Resumo: Como é cediço, a Constituição Federal de 1988 determinou, de maneira expressa, a proteção do consumidor e a elevou a categoria de direito fundamental e princípio a ser obedecido no referente à estabilidade da ordem econômica, conforme se depreende da redação dos artigos 5º, inciso XXXII e 170, inciso V. O artigo 5º do Texto Constitucional, ao estabelecer que o Estado deve promover a defesa do consumidor, com clareza solar, assegura ao cidadão essa proteção como um direito fundamental, implicitamente, reconheceu a vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo. Foi, justamente, no princípio da vulnerabilidade do consumidor que o movimento consumerista se baseou para chegar a atual legislação protetora, tendo sido, inclusive, expressamente burilado no inciso I do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor. O dogma em comento considera o consumidor a parte mais fraca da relação de consumo, uma vez que o consumidor se submete ao poder de quem dispõe o controle sobre bens de produção para satisfazer suas necessidades de consumo. Em outras palavras, o consumidor se submete às condições que lhes são impostas no mercado de consumo.  Trata-se de técnica utilizada para aplicar as normas consumeristas de maneira harmoniosa com a realidade concreta, conferindo-lhe instrumentalidade para iluminar a aplicação daquelas de modo protetivo e reequilibrado, promovendo a igualdade e a justiça equitativa.

Palavras-chaves: Defesa e Proteção do Consumidor. Princípio da Coibição de Abusos. Corolário de Conformação.

Sumário: 1 Comentários Introdutórios; 2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo no Ordenamento Brasileiro; 3 Breves Linhas ao Princípio da Coibição de Abusos nas Relações Consumeristas: Singelo Painel sobre os desdobramentos do Princípio da Vulnerabilidade

1 Comentários Introdutórios

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida hastear como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico -Ubi societas, ibi jus-, ou seja, -Onde está a sociedade, está o Direito-, tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém[2]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[3]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação[4]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.

2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo no Ordenamento Brasileiro

Em sede de ponderações introdutórias, tendo como pilares de apoio as lições apresentadas por Marquesi[5] que, com substancial pertinência, dicciona que os postulados e dogmas se afiguram como a gênese, o ponto de partida ou mesmo o primeiro momento da existência de algo. Nesta trilha, há que se gizar, com bastante ênfase, que os princípios se apresentam como verdades fundamentais, que suportam ou asseguram a certeza de uma gama de juízos e valores que norteiam as aplicações das normas diante da situação concreta, adequando o texto frio, abstrato e genérico às nuances e particularidades apresentadas pela interação do ser humano. Objetiva, por conseguinte, com a valoração dos princípios vedar a exacerbação errônea do texto da lei, conferindo-lhe dinamicidade ao apreciar as questões colocadas em análise.

Com supedâneo em tais ideários, salientar se faz patente que os dogmas, valorados pelas linhas do pós-positivismo, são responsáveis por fundar o Ordenamento Jurídico e atuar como normas vinculantes, verdadeiras flâmulas desfraldadas na interpretação do Ordenamento Jurídico. Desta sorte, insta obtemperar que ter conhecimento dos preceitos e dogmas permite adentrar no âmago da realidade jurídica. Afora isso, toda sociedade que se encontre politicamente organizada ostenta uma tábua principiológica, a qual, com efeito, oscila e evolui em consonância com a cultura e os valores adotados. Ao lado disso, em razão do aspecto essencial que apresentam, os preceitos podem variar, de maneira robusta, adequando-se a realidade vigorante em cada Estado, ou seja, os corolários são resultantes dos anseios sagrados em cada população. . Entrementes, o que assegura a característica fundante dos axiomas é o fato de estarem alicerçados em cânones positivados pelos representantes da nação ou de regra costumeira, que foi democraticamente aderida pela população.

Nesta senda, os dogmas que são salvaguardados pela Ciência Jurídica passam a ser erigidos à condição de elementos que compreendem em seu bojo oferta de uma abrangência mais versátil, contemplando, de maneira singular, as múltiplas espécies normativas que integram o ordenamento pátrio. Ao lado do apresentado, com fortes cores e traços grossos, há que se evidenciar que tais mandamentos passam a figurar como super-normas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo[6]. Os corolários passam a figurar como verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar[7]. Com efeito, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que integram o ramo Consumerista da Ciência Jurídica, em especial devido à proteção dispensada pelo Ordenamento Pátrio aos consumidores, em razão da vulnerabilidade desses.

