SUMÁRIO: Introdução- 1.Orçamento Público- 2.Receita Pública- 3.Despesa Pública- 4.Atividade Financeira Estatal à luz dos Princípios Constitucionais da Administração Pública, da Democracia e do princípio da Dignidade da Pessoa Humana- 5.Considerações Finais- 6.Bibliografia.
RESUMO
Trata-se de um exame acerca das finanças públicas como mecanismo de concretização das decisões do Estado acerca das necessidades coletivas, a serem atendidas através do planejamento governamental. A pesquisa tem o objetivo de incentivar a reflexão sobre os conceitos e a prática estatal no desenvolver das suas atividades de programação, arrecadação e aplicação dos recursos públicos, pautando esta análise, precipuamente, nos valores democráticos, bem como nos critérios de contextualização do equilíbrio das contas públicas com a promoção da qualidade da gestão, a fim de que seja alcançado o bom convívio social onde sejam refletidos os valores de cidadania e de dignidade da pessoa humana.
Palavras-chave: Necessidades Coletivas. Planejamento Governamental. Recursos Públicos. Democracia. Dignidade da Pessoa Humana.
INTRODUÇÃO
Como é cediço, o Estado se apresenta ora em sua face de Governo, quando toma as principais decisões referentes ao encaminhamento da sua gestão, ora como a própria administração pública, quando executa ações no sentido de dar cumprimento às decisões tomadas, ou seja, exercitando a atividade administrativa estatal.
As finanças públicas surgem, então, como mecanismo ou instrumento de produção ou materialização das duas faces relatadas acima. Ela alberga a atividade fiscal, ou seja, aquela desempenhada pelos poderes públicos na obtenção e aplicação dos recursos necessários ao cumprimento de suas finalidades.
A existência de uma sociedade politicamente organizada pressupõe o cumprimento, ou, melhor dizendo, a satisfação das necessidades públicas, este o principal fim a nortear a boa administração.
Assim que, o estudo da atividade estatal que visa concretizar as necessidades coletivas deve ser feito à luz dos ensinamentos do Direito Financeiro, acerca das chamadas receitas públicas, despesas públicas, e, sobretudo, do orçamento.
Além disso, imperioso se faz realçar o papel dos princípios constitucionais norteadores da Administração Pública, insculpidos no art. 37, “caput” da Carta Magna de 1988. São eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, comungando-os com os valores da Democracia e do princípio da dignidade da pessoa humana.
1. ORÇAMENTO PÚBLICO
Inicialmente, é preciso deter-se na análise do orçamento público. A origem do orçamento se deu com o desenvolvimento da Democracia. É o que ensina Valdecir Pascoal [1], ao dispor que: A origem dos orçamentos públicos está relacionada ao desenvolvimento da democracia, opondo-se ao Estado antigo, em que o monarca considerava-se soberano e detentor do patrimônio originário da coletividade.
Por orçamento, numa concepção atual, deve-se entender e extrair a idéia de planejamento, de organização da arrecadação das receitas e aplicação das despesas, com vistas a viabilizar o programa de governo fixado para um determinado período.
Valdecir Pascoal[2], citando Régis Fernandes de Oliveira e Estevão Hovarth, conceitua o orçamento público, numa visão moderna, como sendo a:
Lei que contempla a previsão de receitas e despesas, programando a vida econômica e financeira do Estado, por um certo período, Ou: ato pelo qual o Poder Legislativo autoriza o Poder Executivo, por um certo período e, em por menor, às despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica do País, assim como a arrecadação das receitas criadas em lei.
O tema orçamento é palpitante, vez que intimamente relacionado a aspectos políticos, sociais e econômicos do Estado.
É no orçamento que se identificam os projetos, os planos e as ações que o Governo pretende produzir, bem como as metas, diretrizes e os custos a serem utilizados neste mister, para alcançar o resultado pretendido. É, sem dúvidas, um instrumento a conferir maior transparência aos gastos públicos, e, crucial para que a atividade estatal não seja realizada sem um direcionamento ou rumo certo, de modo a se tornar algo inócuo.
