Dentre os temas sugeridos para pesquisa, elegi o que trata a responsabilidade civil dos profissionais liberais sob a luz do Código de Defesa do Consumidor. Esta atividade profissional e suas constantes mudanças trazem resultados nem sempre satisfatórios ao consumidor, isso decorre da evolução dos métodos científicos e do desenvolvimento tecnológico. E nesta mesma velocidade, o ordenamento jurídico deve estar em constante evolução, adequando-se a essas novas transformações.

                        Portanto, com o fito de equilibrar as relações entre o consumidor e os profissionais liberais prestadores de serviços, a doutrina clássica da responsabilidade civil posiciona-se no critério basilar da culpa, aqui compreendido que deve existir os elementos essenciais resultantes da imperícia, da negligência e da imprudência, e ainda o nexo causal para o qual definirá a responsabilidade civil ou não.

                        Cabe esclarecer que a qualificação das normas contidas no Código de Defesa do Consumidor é de ordem pública, portanto, as determinações nele contidas prevalecerão, ainda que contra a vontade das partes. Neste sentido, o Código veio para dar eficácia ao dispositivo constitucional dos artigos 5°, XXXII, 170, V e 48 dos ADCT, da CF/88. Embora o CDC traz a tutela específica e aplicável nas relações consumeristas, há nele muito da legislação esparsa, contida no código civil, comercial e outros diplomas já existentes, porém, está constitucionalmente previsto, razão pela qual grande parte da doutrina entende que o citado instituto tem natureza de Lei Complementar.

                        Isoladamente e de maneira direta, reservo a forma como abordei anteriormente, a doutrina clássica da responsabilidade civil é baseada na culpa, reiteramos, caracterizada pela imperícia, pela negligência e pela imprudência, e ainda o nexo causal. Trata-se, portanto, nesse caso, da chamada responsabilidade subjetiva. A inovação introduzida pelo Código Consumerista, como se vê, é a da responsabilidade objetiva, a qual prescinde de culpa, através do art. 14, por danos eventualmente causados ao consumidor pelo fornecedor de serviços, nos seguintes termos:

Art. 14 O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos a prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido;

§ 2° O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro;

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

                        Para melhor entender o comando do Art. 14, vamos tecer um exemplo tomando como profissional liberal a figura de um médico. Lembrando que há de se ter cautela quanto as conclusões sobre a responsabilidade civil objetiva dos médicos, visto que o § 4° do artigo em tela dispõe que ela não se aplica aos profissionais liberais. Portanto, para estes, continuará prevalecendo, em tese, a responsabilidade civil subjetiva. Aquela em que deve ser provada a culpa dos agentes para que lhe seja atribuída à responsabilidade pelo dano ou prejuízo causado ao consumidor, neste exemplo, o paciente. É a responsabilidade derivada de um contrato da pessoa que procura o médico em seu consultório ou no hospital para que cuide de sua enfermidade, em troca de honorários.

                        Presume-se que a natureza da responsabilidade civil do médico é contratual. Tal contrato pode ser firmado de forma escrita ou verbal, em que recomenda-se a primeira hipótese. Porém, nesses casos, ocorre também a presunção da culpa daquele que causa o dano, surgindo, assim, a conseqüente inversão do ônus da prova constante no art. 6°, VIII, do CDC, cujo encargo, não mais é do lesado, que já suporta a dor pela lesão sofrida. Por tais motivos, há uma exceção a favor do consumidor, contida no § 4° do artigo 14, do Código, que deve ser plenamente acatada.

                        Quanto a responsabilidade civil, a única exceção do CDC baseada na culpa que diz respeito aos profissionais liberais, está contida no artigo 14, § 4°, onde estabelece ser imprescindível a verificação de culpa para a responsabilização dessas categorias profissionais que prestam serviços no mercado de trabalho. Para alguns autores, profissional liberal, é a profissão de nível superior caracterizada pela inexistência de qualquer vinculação hierárquica e pelo exercício predominante técnico e intelectual de conhecimentos, onde se incluem, portanto, os médicos, os advogados, engenheiros, contabilistas e outras profissões de nível superior, desde que não exista vínculo hierárquico.

                        Importante observação no campo da responsabilidade civil dos profissionais liberais, há ainda, uma questão fundamental a ser abordada, a qual diz respeito ao tipo de obrigação que foi objeto do contrato, ou seja, a verificação das obrigações de meio e de resultado. Tais obrigações determinam, implicam na modalidade de culpa que o profissional está adstrito, como veremos os exemplos a seguir:

OBRIGAÇÕES DE MEIO

                        Nas obrigações de meio, o profissional está obrigado a empenhar todos os esforços possíveis para a prestação de determinados serviços, não existindo compromisso de qualquer natureza com a obtenção de um resultado específico. Isto significa dizer que, caso seja identificada qualquer conduta culposa do profissional no exercício do seu trabalho, será ele responsabilizado, nos termos do § 4°, do artigo 14, do CDC. Caso em que não poderá lhe ser exigido tipo algum de ressarcimento. É o princípio da culpa, baseado na responsabilidade subjetiva.

                        Desse modo, tomamos por exemplo novamente a figura do médico para facilitar a percepção, que demonstrando o profissional a sua diligência adequada frente todas as regras técnicas da profissão e recomendações ditadas pela experiência comum, estará afastada a possibilidade de sofrer repressões civis ou penais, porque dele nada mais se exige, sendo de meios a obrigação, que atue em conformidade com a moléstia do paciente promova adequado tratamento ao quadro clínico vislumbrado. Incumbirá, ao paciente a demonstração da culpa do profissional contratado, sob pena de ver ruir a demanda indenizatória que por ventura for ajuizada. Pois, nas obrigações de meio, como já foi dito, o ônus de provar a ocorrência de culpa é fator indispensável para a verificação da responsabilidade civil.

