A revolução industrial alterou o modo de produção conhecido pela humanidade desencadeando um novo processo de relações econômicas e sociais. A expropriação dos camponeses e o estímulo à migração para áreas urbanas levaram um significativo contingente de pessoas a procurarem nas fábricas uma oportunidade de sobrevivência.

No entanto, a expectativa criada geralmente era frustrada, pelas péssimas condições de trabalho, com altas jornadas de trabalho e atividades de alto risco. A baixa remuneração exigia do trabalhador a inserção de toda a sua família, incluindo mulheres e crianças, no trabalho para a garantia da sobrevivência.

Segundo CUSTÓDIO,

O trabalho infantil tem registros que remontam à própria história da humanidade, sua utilização sempre variou conforme o grau de desenvolvimento civilizatório. No entanto, considerando a história recente da humanidade, com o início da Revolução Industrial o tema passou a ganhar maior importância em função da evidente degradação física que estava ocorrendo na infância, que alarmava, até mesmo, os mais conservadores. (1999, p. 04)

Além dessas condições desumanas e degradantes, eram comuns acidentes de trabalho e problemas sérios de saúde gerados pela alimentação deficiente, o cansaço, a insalubridade e o esforço exagerado que era exigido dos trabalhadores nas fábricas. A ausência de alternativas provocava uma relação de completa dependência dos trabalhadores num regime que poderia ser comparado a escravidão. Era comum um grande número de crianças trabalhando em todas as atividades das indústrias, sozinhas ou junto com suas famílias.

MARX destacou

[...] milhares de braços tornaram-se de súbito necessários. [...] Procuravam-se principalmente pelos pequenos e ágeis. [...] Muitos, milhares desses pequenos seres infelizes, de sete a treze ou quatorze anos foram despachados para o norte. O costume era o mestre (o ladrão de crianças) vestí-los, alimentá-los e alojá-los na casa de aprendizes junto a fábrica. Foram designados supervisores para lhes vigiar o trabalho. Era interesse destes feitores de escravos fazerem as crianças trabalhar o máximo possível, pois sua remuneração era proporcional à quantidade de trabalho que deles podiam extrair. (...) Os lucros dos fabricantes eram enormes, mais isso apenas aguçava-lhes a voracidade lupina. Começaram então a prática do trabalho noturno, revezando, sem solução de continuidade, a turma do dia pelo da noite o grupo diurno ia se estender nas camas ainda quentes que o grupo noturno ainda acabara de deixar, e vice e versa. Todo mundo diz em Lancashire, que as camas nunca esfriam. (1988, p. 875-876)

 

A exploração capitalista do trabalho de crianças não era desinteressada. O trabalho de crianças representava uma mão-de-obra muito barata, disciplinada e com baixo poder reivindicativo.

Muitas fábricas obtinham grandes lucros em razão da utilização deste tipo de trabalho, não havendo uma preocupação com os prejuízos provocados na saúde e desenvolvimento das crianças ocultado pelo título de “ajuda”.

As conseqüências desta realidade foram tornando-se visíveis e no final do século XIX algumas vozes que se organizavam passam a denunciar a exploração do trabalho de crianças e demonstram suas conseqüências, tais como os altos índices de mortalidade infantil, doenças e prejuízos ao desenvolvimento físico e mental de um grande contingente de crianças, que não tinham mais condições de sequer reproduzir a força de trabalho.

Como resultado deste processo surge, ainda no século XIX, as primeiras leis que proíbem o trabalho de crianças estabelecendo limites de idade mínima para o trabalho. Em 1919 é criada a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com a atribuição de estabelecer garantias mínimas ao trabalhador e, também, evitar a exploração do trabalho de crianças.

É neste momento, que os diversos países no mundo começam a estabelecer uma série de garantias contra a exploração do trabalho infantil visando garantir a reprodução da força de trabalho para a manutenção do sistema capitalista que se consolidava.

O Brasil passou por situação semelhante em todo o seu processo de industrialização. Ainda, hoje, o trabalho de crianças é explorado sob as mais variadas justificativas. Diversos estudos elaborados sobre o tema concordam que o trabalho de crianças é explorado em razão do seu baixo custo, da necessidade de composição de renda familiar, pelo interesse das instituições em buscarem o trabalho como alternativa para a infância empobrecida.

Segundo OLIVEIRA,

[...] no Brasil, a taxa de atividade (18%) de crianças na faixa etária 10 a 14 anos só perde para o Paraguai (19%) e o Haiti (24,4%) e supera a de outros países subdesenvolvidos como a Indonésia (11,1%), Marrocos (14,3%), Honduras (14,7%), República Dominicana (15,5%), entre outros. (1996, p. 05)

Ainda, é de se destacar que o trabalho de crianças é legitimado por razões culturais que valorizam demasiadamente o trabalho como forma de realização do ser humano. No entanto, se o trabalho fosse a maneira mais apropriada de educação das crianças, os filhos de famílias abastadas estariam trabalhando, mas não é o que ocorre na realidade.

Na verdade, o trabalho de crianças funciona como uma forma de manter a condição de desigualdade social uma vez que a criança que trabalha geralmente não consegue estudar e, por isso, não tem chances de ocuparem os melhores trabalhos na fase adulta, reproduzindo, assim, sua condição de pobreza e exclusão.

O uso de mão-de-obra infantil tem relação direta com baixos índices de aproveitamento escolar, reforça a condição de pobreza das famílias e provoca prejuízos sérios no desenvolvimento físico e psicológico das crianças.

De acordo com ARRUDA, “o trabalho infantil carrega em si uma esteira de ilegalidade, a começar pela própria terminologia com o qual é designado já que, em rigor, não deveria existir ‘trabalho infantil’, posto que os tempos do trabalho e da infância são inconciliáveis.” (1997, p. 102)

A infância é uma fase especial de desenvolvimento do ser humano e que não pode ser substituída pela ocupação em atividades relacionadas ao trabalho, pois além de substituir uma fase que não mais retornará, fere um direito elementar: o direito de ser criança.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRUDA, Kátia Magalhães. O trabalho de crianças no Brasil e o direito fundamental à infância. In: GERRA FILHO, Willis Santiago (Coord.). Dos Direitos Humanos aos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

CUSTÓDIO, André Viana. O trabalho da criança e do adolescente: uma análise da capacidade jurídica e das condições para o seu exercício no direito brasileiro. Florianópolis, Monografia de Graduação, Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, 1999.

MARX, Karl. O Capital. São Paulo. Difel, 1988.

OLIVEIRA, Joelho Ferreira de. O trabalho da criança e do adolescente em condições de risco. Curitiba: mimeo, 1996.

(Texto elaborado em agosto de 2006)

 

Como citar o texto:

SOUZA, Ismael Francisco..A exploração do trabalho de crianças na Revolução Industrial e no Brasil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 197. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-da-infancia-e-juventude/1531/a-exploracao-trabalho-criancas-revolucao-industrial-brasil. Acesso em 23 set. 2006.

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