Por ele, evita-se que as ações estatais se dêem por simples impulso, sem reflexão ou ponderações. Em outras palavras, evita-se que tais ações sejam voltadas a um único fim em detrimento dos demais de igual relevância, privilegiando-se, por exemplo, atividades com enfoque na educação, em que haja o comprometimento de todos os recursos disponíveis, olvidando-se da saúde ou da segurança, igualmente essenciais.
Convém destacar, ainda, o caráter instrumental do orçamento, como bem ressaltou Rinaldo Segundo[3], citando Ricardo Lobo Torres, “in verbis”:
O caráter instrumental ou processual significa que o orçamento não é um fim em si mesmo, ou seja, os objetivos do orçamento se encontram fora de si, eis que visa a permitir a implementação de políticas públicas e a atualização dos programas e do planejamento governamental.
Dessa forma, a assertiva de que o orçamento tem caráter de instrumento significa dizer que ele não esgota em si a certeza de que tudo o que nele contém será plenamente realizado de modo concreto, visto que o alcance efetivo das ações sempre dependerá do desempenho econômico e das decisões políticas que venham ou não a viabilizá-lo.
Oportuno ainda, fazer referência ao chamado orçamento-participativo, que confere uma participação direta e efetiva das comunidades interessadas na construção da proposta orçamentária do Governo. Neste caso, é a própria sociedade civil, através de conselhos, associações, etc., que opina na feitura do orçamento.
O Chefe do Executivo, dessa forma, passa a ter maior contato com a realidade local, podendo atender efetivamente aos clamores da coletividade. Tal orçamento configura verdadeiro avanço na democratização da gestão pública, por possibilitar a elaboração de programas de governo que propiciam uma maior harmonização das necessidades públicas, as quais naturalmente sofrem diferenciações em cada uma das comunidades ouvidas.
A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu art. 165, três leis orçamentárias: o Plano Plurianual - PPA (instrumento de planejamento governamental de longo prazo), a Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO (instrumento de planejamento de curto-prazo) e a Lei Orçamentária Anual - LOA, esta, por sua vez, nos termos do art. 165, § 5º compreende: o orçamento fiscal, o orçamento de investimentos e o orçamento da seguridade social.
2. RECEITA PÚBLICA
Perpassado o exame do orçamento, impende discorrer sobre Receita Pública, visto que é por intermédio dela, isto é, da consecução de recursos públicos, que o Estado poderá atender às demandas da sociedade nas suas mais diversas ordens, tais como: saúde, educação, habitação, infra-estrutura e segurança.
Para Valdecir Pascoal[4], em sua obra Direito Financeiro e Controle Externo, ao conjunto de recursos que o Estado, para fazer face às suas obrigações, necessita e pode obter junto à coletividade ou através do endividamento público, dá-se o nome de receita pública.
Valioso destacar, que não se trata de qualquer entrada de dinheiro nos cofres públicos, sendo imprescindível que o ingresso seja definitivo, hábil e suficiente, para que o Estado cumpra suas funções típicas e possa gerir a economia em geral.
Assim, a entrada, sob uma ótica ampla, de dinheiro nos cofres públicos é denominada ingresso, enquanto que ao ingresso definitivo dá-se o nome de receita.
Na lição de Ricardo Cunha Chimenti[5]: Para se caracterizar como receita o ingresso deve gerar acréscimo permanente ao patrimônio público, não estando sujeito à devolução (a exemplo do empréstimo compulsório)
Além disso, na análise da receita, mister se faz declinar os seus estágios, que compreendem a previsão, o lançamento, a arrecadação e o recolhimento.
O primeiro estágio é a previsão, ou seja, a estimativa da receita a ser arrecadada pelo Estado. Tal estimativa tem o intuito de propiciar ao Governo um melhor planejamento dos gastos.
O segundo estágio é o lançamento, ato pelo qual se verifica a procedência do crédito fiscal para a pessoa devedora, inscrevendo o seu débito. O lançamento pode ocorrer sob três modalidades: de ofício, por declaração ou por homologação.
No primeiro caso não há intervenção do contribuinte, no segundo, a Administração efetua o lançamento, mas o faz com a colaboração do contribuinte ou de uma terceira pessoa, e, por fim, na homologação, o lançamento é feito pelo próprio contribuinte, sendo homologado posteriormente pela Administração.
O terceiro estágio da receita é a arrecadação, ocasião em que o Estado recebe os valores que lhe são devidos.
