Sumário:  1. Introdução;  2. O Código de Defesa do Consumidor;  3. Promoção, oferta e publicidade; 4. Conclusão;  5. Bibliografia    

1. Introdução

            O Professor Eduardo Martins, em sua obra “Com todas as letras”, assim se refere ao uso de expressões e termos estrangeiros: “a livraria chama-se Book in the Box. Ao lado fica sorveteria I Can’t Believe it’s Yogurt. Na frente, poderia haver uma loja anunciando: Sale! 30% off. Responda, então, a este teste: você está em Nova York, Los Angeles, Londres ou Belfast? A alternativa correta é: nenhuma das anteriores. Você está mesmo em São Paulo”[1].

            Diante da situação levantada pelo citado professor em 1999, e que a cada dia mais se agrava a ponto de existirem vitrines com promoções integralmente em língua estrangeira é que se levanta a questão para saber se do ponto de vista jurídico existe ou não ilegalidade.

            Sabemos que o uso desses termos e expressões nasce de práticas empresariais universais, ou seja, não é exclusividade de brasileiro, aliás, nem poderia ser, afinal de contas todas as indicações estão na língua inglesa. Porém, tais práticas não podem se sobrepor a um regime jurídico assentado em fundamentos que justificam a sua existência, o que por si só, nos leva a analisar a questão.

            É importante frisar que toda lei possui uma razão de ser, pois vem assentada em uma necessidade da própria sociedade, razão pela qual não devemos jamais desconsiderá-la. Podemos sim, se inadequada, propugnar por sua atualização ou readequação. Assim, surge uma segunda problemática, caso se verifique que a legislação atual vede o estrangeirismo nas ofertas, promoções e publicidades, seria a norma ultrapassada?

2. O Código de Defesa do Consumidor

            Embora a Lei nº 8.078/90 tenha sido denominada de Código de Defesa do Consumidor, é na realidade a legislação que regula a relação jurídica de consumo no Brasil e não apenas norma protetora do consumidor como muitos defendem. É que se verificarmos a Política Nacional de Relações de Consumo estampada no CDC em seu artigo 4º, veremos que o inciso IV determina a educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo”. (grifei)

            Independentemente disso, há uma predominância em relação aos direitos do consumidor, haja vista que a legislação surgiu justamente para reequilibrar uma relação jurídica que por forças econômicas era muito vantajosa à apenas uma das partes: - o fornecedor. Assim, no próprio inciso I do citado artigo, dispõe o legislador o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”.

            No entanto, mais importante que isso, é verificarmos que o CDC foi instituído como norma de ordem pública e interesse social, o que significa dizer em síntese, que pode ser imposta em qualquer situação em defesa da sociedade, ainda que não invocada por seus atores, razão pela qual é reconhecido como direito difuso e coletivo.

            Enquanto espécie de direito difuso e coletivo[2] o direito do consumidor tratou de forma ampla e irrestrita a figura do consumidor, como se vê:

“Art. 2º - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único – equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.  (grifei)

            E no mesmo sentido os artigos 17 e 29 complementam:

“Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”.

“Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.

            A Profª Mirella D’Angelo Caldeira se referindo ao artigo 29, fala de sua aplicação a publicidade, oferta e promoção, como se vê:

“Já o art. 29 ampliou sobremaneira o conceito de consumidor. Cuida-se de uma norma ampla, geral e abstrata, que estende o conceito de consumidor para todas as seções do Capítulo V, o qual trata das práticas comerciais, abrangendo a seção sobre oferta (arts. 30 a 35),  sobre publicidade (arts. 36 a 38), sobre práticas abusivas (arts. 39 a 41), sobre cobrança de dívidas (art. 42), sobre Bancos de Dados e Cadastros (arts. 43 a 45), e também o Capítulo VI, atinente à proteção contratual”[3].

            Ora, como vivemos em uma sociedade capitalista[4], e, portanto, forçados a consumir para sobreviver, qualquer cidadão é vítima em potencial de eventuais desmandos praticados pelos fornecedores nas relações de consumo.

            Se todos somos consumidores em potencial, as práticas empresariais devem respeitar o mínimo necessário estabelecido na legislação consumerista, em especial no que diz respeito ao dever de informação estabelecido no inciso III do artigo 6º do CDC:

“a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”. (grifei)

            Até porque, dentro do regime econômico capitalista, a sobrevivência da empresa está vinculada diretamente ao consumo, ou seja, preservar adequadamente o consumidor também é de interesse empresarial, caso contrário, é o fim da galinha dos ovos de ouro.

            Sendo assim, claro está que o CDC não foi omisso em relação a problemática levantada pelo Profº Eduardo Martins, resta apenas analisarmos a questão diante do que preceituam as regras específicas sobre promoção, oferta e publicidade.

3. Promoção, oferta e publicidade

            No tocante as características, nenhuma distinção faz o legislador em relação a promoção, oferta e publicidade, pois todas elas possuem como objetivo único buscar a atração do consumidor em relação a determinado produto ou serviço.

