RESUMO: O mundo contemporâneo vem consagrando cada vez mais a importância acentuada do mercado econômico, pois é nele que se concretizam as decisões que acarretam mudanças em todos os setores da vida humana. É um fato que o mundo gira em torno das relações do mercado. O Direito, por sua vez, se contrapõe a essa força irresistível, não no intuito de destruí-la, mas sim de organizá-la e até mesmo humanizá-la. Nesse sentido, cabe ao Estado o papel de agente normativo e regulador da atividade econômica, papel esse, que se encontra estruturalmente relativizado ante as constantes transformações oriundas do processo de globalização econômica. Desse modo, a partir de um panorama geral destacando os principais aspectos da evolução do mercado econômico até os dias de hoje, o presente trabalho objetiva propiciar uma adequada compreensão dos problemas a serem enfrentados pelos Estados ao intervir sobre a atividade econômica na era da globalização.

 

PALAVRAS-CHAVE: mercado econômico, intervenção do Estado, globalização.

ABSTRACT: The contemporary world has been devoting more and more accentuated the importance of the market economy, for it is here that materialize the decisions that cause changes in all sectors of human life. It is a fact that the world revolves around the relationship of the market. The law, in turn, goes against this overwhelming force, in order not to destroy it, but to organize it and even humanize her. In this sense, the State has the role of normative and regulating agent of economic activity, a role that is structurally relativized against the constant changes resulting from economic globalization. Thus, from an overview highlighting the main developments of the market economy to this day, this paper aims to provide an adequate understanding of the problems to be faced by states to intervene in economic activity in the era of globalization.

KEYWORDS: market economy, state intervention, globalization.

INTRODUÇÃO

A dinâmica evolutiva do mercado econômico permitiu desde o seu surgimento, de forma múltipla e variada, a mudança de instrumentos aptos a alcançar os interesses do capital. Ironicamente, referida dinâmica jamais conseguiu viabilizar a própria autoregulação do mercado, o que conduziu à atribuição de importantes funções ao Estado ao longo dos tempos.

Tal fato decorre da incapacidade do mercado de se desenvolver de acordo com suas próprias leis. E caso assim não fosse, certamente ocorreriam grandes e permanentes males.

Aliás, por mais estranho que possa parecer, os seres humanos e os recursos naturais desde os primórdios do mercado econômico foram e continuam a ser protegidos dos efeitos devastadores do próprio mercado.

Entretanto, o processo de globalização econômica e seu modo de produção dominante vêm relativizando cada vez mais a soberania dos Estados e conduzindo-os a um desafio: como harmonizar a criação de riqueza com a coesão social e a liberdade política no mercado global?

A única certeza é que vivemos um momento marcado pela insegurança jurídica e pelo comprometimento da coesão social, realidade que só poderá ser superada a partir de um agir também global e que envolva normas de regulação harmônicas e aplicáveis no âmbito internacional, ou seja, que possuam como fim precípuo a concretização dos direitos humanos.

1 EVOLUÇÃO DO MERCADO ECONÔMICO

Inicialmente, cumpre dizer que o mercado pode ser definido de forma simplificada como uma convergência dos fatores oferta e demanda de bens e serviços, onde são fixadas as condições de liberdade concorrencial e preço dos produtos negociados (CAPUL, GARNIER, 2005, p. 261).

Segundo Eros Grau (2008), o mercado pode ser compreendido como uma instituição jurídica que expressa um projeto político.

Na maioria das vezes o mercado é confundido com o sistema capitalista, entretanto, o primeiro possui maior abrangência que o segundo. O cerne do mercado está nos preços enquanto o capitalismo tem como fundamento a propriedade privada dos meios de produção, o que não implica em pureza do sistema na medida em que o capitalismo não respeita radicalmente essas fundações (FABRI, 2010, p. 24).

Embora não se confundam, pode-se dizer que a busca pessoal do lucro decorrente do capitalismo indiretamente favorece a distribuição de riqueza mediante a criação do mercado de trabalho, bem como o acúmulo de renda para novos e futuros investimentos.