OBRIGAÇÕES DE RESULTADO

                        Nesta modalidade de obrigações, seguindo o exemplo do médico que vende o seu serviço, prometendo a execução de um resultado final específico, motivo pelo qual o consumidor se sente estimulado a pagar o preço correspondente. Desta forma, na eventualidade de não ter sido obtido o que havia sido prometido, caberá ao profissional liberal (médico) ressarcir o consumidor, pois o eventual vício na realização do serviço decorreu de falha somente imputável ao fornecedor. Tal falha pode provir da ordem técnica, da avaliação sobre o futuro ou até mesmo decorrente de má-apreciação de fatores externos a específica realização do serviço. Diz à doutrina que não importam os motivos, pois, em tal espécie de obrigação, não se investiga a culpa, vez que a responsabilidade, neste caso é objetiva. Caso em que, só não será responsabilizado se provar, inexistência de vício ou culpa do paciente (consumidor), aplicando-se o artigo 14, § 3°, I e II, combinado com artigo 20 do CDC. Lembrando que a posição majoritária da doutrina, que declina para a responsabilidade objetiva em contratos cujo objeto da obrigação é a de resultado determinado baseado em contrato, expresso ou tácito, no qual o serviço deve ser prestado com exatidão nos moldes em que fora prometido.

            A partir desse entendimento, a responsabilidade civil pode ser aplicada em todas as áreas de atuação dos profissionais liberais.

CONCLUSÃO

                        E finalmente, de acordo com a Constituição Federal em seu art. 5º, XIII, é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Neste sentido, podemos pacificamente recepcionar o dispositivo constitucional que vem nos informar acerca de uma das formas de se exercer uma profissão com total autonomia e de forma totalmente liberal, contudo, somente quem assim atua é denominado profissional liberal, desde que atendida as qualificações profissionais exigidas que a lei estabelecer.

                        No entanto, o ordenamento jurídico ainda estava precário e incompleto. Se por um lado, a legislação constitucional, na forma do artigo 5º, XIII, autoriza o livre exercício das profissões, desde que atendidas as suas qualificações, há também em favor ou até mesmo em desfavor do profissional liberal, os regulamentos e normas atinentes à sua profissão. A exemplo, o advogado fica adstrito ao Estatuto da OAB, o médico ao Conselho Regional de Medicina, o dentista ao Conselho Regional de Odontologia, o engenheiro ao Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura, e assim seguem outros vários órgãos que revestem-se apenas de atributo regulamentar da profissão, não tendo eficácia protetiva para os entes da sociedade em geral.

                        A completudo do sistema jurídico deu-se com a criação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90), que englobou no cenário não apenas os profissionais liberais, mas também toda e qualquer pessoa capaz de contratar seus serviços.

                        Analisando o CDC, a figura do profissional liberal é citada apenas uma vez no seu artigo 14, § 4º, quando trata da responsabilização de tais profissionais pelos danos causados em decorrência dos serviços prestados, estabelecendo que, nesse caso, a responsabilidade será subjetiva. Esta espécie de responsabilidade é a prevista no nosso sistema civilista (art. 186 CC) a qual sempre esteve ligada à conduta culposa, o que significa dizer que, no plano processual, a vítima deverá comprovar se o agente agiu com dolo ou culpa, ou seja, incidente da negligência, da imprudência e da imperícia, além, é claro, do fato danoso, o dano e o nexo causal entre o fato e o dano.

                        Com esta inovação, o CDC introduziu como regra geral, o critério objetivo para aferição da responsabilidade civil. Responder o fornecedor pelo fato do serviço, independentemente da verificação da culpa em qualquer de suas modalidades, representa uma evolução e benefício em favor do consumidor, todavia, o parágrafo 4º do art. 14, que determina a apuração da responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, mediante a verificação de culpa, constitui-se em uma exceção ao critério objetivo consagrado pelo CDC. O dispositivo afasta dos profissionais liberais a responsabilidade independente de culpa, pelo fato ou vício do serviço. Assim, a responsabilidade civil pelos danos decorrentes dos serviços do profissional liberal dependerá da existência e comprovação da culpa, mantendo-o na vala da tradicional teoria subjetivista, ou seja, cabe ao consumidor, que sofreu uma lesão em razão da prestação de serviços, a demonstração da culpa, por parte do profissional, configurada esta, na negligência, imprudência ou imperícia.

                        Assim, o CDC cumpre em medida equilibrada a tutela do consumidor e resguarda o profissional liberal de responsabilidades ilegais, uma vez que a legislação define os ditames em face da conduta e do resultado da relação.

GENECI CARDOSO BARROS Acadêmico de Direito / 4º ano

CARVALHO NETO, Frederico da Costa. Ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor: São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002;

Código Civil Brasileiro;

Constituição Federal;

GUEDES, Fernando Grass. Direito do Consumidor: Vol. 4. Editora OAB/SC, 2006

STOCO, Rui, Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, Ed. Revista dos Tribunais, 2ª Edição;

 

Como citar o texto:

BARROS, Geneci Cardoso.A responsabilidade civil dos profissionais liberais. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 240. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-consumidor/1810/a-responsabilidade-civil-profissionais-liberais. Acesso em 29 ago. 2007.

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