Salta aos olhos, desta sorte, o relevo indiscutível que reveste o Direito do Consumidor, sendo considerada, inclusive, como irrecusável importância jurídica, econômica e política, sendo dotado de caráter absolutamente inovador, eis que elevou a defesa do consumidor à posição eminente de direito fundamental, atribuindo-lhe, ainda, a condição de princípio estruturador e conformador da própria ordem econômica. Verifica-se, portanto, que com as inovações apresentadas no Texto Constitucional erigiram os consumidores como detentores de direitos constitucionais fundamentais, conjugado, de maneira robusta, com o relevante propósito de legitimar todas as necessárias medidas de intervenção estatal e a salvaguardar as disposições entalhadas na Carta de 1988.

Em decorrência de tais lições, destacar é crucial que o Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado a partir de uma luz emanada pelos valores de maciça relevância para a Constituição Federal de 1988. Isto é, cabe ao Arquiteto do Direito observar, de forma imperiosa, a tábua principiológica, considerada como essencial e exaltada como fundamental dentro da Carta Magna do Estado Brasileiro, ao aplicar a legislação abstrata ao caso concreto. A exemplo de tal afirmativa, pode-se citar tábua principiológica que orienta a interpretação das normas atinentes à Legislação Consumerista. Com o alicerce no pontuado, salta aos olhos a necessidade de desnudar tal assunto, com o intento de afastar qualquer possível desmistificação, com o fito primordial de substancializar um entendimento mais robusto acerca do tema.

3 Breves Linhas ao Princípio da Coibição de Abusos nas Relações Consumeristas: Singelo Painel sobre os desdobramentos do Princípio da Vulnerabilidade

     Ab initio, como é cediço, a Constituição Federal de 1988 determinou, de maneira expressa, a proteção do consumidor e a elevou a categoria de direito fundamental e princípio a ser obedecido no referente à estabilidade da ordem econômica, conforme se depreende da redação dos artigos 5º, inciso XXXII[8] e 170, inciso V[9]. O artigo 5º do Texto Constitucional, ao estabelecer que o Estado deve promover a defesa do consumidor, com clareza solar, assegura ao cidadão essa proteção como um direito fundamental, implicitamente, reconheceu a vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo. Foi, justamente, no princípio da vulnerabilidade do consumidor que o movimento consumerista se baseou para chegar a atual legislação protetora, tendo sido, inclusive, expressamente burilado no inciso I do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor[10]. Como bem acentua Almeida, o princípio da vulnerabilidade “é a espinha dorsal da proteção ao consumidor, sobre o qual se assenta toda a linha filosófica do movimento[11].

O dogma em comento considera o consumidor a parte mais fraca da relação de consumo, uma vez que o consumidor se submete ao poder de quem dispõe o controle sobre bens de produção para satisfazer suas necessidades de consumo. Em outras palavras, o consumidor se submete às condições que lhes são impostas no mercado de consumo.  Trata-se de técnica utilizada para aplicar as normas consumeristas de maneira harmoniosa com a realidade concreta, conferindo-lhe instrumentalidade para iluminar a aplicação daquelas de modo protetivo e reequilibrado, promovendo a igualdade e a justiça equitativa. Neste sentido, é possível fazer alusão ao entendimento explicitado pelo Ministro Massami Uyeda, ao relatoriar o Recurso Especial N° 1.293.006/SP, em especial quando salienta que “a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo e, portanto, impõe-se que seu exame seja realizado dentro do microssistema protetivo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, observando-se a vulnerabilidade material e a hipossuficiência processual do consumidor[12].