Feitas essas considerações, cabe destacar que o mercado se origina como um sistema de trocas, excluindo sua existência somente no passado do homem primitivo, que sem condições de se fixar em determinado local, sobrevivia da caça e a compartilhava com seus companheiros (FABRI, 2010, p. 24).

Tudo era comum até o momento em que o homem passa a ter a concepção de que aquilo que foi encontrado antes de outro, dada a utilidade ou escassez, não deve ser compartilhado. Daí a necessidade de instituição de um meio para solucionar os conflitos decorrentes dessas situações.

O sistema vem se aprimorando ao longo dos tempos e junto com o estabelecimento do sistema de trocas já é possível falar em mercado. Vê-se, pois, que o surgimento do mercado se deu ao longo dos altos e baixos da história. O incremento do comércio entre os feudos e burgos em conjunto com as invenções do renascimento permitiram às navegações, que embora financiadas pela burguesia, eram apoiadas por um Estado que se centraliza (FABRI, 2010, p. 25).

Essa viabilização do comércio internacional acaba gerando mais fortemente a acumulação de capital e, consequentemente, a chamada “revolução industrial”, que é caracterizada pela agilidade da produção e pelo preço do bem, ou seja, a competição entre produtores, ponto alto do capitalismo à época (FABRI, 2010, p. 26).

A partir da instituição do liberalismo no século XVIII se dá uma forma mais avançada de mercado. O crescimento do comércio pelo mercantilismo e o colonialismo haviam exigido um Estado forte e centralizado, responsável pelo absolutismo dos governantes e externalizado na figura do monarca (FABRI, 2010, p. 26). Nesse ponto, interessante evidenciar que foram as próprias liberdades atribuídas ao mercado que acarretaram a queda do sistema liberal, que perdurou entre o fim do século XVIII e o início do século XX.

Esse chamado Estado Liberal, que emergiu da Revolução Francesa e predominou durante o século XIX, operou uma dissociação bem nítida entre a atividade econômica e a atividade política. Embora seja passível de discussão se o Estado Liberal na forma pura existiu nos vários países europeus, o fato é que a posição que o Estado assumiu nesse período caracterizou-se de forma unívoca pela sua ausência do domínio econômico (VENÂNCIO FILHO, 1998, p. 04).

A partir de então, ocorreu à bipolarização do mundo, inicialmente, com capitalismo e socialismo dividindo a cena até os anos de 1990, quando o mundo socialista sucumbiu ao capital, caminhando para o que contemporaneamente se denominam “economias de mercado”, que defendem o mínimo possível de intervenção estatal nas questões econômicas (FABRI, 2010, p. 26).

Contudo, salienta Alberto Venâncio Filho (1998, p. 06) que o capitalismo é inconcebível sem um mínimo de intervenção. É necessário que o Estado abarque certas atribuições que lhe permitam intervir de forma assídua na vida econômica e social a fim de compor os conflitos de interesses de grupos e de indivíduos.

Nessa linha de intelecção, é prudente estabelecer a diferença entre atuação estatal e intervenção estatal. A primeira é mais ampla, caracterizada pela atuação do Estado em áreas que são inerentes ao seu poder-dever. A segunda, por sua vez, refere-se à atuação do Estado em áreas próprias do setor privado, na atividade econômica, típica da iniciativa privada (FABRI, 2010, p. 37).

Insisto, neste ponto, que a idéia de intervenção estatal tem como desígnio a existência de uma junção entre Estado e sociedade civil, visto que sociedade civil e Estado são manifestações de uma mesma realidade que não se anulam entre si (GRAU, 2008 p. 19).

Enfim, a intervenção estatal revela-se de extrema importância ao longo do processo de evolução do mercado econômico, principalmente a partir do século XX, quando o Estado Social ocupa papel de destaque, ou seja, o Estado perde a neutralidade axiológica e passa a atuar de modo a compor os conflitos de interesse dos grupos e indivíduos dada a complexidade atingida pelo mundo em constante progresso. Com o Estado Social nasce uma aspiração ética de igualdade não só perante a lei, mas também perante a vida e a cultura como um todo.

Como se vê, o progresso do mercado não pode se desvincular da evolução do Estado, que trouxe avanços e garantias irreversíveis no que se refere aos direitos humanos.