O último estágio é o recolhimento, ou seja, a entrega pelos agentes arrecadadores (repartições fiscais, agentes, rede bancária) dos recursos arrecadados à Conta Única do Tesouro.
Outro ponto interessante a registrar acerca das receitas públicas, diz respeito ao seu regime contábil. O ordenamento pátrio adotou o regime de Caixa para as receitas, e isto significa dizer, que pertencem ao exercício financeiro as receitas nele legalmente arrecadadas. Neste sentido, dispõe o art. 35, inc. I, da Lei nº 4320/64, “in verbis”: Art. 35. Pertencem ao exercício financeiro: I – as receitas nele arrecadadas;
O mesmo entendimento é ratificado por outro dispositivo da citada lei. É o art. 39, que reza: Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.
O objetivo desta regra consiste em reconhecer quais as receitas que foram auferidas, num determinado exercício, pondo-lhes uma delimitação.
3. DESPESA PÚBLICA
Após a análise sobre os meios de arrecadação dos recursos do Estado, passa-se agora a examinar a questão atinente ao gasto público, ou seja, o ponto referente ao emprego dos valores colhidos pelo Estado e os correspondentes desembolsos que objetivam o cumprimento das suas responsabilidades junto à sociedade de um modo geral.
Definindo Despesa Pública, Aliomar Baleeiro, apud Valdecir Pascoal[6], dispõe que: Despesa Pública é a aplicação de certa quantia em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente, dentro de uma autorização legislativa, para a execução de fim a cargo do governo.
Tal qual a receita pública, a despesa pública possui alguns estágios. São eles: o empenho, a liquidação e o pagamento.
O empenho é o ato pelo qual o Estado reserva uma parcela de determinada dotação orçamentária para fazer frente a uma despesa específica. Funciona como uma garantia de que se o credor cumprir com a obrigação pactuada com a Administração, terá direito ao pagamento da importância reservada pelo Estado para este fim. Como regra, a lei veda a existência de despesa sem que haja prévio empenho. Entretanto, há casos, previstos em lei, em que a nota de empenho (documento que concretiza o empenho) poderá ser dispensada, todavia o empenho (reserva da dotação) sempre haverá de ser feito.
O segundo estágio da despesa é a liquidação, que consiste na verificação, com conseqüente comprovação através de documentos, da realização fática do objeto contratado que dá ensejo à materialização do direito do credor.
Já o último estágio da despesa, corresponde ao pagamento, ocasião em que o Estado faz a entrega do numerário correspondente ao credor, recebendo a devida quitação.
O regime contábil da despesa é o regime de Competência. Por ele, a despesa empenhada em um dado exercício financeiro pertence a este exercício. É o que dispõe o artigo 35, da Lei nº 4320/64, “litteris”: Art. 35. Pertencem ao exercício financeiro: I – as despesas nele legalmente empenhadas;
A fixação desta regra visa à análise dos custos e despesas pelo exercício em que forem incorridos, tenham ou não sido pagos.
Por fim, em conclusão sobre a análise do regime contábil, e, somente para registro, convém dizer que o Brasil adota, como se viu, o regime misto, ou seja, Caixa, para a receita e Competência, para a despesa.
4. ATIVIDADE FINANCEIRA ESTATAL À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, DA DEMOCRACIA E DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
Como se vê, a atividade financeira do Estado não se desenvolve de maneira desordenada. É preciso perfilhar um caminho a ser seguido e tal caminho não pode se desvencilhar dos princípios da Administração Pública.
Ora, tais princípios, como é pacífico, são vetores do bem administrar. Quando a Constituição Federal de 1988 menciona legalidade, quer que as ações estatais estejam fundadas nas disposições legais, para que não se furte do interesse público que, segundo o sistema adotado em nosso país, é externado na feitura das leis pelos representantes do povo.
Do mesmo modo, quando se fala de impessoalidade deseja-se que na gestão dos governantes não existia a concessão de privilégios ou discriminações que atinjam pessoas de um modo particular. E, não há dúvidas, de que isto está inteiramente relacionado com o manuseio da máquina administrativa, ou seja, de que existe um entrelaçamento entre a gestão e o uso das finanças públicas, de modo a garantir o bem estar social e não somente uma momentânea satisfação individual.