Com efeito, a vulnerabilidade está relacionado a um estado do indivíduo, uma situação inerentes de risco ou um sinal de excessiva confrontação de interesses identificados no mercado, podendo ensejar um cenário provisório ou permanente. “Todo consumidor é sempre vulnerável, característico intrínseca à própria condição de destinatário final do produto ou serviço[13], como bem sublinham, em seu magistério, Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves. Verifica-se, desta sorte, que o consumidor, por sua natureza, está envolto no princípio da vulnerabilidade. A figura da vulnerabilidade, outrossim, para fins de aplicação das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, tanto pode ser a econômica, a jurídica, a social, a técnica e outras mais. Neste sentido, oportunamente, colaciona-se o entendimento jurisprudencial construído pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se extrai:

Ementa: Direito Marcário e Processual Civil. Recurso Especial. Competência para julgar pedido de perdas e danos decorrentes do uso da marca, cujo registro pretende-se a anulação. Lide que não envolve a União, Autarquia, Fundação ou Empresa Pública Federal. Competência da Justiça Estadual. Registro da marca “Cheese.Ki.Tos”, em que pese a preexistência do registro da marcha “Chee.Tos”, ambas assinalado salgadinhos “Snacks”, comercializados no mesmo marcado. Impossibilidade, visto que a coexistência das marcas tem o condão de propiciar confusão ou associação ao consumidor. [...] 5. A possibilidade de confusão ou associação entre as marcas fica nítida no caso, pois, como é notório e as próprias embalagens dos produtos da marca "CHEE.TOS" e "CHEESE.KI.TOS"  reproduzidas no corpo do acórdão recorrido demonstram, o público consumidor alvo do produto assinalado pelas marcas titularizadas pelas sociedades empresárias em litígio são as crianças, que têm inegável maior vulnerabilidade, por isso denominadas pela doutrina - o que encontra supedâneo na inteligência do 37, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor - como consumidores hipervulneráveis. 6. O registro da marca "CHEESE.KI.TOS" violou o artigo 124, XIX, da Lei da Propriedade Industrial e  não atende aos objetivos da Política Nacional de Relações de Consumo, consoante disposto no artigo 4º, incisos I, III e VI, do Código de Defesa do Consumidor, sendo de rigor a sua anulação. 7. Recurso especial parcialmente provido. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 1.188.105/RJ/ Relator: Ministro Luis Felipe Salomão/ Julgado em 05.03.2013/ Publicado no DJe em 12.04.2013).

 

Ementa: Consumidor. Definição. Alcance. Teoria finalista. Regra. Mitigação. Finalismo aprofundado. Consumidor por equiparação. Vulnerabilidade. 1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor. 4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). 5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora [...] 7. Recurso especial a que se nega provimento. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1.195.642/RJ/ Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 13.11.2012/ Publicado no DJe em 21.11.2012).

 

Nessa esteira, Cláudia Lima Marques[14] obtempera acerca da existência de três espécies de vulnerabilidade, a saber: técnica, na qual o consumidor não é detentor do conhecimento específico a respeito do objeto que está adquirindo, sendo, em decorrência disso, suscetível de ser enganado mais facilmente, no que tange às características ou, ainda, quanto à unidade do bem ou do serviço prestado. A segunda espécie de vulnerabilidade é a jurídica ou científica, cujo aspecto característico está arrimado na ausência de conhecimento jurídica específicos, de contabilidade ou mesmo de economia. Ademais, a terceira espécie de vulnerabilidade é denominada de fática ou socioeconômica, atrelada à posição de monopólio, fático ou jurídico, por meio do qual o fornecedor, que em razão de sua posição de monopólio, fático ou jurídico, abalizado em seu grande poderia econômico ou mesmo em decorrência da essencialidade do serviço, impõe a sua superioridade a todos que contratam com ele.

Nessa senda, ainda, cuida salientar que a concepção estruturante da vulnerabilidade técnica é presumida para o consumidor não-profissional, como também pode ser estendido, de forma excepcional, ao profissional, destinatário fático do bem ou do serviço. Ao lado do expendido, a vulnerabilidade jurídica, conquanto seja presumida para o consumidor não-profissional e para o consumidor pessoa natural, “para os profissionais e para as pessoas jurídicas, vale a presunção em sentido contrário, presume-se que possuem conhecimentos jurídicos e econômicos mínimos, ou que possam consultar  advogados e profissionais[15], antes de firmarem a obrigação. No que concerne à vulnerabilidade fática, há que se frisar, com cores quentes, que subsiste uma presunção em favor do consumidor não-profissional, entrementes, tal conjectura não prospera em relação ao consumidor profissional e para o consumidor pessoa jurídica.

