RESUMO:

A adoção é um dilema na sociedade de classes devido à exigência de alguns requisitos que o adotante precisa ter no momento da legitimidade do ato. O processo de adoção no Brasil tem relação com o abandono de menores devido às discrepâncias sociais existentes na sociedade. E só a partir dessa desigualdade social e desse desamparo de crianças, surge a adoção.

PALAVRAS-CHAVE: abandono, desigualdade social, legitimidade

1) NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

O presente artigo cujo tema é o dilema da adoção na sociedade de classes tem como objetivo apontar a importância social e psicológica da família adotante, bem como trabalhar a sistemática do bem-estar da criança.

Essa temática será abordada ao longo do estudo por quatro viés: o histórico de família; o compromisso da família substituta; a guarda e a tutela da criança e do adolescente; e o dilema da adoção na sociedade de classes.

A adoção é um instituto jurídico que procura imitar a filiação natural. Ela pode ter sua base na pluralidade de vontades, como no caso da adoção pelo sistema do Código Civil, quanto pode ter sua base na sentença judicial que pressupõe o devido processo legal, como no caso da adoção do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nosso sistema jurídico conhece dois tipos de adoção: a plena, prevista no ECA para os menores de dezoito anos de idade, e a do CC/02 para os maiores de dezoito anos. A primeira confere ao adotado a mesma posição da filiação biológica, pois insere o adotado definitiva e exclusivamente na nova família.

A natureza jurídica da adoção mudou de finalidade que anteriormente era de atender a interesses religiosos dos adotantes, e passou a ser de atender aos interesses do adotado, objetivando dar-lhe um lar, uma família.

Por outro lado, vale lembrar que a adoção só será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. (art.43,ECA)

2) HISTÓRICO DE FAMÍLIA

O processo de adoção no Brasil tem relação em primeira instancia com o abandono de crianças devido às desigualdades sociais. A professora Cláudia (1995, p.15-16) afirma que

Vivemos numa sociedade de classes onde as desigualdades sociais econômicas e políticas ultrapassam os limites da imaginação. Essas desigualdades são responsáveis pela situação de ‘apartação’ reinante, em que, muitas vezes, ‘rico’ e ‘pobre’ só se encontram em situação de faxina ou assalto. De um lado, condomínios de luxo, rodeados de grades de ferro, de outro, favelas que se estendem até os quatro horizontes, levando à justaposição, na mesma sociedade. De modos de vida radicalmente diferentes um do outro. É responsabilidade de todo cidadão zelar pela erradicação desta desigualdade, resultado de estruturas políticas e econômicas perversas1.

Dessa Forma, é essencial que toda a sociedade deva encontrar na família o seu ponto de partida, já que esta é a célula mãe e a base da sociedade. Uma família constituída a luz de princípios morais sólidos fará de seus membros cidadãos de primeira categoria, ao passo que uma família destituída desses princípios legará aos seus integrantes vícios e comportamentos indesejáveis. Fonseca relata que “quando se volta o olhar para o contexto social de onde a criança saiu, é para procurar ‘causas’, invariavelmente psicológicas que explicam ‘por que ela se deu mal’. As famílias, vizinhanças e redes sociais destas crianças são rotuladas de antemão de ‘patológicas’, ‘desorganizadas’ – de influência nociva”. 2

Para tanto a família, como já foi dito, é a célula máter da sociedade. A família natural é construída por laços de consangüinidade e a substituta vem em segundo plano substituindo a primeira. A família substituta, por sua vez, não é inferior à natural, mas se o menor puder ser criado e educado por parentes de sangue, a lei acatará e não será favorável à inserção da criança na família substituta. Assim, para Silva (1995, p.17):“a colocação de uma criança ou adolescente em família substitua compreende a guarda, a tutela e a adoção [...]. Assim, sempre que uma criança ou um adolescente estiver para ser colocado em lar substituto, urge que a autoridade judiciária leve em consideração, antes de deferir a medida, o grau de parentesco entre o menor e o postulante.”3

