No dia 30 de Novembro de 2005, tivemos ciência através da mídia, do ataque odioso coordenado por um grupo traficantes e meliantes da comunidade carente conhecida por complexo do Quitungo, aos passageiros que estavam dentro do ônibus na linha 350 (Irajá – Passeio), no bairro da Penha. Rio de Janeiro, que de forma cruel causaram lesões em diversos inocentes e vitimaram outros, ao atearem fogo no coletivo, em retaliação a morte de um comparsa.

Fato este injustificável e lamentável, que nos remete ao questionamento doutrinário de que a prevenção a tais atos, cabe exclusivamente ao Poder Público, face a necessidade de mantença da paz social e a garantia de segurança dos indivíduos e não ao fornecedor de serviços/transportador.

Apenas para repisar uma característica importante sobre o contrato de transporte que é a cláusula de incolumidade, onde segundo o ordenamento legal vigente, essa cláusula determina que o fornecedor de serviços/transportador deverá de zelar pela preservação, pela garantia, pela incolumidade do consumidor/passageiro, a fim de evitar que qualquer dano possa ocorrer durante a vigência do contrato.

Certo é que, o fornecedor de serviços/transportador tem a obrigação de conduzir o consumidor/passageiro são e salvo do início ao fim de sua viagem, ou seja , ao seu destino, ficando obrigado a reparar o dano por ele sofrido dentro da vigência do contrato de transporte, isto porque é sabido que a obrigação contratual do fornecedor de serviços/transportador não se restringe somente a obrigação de meio ou de resultado, como também a obrigação de garantia.

No fatídico evento narrado, é inarredável o entendimento da ocorrência de “fato exclusivo de terceiro”, pois, o ato de selvageria dos criminosos, não guarda qualquer relação com a organização do negócio do fornecedor de serviços/transportador, nem com os riscos inerentes a atividade empresarial exercida, o que exonera o mesmo da responsabilidade e dever de indenizar, até por que o motorista - seu preposto – não poderia pressupor que tal fato ocorreria, somente parou o coletivo para o embarque de demais passageiros, conforme seu dever enquanto permissionário de serviço público, tendo sido nesse momento surpreendido com a ação dolosa dos mesmos. No entanto envidou esforços para a liberação dos passageiros como : tentativa de abertura da porta traseira e até mesmo a quebra do pára-brisa do veículo, não omitindo-se durante o ocorrido, porém, desenvolveu dentro de suas possibilidades de solução ao problema a prestação de socorro aos lesionados, o que exclui, S.M.J, o argumento constante da Súmula 187 do Supremo Tribunal Federal.

Esclareça-se que por “terceiro” deve-se compreender que é alguém estranho ao binômio fornecedor de serviços/transportador - consumidor/passageiro, ou seja, é qualquer pessoa que não tenha vínculo jurídico com o fornecedor de serviços/transportador, de modo a torná-lo responsável pelos seus atos, direta ou indiretamente, segundo a interpretação do ilustre Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cavalieri Filho.

Ressalte-se que ocorrências como estas são imprevisíveis, inevitáveis, irresistíveis e indefensáveis, conforme assevera a Ilustre Advogada Elizabeth Viúdes C. Leão, em seu livro “A exclusão de culpa do transportador no caso de assaltos e lesões a passageiros".

Trazemos assim os arestos de nossos Tribunais, senão, veja-se :

Responsabilidade civil – Estrada de ferro – Lesões em passageira, atingida por pedra atirada do exterior da composição. O fato de terceiro que não exonera de responsabilidade o transportador é aquele que com o transporte guarda conexidade, inserindo-se nos riscos próprios do deslocamento. O mesmo não se verifica quando intervenha fato inteiramente estranho, devendo-se o dano à causa alheia ao transporte em si. A prevenção de atos lesivos, de natureza do que se cogita na hipótese, cabe à autoridade pública, inexistindo fundamentos para transferir a responsabilidade a terceiros. (STJ – REsp 13.351-RJ Rel. Min. Eduardo Ribeiro)

"Responsabilidade Civil – Assassinato de passageiro, em virtude de assalto praticado por desconhecido, num trem da REFISA durante a viagem – Ato de terceiro equiparável a caso fortuito – Incidência de obstáculo previsto no art. 325, inciso V, do Regimento Interno do STF – Argüição de relevância rejeitada – Inocorrência de divergência da Súmula n. 187 do STF, por inexistir o nexo de causalidade entre o acidente e o transporte". (2ª Turma do STF, RE 99.978-7, Rel. Min. Djaci Falcão – revista Amagis XI/503).