Importante ressaltar ainda que a doutrina tem convergido no sentido de que há a possibilidade de a pessoa jurídica, mesmo não sendo a destinatária final do produto ou serviço adquirido, receber a proteção das normas inseridas no Código de Defesa do Consumidor quando provar, na concretude do caso, a sua situação de vulnerabilidade frente ao fornecedor. Com efeito, é possível elencar a vulnerabilidade técnica, isto é, ausência de conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço adquirido, podendo, em função disso, ser mais facilmente iludido, a vulnerabilidade jurídica, ou seja, a ausência de conhecimentos jurídicos que o auxiliariam a melhor portar-se na relação negocial, a vulnerabilidade fática, qual seja, a situação de desvantagem real, seja pelo grande  poderio do fornecedor, sua situação econômica, seja pela essencialidade do bem, do qual necessita, impreterivelmente, o consumidor e por fim, a vulnerabilidade informacional que é aquela que decorre da especial importância das informações recíprocas prestadas no bojo das relações negociais, que, em regra, revelam-se deficitárias quanto ao consumidor.        Colhe-se o seguinte precedente jurisprudencial, proveniente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, o qual acena no seguinte sentido:

Ementa: Agravo Interno na Apelação Cível – Preliminar de não conhecimento do recurso em razão da ausência de dialeticidade - Rejeitada – Código de Defesa do Consumidor - Inaplicabilidade – Critério do Consumidor Final – Recurso a que se nega provimento.  […] 2- A priori, não somente as pessoas físicas, como também as jurídicas, podem figurar como consumidoras em uma relação comercial e, portanto, desfrutar da proteção regulamentada pela lei 8078?90, devendo o intérprete, ao proceder a tal identificação, atentar-se à dicção do artigo 2º do mencionado diploma, que nos mostra como aspecto caracterizador de consumidor a sua posição como destinatário final do objeto negocial. 3- Deste modo, tem-se que para que o consumidor seja considerado destinatário econômico final, o produto ou o serviço não pode guardar qualquer relação, direta ou indireta, com a atividade econômica por ele exercida, devendo, assim, ser utilizado para o atendimento de uma necessidade própria, pessoal do consumidor, o que não fora demonstrado no caso em comento. 5- Importante ressaltar ainda que a doutrina tem convergido no sentido de que há a possibilidade de a pessoa jurídica, mesmo não sendo a destinatária final do produto ou serviço adquirido, receber a proteção das normas inseridas no CDC quando provar, no concretude do caso, a sua situação de vulnerabilidade frente ao fornecedor. 5- Assim, percebe-se que a agravante não demonstrou a existência do estado de vulnerabilidade que pudesse ensejar à aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 6- Recurso a que se rejeita a preliminar e no mérito, nega-se provimento. (Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – Quarta Câmara Cível/ Agravo Interno - (Arts. 557/527, II CPC) em Apelação Cível Nº. 24070327713/ Relator: Desembargador Maurílio de Almeida de Abreu/ Julgado em 17.08.2010/ Publicado em 05.10.2010)

 

Mister faz-se aduzir que não há que confundir a vulnerabilidade, enquanto princípio orientador para a aplicação do Código de Defesa do Consumidor[16], com a denominada hipossuficiência econômica ou técnica da parte autora, eis que, em razão do corolários emanados pelo aludido dogma, nem todo consumidor deverá ser coberto pelo véu da hipossuficiência, mesmo sendo sempre vulnerável. Plus ultra, dado ao aspecto geral da vulnerabilidade, verifica-se que as flâmulas por ela hasteadas deflui da simples situação de consumidor, ao passo que a hipossuficiência, ao reverso, reclama a presença de condições pessoais e relativas a cada consumidor, devendo-se, por extensão, confrontá-las com as condições pessoais do respectivo fornecedor. A vulnerabilidade se reveste de presunção, quando o consumidor for pessoa natural, enquanto a vulnerabilidade da pessoa jurídica deve ser demonstrada e será aferida, quando o magistrado analisar a situação concreta trazida a Juízo. O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ao relatoriar o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento N° 1.409.273/RS, manifestou que a “incidência do Código de Defesa do Consumidor somente nas hipóteses em que a pessoa jurídica se apresenta em situação de vulnerabilidade[17]. Com efeito, em não sendo demonstrada a vulnerabilidade, pela pessoa jurídica, inaplicável é o corolário em comento, assim como as disposições alocadas no diploma protecionista[18]. Ao lado disso, acinzele-se que a hipossuficiência reclama um exame acurado, analisando cada caso, já a vulnerabilidade do consumidor é inerente à sua própria condição. No mais, o princípio em estudo é traço universal de todos os consumidores, independente de sua condição econômica ou grau de instrução, motivo pelo qual seu ponto de escora está alicerçado na ausência de conhecimento técnico para a elaboração do produto ou para a prestação do serviço.