Então, depois de toda formalidade no momento da adoção que consiste num compromisso prestado nos próprios autos e que se materializa por meio de assinatura de termo pelo qual o juiz mediante ‘termo nos autos’ dará deferimento para que o responsável tenha a guarda da criança. Entretanto, quando o cidadão adota um menor, ele também tem as pretensões referentes ao filho adotado. Como afirma Fonseca que

Certamente as pessoas esperam que os filhos adotivos lhes dêem a mesma satisfação que seus próprios rebentos pela vida afora – talvez até mais, pois se acredita que as crianças adotadas ‘devam mais’ a essas pessoas que cuidam delas por caridade e não por obrigação. Não há dúvida de que esperam que essas crianças lhes sirvam de amparo na velhice – uma responsabilidade filial extremamente importante em um país que não lhes oferece nem aposentadoria eficaz nem seguro para idosos4.

2.O COMPROMISSO DA FAMÍLIA SUBSTITUTA

A adoção é uma das modalidades de colocação em família substituta que desponta no ordenamento jurídico como a mais importante quer pela sua natureza, quer finalmente pelos seus inevitáveis efeitos jurídicos e fáticos. Segundo Silva, “no terreno extrajurídico, cabe-nos dizer que a adoção é, verdadeiramente, um ato de amor. É a forma mais genuína de amor, de carinho, de dedicação e de solidariedade que alguém devota, sem dúvida alguma, a outro ser humano”5

A colocação do menor em família substituta será feita mediante guarda, tutela ou adoção. Segundo o art.32 do Código Civil, ao assumir a guarda ou a tutela, o responsável prestará compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo mediante termo nos autos. Deve-se lembrar que a adoção é uma modalidade de colocação em família substituta extremamente distinta da guarda e da tutela, pois aquela é detentora de um perfil legal próprio que, por essa razão, faz situa-la em grau de importância das demais.

Segundo Silva, “o adotante, uma vez deferida a adoção, passará a figurar como verdadeiro pai ou mãe do adotado, recebendo, por conta do ordenamento jurídico, a missão de criá-lo e educá-lo adequadamente, além de ministrar-lhe toda a assistência moral e material exigida pelo Estatuto.” 6

Assim, a pessoa que adota assume um compromisso que segundo Silva “compromisso nada mais é senão uma obrigação solene assumida nos próprios autos da guarda ou da tutela, de desempenhar corretamente, isto é, com presteza e retidão, as tarefas que a lei e a autoridade judiciária cometem ao guardião e ao tutor.”7

Esse compromisso prestado nos próprios autos se materializa por meio de assinatura de termo pelo qual o tutor ou o guardião assume a obrigatoriedade de, bem e fielmente, desempenhar o encargo cometido pelo juiz. É como diz Silva “o que precisa ficar absolutamente claro é o seguinte, eventual sanção legal aplicada contra o guardião ou tutor terá, subjacentemente, o propósito de salvaguardar os interesses do menor, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente”8

3. A GUARDA E A TUTELA NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A Guarda é um instituto destinado à proteção dos menores de vinte e um anos de idade, sendo ela um dos componentes do pátrio poder, podendo, em casos excepcionais, ela ser dissociada e entregue a terceiro ou a apenas um dos pais o direito de ter consigo o filho menor e, consequentemente, o encargo de prestar-lhe assistência material, moral e educacional. Segundo Guimarães (2000, p.16): “se, em um determinado caso concreto levado à apreciação judicial, em que se discute a guarda de uma criança ou adolescente, as questões levantadas forem relativas ao exercício do pátrio poder sem, contudo, significarem violação aos direitos contidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, o caso deve ser tratado pelo juízo de família.”8 É como afirma o ECA no art. 39: “A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei”.