Entretanto, as operações em escala global vêm acarretando o esgotamento tanto da operacionalidade quanto da eficácia dos mecanismos jurídicos das nações. O mundo se globaliza e os instrumentos legais de controle financeiro, econômico, ambiental, social e cultural não acompanham a velocidade das mudanças. É a chamada crise do Estado social e de direito.

2 IMPLICAÇÕES DA GLOBALIZAÇÃO PARA A INTERVENÇÃO ESTATAL NA ATIVIDADE ECONÔMICA

Como é cediço, a busca incessante do progresso é inerente ao ser humano. E a esse fator podemos atribuir as conquistas alcançadas ao longo dos tempos, haja vista que o homem está sempre a procura de mais.

Deixando de lado as questões valorativas acerca do comportamento ganancioso e consumista do ser humano, pois a acumulação de bens é inerente à própria existência humana, o fato é que desde as trocas até a utilização da moeda, determinados bens são considerados mais valiosos ou úteis, o que gera o ganho de uns em detrimento de outros. Igualmente ocorre com a acumulação, que decorre do crescimento da produção, na medida em que é justamente o excedente que permite as trocas pelo mercado (FABRI, 2010, p. 27).

Sob esse aspecto, é importante salientar que a realização de todos os direitos humanos para todos os indivíduos é uma utopia. Contudo, verifica-se que milhões de pessoas não gozam sequer dos direitos mais elementares. Seja nas sociedades desenvolvidas e politicamente avançadas ou nas subdesenvolvidas, são incontáveis as negações e limitações a esses direitos. Quando se trata da perseguição do progresso, o que jamais se ausentou da história da humanidade, se encontram maneiras cada vez mais refinadas de acumulação com fins de riqueza.

Conforme Nicólas Calera (2000, p. 58-60), essa realidade demonstra uma problemática existencial e constitutiva dos direitos humanos. Entende-se por problemática existencial os impedimentos históricos e conjunturais, que em grande medida, são superáveis. De um lado, há sociedades de poderes absolutos que para se firmarem utilizam de meios opressores, marginalizando as maiorias e negando os direitos humanos. Por outro lado, há sociedades profundamente desiguais no contexto econômico-cultural, acarretando impotência a essas massas de indivíduos, impossibilitando-os de fazer valer seus direitos, e muitas vezes, até mesmo, de terem consciência de sua própria dignidade. No que tange a problemática constitutiva, é possível dizer que apesar dos notáveis níveis de democracia, igualdade econômica, cultural e avanço jurídico, continuam existindo importantes negações dos direitos humanos, as quais nunca se acabam de superar.

E essa problemática constitutiva inicia-se pela impossibilidade de superar os sistemas econômicos onde justamente se deveriam desenvolver os direitos humanos. Como se sabe, os sistemas de produção e distribuição de bens são dominados por altos níveis de desigualdade. Na verdade, os sistemas econômicos não disponibilizam na teoria nem na prática de meios que assegurem a igualdade econômica plena dos homens e, consequentemente, a efetividade dos direitos humanos.

Nesse viés, a globalização econômica é um termo que bem agasalha a questão em discussão, vez que é representada pela intensificação dos fluxos de produtos, serviços, divisas, conhecimentos aplicados à esfera produtiva e, principalmente, pela expansão da capacidade dos mercados na promoção de mudanças políticas e sociais (BARBIERI; CAJAZEIRA, 2009, p. 131).

Partindo dessa premissa, René Armand Dreifuss (2001, p. 156) esclarece os respectivos significados advindos do termo globalização:

Sob a denominação de “globalização” encontramos diversos fenômenos e variados conjuntos de processos pertencentes ao “âmbito” da economia (pesquisa, financiamento, produção, administração, comercialização) que se desdobram na sociedade, se expressam na cultura e marcam a política, condicionando gestão e governança nacional. São fenômenos do mundo da tecnologia, da produção, das finanças e do comércio que atingem de forma desigual e combinada todos os países da terra, e não somente aqueles que operam em escala mundial.

Conforme se depreende, de um lado estão os governos nacionais, com autonomia e capacidade de definir, formular e agir através de suas fronteiras e de seus espaços administrativo-políticos. E de outro, as redes de corporações de produção transnacional, movimentando de forma instantânea e planetária, altíssimos recursos de investimento.