Nessa senda, a Política de Relações de Consumo não será completa se não dispuser acerca da coibição dos abusos perpetrados no mercado de consumo. Com efeito, deve garantir-se não apenas a representação aos atos abusivos, como a punição de seus atores e o respectivo ressarcimento, mas também a atuação preventiva tendente a evitar a ocorrência de novas práticas abusivas, rechaçando aquelas que podem desencadear prejuízos aos consumidores, tal como a concorrência desleal e a utilização indevida de inventos e criações industriais. Ademais, a coibição preventiva e eficiente dessas práticas representará o desestímulo dos potenciais fundadores. Doutro ângulo, a ausência de repressão, ou mesmo afrouxamento, representará impunidade, o que, por si só, tem o condão de estimular a tais práticas.

Referências:

ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 7 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 29 jun. 2014.

______________. Lei Nº. 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 29 jun. 2014.

______________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: . Acesso em 29 jun. 2014.

______________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . Acesso em 29 jun. 2014.

CARVALHO, José Carlos de Maldonado de. Direito do Consumidor: Fundamentos Doutrinários e Visão Jurisprudencial. 3 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

ESPÍRITO SANTO (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Disponível em: . Acesso em 29 jun. 2014.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. Volume único. São Paulo: Editora Método, 2012.

TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: .  Acesso em 29 jun. 2014.

VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: .  Acesso em 29 jun. 2014.

  

[2] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: .  Acesso em 29 jun. 2014.

[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: . Acesso em 29 jun. 2014.

[4] VERDAN, 2009. Acesso em 29 jun. 2014.

[5] MARQUESI, Roberto Wagner. Os Princípios do Contrato na Nova Ordem Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 513, 2 dez. 2004. Disponível em: . Acesso em 29 jun. 2014.

[6] VERDAN, 2009. Acesso em 29 jun. 2014.

[7] TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: .  Acesso em 29 jun. 2014.

[8] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 29 jun. 2014: “Art. 5º [omissis] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.

[9] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 29 jun. 2014: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [omissis] V - defesa do consumidor”.

[10] BRASIL. Lei Nº. 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 29 jun. 2014: “Art. 4º [omissis]  I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”.

[11]ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 7 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 17.

[12] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em Recurso Especial N° 1.293.006/SP. Recurso Especial - Contrato de Seguro - Relação de Consumo - Cláusula Limitativa - Ocorrência de furto qualificado - Abusividade - Identificação, na espécie - Violação ao direito de informação ao consumidor - Recurso Especial Provido. I - Não há omissão no aresto a quo, tendo sido analisadas as matérias relevantes para solução da controvérsia. II - A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo e, portanto, impõe-se que seu exame seja realizado dentro do microssistema protetivo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, observando-se a vulnerabilidade material e a hipossuficiência processual do consumidor. III - A circunstância de o risco segurado ser limitado aos casos de furto qualificado exige, de plano, conhecimentos do aderente quanto às diferenças entre uma e outra espécie de furto, conhecimento esse que, em razão da sua vulnerabilidade, presumidamente o consumidor não possui, ensejando-se, por isso, o reconhecimento da falha no dever geral de informação, o qual constitui, é certo, direito básico do consumidor, nos termos do artigo 6º, inciso III, do CDC. IV - A condição exigida para cobertura do sinistro - ocorrência de furto qualificado - por si só, apresenta conceituação específica da legislação penal, cujo próprio meio técnico-jurídico possui dificuldades para conceituá-lo, o que denota sua abusividade. Precedente da eg. Quarta Turma. V - Recurso especial provido. Órgão Julgador: Terceira Turma. Relator: Ministro Massami Uyeda. Julgado em 21.06.2012. Publicado no DJe em 29.06.2012. Disponível em: . Acesso 29 jun. 2014.

