Já tivemos oportunidade de manifestar anteriormente nossa posição quanto à inconstitucionalidade do seguro perfil de automóveis, que estabelece distinção entre os contratantes de acordo com o sexo, a idade e outros critérios discriminatórios indevidos. O objetivo deste artigo é demonstrar outras tantas inconveniências do seguro perfil.

Para tanto, partiremos do seguinte caso concreto. A Sra. Janete, estudante universitária, declinou como o seguinte o seu perfil hipotético: residência com os pais em imóvel próprio; 21 anos; utilização do veículo para trabalho e para passeio, predominantemente na região metropolitana de São Paulo; utilização de garagem na residência, no trabalho e na faculdade; utilização do veículo apenas pela segurada.

Certo dia, tendo chegado mais tarde na faculdade, Janete não conseguiu deixar seu veículo no estacionamento de sempre e, diante da lotação dos demais estacionamentos, acabou deixando o veículo na rua. Infelizmente, justamente naquele dia, seu veículo foi furtado.

Ainda que a segurada tenha deixado seu veículo no estacionamento em todos os outros dias, o fato do carro estar na rua naquele dia, segundo as seguradoras, configura falsidade na declaração do perfil, fazendo atuar cláusula contratual padrão, que exime a seguradora do pagamento da indenização correspondente.

Casos como esse vêm ocorrendo dia a dia. Inúmeras vêm sendo as desculpas (o motorista que colidiu o veículo não havia sido mencionado no perfil; o local de pernoite esporádico do veículo não possuía garagem; o veículo foi utilizado em região não correspondente ao perfil; etc.) das seguradoras para o não pagamento das indenizações. Tais desculpas fazem com que o segurado tenha que ingressar com ações judiciais e esperar por anos o pagamento da indenização.

Tudo isso não aconteceria não fosse o extremado detalhamento dos perfis traçados pelas seguradoras. Tais perfis redundam, muitas vezes, no cerceamento do direito de propriedade do consumidor sobre o veículo segurado, uma vez que o mero empréstimo ocasional do veículo pode representar para a seguradora desvio do perfil e motivo para o não pagamento das indenizações.

A pretexto de investigarem fraudes dos consumidores, as seguradoras realizam minuciosa investigação na vida dos segurados, lançando mão de empresas especializadas nesse setor e, diante de fatos muitas vezes corriqueiros, deixam de pagar as indenizações sob a alegação de fraude.

Sem falar que as alterações do perfil, quando ocorrem, só servem para prejudicar o segurado. Exemplifica-se: se o segurado altera a sua residência do Ipiranga para Moema terá que pagar um prêmio complementar de, por exemplo, R$300,00. O caminho inverso, de seu turno, não representará o abatimento no prêmio do mesmo montante. Quando muito, o segurado terá direito a pequeno abatimento.

Não há como negar que o Brasil é um dos campeões em crimes de fraudes em seguros, que acabam elevando o risco da atividade das seguradoras e, conseqüentemente, o prêmio dos seguros. Não há como negar também que quem paga essa conta é o consumidor, na medida em que essas inúmeras fraudes são embutidas no preço dos seguros.

Por tais razões, frisamos, mais uma vez, que o seguro perfil representa sérios inconvenientes para os consumidores. Melhor seria que o risco da atividade das seguradoras fosse dividido igualmente entre os segurados ou, ao menos, fosse dividido segundo critérios objetivos, que não colocassem os consumidores como reféns dos desmandos dos fornecedores, como ocorre atualmente.

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Como citar o texto:

ROLLO, Alberto; ROLLO, Arthur..A armadilha do seguro perfil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 118. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-consumidor/527/a-armadilha-seguro-perfil. Acesso em 14 mar. 2005.

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