo 14, inciso III, da Lei maior, que consiste na possibilidade do povo desencadear o processo legiferante, mediante a proposta de determinado projeto de lei, desde que seja subscrito por um determinado número de eleitores, conforme preceitua o artigo 13 da Lei nº 9.709/98, que regulamenta o instituto:

Art. 13. A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

§ 1º O projeto de lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um só assunto.

§ 2º O projeto de lei de iniciativa popular não poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação.

[...]

A Iniciativa Popular é a possibilidade de iniciar o processo legislativo pelo povo, vinculando-o ao Poder Legislativo dar seguimento ao projeto; não importa em garantia de que se tornará lei, já que sua aprovação não é obrigatória; seguirá as etapas de apreciação por parte do Congresso Nacional.

5 A DEMOCRACIA (NÃO) PARTICIPATIVA

Os meios de comunicação possuem um poder muito grande de convencimento e, através da utilização de técnicas jornalísticas, constroem uma opinião pública como sendo a opinião dos cidadãos ou de um determinado grupo ligado diretamente ao assunto em questão; para isso, simulam debates, realizam pesquisas direcionadas, entrevistas com personalidades que gozam de prestígio ou simpatia da população. Essa técnica foi utilizada na propaganda para o referendo da proibição ou não da venda de armas e munições, em que os grupos que defendiam o “sim” ou o “não” utilizam nos programas eleitorais artistas, queridos pelo público e que, pelo carisma que possuem, opinavam e procuravam convencer, não com argumentos, mas com a utilização da credibilidade que sua imagem praticamente impõe. Outra forma era a aparição de representantes de segmentos da sociedade, de maneira a aparentar que se tratava da opinião do grupo que representava.

Durante o período de propaganda eleitoral, foi ajuizada ação no Poder Judiciário para julgamento de uma lide entre a corrente favorável ao desarmamento e a corrente contrária, que versava sobre a utilização de informações dúbias apresentadas pela corrente do “sim”, que levariam o eleitor a um entendimento equivocado da situação, o que, sem sombra de dúvidas, conduziria o eleitor a errar no momento da votação, em razão da situação criada utilizando-se de interpretação fragmentada da legislação, transformando exceções em regras, através da manipulação de palavras.

Recentemente ocorreu um Congresso, numa Universidade nesta Capital, para discutir o projeto de transposição do rio São Francisco, sendo apresentados relatos de pessoas, técnicos, funcionários do próprio governo e estudiosos nas áreas de recursos hídricos, meio-ambiente, desenvolvimento sustentável, agricultura e irrigação, geografia e antropologia, ou seja, uma diversidade de pessoas e experiências para atestarem a inviabilidade do referido projeto, apontando inclusive os danos advindos de uma provável execução.

Estava-se diante de um processo aparentemente democrático, de participação popular, que para o espanto do autor, só faltava uma coisa para ser legitimado: era o respeito do Estado; este preocupado com questões econômicas e políticas, não levava em conta qualquer resultado ou consideração construídos nesse processo democrático, o qual só seria útil para legitimar a ação do Estado quando da cobrança aos ditames legais das audiências públicas, e que será utilizada de forma quantitativa, sem levar em conta seu valor qualitativo.

Evidencia-se que não adianta ter-se à disposição instrumentos de participação popular, se não se conseguir mobilizar um grande número de pessoas capazes de pressionar o Governo para tomar ou deixar de tomar determinada atitude que venha a causar um dano irreparável à sociedade ou ao meio-ambiente. E foi pensando assim, que o Bispo Luiz Flávio Cappio, da Paróquia da cidade de Barra, Estado da Bahia, iniciou uma greve de fome para chamar a atenção das autoridades, da sociedade civil e de organismos internacionais para o problema da transposição das águas do rio São Francisco, escolhendo a cidade de Cabrobró, em Pernambuco, por ser o ponto inicial para a aludida transposição. Após o décimo primeiro dia de greve, uma proposta apresentada pelo Presidente da República, o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, se comprometendo a iniciar uma nova fase de debates com as comunidades envolvidas e os órgãos governamentais, além de iniciar o projeto só após a revitalização do rio, levou o Bispo a encerrar a greve de fome.