[13] TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. Volume único. São Paulo: Editora Método, 2012, p. 30.

[14] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais. 4 ed. São Paulo: Editora Revista  dos Tribunais, 2002, pp. 370-373.

[15] CARVALHO, José Carlos de Maldonado de. Direito do Consumidor: Fundamentos Doutrinários e Visão Jurisprudencial. 3ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 08.

[16] BRASIL. Lei Nº. 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 29 jun. 2014.

[17] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental. Agravo de Instrumento. Seguro. Plano de Saúde. Cobrança. Duplicatas Mercantis. Alegação genérica de violação à legislação federal. Fundamento decisório não impugnado. Necessidade de reexame fático probatório. Manifesta Improcedência. Multa. 1. A alegação genérica de violação à legislação federal não dá ensejo ao conhecimento do recurso, face a evidente deficiência recursal (súmula 284/STF). 2. Inadmissibilidade do especial quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e a impugnação não abrange todos eles (Súmula 283/STF). 3. Incidência do Código de Defesa do Consumidor somente nas hipóteses em que a pessoa jurídica se apresenta em situação de vulnerabilidade. 4. A elisão das conclusões do aresto impugnado demanda o revolvimento dos elementos de convicção dos autos, providência vedada nesta sede especial. (Súmula 07/STJ). 5. A mera reedição dos argumentos de recurso anterior torna evidente a manifesta improcedência do presente agravo, atraindo a incidência da multa prevista no § 2º do art. 557 do CPC. 6. Agravo regimental desprovido, com aplicação de multa. Órgão Julgador: Terceira Turma. Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em 16.02.2012. Publicado no DJe em 29.02.2012. Disponível em: . Acesso 29 jun. 2014.

[18] Neste sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em Recurso Especial N° 932.557/SP. Direito do consumidor. Pessoa jurídica. Não ocorrência de violação ao art. 535 do CPC. Utilização dos produtos e serviços adquiridos como insumos. Ausência de vulnerabilidade. Não incidência das normas consumeristas. 1. Inexiste violação ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma suficiente sobre a questão posta nos autos, sendo certo que o magistrado não está obrigado a rebater um a um os argumentos trazidos pela parte se os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 2. O art. 2º do Código de Defesa do Consumidor abarca expressamente a possibilidade de as pessoas jurídicas figurarem como consumidores, sendo relevante saber se a pessoa - física ou jurídica - é "destinatária final" do produto ou serviço. Nesse passo, somente se desnatura a relação consumerista se o bem ou serviço passa a integrar a cadeia produtiva do adquirente, ou seja, torna-se objeto de revenda ou de transformação por meio de beneficiamento ou montagem, ou, ainda, quando demonstrada sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica frente à outra parte. 3. No caso em julgamento, trata-se de sociedade empresária do ramo de indústria, comércio, importação e exportação de cordas para instrumentos musicais e afins, acessórios para veículos, ferragens e ferramentas, serralheria em geral e trefilação de arames, sendo certo que não utiliza os produtos e serviços prestados pela recorrente como destinatária final, mas como insumos dos produtos que manufatura, não se verificando, outrossim, situação de vulnerabilidade a ensejar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 4. Recurso especial provido. Órgão julgador: Quarta Turma. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Julgado em 07.02.2012. Publicado no DJe em 23.02.2012. Disponível em: . Acesso 29 jun. 2014.

 

 

Elaborado em junho/2014

 

Como citar o texto:

RANGEL, Tauã Lima Verdan..Breves Linhas ao Princípio da Coibição de Abusos nas Relações Consumeristas: Singelo Painel sobre os desdobramentos do Princípio da Vulnerabilidade. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1188. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-consumidor/3180/breves-linhas-ao-principio-coibicao-abusos-nas-relacoes-consumeristas-singelo-painel-os-desdobramentos-principio-vulnerabilidade. Acesso em 20 ago. 2014.

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