Infere-se que a globalização traz consigo a concentração de capitais, reforçada por processos de associação e incorporação de diversos tipos (fusões de iguais, absorções de hostis) e outras variadas razões: redução de custos, ganho de escala, tomada de posição em novos mercados, penetração regional ou nacional, alcance multinacional, aumento de produtividade, ganhos operacionais, novos produtos e aumento de receita, o que escapa do controle dos Estados haja vista essa interligação do mercado mundial (DREIFUSS, 2001, p. 158).

A globalização econômica também está relacionada a uma multiplicidade de processos interativos (sinergias, coalizões, alianças, redes) indicados por produtores e gestores transnacionais, a partir da formulação de diretrizes que demonstram um universo de decisões pautadas em uma interação seletiva e excludente, ou seja, a globalização é marcada por uma crescente diferenciação entre produtos comerciáveis e facilidades intangíveis de produção que permitem a geração de riqueza material, viabilizando redes não-governamentais, intracorporativas e interempresariais (DREIFUSS, 2001, p. 161).

Depreende-se, pois, que a globalização se sustenta e se impulsiona em processos de concentração empresarial e econômica, desmantelando as regulamentações públicas e relativizando a soberania dos Estados.

Nessa linha de intelecção, é possível dizer que a globalização envolve a ampliação e o aprofundamento da multiplicidade de vínculos econômicos (desenvolvimento tecnológico, produção e finanças), vínculos esses que determinam novas relações entre os Estados e sociedades, pois embora assentados na promoção de um upgrading societário, são responsáveis pela diminuição dos postos de trabalho, decorrência da racionalização da produção em escala global e da introdução de novas tecnologias (DREIFUSS, 2001, p. 178).

Com isso, constata-se que a globalização econômica, sistematicamente ajusta-se na crescente “horizontalização” econômica dos espaços através das fronteiras nacionais, inclusive, integrando agentes e processos de pesquisa, desenvolvimento, produção e comercialização, em suas múltiplas e complexas dimensões, haja vista os meios e métodos de fazer circular de forma rápida, por grandes distâncias e sem restrições, idéias, pessoas e bens.

Nesse aspecto, salienta René Armand Dreifuss (2001, p. 181) que:

Inaugura-se a era dos “grandes espaços” (econômico-tecnológicos, cultural-produtivos e sociocomsumidores), concretizados por meio da criação de cadeias regionais de produção, de externalizações produtivas transnacionais, de mercados de consumo transfronteiras e de macromercados continentais e intercontinentais. Um conjunto de vinculações de toda índole que redesenha o mapa econômico global, onde os emergentes macromercados – diferentemente dos blocos do passado – carecem de uma dimensão marcadamente estratégica, política e ideológica.

 

Paralelamente a isso, o fenômeno da globalização econômica também é responsável pelo aprofundamento da desigualdade e da exclusão, uma vez que os marginalizados pelos mercados de trabalho e consumo perdem progressivamente as condições materiais para exercer os direitos humanos que lhe são inerentes, perdendo o status de sujeitos de direito público subjetivo.

Imperioso evidenciar de maneira sucinta e superficial, que de certo modo essa corrida incessante para acumulação com fins de riqueza permite certo grau de democratização, ao possibilitar o acesso a bens e serviços por classes economicamente menos providas e, inclusive, por países até pouco tempo excluídos do que o mercado e o capitalismo tem de melhor (FABRI, 2010, p. 27).

Tal acesso é oriundo da eficiência produtiva, o seja, produção em escala, pois quanto maior o número de itens idênticos produzidos, menores os custos de produção e o preço repassado para o consumidor.

Como se vê, a noção de progresso econômico na visão exclusivamente mercadológica se confunde, muitas vezes, com o recrudescimento da produção, envolvendo o aumento do consumo e dos lucros. Por outro lado, “a visão de progresso pelo desenvolvimento qualitativo em grande parte das vezes não está presente nas decisões dos agentes de mercado”, visto que envolve fatores distributivos, que ultrapassam o objetivo básico do capitalismo, qual seja, a busca da riqueza com o mínimo possível de risco (FABRI, 2010, p. 28).