“Responsabilidade civil – Contrato de transporte – Passageiros atingidos por ácido arremessado por terceiro Caso fortuito desvinculado do contrato de transporte – Incidência da regra do art. 1058 e seu parágrafo único do Código Civil” (Ap. Cível 8.204/93. 2a C. Cív; v.u)

Apelação. Responsabilidade civil. Ilícito penal. Assalto em ônibus, à mão armada, resultando em morte de passageiro. Fato inteiramente estranho, sem nenhuma conexão com o transporte coletivo, não inserido nos riscos próprios da atividade comercial do transportador. Ocorrência inevitável, senão, também, imprevisível. 0 evento exclusivo de terceiro, como o assalto, com arma de fogo, por ser inevitável, tipifica o chamado "fortuito externo que, como sabido, exclui o próprio nexo de causalidade. 0 transportador não responde pela indenização. Sentença que se confirma, por seus termos. Recurso improvido. 2002.001.21895 - APELACAO CIVEL DES. RONALD VALLADARES - Julgamento: 16/03/2004 - DECIMA SEXTA CAMARA CIVEL

Caso fortuito. O assalto em coletivo em que um dos meliantes desfere tiros atingindo e ferindo passageiro no interior do coletivo, exime o transportador da responsabilidade pelo dano. A responsabilidade do transportador restringe-se a segurança do transporte, não abrangendo fato de terceiro, estranho ao contrato, imprevisível e inevitável, equiparado a caso fortuito. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Apelo provido. Sentença reformada. (APELACAO CIVEL Nº 70000953190, QUINTA CAMARA CIVEL, TRIBUNAL DE JUSTICA DO RS, RELATOR: DES. MARCO AURELIO DOS SANTOS CAMINHA, JULGADO EM 23/11/2000)

Ação de indenização. Vítima espancada até a morte, segundo sua genitora, no interior de estação ferroviária devido a choque de torcidas de futebol. Responsabilidade objetiva. Embora o artigo 17 do Decreto-Lei 2681/12 estabeleça a responsabilidade objetiva da ferrovia pelos danos ocorridos aos passageiros desde o momento que ingressam na plataforma até que saiam da estação de destino, no caso em exame, a par não se saber ao certo onde os fatos ocorreram, não há nos autos qualquer prova sustentando as afirmações da autora. Ainda que se admita que os fatos narrados na inicial tenham ocorrido como ali descrito, indiscutível tratar-se na hipótese em exame, de ato de terceiros. Fortuito externo. O fato exclusivo de terceiro configura fortuito externo, excludente da responsabilidade do transportador. O fato de terceiro que não exonera da responsabilidade o transportador é aquele que com o transporte guarda conexidade, inserindo-se nos riscos próprios da atividade empresarial desenvolvida. A hipótese descreve fato inteiramente estranho, devendo-se o dano a causa alheia ao transporte em si. Assim, quebrado o nexo causal entre a ação dos prepostos da ré e o dano não há que se falar em responsabilidade da Ferrovia e em dever de indenizar. Provimento do recurso para julgar improcedentes os pedidos indenizatórios, condenada a autora nas custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10 % (dez por cento) sobre o valor dado a inicial, observado o disposto no artigo da Lei 1060/50, restando prejudicado o recurso da autora. 2003.001.35787 - APELACAO CIVEL DES. MARIA HENRIQUETA LOBO - Julgamento: 02/03/2004 - DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL

 

Direito Civil. Responsabilidade Civil do Estado. Provável tentativa de roubo ou seqüestro que culminou em morte. Localização do ocorrido próximo ao túnel Rebouças. Pretensão de reparação do Estado pela ausência de policiamento e segurança. Culpa administrativa. Omissão genérica ou específica. Descabimento. A culpa administrativa deve ser comprovada pela ausência do serviço ou por sua prestação de forma ineficiente. O Estado disponibiliza serviço de segurança, com os meios e recursos possíveis, não lhe podendo ser imputada a omissão genérica, nem a específica. O Estado não pode ser responsabilizado como segurador universal, havendo no caso exclusão do nexo de causalidade pelo fato exclusivo de terceiros. APELAÇÃO. Responsabilidade civil de concessionária. Morte de passageiro, baleado durante assalto ocorrido no ônibus em que viajava. Fortuito externo à cláusula de incolumidade do contrato de transporte. Orientação jurisprudencial prevalecente. Ausência do dever de indenizar. Harmonização com o verbete 187, da Súmula do STF, que não se refere a fato de terceiro sem nexo com a atividade da transportadora. Irresponsabilidade também do Estado, à falta de relação de causalidade entre o dano e o atuar estatal, rompido que foi pelo fato exclusivo de terceiro, a afastar a responsabilidade objetiva. Recurso desprovido. Sentença de improcedência mantida (TJ-RJ, 18ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 2002.001.25277, Relator Desembargador Jesse Torres). Desprovimento do recurso. 2003.001.24631 - APELACAO CIVEL DES. NAGIB SLAIBI FILHO - Julgamento: 28/10/2003 - SEXTA CAMARA CIVEL

Assim, entendemos que o Código de Defesa e Proteção ao Consumidor, em seu art. 14, §3º, II, isenta o fornecedor de serviços no dever de reparabilidade, pela quebra do nexo de causalidade em casos ocorridos como o narrado, face a inequívoca ocorrência de Fato Exclusivo de Terceiro.

 

Como citar o texto:

VALIM, Morgana Paiva..O caso do ônibus 350 : a nefasta ocorrência do fato exclusivo de terceiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 155. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-consumidor/934/o-caso-onibus-350-nefasta-ocorrencia-fato-exclusivo-terceiro. Acesso em 5 dez. 2005.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.