            Mais uma vez nos socorremos das regras mínimas impostas para a relação jurídica, e insistimos na expressão “regras mínimas”, considerando que a boa-fé que norteia as relações jurídicas, em especial as de consumo, indicam o bom senso, a ética e a moral como normas a serem observadas por todos, razão pela qual, sobra a legislação apenas o mínimo, e de outra forma não poderia ser, pois o direito existe em razão do homem e não o homem em razão do direito.

            O CDC em seu artigo 31 estabelece as características para a divulgação de produtos e serviços disciplinando que:

“A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores”. (grifei)

            A determinação de se utilizar a língua portuguesa na oferta e apresentação de produtos e serviços decorre do fato de nossa Constituição Federal ter oficializado o idioma como língua oficial nacional[5].

            Não podemos deixar de considerar aqui, que de certa forma a língua de um país se vincula a sua origem e a sua identidade, não podendo jamais ser desrespeitada.

            A imposição de informações claras vem no sentido de assegurar que todos, ou pelo menos a maior parte da população, compreenda o sentido da mensagem, evitando o consumo indesejado ou indevido. É natural que trabalhamos aqui com um conceito de compreensão vinculado ao homem médio, porém, no Brasil em especial, dada a precariedade da educação, esse conceito deve respeitar um nível de esclarecimento parco.

            Dessa forma, o abarrotamento de vitrines com o uso de termos como: sale e 30% off, além de muitos outros termos e expressões estrangeiras, configuram flagrante desrespeito as normas de oferta, promoção e publicidade estampadas na legislação pátria.

            Resta apenas analisar a segunda problemática levantada para saber se a legislação não estaria desatualizada. O CDC é uma legislação considerada como modelo inclusive no meio jurídico internacional. Encontra-se em vigência há menos de 15 anos, o que em matéria jurídica é muito pouco ainda que nesse período a sociedade tenha evoluído e muito tais costumes - o do uso do estrangeirismo, que é restrito apenas a alguns centros isolados, não se justificando qualquer revisão legislativa nesse sentido.

4. Conclusão

            É natural a aceitação de termos e expressões estrangeiras em nosso universo, principalmente por conta do fenômeno irreversível da globalização e do uso de meios de comunicação em massa como a televisão, rádio e a internet, termos estes de uso e aceitação comum, desde que previamente incorporados ao cotidiano nacional, como é o caso de marketing, shopping center, hardware, software, cheeseburguer, show, rock, funk, outdoor e muitos outros.

            Não se trata aqui de assumir uma posição ultranacionalista em defesa da língua pátria, mas sim de fazer valer as desigualdades culturais existentes em um país de dimensões continentais para se exigir a tão proclamada igualdade de condições que deságua na dignidade da pessoa humana, piso vital mínimo de nossa sociedade.

            E se vivemos em um país desigual, principalmente no que diz respeito a educação, onde nem todos acessam os bancos escolares, e mesmo os que fazem, não conseguem sequer obter o domínio mínimo da língua portuguesa, que dirá do inglês ou qualquer outra língua estrangeira. Logo, qualquer forma de divulgação que faça uso de termos estrangeiros não incorporados ao cotidiano nacional fere a legislação consumerista, impondo ao Estado, o dever de fazer valer as condições de igualdade e oportunidade, principalmente nas relações jurídicas de consumo por ser uma norma protetiva de ordem pública e interesse social.

            E cá pra nós, fica muito deselegante o uso de língua estrangeira quando estamos entre pessoas que não a compreende!

5. Bibliografia

_________. Código de Defesa do Consumidor, SP: Editora Saraiva, 2004.

_________. Constituição Federal, SP: Editora Saraiva, 2003.

CALDEIRA, Mirella D’Angelo. O conceito de consumidor no parágrafo único do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, SP: Saraivajur, 2001, artigo disponível no site www.saraivajur.com.br acessado em 01/02/2005.

MARTINS, Eduardo. Com todas as letras, SP: Editora Moderna, 1999.

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. O Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil, SP: Saraivajur, 2002, artigo disponível no site www.saraivajur.com.br acessado em 01/02/2005.

Notas:

 

 

[1] SP: Editora Moderna, 1999, p. 145.

[2] No mesmo sentido ver artigo da Profº Mirella D’Angelo Caldeira intitulado O conceito de consumidor no parágrafo único do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, disponível em www.saraivajur.com.br.

[3] In O conceito de consumidor no parágrafo único do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, p.2.

[4] O Profº Rizzatto Nunes ao citar o CDC como lei principiológica, afirma que “ela está fundada no modelo capitalista instituído pela CF de 1988, que tem como princípio fundamental a Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III), o valor social do trabalho (art. 1º, IV), o valor social da livre iniciativa (art. 1º, IV), dentre outras garantias fundamentais (art. 5º, caput, I, V, X etc.) e os princípios gerais da atividade econômica (arts. 170 e s.: defesa do consumidor, livre-concorrência etc.)”, in “O Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil, p. 2..

[5] Art. 13 CF – A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil.

( Artigo elaborado em fevereiro 2005)

 

Como citar o texto:

GABRIEL, Sérgio..O uso de termos estrangeiros nas relações jurídicas de consumo. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 164. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-consumidor/1032/o-uso-termos-estrangeiros-nas-relacoes-juridicas-consumo. Acesso em 7 fev. 2006.

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