Nesse contexto, verifica-se que há uma mudança no papel do Estado e seu sentido de ser. Como as finanças são transnacionais e as operações financeiras cada vez mais globais, os códigos e as leis, que representam a regulação nacional, perdem a eficácia frente aos agentes econômicos. Até mesmo os operadores do direito mostram-se incapazes de acompanhar o dinamismo e as inovações dos mercados financeiros. Desse modo, o ordenamento jurídico e o sistema judicial do Estado nacional são progressivamente consumidos pela pretensão de supremacia e universalidade dos sistemas econômico e financeiro (FARIA, 2011, p. 36-37).

Frente a essa diminuição da eficácia estatal, que se dá concomitantemente à afirmação empresarial, o senso de Estado se desloca para novas estruturas de poder, o que implica em demandas por mudanças substanciais na organização e na prática da governança, segurança nacional e internacional (DREIFUSS, 2001, p. 324-325).

Como se pode notar, o intuito, na verdade, não é discutir os motivos que tornam o mundo cada vez mais globalizado, e sim, chamar a atenção para a necessidade de mudança dos paradigmas da atuação estatal. Como exposto acima, o contexto contemporâneo abarca grandes perplexidades. Novas e complexas demandas sociais exigem a modificação nos padrões de regulação das operações globais.

Entretanto, como já dito alhures, a reflexão crítica sobre a globalização econômica e as novas formas de regulação estatal não pode jamais estar dissociada dos direitos humanos, visto que estes são a garantia de sua revisão, atualização e, sobretudo, de tutela do ser humano como um fim em si mesmo.

Corroborando esse entendimento, destaca Asbjorn Eide (1995), que caminhos podem e devem ser encontrados para que o Estado assegure o respeito e a proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais, com vistas a preservar condições para uma economia de mercado relativamente livre.

A regulação estatal e a ação governamental devem promover a igualdade social, enfrentar as desigualdades sociais e compensar os desequilíbrios criados pelos mercados, assegurando um desenvolvimento equitativo para todos os povos.

Dito de outra forma, quanto mais o Estado perde a capacidade de coordenação econômica e autonomia na formulação de novas estratégias de regulação, haja vista que elas passam a ser negociadas e definidas no âmbito de entidades internacionais e organismos multilaterais, maior a sua responsabilidade de enfrentar as consequências locais da crise.

Segundo José Eduardo Faria (2011, p. 39), quanto maior é a chamada “crise social”, menor é a capacidade do Estado de dispor de fontes de investimento para atender as questões sociais que envolvem os menos favorecidos. Na verdade, os governos nacionais não desconhecem as expectativas sociais, porém, estão desprovidos de meios políticos, ferramentas tributárias e recursos orçamentários suficientes para atender as demandas, multiplicando o número de excluídos.

Assinale-se aqui a importância de uma nova maneira de pensar e agir também pelas pessoas, organizações econômicas e grupos sociais frente a esse processo, pois para atuar em um mundo crescentemente globalizado é necessário o desenvolvimento de uma nova ética, universal e norteada pelos direitos humanos, pelo fortalecimento da democracia e dos componentes da sociedade civil, proteção das minorias, compromisso com a solução pacífica das controvérsias, negociações equitativas e equidade em cada geração e entre gerações (BARBIERI; CAJAZEIRA, 2009, p. 133).

Constata-se, então, que a idéia de um mundo melhor para todos e, inclusive, para as gerações futuras configura o objetivo social mais desejado na atualidade. Contudo, essa idéia só faz sentido se for global, tal como as questões que ensejam o desejo da sua realização.

E é justamente nesse ponto que surgem os obstáculos no caminho, pois diante da dificuldade do direito positivo de prover solução para todas as demandas, absorver e regular as novas modalidades de conflito, suprir a exigência de novas categorias de atores econômicos, sociais e políticos, neutralizar expectativas adversas e conter riscos sistêmicos, é praticamente impossível mudar o arcabouço jurídico atual, por maior que seja a desordem dos mercados financeiros e suas conseqüências nefastas sobre a economia real e a sociedade (FARIA, 2011, p. 68).