No mesmo sentido, enveredou a vontade do legislador ao estatuir os princípios da moralidade, da publicidade e da eficiência também como princípios constitucionais garantidores da condução do ato de bem administrar. A moralidade requer o desempenho de uma gestão honesta em que seja evidente a persecução pela satisfação dos anseios da coletividade. Na publicidade, há uma preocupação inconteste de que os atos do Estado sejam executados às claras, para o povo, seu destinatário principal. E isto, sem dúvidas, resta indubitável nas Finanças Públicas, através da elaboração dos orçamentos, bem como da possibilidade de fiscalização da contas públicas, através de um órgão Colegiado como o Tribunal de Contas, mas também pelo próprio cidadão, por intermédio do ajuizamento da Ação Popular.
Não pode o gestor agir por simples intuição, deve investigar as necessidades mais urgentes e essenciais da população.
Quanto à eficiência, cumpre falar de sua igual relevância para a atividade financeira estatal. Ora, é preciso que o Estado conheça as deficiências dos seus serviços, elegendo prioridades e dando subsídios, para o aprimoramento da atividade estatal, que acaba sendo consumada no bem servir.
Por fim, cumpre falar dos valores democráticos que preconizam a construção de uma sociedade em que esteja presente a cidadania, a dignidade da pessoa humana, e, sobretudo, o respeito à vontade do povo, conforme resta consubstanciado no art. 1º, “caput” e parágrafo único, da Constituição Federal de 1988.
É na condução da atividade financeira do Estado que, sobremaneira, deve incidir uma reflexão sobre tais fatores, para que não se mude o foco, deixando prevalecer o caos social.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, traçado o panorama do desenvolvimento das finanças públicas, segundo os seus regramentos no ordenamento pátrio, percebe-se quão relevante é o seu papel para a concretização dos valores perseguidos no Estado Brasileiro.
Após o exame realizado no curso de toda explanação, é fácil compreender, que a existência de uma sociedade organizada requer verdadeira atenção aos meios de satisfação das necessidades coletivas, com o fim de estruturar o convívio harmônico entre os membros da sociedade, onde restem minimizados, sobretudo, os impactos das diferenças sociais.
Outrossim, requer-se a prevalência do respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, com garantia, ao menos, do chamado “Mínimo Existencial” que se constitui no conjunto de bens e utilidades indispensáveis para uma vida humana com dignidade.
Cabível, então, conhecer os mecanismos de concretização de tais fins, que imersos na seara dos recursos públicos, estruturam a sociedade do amanhã.
Isto porque, na titularidade de cidadãos, é conferido ao povo o efetivo poder de contribuir na elaboração dos propósitos e meios prévios, que fazem caminhar a atividade estatal em busca de um futuro melhor.
6. BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Editora Rideel, 2006.
________. Lei nº 4320/64. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Consultado em 25 de janeiro de 2007.
CHIMENTI, Ricardo Cunha. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2005.
PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito Financeiro e Controle Externo. Rio de Janeiro: Impetus, 2004.
SEGUNDO, Rinaldo. Breves Considerações sobre o Orçamento Público. Disponível em http://www.jus.com.br. Consultado em 25 de janeiro de 2007.
Notas:
[1]PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito Financeiro e Controle Externo. Rio de Janeiro: Impetus, 2004. p. 15.
[2]Idem, ibidem. p. 16.
[3]SEGUNDO, Rinaldo. Breves Considerações sobre o Orçamento Público. Disponível emhttp://www.jus.com.br. Consultado em 25 de janeiro de 2007.
[4]PASCOAL, Valdecir Fernandes. Op. Cit., p. 97.
[5]CHIMENTI, Ricardo Cunha. Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2005.p.1.
[6]PASCOAL, Valdecir Fernandes. Op. Cit., p.62.
(Texto elaborado em janeiro/2007)
Zilka Cristyne da Silva Nascimento
Advogada;Aluna do Curso de Especialização em Direito Administrativo e Gestão Pública pela UNP em Convênio com o Ministério da Defesa Nacional.
Código da publicação: 1741
Como citar o texto:
NASCIMENTO, Zilka Cristyne da Silva..Breves considerações acerca das finanças públicas. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 218. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-economico/1741/breves-consideracoes-acerca-financas-publicas. Acesso em 25 fev. 2007.
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