Observa-se que o objetivo teria sido alcançado, porém não pelo respeito às formas de participação popular, e dos argumentos apresentados que comprovam o prejuízo ambiental e social do projeto, e sim, por um receio das autoridades governamentais, principalmente com a opinião pública internacional, o que poderia tirar credibilidade da política governamental.

Infelizmente, o Governo parece que mais uma vez não vai cumprir com a promessa, e o preparo logístico para o início das obras está em execução, o que poderá gerar uma nova onda de protestos, encabeçada pelo mencionado Bispo e desta vez com uma adesão muito maior das comunidades envolvidas com a transposição.

6 CONCLUSÃO

O termo Democracia vem sendo usado desde a Idade Clássica até os dias atuais para expressar como pode ser exercido o poder político. Foi na Grécia antiga que surgiu a democracia, que consistia no exercício direto do poder político pelos cidadãos, em praça pública, a agora; porém, neste processo democrático estavam excluídos os estrangeiros, os escravos e as mulheres entre outros. Essa forma ‘pura’ de democracia, com o tempo foi dividida, segundo a doutrina dominante em: Democracia direta, com raros exemplos, entre eles o da Suíça, que em alguns cantões ainda se reúnem em assembléias para decidir sobre questões da coletividade; Democracia Indireta ou Representativa, onde o cidadão com plenos poderes eleitorais elege seus representantes para, em nome da coletividade, defender seus interesses; e por fim a Democracia Semi-direta ou Participativa, que além de eleger seus representantes, os cidadãos fiscalizam, interferem, opinam sobre os atos governamentais, através de mecanismos constitucionais colocados a sua disposição.

No Brasil é adotada a Democracia Semi-direta ou Participativa, expresso textualmente na Constituição, que consagra a soberania do poder ao povo, que pode ser exercida por seus representantes ou diretamente, através de vários mecanismos, dentre eles os multicitados plebiscito, referendo e a iniciativa popular.

A historia brasileira teve seu início com o descobrimento pelos portugueses, que na ocupação territorial dividiu o país em capitanias hereditárias, implantando o ordenamento jurídico de Portugal, o qual vigorou até o final do período do império, e que ainda hoje apresenta alguns resquícios.

A partir do Brasil República é que um novo paradigma se forma, o país se consolida como um Estado hegemônico, passa por períodos democráticos, apesar da proibição inicial das mulheres nas questões políticas; sofre um golpe militar que mergulha o país numa ditadura por vinte e um anos, após o que ocorre uma abertura para um processo democrático que se encontra em construção, com pouco mais de vinte anos.

É exatamente essa construção o ponto chave deste trabalho, que faz uma crítica à Democracia Participativa, não pelo que ela é, mas pela forma como é conduzida pela elite política dominante, que, conforme conhecimento geral, infelizmente só visa a perpetuação no poder.

A Democracia Participativa pressupõe a existência de uma sociedade civil, politicamente preparada, ativa, disposta a lutar pelas causa da coletividade, cobrando dos dirigentes uma postura ética, e que o aparelho estatal não seja utilizado em proveito próprio.

O processo de formação de cidadão começa em casa, e deve ser complementado pela escola, que tem a função de estimular o estudante na arte do conhecimento e, desde cedo, criar uma consciência crítica sobre a sociedade e a importância da participação de cada um nas questões públicas, criando novas lideranças, conduzindo os rumos do país, de maneira a preservar para as gerações futuras um meio-ambiente equilibrado, uma sociedade harmoniosa, que possa propiciar uma vida digna, com menos desigualdades.

Acredita-se que uma verdadeira Democracia Participativa é possível, basta que para isso cada cidadão reserve um pequeno espaço de tempo para se dedicar às questões de cidadania, interagindo com as pessoas que dividem o mesmo planeta, o mesmo país, a mesma cidade, o mesmo bairro até. É através de ações em um micro-sistema que teremos um conjunto de ações capaz de mudar o macro-sistema. É através dessas ações que o regime democrático é fortalecido, que ele se torna, com efeito, participativo.

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Como citar o texto:

FURRER, Luiz Ernesto..Democracia não participativa. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 157. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/959/democracia-nao-participativa. Acesso em 20 dez. 2005.

Importante:

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