No entanto, as questões levadas ao conhecimento do judiciário se traduzam em violação ou ameaça aos referidos direitos, o caso deverá ser examinado pelo Juízo da infância e da juventude. Como diz Guimarães, “o fato de haver disputa entre os pais pela Guarda do filho, que determinará a competência do Juízo da Família para tratar do caso; contudo, se houver discussão de questões que importem violação dos referidos direitos fundamentais, a competência será da justiça da Infância e da Juventude.” 9

A tutela para Sílvio Rodrigues apud Guimarães “é o conjunto de poderes e encargos conferidos pela lei a um terceiro, para que zele pela pessoa de um menor que se encontra fora do pátrio poder, e lhe administre os bens, tratando-se de um instituto de nítido caráter assistencial, com o objetivo de substituir o pátrio poder”. 10

Guimarães Rosa deixa claro que

Para a assistência e representação de menores que não estejam sob a autoridade dos pais, a lei organiza a tutela, pela qual alguém é investido nos poderes necessários à proteção que a família não lhe pode dispensar, seja porque perdeu os pais, seja porque não os conhece, seja porque foram destituídos do pátrio poder.

Os tutores exercem poder conferido pela lei para proteger a pessoa e reger os bens dos incapazes por idade que estão fora do pátrio poder. Segundo Guimarães “a tutela, em razão de sua natureza, tem a finalidade de substituir o pátrio poder.”11

4. O DILEMA DA ADOÇÃO NA SOCIEDADE

A adoção requer alguns requisitos, só podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil. É como diz Silva, “a adoção por ambos os conjugues ou concubinos poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e um anos de idade, comprovada a estabilidade da família. Logo se marido e mulher quiser adotar um menor, apenas um deles deverá preencher o requisito etário.” 12

O adotante há de ser pelo menos dezesseis anos mais velho do que o adotando. Essa diferença de idade, consagrada no texto legal, integra o rol de requisitos da adoção. E também cabe na adoção a estabilidade familiar, é como relata Silva, “Hoje em dia, pois, tanto podem adotar as pessoas casadas como as pessoas que vivam em regime de concubinato. O único requisito imposto pelo Estatuto é, como vimos, a estabilidade da família”13

Entretanto, conjugues casados há apenas dois meses, embora vivendo sob a mais perfeita harmonia não podem requerer a adoção de uma criança ou adolescente. É como afirma Silva “um casal com apenas dois meses de matrimônio não se mostra habilitado ainda para reivindicar em juízo a adoção de um menor.”14

Para tanto, Silva diz que “somente a partir de dois anos de relacionamento conjugal ou concubinário é que o casal estará apto para reivindicar a adoção de uma criança ou adolescente. Salvo, se já estiverem casados há pouco tempo e já viviam comprovadamente sob o mesmo teto durante longos anos.”15

A falta de preparação dos pais e das crianças no processo de realização da adoção e o problema do confronto entre biologia e aprendizagem fazem parte dos problemas relacionados às adoções feitas no Brasil. É necessário que os pais adotantes tenham claro que precisam construir seu relacionamento com os filhos adotivos dia-a-dia, aceitando as diferenças e o sentimento ambivalentes e ampliando sua capacidade de compreensão das exigências e riscos próprios de um processo de adoção.

As famílias adotantes precisam estar preparadas para aceitar as diferenças existentes em relação às famílias biológicas, pois tais diferenças podem ser superadas com a ajuda de psicólogos. Para um país como o Brasil, no qual a quantidade de crianças em condições precárias e de vida e em situação de abandono é muito grande, a adoção é a esperança de diminuir as dores de um abandono.

