Em janeiro de 2002 escrevi que "... a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º.591, ajuizada às 14h35 do dia 26/12/2001, em pleno recesso do Supremo Tribunal Federal, demonstra uma urgência que não existe e um ardil flagrante, ...", posto que se prestava a contornar a incidência do art. 6º do CDC, o qual deu forma legal à "Teoria do Rompimento da Base do Negócio", dispondo ter o consumidor direito a modificar seu contrato em algumas situações, o que realmente apavorava os bancos. Em especial pela legitimidade concorrente de associações e entidades para ações coletivas, conforme permitido pela mesma lei (CDC, art. 117).

Esta é a inegável verdade da ADI n.º.591. Não a possibilidade de consumidor, individualmente, buscar a revisão dos termos ajustados, onde os bancos podem jogar com a álea de algumas (ou muitas) destas ações serem derrotadas; mas, sim, o pavor de que consumidores, representados por associações e entidades, virem a buscar nova definição aos contratos em curso, decorrente de fatos que alterem, substancialmente, a base e a equação econômica em que foram celebrados.

Isso foi o que ocorreu, por exemplo, quando da crise cambial em janeiro de 1999, com Ações Coletivas ajuizadas (e ganhas) para transferir o risco do negócio apenas aos bancos. Como disse naquele mesmo artigo, em janeiro de 2002, o justo passava em admitir-se a repartição dos prejuízos entre as partes, o que veio a ser confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça, quando em agosto de 2003 entendeu: "Admissível, contudo, a incidência da Lei n. 8.078/90, nos termos do art. 6º, V, quando verificada, em razão de fato superveniente ao pacto celebrado, consubstanciado, no caso, por aumento repentino e substancialmente elevado do dólar, situação de onerosidade excessiva para o consumidor que tomou o financiamento.

Índice de reajuste repartido, a partir de 19.01.99 inclusive, eqüitativamente, pela metade, entre as partes contratantes mantidas a higidez legal da cláusula, decotado, tão somente, o excesso que tornava insuportável ao devedor o adimplemento da obrigação, evitando-se, de outro lado, a total transferência dos ônus ao credor, igualmente prejudicado pelo fato econômico ocorrido e também alheio à sua vontade." (STJ - 2ª Seção, respe. n.º 472.594/SP, rel. Min. Aldir Passarinho).

Pois bem, desde o ajuizamento da ADI, no final de 2001, foi se formando junto ao Supremo Tribunal Federal um consenso silencioso, o qual sinaliza a procedência parcial da ADI com a aplicação do CDC às operações bancárias, sem que implique incidência no "... custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, de modo a preservar a competência constitucional da lei complementar do Sistema Financeiro Nacional" (cfe. PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA). Ou seja, o CDC valeria para os serviços e formalização das operações, ativas e passivas, mas não poderia ter sua incidência de moldes a ditar taxas de juros, quer na captação, quer na aplicação.

Este, ao meu sentir, será o desate dado a ADI 2.591, o que não atenderá às "necessidades" dos bancos e instituições financeiras, realmente preocupadas com as Ações Coletivas e seus reflexos econômicos (em suas receitas), mas será tecnicamente correta, visto que a taxa de juros dos bancos e, consequentemente, a margem de lucro envolvida passa, necessariamente, em avaliar-se os custos de aplicação e captação, o que não diz respeito ao Código de Defesa do Consumidor.

Em conclusão, no Brasil, como em qualquer parte do mundo, os bancos terão, sim, de se submeter às regras básicas de atendimento e responsabilidade ao consumidor, ao meio ambiente e ao mercado concorrencial, sem que isso implique, como de fato não tem qualquer impactação, na fixação dos juros ou que, como se disse na referida ADI, que os bancos somente devem se submeter ao Banco Central para todas as demandas de seus relacionamentos, o que é disparate de proporções bíblicas.

 

Como citar o texto:

MOTTA, João Antônio César da..O Supremo, os Bancos e o Código de Defesa do Consumidor. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 157. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-consumidor/960/o-supremo-os-bancos-codigo-defesa-consumidor. Acesso em 20 dez. 2005.

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