Se bem compreendida essa problemática entre democracia e capitalismo e essa perda de centralidade do Estado-nação como unidade privilegiada e exclusiva de gestão econômica, direção política, controle social e iniciativa legislativa, é possível então afirmar que o direito e o pensamento jurídico caminham para um colapso em razão da dinâmica com que muitos dos conceitos e categorias fundamentais vão sendo esfacelados pela globalização (FARIA, 2004, p. 39).

A globalização ameaça a sociedade civil na medida em que está intimamente ligada a novas formas de exclusão social, dando origem a um subproletariado, instalando uma contínua e crescente competição entre indivíduos, e, inclusive, conduzindo a destruição do espaço público e o declínio dos valores dos serviços por ele prestados. Pode-se dizer, inclusive, que a globalização, nesse processo de fusão de competição global e desintegração social, compromete a liberdade (GRAU, 2008, p. 49).

Para Eros Grau (208, p. 56), “urge reconstruirmos o Estado social, projeto que não pode ser recusado mesmo pelos adeptos bem-intencionados do capitalismo.

As questões globais só podem ser enfrentadas “por meio de regulações coordenadas, decisões sincronizadas e capacidades compartilhadas para lidar com uma ampla gama de contingências” (FARIA, 2011, p. 68-69).

Desta feita, cumpre dizer que a relação entre governos e mercados deve se dar de forma complementar. A globalização econômica deve ser irremediavelmente pautada pelos princípios humanistas. Pretende-se um pacto econômico e social que se realize a partir de um Direito internacional harmônico e capaz de instrumentalizar a proteção dos direitos humanos face a essas novíssimas questões.

CONCLUSÃO

Essa análise superficial do processo de evolução do mercado econômico evidencia que ao longo da história a busca incessante pelo capital vem privilegiando os interesses de uma minoria em detrimento da maior parte da população mundial.

A globalização econômica, ao relativizar a soberania dos Estados, impõe a estes o dever de se empenharem na defesa do capitalismo contra os próprios capitalistas, pois em um mundo no qual as forças do mercado não estejam sujeitas a um controle ou regulamentação a paz estará permanentemente em risco.

Ora, as forças econômicas que se manifestam na economia globalizada devem ser orientadas igualmente de forma global, exigindo, portanto, governos responsáveis, no sentido de levarem sempre em conta os direitos de todos os Estados, visto que somente assim a comunidade internacional poderá se organizar e coordenar as questões econômicas no todo, conforme os ditames não só do Direito, mas também da Justiça.

Para tanto, é indispensável à adoção de um instrumento de regulação internacional, adequado para controlar o processo de desenvolvimento econômico e garantir a efetividade dos direitos humanos na seara global.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBIERI, José Carlos; CAJAZEIRA, Jorge Emanuel Reis. Responsabilidade Social Empresarial e Empresa Sustentável. São Paulo: Saraiva, 2009.

CALERA, Nicolás María López. Introducción a Los Derechos Humanos. Granada: Comares, 2000.

CAPUL, Jean-Yves; GARNIER, Oliver. Dictionaire d’économie et de sciences sociales. Nouvelle Edition. Paris: Hatier, 2005.

DREIFUSS, René Armand. A época das perplexidades: mundialização, globalização e planetarização: novos desafios. 4. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

 

EIDE, Asbjorn. Obstacles and goals to be pursued. In: ______; KRAUSE, C.; ROSAS, A. Economic, social and cultural rights. Boston/Londres: Martinus Nijhoff Plubishers, 1995.

FABRI, Andréa Queiroz. Planejamento Econômico e Mercado: Aproximação Possível. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

FARIA, José Eduardo. O Estado e o direito depois da crise. São Paulo: Saraiva, 2011.

FARIA, José Eduardo. O Direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004.

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2008.

VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico: o direito público econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

 

Data de elaboração: março/2012

 

Como citar o texto:

GODOY, Edvania Fátima Fontes..A evolução do mercado econômico: aspectos da intervenção estatal sobre a atividade econômica no mundo globalizado. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1027. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-economico/2648/a-evolucao-mercado-economico-aspectos-intervencao-estatal-atividade-economica-mundo-globalizado. Acesso em 12 nov. 2012.

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