È notório que a atuação da atual cultura da adoção tem dificultado os processos de adoção em seus mais diferentes estágios, ou seja, desde o processo de discernimento e decisão do casal/família postulante à adoção até o processo de construção dos vínculos que produzirão os tão almejados laços de família. Assim, identificamos a atual cultura da adoção como um nó, metaforicamente falando. Postulamos como tarefa dos chamados profissionais da adoção (psicólogos, assistentes sociais, advogados, promotores de justiça, juízes, etc.) o urgente exercício ético de "cuidado" com a temática, de modo a não reproduzirmos os mitos e medos existentes, mas que, pelo contrário, trabalhemos em função de suas desconstruções. Urge, pois, desbiologizar o paradigma de constituição familiar, promover políticas públicas em favor das crianças e adolescentes em situação de risco (abandono ou conflito com a lei) ao passo que urge também o inaugurar de políticas públicas voltadas para as famílias sem filhos, de modo que estas, devidamente acompanhadas, orientadas e informadas, encontrem na legislação brasileira e nas instituições que a defendem, lugares em que possam vislumbrar a possibilidade de tornarem real o desejado exercício da maternidade e da paternidade, por via da adoção.

Os adolescentes estigmatizados pelo abandono e pela institucionalização não deixarão de existir ou de representar uma ameaça ao bem-estar social – porque bem sabemos que assim é que são hoje vistos pelo senso comum e por alguns de nossos representantes políticos – se não atuarmos em função de uma diminuição do abandono; a outra face da moeda em que se encontra o tema da adoção. Portanto, já tarda um novo olhar para as políticas de atenção à mulher e de atenção à família. Se não olharmos para as instituições de acolhimento à criança ainda em vigor e se não olharmos para a atual cultura da adoção, e se estes nossos olhares não forem críticos e construtivos, a fim de remeter-nos a um engajamento científico, político e social, para que o cuidado com as crianças e adolescentes brasileiros torne-se mais humano do que estigmatizador, mais ético e estético do que maqueador de uma realidade que nos custa caro aos olhos internacionais, então amargaremos, por décadas e séculos, a incômoda consciência de que não fizemos o que poderíamos ter feito.

A construção de uma nova cultura da adoção é, segundo nosso modo de ver, um dos desafios e um dos caminhos que podemos decidir enfrentar e percorrer para que o contingente de crianças e adolescentes sem famílias comece a diminuir no Brasil. Este é um direito inalienável da criança e do adolescente e um dever ético de todos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FONSECA, Claudia. Caminhos da adoção. São Paulo: Cortez, 1995

GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, Tutela e Guarda conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Juarez, 2000.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 24ªed., São Paulo: Saraiva, 1999, v.6, p. 382

SILVA, José Luiz Mônaco da. A família substituta no Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 1995

 

Notas

1 FONSECA, Claudia. Caminhos da adoção. São Paulo: Cortez, 1995.

2 FONSECA, Claudia. Op.cit., p.13

3 SILVA, José Luiz Mônaco da. A família substituta no Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 1995.

4 SILVA, Claudia. Op.cit., p.41

5 SILVA, Claudia. Op.cit., p.28.

6 SILVA, Claudia. Op.cit., p.31.

7 SILVA, Claudia. Op.cit., p 32-33

8 SILVA, Claudia. Op.cit., p 34.

8 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, Tutela e Guarda conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Juarez, 2000.

9 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul.Op.cit., p.16.

10 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 24ªed., São Paulo: Saraiva, 1999, v.6, p. 382.

11 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul.Op.cit., p.25.

12 SILVA, Claudia. Op.cit., p. 96-97

13 SILVA, Claudia. Op.cit., p. 98

14 SILVA, Claudia. Op.cit., p. 99.

15 SILVA, Claudia. Op.cit., p. 100.

 

Data de elaboração: maio/2008

 

Como citar o texto:

SANTOS, Kelly Magalhães; NARJARA, Katherin..O dilema do instituto jurídico da adoção na sociedade brasileira. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, nº 263. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-da-infancia-e-juventude/1923/o-dilema-instituto-juridico-adocao-sociedade-brasileira. Acesso em 14 jul. 2008.

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